Cultura de Segurança do Doente percecionada por enfermeiros em hospitais
distritais portugueses
Introdução
A Segurança do Doente (SD) apresenta-se como uma componente estruturante e uma
variável incontornável da Qualidade em Saúde (Needleman et al., 2002; Sousa,
2006; Villarreal Cantilho, 2007; Muiño Míguez et al., 2007; Portugal,
Ministério da Saúde, 2009). Segundo Vargas e Recio (2008), ter a segurança como
principal aspecto da qualidade, combinando técnicas de qualidade e de
segurança, integrando-as numa só cultura, deve ser uma estratégia global das
organizações de saúde (), tanto mais que os resultados obtidos, na última
década, em vários estudos internacionais (Estados Unidos da América, Canadá,
Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, Dinamarca, Espanha, França), permitemnos
afirmar que em cada cem doentes internados, 10 são vítimas de um Evento Adverso
(EA), das quais 45% são classificados como evitáveis.
Sem estudos concluídos neste domínio, em Portugal os números são presumidos a
partir da observância internacional. A este propósito é possível ler no
relatório Governação dos Hospitais: nos 30 anos do SNS que "a prestação
de cuidados de saúde é uma actividade complexa, incerta no resultado e com
potencial de causar danos colaterais nos doentes. É assim uma actividade de
risco, estimando-se que em cada 100 internamentos hospitalares 10 se compliquem
por um qualquer erro, com dano para os doentes" (Portugal, Ministério da
Saúde, 2009, p. 16). Esta crescente complexidade dos sistemas de saúde, onde
interatuam fatores pessoais, profissionais, organizativos, clínicos e
tecnológicos potencialmente perigosos, ainda que eficazes, fazem da segurança
do doente um imperativo global (Donaldson e Philip, 2004). A National Patient
Safety Agency (UK) ao estabelecer sete passos essenciais para melhorar a
segurança dos doentes, define-o primeiro como: Estabelecer um ambiente de
segurança através da criação de uma cultura aberta e justa (Sousa, 2006).
Também a Organização Mundial de Saúde, ao equacionar áreas de investigação,
aponta a comunicação, coordenação e cultura de segurança do doente como focos
prioritários, definindo-a como um modelo integrado de comportamentos
individuais e organizacionais, baseado em crenças e valores partilhados,
continuamente perseguido para minimizar os danos nos doentes que podem resultar
da prestação de cuidados (World Health Organization, 2007).
Neste comportamento organizacional os enfermeiros têm uma enorme influência.
Eles são o grupo profissional mais numeroso nos hospitais portugueses e, por
força das características do seu papel, os únicos profissionais clínicos que
permanecem 24 sobre 24 horas junto dos doentes. Devido às competências e
características do seu desempenho profissional, com uma intervenção clínica
determinante, encontram-se muitas vezes entre a tomada de decisão e a execução.
Aquilo que eles pensam, dizem e fazem influencia em definitivo a Cultura de
Segurança do Doente (CSD). Daí que, avaliar cultura de segurança do doente, na
perspetiva dos enfermeiros, é um primeiro passo que nos pode ajudar a
identificar áreas problemáticas ou fatores que se apresentem críticos.
Acresce ao exposto o facto de a experiência profissional ser encarada como um
vetor essencial para a observância da segurança do doente e a idade, por sua
vez, um indicador desta mesma experiência. Mais, como refere Hemman (2002) a
CSD trata-se da filosofia que os líderes e profissionais seniores transmitem,
influenciando o comportamento de todas as pessoas que trabalham na organização.
Perceber se a CSD varia em função da idade profissional, poderá ajudar a
esclarecer se estamos, ou não, perante um indicador útil para a definição de
estratégias de gestão do risco clínico.
