Qualidade de vida de docentes do ensino fundamental de um município brasileiro
Introdução
A presente investigação trata dos resultados de uma pesquisa vinculada ao
Projeto de Extensão Protagonismo Juvenil como estratégia de Intervenção
Familiar e Comunitária no Residencial 2000, realizado por académicos e
docentes da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), com fomento da
Fundação de Ensino e Pesquisa de Uberaba, Minas Gerais, Brasil (FUNEPU). A
iniciativa teve como propósito aproximar as fronteiras da Universidade para a
Educação e Investigação da Saúde em âmbito escolar.
No decorrer do projeto, se observou um distanciamento do profissional da
educação e aluno, bem como situações adversas de relacionamento interpessoal,
condições de vida, trabalho e respeito dentro e fora da sala de aula; que nos
instigaram a questionar: Quem são os docentes que compartilham esta realidade
(local) e qual seu perfil socioeconómico? Quais são suas reais condições de
vida e trabalho e como estes percebem estas condições?
O professor, em especial aquele trabalhador do ensino público, vivencia um
acúmulo de funções como a construção de hábitos de saúde, assessoramento
psicológico dos alunos, e tarefas burocráticas que, associadas à falta de
autonomia, infraestrutura e baixa remuneração, configuram uma situação de
vulnerabilidade social, psicológica e biológica deste profissional, de acordo
com Linhares (2001) e Gomes (2002). As queixas mais comuns dos professores
relacionam-se com o uso da voz, com a postura corporal, problemas
psicossomáticos e de saúde mental, agravados pela indisciplina dos alunos e
falta de reconhecimento e valorização perante a sociedade ( Vedovato e
Monteiro, 2008).
Ainda, considera-se que estes profissionais muitas vezes subestimam suas reais
necessidades de saúde, o que ressalta a importância do desenvolvimento de ações
de promoção da saúde e prevenção de agravos para este grupo de trabalhadores, a
partir do conhecimento de suas carências (Rocha e Fernandes, 2008). Por
entender o professor como principal canal de comunicação entre conhecimento e
alunos e também, enquanto profissional envolvido com a formação do senso
crítico e a construção da cidadania, sentiu-se a necessidade de explorar tais
questões.
Objetivo
A presente investigação pretende conhecer alguns aspectos da
multidimensionalidade da Qualidade de Vida, tendo como público-alvo professores
do ensino fundamental de uma escola municipal de Uberaba, Minas Gerais, Brasil,
através de um questionário estruturado e validado para português do Brasil (SF-
36).
Quadro teórico
Nas últimas décadas, os avanços das ciências sociais e da saúde têm oferecido
melhores condições de vida à população em geral. Neste contexto, a Qualidade de
Vida é de fundamental importância ao se considerar um indivíduo saudável
(Minayo, Hartz e Buss, 2000; Jardim, Barreto e Assunção, 2007; Rocha e
Fernandes, 2008; Santos et al., 2008).
De acordo com Minayo, Hartz e Buss (2000, p. 8), a Qualidade de Vida (QV ) pode
ser entendida como: (...) grau de satisfação encontrado na vida familiar,
amorosa, social e ambiental e a própria estética existencial. A esta
definição, somam-se dois aspectos relevantes da QV: a subjetividade, enquanto
percepção individual (própria) do estado de saúde e a multidimensionalidade,
relacionada às diferentes dimensões do bem-estar sobre os aspectos não médicos
do seu contexto de vida (Seidl e Zannon, 2004; Pereira e Dal Vecchio, 2006).
O acelerado processo de globalização dos últimos anos tem configurado novas
demandas no processo de formação de crianças e jovens. Com isto a escola e,
mais profundamente, os docentes experimentam o impacto destas mudanças que
determinam considerável queda em sua QV (Rocha e Fernandes, 2008). Para
descrever esta problemática, várias investigações têm sido realizadas com foco
na Qualidade de Vida do professor, sobretudo aquele trabalhador do ensino
público.
No estudo de Batista et al. (2010), realizado com professores do Ensino
Fundamental das escolas municipais de João Pessoa (Brasil), evidenciou-se que
33,6% apresentaram alto nível de Exaustão Emocional e 43,4% baixo nível de
Realização Profissional. Já o estudo de Vedovato e Monteiro (2008) que avaliou
258 professores de São Paulo, no tocante à saúde, demonstrou que 20,9% daqueles
não dormiam bem à noite; 82,1% possuíam alguma doença de origem
musculoesquelética ou respiratória (27,1%) e 20,9% apresentavam transtornos
mentais.
