A qualidade de vida relacionada com a saúde de doentes com doença pulmonar
obstrutiva crónica e asma avaliada pelo SGRQ
Introdução
A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) e a asma são doenças que geram
“carga”
1
ao doente – tema discutido na conferência internacional Ethical Issues in the
Measurement of Health & the Global Burden of Diseaseem 2008
2
. São consideradas causas destacadas de mortalidade no mundo e estão a
representar 60% das mortes3. Deste modo, é importante medir a qualidade de vida
destes doentes.
A prevalência, a morbidade e a mortalidade da DPOC variam entre os países e
geralmente estão relacionados com o uso do cigarro. A sua prevalência aumentará
nas próximas décadas devido à exposição dos indivíduos aos factores de risco
4
,5. Da mesma forma, a asma é um problema mundial, com um cálculo aproximado de
300 milhões de indivíduos afectados. A Organização Mundial de Saúde (OMS)
estima que o total de anos perdidos por asma (DALY – disability -adjusted life
years) somam um total de 15 milhões por ano e representam 1% do total da carga
da enfermidade. As mortes anuais em todo o mundo são estimadas em 250 000 casos
6
.
Portanto, é importante que os profissionais de saúde avaliem o estado de saúde
e a qualidade de vida desses doentes, uma vez que é um bom indicador da
gravidade da enfermidade
7
. Assim, o conceito de qualidade de vida relacionada com a saúde (QVRS) é
frequentemente utilizado para avaliar o impacto de uma enfermidade na qualidade
de vida em geral
8
. Um objectivo da medida da QVRS em doentes com enfermidades respiratórias
crónicas é diferenciar aqueles que têm melhor estado de saúde daqueles que não
se encontram em boa condição. Este conceito funciona, assim, como um
instrumento discriminativo. Por outro lado, a sua utilização para finalidades
clínicas e de pesquisa é detectar as variações na QVRS em resposta a uma
terapia. Aqui, por sua vez, actua como um instrumento avaliador
9
.
Para isso, existem vários instrumentos genéricos que medem a QVRS. No entanto,
os específicos – como o Saint George Respiratory Questionnaire (SGRQ) –
permitem aceder a mais informações
10
. O SGRQ é um questionário padronizado elaborado para medir a QVRS em doentes
com limitação crónica do fluxo aéreo e para quantificar o impacto da obstrução
crónica das vias aéreas e medir o bem-estar11. Diferentemente dos questionários
genéricos aplicáveis a todos os tipos de doentes e grupos, os questionários
específicos para enfermidades respiratórias foram baseados nos sintomas e nas
limitações nas actividades da vida diária causadas pela asma e a DPOC, a fim de
produzir um óptimo resultado7.
Por tudo isto, o objectivo do estudo foi comparar os efeitos da asma e da DPOC
na QVRS dos doentes avaliados com o SGRQ por intermédio das correlações entre
as variáveis, os domínios e a pontuação total do instrumento.
Material e métodos
Estudo transversal realizado entre Outubro de 2008 e Março de 2009 com doentes
com DPOC e asma que pertenciam ao ambulatório do Hospital Universitário de
Salamanca, Espanha. Foram incluídos doentes adultos de ambos os sexos e
excluídos aqueles que apresentaram problemas cognitivos que impossibilitaram a
compreensão das perguntas e suas respostas. Inicialmente foi aplicado um
formulário clínico e sociodemográfico sobre a idade, sexo, escolaridade,
profissão, nível socioeconómico, hábitos tabágicos, diagnóstico e volume
expiratório forçado no primeiro minuto (VEF1VEMS).
A classificação da gravidade dos doentes com DPOC seguiu os critérios
estabelecidos na Estratégia Global para o Diagnóstico, Controlo e Prevenção da
DPOC4 e para os doentes com asma, segundo as normas da Estratégia Global para o
Controlo e a Prevenção da Asma5. Todos foram avaliados clinicamente, realizaram
espirometria com técnicas baseadas nos padrões da Sociedade Torácica Americana
(ATS)12 e foram entre vistados sobre o uso de medicamentos e presença de
comorbilidades.
Inicialmente, os participantes foram informados sobre os objectivos da
pesquisa, os aspectos éticos e sobre qual seria a sua colaboração. Aqueles que
estavam de acordo assinaram a declaração de consentimento informado e
garantiram a sua participação. A pesquisa foi iniciada depois da aprovação do
Comité de Ética da Universidade de Salamanca.