Partindo destas premissas, e atendendo à escassez de estudos portugueses neste
domínio, surgiram nos as seguintes questões de investigação: como se
caracteriza a Cultura de Segurança do Doente percecionada pelos enfermeiros em
hospitais distritais da Região Centro de Portugal? Que factores e indicadores
da CSD se revelam fortes ou problemáticos? Como classificam estes enfermeiros a
Segurança do Doente no seu serviço/unidade? A perceção da CSD difere entre os
enfermeiros mais novos e os mais velhos?
Para dar resposta a estas interrogações propomo-nos a: identificar os aspetos
fortes e os problemáticos da Cultura de Segurança do Doente percecionada por
enfermeiros em hospitais distritais da Região Centro de Portugal; caracterizar
a CSD percecionada pelos mesmos; perceber como classificam os enfermeiros,
destes hospitais, a Segurança do Doente nos seus Serviços/Unidades; perceber se
a Cultura de Segurança do Doente percecionada difere entre os enfermeiros mais
novos e os mais velhos.
Enquadramento teórico
Nas organizações de saúde, devido à complexidade organizacional e ao caráter
multifatorial das situações que estão na base das falhas de segurança, em
particular do doente (Sousa, 2006; Almeida, Abreu e Mendes, 2010), fatores
relacionados com as prioridades da gestão e supervisão, a comunicação e
aprendizagem, a cooperação e trabalho de equipa, os recursos humanos, o relato
e notificação dos Eventos Adversos (EA´s), a satisfação profissional ou a
percepção do risco, são dimensões recorrentes nos diferentes conceitos de
Cultura de Segurança do Doente (Reason, 2000; Sorra e Nieva, 2004; Muiño Míguez
et al., 2007). A investigação no domínio da CSD, em todas estas dimensões ou
ocasionalmente circunscrita às mais problemáticas, tem permitido obter dados
relevantes, não apenas para as organizações, mas também para as diferentes
classes profissionais, em particular para os enfermeiros.
Por exemplo, em matéria de recursos humanos, num estudo de grande dimensão,
citado pelo International Council of Nurses (ICN) (Ordem dos Enfermeiros, 2006,
p.10), "os autores verificaram que cada doente adicional por enfermeiro
com uma carga de quatro doentes estava associado a um aumento de 7% na
probabilidade de morte no intervalo de 30 dias após a admissão e um aumento de
7% na probabilidade de insucesso no salvamento". Também Needleman et al.
(2002), ao analisarem dados de 799 hospitais norte americanos, concluíram que
um melhor atendimento e resultados obtidos estavam associados ao maior número
de horas de cuidados de enfermagem prestados.
Outro fator paradigmático da CSD que importa salientar é o relato e notificação
dos EA´s e as estratégias apresentadas para lidar com eles. Com efeito, o
paradigma ou traço dominante da cultura de segurança do doente, ao longo dos
tempos, tem sido a abordagem ao problema centrado na pessoa e no erro (Reason,
2000; Franco, 2005; Iglesias Alonso, Pardo García e Fernández Martín, 2009;
Almeida, Abreu e Mendes 2010), na tentativa de resolver os problemas através da
culpabilização e identificação do responsável. Historicamente, a cultura das
instituições de saúde tem sido caracterizada pela punição, castigando o culpado
quando sucede um erro (Franco, 2005). Tem-se considerado ao longo dos tempos
que a ocorrência dos EA´s se deve às falhas humanas. Esta forma, como
tradicionalmente têm gerido as falhas e os EA´s nos cuidados de saúde, com
culpabilização e ostracismo perante as falhas e as potenciais consequências
(Sousa, 2006), tem gerado uma cultura profissional muito mais de ocultação do
que favorecedora da comunicação e da aprendizagem (Sousa, 2006; Bohomol e
Ramos, 2007).
Uma das consequências mais nefastas é o reduzido número de notificações face ao
número de eventos estimados (subnotificação), devido à retração dos
profissionais de saúde para relatar o erro, por medo que seja visto apenas como
negligência e possa provocar participação e processo disciplinar ou jurídico
( Villarreal Cantilho, 2007).