Nesta perspetiva, muitos instrumentos têm sido utilizados para mensurar a
autoavaliação das condições de vida e saúde deste profissional. Entretanto,
ainda existe pouco conhecimento sobre tais aspectos, arraigados às condições de
vida e trabalho em âmbito escolar.
Um destes instrumentos, o Short Form (SF) 36 do Medical Outcomes Study (MOS),
vem sendo utilizado numa grande leva de estudos. Trata-se de um questionário
multidimensional composto por 36 itens, criado com a finalidade de avaliar a
qualidade de vida relacionada à saúde de maneira genérica, que foi traduzido e
validado em português do Brasil por Ciconelli et al. (1999). Assim, tal
instrumento foi utilizado para o alcance dos objetivos da presente
investigação.
Metodologia
Estudo quantitativo, observacional, de recorte transversal. A pesquisa foi
desenvolvida na Escola Municipal Esther Limirio Brigagão, localizada no Bairro
Residencial 2000, bairro este possuidor dos maiores índices de criminalidade e
vulnerabilidade social do município de Uberaba, Minas Gerais, Brasil. Os
critérios de exclusão se referiram aos indivíduos que estivessem trabalhando há
menos de seis meses na referida escola, bem como aqueles que não apresentaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado. Desta forma, a amostra foi
constituída por vinte e três docentes.
Como instrumento de pesquisa, utilizou-se o Short Form (SF) 36 do instrumento
Medical Outcomes Study (MOS), versão em português do Brasil (Ciconelli et al.,
1999). O SF-36 é formado por oito componentes que avaliam: capacidade funcional
(dez itens); aspectos físicos (quatro itens); dor (dois itens); estado geral de
saúde (cinco itens); vitalidade (quatro itens); aspectos sociais (dois itens);
aspectos emocionais (três itens); saúde mental (cinco itens); e mais uma
questão de avaliação comparativa entre as condições da saúde atual àquela de um
ano antes. Para avaliar os resultados, foi atribuído um escore para cada
questão, objetivando transformá-lo numa escala graduada de 0 a 100, porquanto o
zero (0) corresponda a um pior estado de saúde e cem (100) a um melhor estado,
possibilitando a análise individual de cada dimensão. As variáveis incluíram
ainda, sexo, idade e tempo que exerce a profissão.
Todas as informações coletadas foram armazenadas num banco de dados construído
nos softwares de domínio público Microsoft Excel v.2007 TabWin v.3.06b. A
partir dos resultados, procedeu-se análise descritiva a partir de frequências
absolutas e percentuais para as variáveis categóricas e medidas de centralidade
(média, mediana e moda) e de dispersão (desvio padrão, coeficiente de variação,
mínimo e máximo) para as variáveis numéricas.
A coleta de dados decorreu no mês de setembro de 2010 e os questionários foram
entregues presencialmente, mediante assinatura do termo de consentimento
esclarecido e posteriormente devolvidos por correspondência. A presente
investigação foi submetida ao Comité de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da
Universidade Federal do Triângulo Mineiro e aprovada pelo protocolo nº 1736.
Resultados e discussão
A escola escolhida para esta investigação possui uma infraestrutura de 3
pavimentos, com algumas carências estruturais como a falta de um local para
recreação e quadra para prática de atividades físicas. Possui um quadro de
professores que inclui cerca de 30 profissionais que ministram as disciplinas
no Ensino Fundamental. Desta forma, estes profissionais estão expostos a
fatores stressantes atrelados aos contextos sociais e económicos daquela
comunidade que vão desde a dificuldade de transporte e acesso ao bairro a
problemas de saúde de um modo geral.
Vinte e três docentes aceitaram participar do estudo. Destes, 73,90% eram dos
turnos matutino e vespertino e o restante do período noturno, considerando todo
o ciclo do ensino fundamental. O universo amostral concentrou mais de 90,00% de
pessoas do sexo feminino, apesar de haver uma diferença relevante (94-83,00%)
comparando-se os turnos diurno e noturno (Tabela 1).
TABELA_1 ' Distribuição dos professores segundo idade, sexo e tempo de serviço
em função do tipo de turno. Residencial 2000, Uberaba, setembro de 2010.