Para a avaliação da QVRS foi utilizada a versão espanhola do SGRQ
13
, preferencialmente de forma autoadministrada. Na presença de dificuldades para
a leitura ou a escrita, o instrumento foi aplicado através de uma entrevista. O
SGRQ – utilizado principalmente em doentes com DPOC e asma – mede as limitações
de saúde e bem-estar, permite medidas comparativas de saúde entre doentes e
quantifica mudanças na saúde devidas ao tratamento. Possui 50 itens divididos
nos domínios “sintomas” (sobre os sintomas respiratórios, sua frequência e
gravidade); “actividade” (sobre a actividade que causa ou é limitada pela falta
de respiração); e “impacto” (sobre o funcionamento social e os distúrbios
psicológicos resultantes da doença respiratória). A sua análise permite uma
pontuação para cada domínio junto a uma pontuação total, de modo que, a maiores
pontuações, corresponde uma pior QVRS11,
14
.
Para realizar a análise estatística foi utilizado o pacote estatístico
Stadistics SPSS versão 17.0. Foram realizadas provas t-studentpara amostras
independentes entre o diagnóstico e as variáveis nominais do formulário
sociodemográfico com os domínios de ambos os questionários. Foram estabelecidas
correlações de Pearson para determinar a relação entre o nível socioeconómico,
a idade e a função pulmonar com os domínios e a pontuação total do SGRQ. Foi
utilizada a prova ANOVA de um factor com o objectivo de determinar a relação
entre a classificação da gravidade das enfermidades com os domínios e a
pontuação total do instrumento.
Resultados
A amostra inclui 75 doentes, 65,3% homens e 34,7% mulheres com idade entre 17 e
87 anos (X60,4 anos; SD 18,75 anos). Uns 56% tinham estudos primários e 21,3%
bacharelato, 46,7% do total eram aposentados e 37,3% mantinham trabalho activo.
Pouco menos da metade ganhava menos de 1000 euros mensais; 14,7% dos doentes
eram fumadores, 40% ex-fumadores e o resto (45,3%) nunca tinha fumado. Uma alta
percentagem de sujeitos (88%) tomava medicamentos e a doença associada mais
comum foi a hipertensão arterial (33,3%) (Quadro I).
Quadro I – Características clínicas e sociodemográficas dos doentes do estudo
(n=75)
A maior percentagem correspondeu aos doentes com diagnóstico de asma (68%), os
quais foram classificados segundo a GINA (Global Initiative for Asthma)6, da
seguinte forma: 18 (40%) apresentaram asma intermitente; 16 (35,6%) asma
persistente moderada; 8 (17,8%) asma persistente ligeira; e 3 (6,7%) asma
persistente severa. Seis dos doentes não foram incluídos na análise da
classificação da asma, já que não puderam realizar a espirometria ou não tinham
a classificação na história clínica. Os restantes (30,7%), excepto um, que
tinha duplo diagnóstico e que não foi considerado em algumas análises,
apresentou o diagnóstico de DPOC, sendo a maioria deles (16,2%) de grau
moderado, segundo a classificação da GOLD (Global Initiative for Chronic
Obstructive Lung Disease)4. Quatro doentes não foram incluídos nas análises da
classificação pelos mesmos motivos dos asmáticos. A média do VEMS% de todos os
doentes foi de 77,49 litros (mínimo 26,2-13,2 litros e máximo 132,2 litros)
(Quadro I).
A média do domínio “sintomas” para os asmáticos (n=51) foi de 41,95 pontos (SD
21,90), 38,32 pontos (SD 28,85) para o domínio “actividade”, 25,28 pontos (SD
17,92) para o domínio “impacto”, e 32,02 (20,35) para o total. A média segundo
a classificação da asma encontra-se no Quadro II. A média do domínio “sintomas”
para os doentes com DPOC (n=23) foi de 45,05 pontos (SD 20,17), 57,33 pontos
(SD 23,06) para o domínio “actividade”, 31,43 pontos (SD 16,75) para o domínio
“impacto”, e 41,59 (SD 16,88) para o total. A média segundo a classificação da
DPOC está situada no Quadro III. A análise mediante a prova T mostrou
diferenças estatisticamente significativas entre o diagnóstico (asma ou DPOC) e
o sexo para p<0,01 (p=0,000), ao passo que o facto de ser fumador não
apresentou relação estatisticamente significativa com o diagnóstico. Com as
análises mediante provas T-studentforam encontradas diferenças estatisticamente
significativas (p<0,05) entre o diagnóstico e o domínio actividade do
instrumento. Ou, dito de outra maneira, os doentes com DPOC desenvolvem pior as
suas actividades da vida diária do que os asmáticos. A mesma prova não
demonstrou diferença alguma estatisticamente significativa entre sexo, hábitos
tabágicos ou hipertensão arterial com os domínios. Mesmo assim, e sem assumir
igualdade de variâncias, encontrou-se diferença estatisticamente significativa
(p<0,05) entre o facto de tomar medicação e todos os domínios do SGRQ; ou seja,
a medicação altera os sintomas e as actividades dos doentes, além de causar
impacto nas suas vidas.