Por exemplo, uma investigação datada de 1994, referida por Bohomol e Ramos
(2007), demonstrou que o estigma da atitude negativa face ao erro de medicação
e a complexidade dos relatórios e procedimentos foram a causa para que 40% dos
erros de medicação não fossem notificados/relatados.
Estas conclusões saem reforçadas com os recentes estudos internacionais que
evidenciaram a resposta punitiva ao erro, a notificação dos eventos adversos e
respetiva frequência de notificação, como os aspectos mais críticos da CSD,
transversal à generalidade dos profissionais e dos hospitais. Em média, cerca
de 75% a 80% dos profissionais não relatou ou relatou menos do que dois EA´s
nos últimos 12 meses. (Saturno et al., 2008; Smiths et al., 2008; Agency for
Healthcare Research and Quality, 2008).
Saber se estes e outros traços dominantes se perpetuam geracionalmente, por
força da filosofia que os líderes e profissionais seniores transmitem,
influenciando o comportamento dos mais novos, afigura-se como um potencial foco
de investigação no domínio da cultura organizacional. Hindle et al. (2008), num
estudo levado a cabo na Roménia, conclui que um dos grandes obstáculos para a
melhoria da segurança do doente é a falta de comunicação entre funcionários
seniores e juniores.
Metodologia
Trata-se de um estudo do tipo descritivo-analítico e transversal, realizado a
partir da aplicação do Hospital Survey on Patient Safety Culture (Questionário
Hospitalar sobre Cultura de Segurança dos Doentes ' versão portuguesa). É um
questionário autopreenchido, com uma distribuição multidimensional (12
dimensões), composto por 42 itens, incluindo, ainda, duas variáveis de item
único: Grau de Segurança do Doente e número de eventos notificados nos últimos
12 meses.
Apresenta-se sob a forma de Escala de Likert, graduada em cinco níveis para os
42 itens, desde discordo fortemente ou nunca (1) até concordo fortemente ou
sempre (5).
Para a análise e interpretação dos resultados, seguindo a metodologia proposta
pela Agency for Healthcare Research and Quality (Sorra e Nieva, 2004),
procedemos à recodificação da escala, sendo o percentual de respostas positivas
específicas na dimensão ou item (prepe), o principal indicador de análise.
Os resultados positivos acima de 75% classificam esse aspecto da Cultura de
Segurança como forte (muito bom nível), inferiores a 50% representam áreas
problemáticas ou aspectos críticos. Por último, pese embora os autores não o
definam, em nosso entender os resultados entre 50% e 75%, não sendo
problemáticos, devem ser encarados como oportunidade para melhorar. Os dados
são descritos e analisados por dimensão da escala (domínio de funcionalidade) e
por itens (indicadores de funcionalidade). Para o tratamento estatístico,
recorremos ao programa informático de estatística SPSS 15.0 for Windows.
Tendo em conta a dimensão dos hospitais, o número de enfermeiros, a facilidade
de acesso aos mesmos e os recursos disponíveis, foram incluídos no estudo todos
os 233 enfermeiros de quatro hospitais distritais de nível 1, com idêntica
localização geo-político-administrativa e pertencentes à Administração Regional
de Saúde do Centro. Para o efeito, foi-lhes solicitado o preenchimento do
questionário e devolução gratuita para um endereço postal exterior ao hospital
evitando, desta forma, constrangimentos éticos, assegurando que ninguém na
instituição teria acesso aos mesmos. Foi distribuído com um intervalo de uma
semana entre hospitais, tendo circulado 10 semanas em cada um, entre maio e
agosto de 2009. O processo foi autorizado pelos conselhos de administração dos
quatro hospitais, aos quais foi formalizado um pedido, com a descrição do
estudo, objectivos e assunção de todos os pressupostos éticos a que um estudo
desta natureza obriga.