Alguns estudos retratam esta realidade nas escolas públicas de nível básico e
fundamental brasileiras, fato que está associado ao processo histórico de
expansão do setor educacional ocorrido no Brasil e da entrada das mulheres no
mercado de trabalho (Rocha e Fernandes, 2008).
Ainda na Tabela_1, pode-se observar um maior número de pessoas na faixa de 40 a
50 anos de idade, com média de 43,00 anos (s=9,71 anos), o que se aproxima da
literatura. Os valores máximos e mínimos ficaram m 62 e 27 anos,
respetivamente. Em investigação realizada com 258 docentes de nove escolas
estaduais de duas cidades do interior de São Paulo, identificou-se uma maioria
de mulheres (81,8%), com média idade de 41,40 anos (s=9,20 anos) ( Vedovato e
de Monteiro, 2008). Com relação ao tempo de trabalho na profissão, os
resultados variaram de 8 meses a 28 anos, com cerca de 48,00% concentrados
entre 10 e e 20 anos.
As percepções dos professores com relação à Qualidade de Vida autorreferida são
demonstradas nas Tabela 2 e 3. Entre os professores do turno Diurno, o domínio
mais prejudicado foi o de Vitalidade (60,00), seguido de Saúde Mental (69,20) e
Aspectos Sociais (70,44). Com relação aos valores mínimos e máximos, o domínio
que teve menor pontuação foi o de Limitações por Aspectos Emocionais (0,00),
como demonstrado na Tabela 2.
TABELA 2 ' Estatísticas resumo dos scores obtidos pelos domínios da SF-36 no
turno Diurno de trabalho
TABELA 3 ' Estatísticas resumo dos scores obtidos pelos domínios da SF-36 no
período noturno de trabalho. Residencial 2000, Uberaba, setembro de 2010.
Com relação aos professores do período noturno, genericamente, foram alcançados
melhores valores em relação ao turno diurno. O domínio mais prejudicado foi a
Limitação por Aspectos Emocionais, seguido por Aspectos Sociais e Dor (66,83;
72,91 e 75,00, respetivamente), como se observa na Tabela 3. Comparando-se as
médias obtidas nos domínios, pela razão diurno/noturno, obteve-se associação
positiva apenas nos aspectos de Limitação Física (r=1,10) e Limitação por
Aspectos Emocionais (r=1,17), que tiveram melhores resultados entre os docentes
que trabalham durante o dia. Entre os demais domínios, aqueles mais
prejudicados frente aos professores do noturno, foram Vitalidade (r=0,77),
Capacidade Funcional (r=0,87) e Saúde Mental (r=0,88). Em ambos os turnos, a
pontuação mínima foi obtida no domínio de aspectos emocionais.
Algumas características distanciam os dois turnos, por exemplo, docentes mais
jovens e alunos com mais idade são predominantes no turno noturno. A este fato
pode-se associar uma maior Vitalidade e Capacidade Funcional. Ainda, muitos dos
docentes e alunos envolvidos nos processos de ensino noturnos, muitas vezes
trabalham durante o dia, fato que pode ser aproximado a uma possível limitação
advinda de cansaço físico e declínio de fatores emocionais.
Estudo realizado com 142 professores do ensino fundamental de São Paulo
evidenciou que os domínios Dor (59,60) e Vitalidade (59,80) foram os mais
prejudicados, seguidos de Aspectos Sociais, Saúde Mental e Limitação por
Aspectos Emocionais (66,60) (Carvalho e Alexandre, 2006). Outra investigação
com 91 docentes de Jequié-Bahia, Brasil, demonstrou menores escores para
Vitalidade (46,26), Dor (53,00), seguido de Saúde Mental e Limitações por
Aspectos Físicos (Rocha e Fernandes, 2008). Ambos utilizaram o questionário SF-
36 como instrumento de avaliação". Nesta perspectiva pode-se inferir um melhor
índice de qualidade de vida entre os professores de Uberaba, em relação aos
docentes de Jequié, uma vez que entre aqueles de São Paulo, os escores de
Capacidade Funcional (79,30), Aspectos Físicos (76,00) e Estado Geral de Saúde
(75,60) estavam acima de 70,00%.