Quadro II – Média dos domínios do SGRQ segundo a classifi cação da asma e o
número total de doentes asmáticos do estudo (n=51)
Quadro III – Média dos domínios do SGRQ segundo a classifi cação da DPOC e o
número total de doentes com DPOC do estudo (n=23)
Os níveis socioeconómicos da amostra relacionam-se de forma inversa e
estatisticamente significativa (p=0,038) com a pontuação total; quer dizer,
maiores níveis socioeconómicos correspondem a uma melhor QVRS.
Nas relações estabelecidas entre a idade e os domínios actividade (p<0,01) e
impacto (p<0,05), bem como com a pontuação total do SGRQ (p<0,01), foram
obtidas diferenças estatisticamente significativas; ou seja, maior idade, maior
pontuação e, consequentemente, pior QVRS. Foram realizadas também correlações
entre o VEMS% e os diferentes domínios, e encontrou-se apenas correlação
estatisticamente significativa com o domínio actividade (p<0,01) e com a
pontuação total do questionário (p < 0,01); dito de outro modo, um menor VEMS%,
corresponde a pior actividade (Quadro IV).
Quadro IV – Correlação entre a idade e o FEV1%pred dos doen tes do estudo e os
domínios e a pontuação total do SGRQ
Foi realizada uma análise de variância ANOVA de um factor para conhecer a
relação entre a classificação da DPOC e a pontuação total do SGRQ. Aqui foi
encontrada diferença estatisticamente significativa (p=0,006). Na análise de
contrastes e com o objectivo de formar grupos mais homogéneos com respeito ao
número de sujeitos, o grupo formado por doentes com DPOC leve e moderada
apresentou diferenças estatisticamente significativas (p=0,005) com o grupo de
doentes com DPOC grave e muito grave; quer dizer, a QVRS dos sujeitos com DPOC
leve e moderada difere da dos doentes com DPOC grave e muito grave. A mesma
análise não mostrou relação estatisticamente significativa entre os grupos da
classificação de asmáticos e nem na análise de contrastes.
Discussão
Mesmo que a definição de DPOC esteja baseada na limitação ao fluxo aéreo, na
prática, a decisão de solicitar ajuda médica (o que permite o diagnóstico) está
normalmente determinada pelo impacto de um sintoma particular no estilo de vida
do doente. Assim, a DPOC pode ser diagnosticada em qualquer das suas fases
(leve, moderada, grave ou muito grave) determinada pela GOLD4. Seguindo a
classificação da GOLD, o que corrobora o presente estudo, o grau moderado foi o
mais encontrado, como informado em uma pesquisa previa com 64 doentes na
Holanda
15
. Ao contrário, um estudo sobre a análise das propriedades psicométricas do
WHOQOL-BREF e do SGRQ aplicados a 211 doentes com DPOC16 encontrou a
classificação grave como a mais presente. Por outro lado, um estudo em Espanha
sobre a QV e as características económicas de 333 asmáticos encontrou também
uma maior proporção de doentes asmáticos de grau leve, mesmo que nesse caso a
classificação fosse baseada no Consenso Internacional em Diagnóstico e
Tratamento da Asma
17
.
É evidente que o consumo de cigarro continua a ser a maior causa da DPOC4 e é
um dos factores ambientais para o agravamento da asma6. A Organização Mundial
de Saúde (OMS) prevê que o número de fumadores aumentará mundialmente até 1600
milhões no ano 2025
18
. Neste estudo foi encontrado um total de 11 fumadores, sendo um número
reduzido quando se compara com uma pesquisa na Holanda com 101 asmáticos e 64
doentes com DPOC, na qual encontraram um total de 104 fumadores15.
Numa pesquisa sobre a interpretação da pontuação da QV pelo SGRQ com uma
amostra de 862 doentes com DPOC, asma e pessoas saudáveis, Ferrer M et al
19
mostraram baixas médias em todos os domínios do instrumento; quer dizer, pouca
implicação sobre a QV dos participantes. Com uma amostra de 396 asmáticos de
grau leve, um estudo na Escócia
20
apresentou as médias dos domínios do SGRQ similares a este estudo, excepto no
domínio sintomas, onde a diferença foi de mais de dez pontos.
Ao estudar se a gravidade da DPOC realmente leva a diferenças no estado de
saúde de 381 doentes com DPOC ou bronquite não obstrutiva, de acordo com a
classificação de gravidade segundo a GOLD, AntonelliIncalzi et al
21
encontraram médias mais baixas para o domínio sintomas em relação àquelas que
o nosso estudo percebeu. Porém, este autores econtraram médias mais altas para
o total do instrumento nos doentes que padeciam de DPOC grave e muito grave.