Na análise dos resultados, seguimos as recomendações dos autores (Sorra e
Nieva, 2004), excluindo os questionários que apresentem: todos os itens da
mesma secção, excetuando a secção (d), com a mesma resposta; secção (a), (c) ou
(f ) em branco; secção (b) e (d) simultaneamente em branco; mais de metade dos
itens por responder, ao longo de todo o inquérito, em diferentes secções.
Na tentativa de perceber se a perceção da CSD difere em função da idade,
recorremos ao Independent-Samples T Test (t-student), considerando dois grupos
etários, dividindo o ciclo de vida ativa ao meio, os quais, por questões de
conveniência, designámos por Juniores (23-43 anos) e Seniores (44-65).
Resultados
A amostra, do tipo não probabilístico acidental, ficou constituída por 136
(58,4%) sujeitos que responderam aos questionários de acordo com as
recomendações dos autores. A maior percentagem (70,3%) de respondentes
verificou-se no hospital 1, e a menor (48,8%) no hospital 3.
A amostra é maioritariamente (75,7%) feminina, 55,1% dos participantes têm
entre 23 e 43 anos (M=34,3; SD=5,61) e os restantes entre 44 e 65 anos (M=50,4;
SD=5,17).
No desempenho das suas funções 97,8% tem contacto directo e regular com os
doentes, 41,9% trabalha há mais de 8 anos na atual Unidade/Serviço e 77,2%
permanece há mais de 8 anos no respetivo hospital. Quanto às unidades de
trabalho, 31,6% pertencem a serviços de Medicina, 16,2% trabalham em Cirurgia,
10,3% em Urgência, 8,8% no Bloco Operatório e os restantes noutros
departamentos clínicos. O hospital 4 é o de maior dimensão, possuindo uma
capacidade de internamento de 110 camas.
Os percentuais de respostas positivas específicas na dimensão são conforme o
Gráfico1.
GRÁFICO 1 ' Percentual de respostas positivas combinadas nas Dimensões
Dos 12 fatores da CSD (Quadro 1), quatro (D4, D5, D10, D11) revelam-se
críticos/problemáticos, sete revelam-se críticos/problemáticos, sete (D1,
D3, D6, D7, D8, D9, D12) apresentam-se como aspectos não críticos mas a
necessitar de melhorar e um (D2) como aspecto forte.
QUADRO 1 ' Dimensões e indicadores da CSD e respetivas abreviatura
Dos 42 indicadores da cultura de segurança do doente (Quadro 1), cinco (A1, A3,
A6, B4, F11) apresentam um percentual muito bom de respostas positivas (> 75%),
vinte e três localizam-se no intervalo entre 50% e 75% (Gráfico 2). Os
restantes catorze (A2, A5, A8, A12, A14, A16, C1, D1, D2, D3, F1, F2, F8, F9)
apresentam-se como aspetos "críticos/problemáticos", ao evidenciarem um
percentual positivo inferior a 50%.
GRáFICO 2 ' Percentual de respostas positivas especificas obtida para cada item
Fatores e indicadores fortes
Como factor forte (79%) da CSD, surge o Trabalho de equipa dentro dos
Serviços/Unidades (D2). Os enfermeiros entendem que existe entreajuda (A1)
(95%), respeito (A4) (74%), apoio entre setores do mesmo serviço (A11) (62%) e
cooperação face ao excesso de trabalho (A3) (88%).
Apesar desta ser a única dimensão acima de 75%, há a destacar as Passagens de
turno e transferências de doentes (D3) que, com 71% se afigura, na perspetiva
destes profissionais, como um aspeto muito bom da CSD, uma vez que, as mudanças
de turno não são problemáticas para o doente (F11) (78%) e a informação sobre
os doentes não se perde quando estes são transferidos entre serviços (F3) (69%)
ou durante as mudanças de turno (F5) (71%), nem ocorrem problemas aquando da
troca de informação entre vários serviços (F7) (65%).