A capacidade funcional está intimamente ligada à aptidão física do indivíduo,
concernentes as suas interações com o meio ambiente na realização de suas
atividades diárias, e sua reação frente a situações desafiadoras ou
stressantes. Assim, considerando os aspectos que envolvem os domínios Limitação
Física e Capacidade Funcional, os professores, entre aqueles profissionais que
utilizam a voz como sua principal ferramenta de trabalho, são aqueles mais
frequentemente acometidos por distúrbios vocais (Penteado e Pereira, 2007;
Rocha e Fernandes, 2008). Estudo realizado em 2007 com 2.133 professoras da
rede municipal de ensino fundamental de Belo Horizonte-Minas Gerais, Brasil,
identificou problemas como menor criatividade no trabalho e relacionamento ruim
com os alunos associados a uma pior qualidade de vida relacionada à voz nos
domínios social, emocional e físico. Outros fatores como transtorno mental e
ruídos na sala de aula também apresentaram índices relevantes ( Jardim, Barreto
e Assunção, 2007).
Outro estudo em Rio Claro- São Paulo, Brasil, investigou 128 professores de
ensino médio de quatro escolas estaduais pelos instrumentos Whoqol-brefe
Qualidade de Vida e Voz. O escore médio do questionário de avaliação de
qualidade de vida foi 66,00, com maiores valores do domínio relações sociais e
menores nas relações com o meio ambiente. Apesar de razoavelmente satisfeitos
com a voz e a qualidade de vida, os professores mostraram dificuldades na
percepção do processo saúde-doença (Penteado e Pereira, 2007).
Nessa linha, deve-se considerar a síndrome de Burnout, caracterizada por
exaustão física e emocional que pode ser associada à ausência de alguns fatores
motivacionais, como entusiasmo, energia, interesse, satisfação, concentração,
autoconfiança e humor (Lussier, 2006). Estudo realizado nos Estados Unidos
revelou que entre as grandes causas de stresse estava a falta de recursos; a
falta de tempo; reuniões em excesso; grande número de alunos por sala de aula;
falta de assistência; falta de apoio e pais hostis. Tais causas culminavam em
frustração, exaustão e incapacidade, além de que estes profissionais carregam o
stresse e a raiva para casa (Lussier, 2006). Estudo realizado em Portugal, com
211 professores, identificou que 30 (14,20%) dos participantes apresentavam
níveis elevados para a Síndrome de Burnout (Figueiredo-Ferraz, Gil-Monte e
Grau-Alberola, 2009).
Ressalta-se o domínio Vitalidade, enquanto aquele mais prejudicado,
apresentando os menores escores entre os docentes do turno diurno avaliados
neste estudo e como aparece nos demais estudos que avaliaram a QV de
professores do ensino fundamental (Carvalho e Alexandre, 2006; Rocha e
Fernandes, 2008). Alguns fatores podem ser associados a tal desempenho,
enquanto Aspectos Intrínsecos (ritmo de trabalho inadequado, posicionamento
inadequado e incómodo intenso, além de concentração em uma única tarefa) e
Extrínsecos (má remuneração e número excessivo de alunos em sala);
condicionantes de um menor índice de Qualidade de Vida (Figueiredo-Ferraz, Gil-
Monte e Grau-Alberola, 2009).
Na presente investigação, os professores consideraram sua integridade física
boa, com escores acima de 79,00% em ambos os turnos, em contraposição a outros
estudos que apontam a permanência em pé por muitas horas e má postura corporal
como limitantes físicos a um bom desempenho profissional (Silvany-Neto et al.,
2002; Rocha e Fernandes, 2008; Fernandes e Rocha, 2009).
Outro estudo que remete às condições relatadas de saúde identificou-se que os
docentes não dormiam bem à noite (20,90%); 82,10% possuíam alguma doença de
origem musculoesquelética e 20,90% transtornos mentais. Tais agravos foram
relacionados pelos próprios professores a: movimentos repetitivos; poeira de
giz; trabalho stressante; longas jornadas; atividade em mais de uma escola; e
baixa remuneração (Unesco, 2006).
Estudo realizado na China, que avaliou 3570 professores de escolas públicas
primárias através do questionário SF-36, demonstrou escores médios para
inferiores aos da população geral chinesa para todas as dimensões da qualidade
de vida. Idade, sobrecarga de trabalho, pressão psicológica, tensão física e
incapacidade de enfrentamento destas situações foram significativamente
associados aos componentes mental e físico do SF-36 (P <0,05) ( Yang et al.,
2009). O domínio Dor também apresentou índices que se contrapuseram a outros
estudos, considerando índices variando entre 71,00 e 75,00% neste escore entre
os docentes de Uberaba-Minas Gerais, Brasil. Quadros álgicos intensos são a
principal causa de absenteísmo em diversas instituições, associados a afeções
musculoesqueléticas e psicológicas (Silvany-Neto et al., 2002). A dor foi o
aspecto mais prejudicado em outro estudo, representando escore de 59,60%
(Carvalho e Alexandre, 2006) e o segundo índice mais prejudicado na
investigação de Rocha e Fernandes (2008), com 53,00%.