Isto quer dizer que estes tinham pior QV do que os deste estudo.
Outro estudo sobre o estado de saúde de doentes asmáticos e com DPOC, através
do SGRQ e com um total de 428 sujeitos22, revelou num grupo de asmáticos
maiores médias no domínio actividade, no que se diferencia deste estudo, em que
as maiores médias foram no domínio sintomas. No grupo de doentes com DPOC, as
maiores médias também foram no domínio actividade, no que coincide com o
presente estudo. A mesma investigação demonstrou que as pontuações do domínio
sintomas relacionam-se de forma importante com o diagnóstico de DPOC.
Ao contrário, o presente estudo mostra diferenças estatisticamente
significativas apenas no domínio actividade do questionário e doentes com DPOC.
Jones
23
complementa que as análises dos itens do SGRQ relativo ao domínio actividade
indicam que este contribui para um modelo unidimensional de limitação da
atividade da vida diária e também um modelo unidimensional do estado global de
saúde relacionado com a DPOC.
Após uma intervenção educativa na Noruega com 140 doentes com asma e DPOC,
depois de ajustar o sexo, a idade, o uso de cigarros e o VEMS no primeiro ano
de acompanhamento24, observou -se maior redução das pontuações do SGRQ no grupo
de intervenção do que no grupo-controlo. Além disso, o uso do cigarro associou
-se de forma estatisticamente significativa com maiores pontuações, isto é, com
pior QVRS. Contrariamente a estes achados, o sexo e a qualidade de ser fumador
ou ex-fumador não apresentaram nenhuma diferença estatisticamente significativa
com os domínios do SGRQ neste estudo, o que pode ser explicado pela diferença
no tamanho das amostras.
A presente investigação revelou correlação estatisticamente significativa entre
a idade e os domínios impacto, actividade e a pontuação total do instrumento.
Por outro lado, ao avaliar 198 doentes asmáticos e 230 com DPOC com o SGRQ e
cinco medidas genéricas de saúde22, foi encontrado que a idade influi apenas no
impacto da enfermidade respiratória nas atividades da vida diária. Apoiando em
parte os nossos achados, um estudo na Suécia com 168 doentes com DPOC mostrou
relação estatisticamente significativa entre a idade e a pontuação total do
SGRQ25.
Um estudo com 1135 doentes com DPOC e asma realizado na Holanda, utilizando o
instrumento específico para doenças respiratórias Quality of Life in
Respiratory Illness Questionnaire of Maille (QOL-RIQ)26, identificou uma baixa,
porém significativa na associação entre o total da QVRS e o VEMS para ambas as
doenças27. Contrastando com esses resultados, além do total da QVRS, a presente
pesquisa encontrou correlação estatisticamente significativa entre o VEMS e o
domínio actividade do SGRQ em ambas as doenças.
Elisabeth e cols25 identificaram que os graus de gravidade de 168 sujeitos com
DPOC, classificados segundo a GOLD, afectaram o nível total da pontuação do
SGRQ (leve=25 pontos; moderado=32 pontos; grave=34 pontos; muito grave=45
pontos). Além disso, encontraram uma diferença estatisticamente significativa
na pontuação total do SGRQ entre os grupos definidos pela gravidade (p=0,0023).
Do mesmo modo, uma pesquisa com 218 homens com DPOC – que, porém, seguia a
classificação da British Thoracic Society(BTS) – destacou diferenças
significativas entre a pontuação total e os domínios do SGRQ(28). Os resultados
de ambos os estudos foram semelhantes ao do presente, apesar de que este também
apresentou diferenças estatisticamente significativas depois da prova de
contraste entre o grupo de doentes com DPOC leve e moderada e o grupo de DPOC
grave e muito grave.
Não obstante as nossas análises terem revelado alguns resultados
significativos, a amostra relativamente pequena, a diferença entre o número de
sujeitos asmáticos e com DPOC, a recusa de alguns doentes em responder aos
questionários e a dificuldade de outros em realizar a espirometria podem ser
consideradas limitações do estudo e, inclusive, das análises específicas para
cada enfermidade.
Conclusões
Em conclusão, o estudo revelou o comprometimento de alguns aspectos da QVRS
nesta população. Nenhuma variável se correlacionou com todos os domínios e a
pontuação total do instrumento (e algumas) não apresentaram nenhuma diferença
significativa. Assim, sugere-se a continuação da pesquisa, no sentido de
aumentar o número de sujeitos, principalmente nos doentes com DPOC, com o
objetivo de encontrar resultados mais significativos.