Para além destes, outros itens foram identificados como fortes ou próximo deste
limiar: O meu superior hierárquico dá atenção aos problemas relacionados com
SD que ocorrem repetidamente (B4) (78%); As equipas estão a trabalhar
ativamente para a melhoria da segurança do doente (A6) (77%); Os
profissionais avaliam a eficácia das alterações que fazem, no sentido de
melhorarem a segurança do doente (A13) (74%); o facto de não ser
frequentemente desagradável trabalhar com profissionais de outros Serviços/
Unidades do hospital (F6) (73%); Os profissionais falam livremente se
verificarem que algo afeta negativamente os cuidados para com o doente (C2)
(70%).
Factores e indicadores críticos/ problemáticos
As debilidades (aspetos críticos/problemáticos) concentram-se,
fundamentalmente, em quatro fatores: com 70% de respostas não positivas
(prepe=30%) surge a Resposta não punitiva ao erro (D5). Somente 18% sente que
os seus erros não são registados no processo pessoal (A16) e utilizados contra
si (A8) (37%) e apenas 35% entende que quando notifica é o problema o alvo da
atenção e não a pessoa (A12): em segundo lugar, a Frequência de relato/
notificação dos eventos adversos (D4) com a minoria dos enfermeiros (33%) a
admitir que os eventos adversos são notificados a maioria das vezes ou
sempre. Esta perceção mantém-se crítica, quer se tratem de incidentes
corrigidos antes do dano (D1) (29%), incidente sem potencial de dano (D2) (33%)
ou near miss (D3) (37%); em terceiro lugar o Apoio da gestão/direção
hospitalar para a segurança do doente (D10) uma vez que apenas 44% destes
profissionais o entende como positivo, quer enquanto prioridade nas ações da
direção (F8) (43%), quer na forma como esta proporciona um ambiente de trabalho
promotor da segurança do doente (F1) (48%). Reduzida é igualmente a percentagem
(43%) daqueles que julgam que a direção do hospital se preocupa sempre com a
segurança do doente e não apenas quando acontece uma adversidade (F9); por
último, surge a Dotação de recursos humanos/efetivos (D11) com apenas 46% a
encará-la positivamente. Apenas 41% entende que existem meios humanos para
responder ao trabalho exigido (A2) e afirma que não trabalha em tensão,
tentando fazer muito, demasiado depressa (A14). Além disso, somente 43%
considera que os profissionais não trabalham mais horas por turno do que seria
desejável na prestação de cuidados (A5).
Outro factor que merece destaque, por se localizar no limiar crítico, é o
Feedback e informação sobre os erros (D7) com prepe de 51%, muito
contribuindo para este valor os 35% de respostas positivas combinadas no
indicador C1 (é-nos fornecida informação acerca das mudanças efetuadas, em
função dos relatórios de eventos adversos).
Surge ainda como debilidade o item: Os serviços unidades do hospital
coordenam-se bem uns com os outros (F2) (42%).
Também muito próximo dos 50% e, por isso, tendencialmente críticos/
problemáticos, apresentamse os seguintes indicadores da CSD: aqui os erros
conduzem a mudanças positivas (A9) (51%); Nunca se sacrifica a segurança do
doente, por haver mais trabalho (A15) (50%); Sempre que existe pressão, o meu
superior quer que trabalhemos mais rapidamente, mesmo que signifique usar
atalhos (B3) (51%); Os Serviços/Unidades do hospital funcionam bem, em
conjunto, para prestarem os melhores cuidados aos doentes (F10) (52%).
Grau de Segurança do Doente no Serviço/ Unidade
Menos de metade dos enfermeiros (46%) classifica a Segurança do Doente, no seu
Serviço/Unidade, como muito boa (42%) ou excelente (4%) (Gráfico 3).
Contudo, esta avaliação difere significativamente de hospital para hospital,
sobressaindo positivamente o Hospital 1, onde uma larga maioria dos enfermeiros
(79%) entende como muito boa ou excelente a Segurança do Doente na sua
Unidade e, negativamente o Hospital 4, onde apenas 20% considera a Segurança do
Doente como muito boa ou excelente.
GRÁFICO 3 ' Resultados da classificação da segurança dos doentes (e1) atribuída
pelos enfermeiros em geral e por hospital
Número de eventos/ocorrências notificadas maioria
Os dados (Gráfico 4) relativos ao número de eventos/ ocorrências notoficados,
mostram que uma expressiva maioria dos enfermeiros (80%), no total dos 4
hospitais, não relatou qualquer evento adverso ou ocorrência nos últimos 12
meses e 15% procederam, no máximo, a 2 notificações.
GRÁFICO 4 ' Percentagem de respondentes em função do número de EA´s notificados
Comparação dos grupos etários
O grupo dos 23-43 anos apresenta um percentual positivo inferior em nove (9)
dos doze fatores e, apenas, superior num (gráfico 5).
Como dados mais relevantes surgem: o facto de o Feedback e informação sobre os
erros (D7) ser um aspecto crítico/problemático para o grupo dos 23-43 anos
(48%), contrastando com a opinião dos Seniores que o consideram não critico,
ainda que, a necessitar de melhoria (57%); a diferença de opinião sobre a
Aprendizagem organizacional e melhoria contínua da segurança do doente (D8),
com o grupo dos 44-65 anos a considerar este como um aspeto forte (76%) e os
mais novos a entenderem que é um aspeto a melhorar (61%). Estas divergências
saem
GRÁFICO 5 ' Resultado nas dimensões segundo o grupo etário
Relativamente aos itens com discrepância no parecer positivo atribuído pelos
dois grupos etários e cujo resultado os classifica de forma distinta, destacam-
se os representados no Gráfico 6.
GRÁFICO 6 ' Itens com diferença de prepe mais significativa entre grupos
etários
São substancialmente menos (55%) os juniores que entendem que ( ) se discute
sobre formas de prevenir os erros para que não voltem a acontecer (C5), contra
(79%) (p=0,002), e que se ( ) avalia a eficácia das alterações introduzidas,
no sentido de melhorar a segurança do doente (A13) (68% contra 82%) (p=0,039),
levando a que apenas uma minoria (44%) concorde que no seu serviço ( ) os
erros conduzem a mudanças (A9), enquanto 59% dos Seniores entende que tal
acontece. Contudo, neste último caso, a diferença não é estatisticamente
significativa (p=0,103). Como não o é (p=0,322) no item F3, não é
frequentemente perdida informação importante sobre os cuidados do doente,
durante as mudanças de turno. Ainda assim, é de realçar o facto de os mais
novos serem 10% menos positivos (65%), com os mais velhos a considerarem este
aspecto de muito bom nível (75%).
Menos crentes de que a segurança do doente é uma das prioridades nas ações da
direção do hospital (f8), o grupo dos 23-43 anos ao considerar este um item
crítico (35%), contrasta com os mais velhos (p=0,025) que o classificam como
não problemático, ainda que, a necessitar de melhoria (54%).
Não sendo um aspecto problemático para ambos os grupos, observa-se diferença
(p=0,030) no entendimento sobre se as pessoas se tratam com respeito no
respetivo serviço (A4), com os mais velhos a admitir de forma mais positiva
(82%) que tal acontece, contra 67% dos mais novos. Semelhantes são os
resultados, relativos ao item C2, os profissionais falam livremente se
verificarem que algo afeta negativamente os cuidados para com o doente,
existindo diferença estatística (p=0,049) e discrepância no parecer positivo:
23-44 anos 68%; 4565 anos 77% (aspeto forte).
Discussão
Maioritariamente feminina, dado expectável atendendo à tradicional
preponderância feminina na profissão, a população revelou experiência
profissional na instituição e nos respetivos serviços, o que traduz um
apreciável conhecimento da instituição, adequado e útil para o estudo da
Cultura de Segurança do Doente.
Genericamente céticos face à CSD, aos olhos destes profissionais apenas o
trabalho de equipa dentro das Unidades/Serviços (D2) se apresenta como um
fator forte e menos de metade atribui o grau de muito bom (42%) ou
excelente (4%) à Segurança do Doente no seu Serviço/Unidade.
Especialmente críticos face à resposta que os sistemas dão ao erro, consideram-
na punitiva e estigmatizante, causadora da baixa frequência de relato ou
notificação dos eventos adversos, com a minoria (33%) a admitir que os eventos
adversos são notificados a maioria das vezes ou sempre, quer se trate de
incidentes corrigidos antes do dano (29%), incidente sem potencial de dano
(33%) ou near miss (37%).
Dos participantes, 95% notificaram menos do que dois eventos/ocorrências nos
últimos doze meses, sendo que, uma larga maioria (80%) não procedeu a qualquer
notificação/relato. Estes dados confirmam os achados bibliográficos sobre a
cultura da culpabilização (Reason, 2000; Franco, 2005; Iglesias Alonso, Pardo
Garcia e Fernández Martín, 2009), da ocultação (Sousa, 2006; Bohomol e Ramos,
2007) e da subnotificação (Bohomol e Ramos, 2007; Saturno et al., 2008; Smiths
et al., 2008; Agency for Healthcare Research and Quality, 2008). Aqui reside
uma das incongruências evidenciadas, uma vez que, os enfermeiros consideram
estar a trabalhar ativamente para uma melhoria da Segurança do Doente (77%) e
que avaliam a eficácia das alterações realizadas no sentido de a melhorar
(74%). Se atendermos àqueles indicadores de cultura da punição e ocultação do
erro, percebemos que a aprendizagem organizacional neste domínio fica
condicionada, dado que, não é realizada a partir da análise do erro devido à
subnotificação. Além disso, apenas 35% entende que lhes é fornecida informação
acerca das mudanças efetuadas, em função dos relatórios de eventos adversos, e
somente 51% concorda que os erros no seu serviço conduzem a mudanças positivas.
Igualmente críticos quanto à dotação de Recursos Humanos (D11) (44% com
opinião positiva), destacase o facto de apenas 41% julgarem existir em meios
humanos para corresponder ao trabalho que é exigido e admitir que não trabalha
sob pressão, tentando fazer muito e demasiado depressa, e somente 50% admitir
que nunca se sacrifica a segurança dos doentes por haver mais trabalho. Embora
este dado possa ser entendido como um juízo em causa própria e, por
conseguinte, uma persistente e banal perceção da falta de pessoal, a verdade é
que se trata de uma característica importante das organizações, com enorme
influência na Segurança do Doente, que deve ser considerada como fator a
otimizar. Sobretudo, porque existe uma evidência crescente de que os eventos
adversos estão correlacionados com os níveis inadequados de staff (Ordem dos
Enfermeiros, 2006; Needleman et al., 2002).
A confirmar esta opinião, de que a perceção de dotação de staff inadequado não
é um mero juízo de valor em causa própria, devendo ser encarada como essencial
para a CSD, está o facto de se apresentar como um fator extremamente positivo
(70%) no Hospital 2, o que contrasta, em muito, com os outros. A perceção de
que as relações interpessoais e o trabalho de equipa dentro da respetiva
unidade (D2) é um aspecto forte (79%), bem como, a perceção positiva (74%)
sobre a aprendizagem organizacional e melhoria contínua (D9), e alguns
indicadores da existência de comunicação aberta (D6) e livre quando algo afecta
negativamente os cuidados (C2) (70%), indiciam a existência de um potencial de
relações humanas e de predisposição profissional para melhorar o ambiente dos
cuidados que deve ser explorado e aproveitado nos processos de gestão do risco
e melhoria contínua da qualidade.
Estes dados positivos acompanham os outros países, nos quais o trabalho de
equipa dentro das unidades se apresenta, regra geral, como o aspeto mais forte:
Espanha 73,8%; Holanda 84%; EUA 79%; Taiwan 81% (Saturno et al., 2008; Smiths
et al., 2008; Agency for Healthcare Research and Quality, 2008).
Quando comparados os grupos etários, a diferença entre médias (t-student)
demonstrou que os enfermeiros mais novos (23-44 anos) têm, globalmente, uma
perspetiva menos positiva da CSD, demonstrando-o, sobretudo, em aspectos
relacionados com a aprendizagem e melhoria organizacional, tais como, a
acessibilidade à informação sobre os erros, a discussão e reflexão sobre a
prevenção da sua repetição e a análise dos resultados obtidos com as alterações
introduzidas.
Pese embora ambos os grupos considerarem que é frequentemente garantida a
continuidade da informação sobre os cuidados prestados, importa salientar a
diferença percentual (10%) na apreciação positiva, com os mais novos a
considerarem este como um aspeto com margem para melhorar, enquanto os mais
velhos o consideram muito bom.
Conclusão
A Cultura de Segurança do Doente, percecionada pelos enfermeiros, apresenta-se
como um fator crítico da Qualidade dos Cuidados de Saúde Hospitalares e a
necessitar de melhoria, ao revelar apenas um fator forte (parecer positivo
superior a 75%).
É caracterizada pelo paradigma da punição e ocultação do erro, com os
enfermeiros convictos de que quando notificado, são eles o centro da atenção e
não o evento, e preocupados com o facto de ser registado no processo pessoal,
podendo ser usado contra si.
O investimento na aprendizagem organizacional e melhoria contínua da Cultura de
Segurança do Doente, ainda que, existente e percebida como boa, afigura-se
ineficaz, uma vez que, não é conduzida a partir da identificação e análise do
erro, devido à subnotificação ou não notificação deste, e ao insuficiente
feedback e informação sobre o erro que os enfermeiros recebem. Ainda assim,
existe um enorme capital para melhorar a Cultura de Segurança do Doente,
resultante das boas relações interpessoais e cooperação nos serviços e da
existência de bons indicadores de comunicação livre e aberta.
A classificação atribuída à Segurança do Doente pelos enfermeiros é
minoritariamente (46%) muito boa ou excelente. Contudo, esta classificação
está longe de ser homogénea entre hospitais, variando entre 42% e 74% nos
hospitais do estudo.
A subnotificação é uma realidade, com a maioria dos enfermeiros (80%) a afirmar
que não notificou qualquer evento adverso no último ano. Os enfermeiros mais
novos são menos positivos na sua apreciação sobre a CSD e mais céticos quanto à
eficácia das estratégias adotadas para transformar os erros em oportunidades de
aprendizagem e mudança e em relação às atividades empreendidas para melhorar a
segurança.
A reduzida produção científica em Portugal, neste domínio, sugere-nos a
necessidade de mais contributos, nomeadamente a extensão do estudo a hospitais
de maior dimensão, de forma a perceber o verdadeiro alcance dos dados por nós
obtidos. Esta será mesmo a principal limitação sentida, dado que a maior
complexidade ali vivida, poderá alterar as conclusões por nós obtidas. Até
porque, os indícios da existência de diferenças entre hospitais, observados ao
longo do estudo, levam-nos a admitir que a cultura de segurança do doente
poderá ser, em primeira instância, própria de cada hospital. Contudo, não sendo
nosso objetivo à partida, entendemos esta hipótese como um potencial foco de
investigação futura.
Independentemente desse investimento futuro, os dados sugerem-nos, desde já, a
necessidade de introduzir sistemas de notificação e de fomentar o relato como
uma prioridade, para otimizar a aprendizagem e melhoria contínua dos cuidados
prestados a partir da identificação e análise do erro.