Nesta investigação, o Estado Geral de Saúde oscilou entre 74 anos (s=16,01
anos) e 79,17 anos (s=11,85 anos). Este item do formulário SF-36 relaciona-se à
perceção individual de todos os fatores inerentes à concepção individual de
saúde num período de quatro semanas, e é consequência da relação complexa que
se estabelece entre o professor, ambiente de trabalho e seus alunos (Rocha e
Fernandes, 2008).
Já os domínios Limitação por Aspectos Emocionais e Aspectos Sociais referem-se
aos relacionamentos experimentados em âmbito familiar, locais de convívio
coletivo e no trabalho. Apresentaram-se valores regulares nos dois turnos
estudados, entretanto, os valores mínimos destes escores variaram entre 0,00 e
37,50%, o que indica que alguns profissionais praticamente anulam seu convívio
social e, por conseguinte, podem estar mais expostos a alterações em sua Saúde
Mental.
O estudo de Fernandes e Rocha (2009) avaliou o impacto dos aspectos
psicossociais sobre a qualidade de vida de 242 docentes da rede básica
municipal de Natal-Rio Grande do Norte, Brasil, com o instrumento Whoqol-bref.
Os domínios físico e meio ambiente foram os que apresentaram menores escores e,
quanto aos aspectos psicossociais, aqueles empregados em trabalhos que
exigissem alta demanda e controle (32,10%), seguidos daqueles com alta demanda
e baixo controle (25,80%), apresentaram maior comprometimento na avaliação dos
domínios físico (p < 0,001), psicológico (p < 0,001) e meio ambiente (p <
0,001) da qualidade de vida.
Cabe a ressalva de que as características stressantes como trabalho intenso e
repetitivo, baixa remuneração, falta de continuidade de perspectivas de
carreira, hostilidades e conflitos, entre outros, tem condicionado distúrbios
psíquicos em docentes que podem alcançar 41,50% desta classe trabalhadora
(Silvany-Neto et al., 2002).
Inerente à sua profissão e aos contextos institucionais também ligados ao
modelo educacional perpetuado no país, o professor enfrenta diversas
dificuldades dentro e fora da sala de aula. Com isto, o docente, sobretudo
aquele que trabalha na rede pública de ensino ensino, deve estar cada vez mais
consciente das suas condições de trabalho e vida, a fim de assegurar uma melhor
Qualidade de Vida. Vale a ressalva de que a preocupação com os fatores
associados às condições de vida e saúde de professores só ganhou expressão no
meio científico a partir da década de 1960 na Europa e em 1970 no Brasil e só a
partir de então, a busca pelas causas e consequências dos agravos à saúde de
docentes passou a ser investigada de maneira direcionada, utilizando-se de
instrumentos específicos, como o utilizado neste estudo (SF-36) (Unesco, 2006).
Conclusão
O presente estudo permitiu a discussão das impressões de vida e saúde de 23
docentes de uma escola pública municipal que trabalha com o ensino fundamental
(1ª a 8ª série), do município de Uberaba. Nesta realidade predominaram as
professoras, representado 90% do corpo docente. Grande parte destes professores
tinha idade entre 40 e 49 anos (43,46%) e lecionava no ensino fundamental por
10 a 19 anos (47,86%).
Percebe-se uma situação mais preocupante entre os professores do período
diurno, que apresentou valores percentuais menores que aqueles apresentados
pelo turno da noite. No período diurno o limite de menor escore foi o de
vitalidade (60,00), seguido de saúde mental (69,20); enquanto no período
noturno, limitações por aspecto emocional (66,83%) e aspectos sociais (72, 91%)
foram os mais prejudicados.
Diante do quadro apresentado, pode-se inferir que fatores como a sobrecarga de
trabalho, pouca prática de atividades físicas e lazer, além de dificuldades no
convívio social com colegas e alunos repercutem no quotidiano deste
profissional, em termos de vitalidade, capacidade funcional e saúde mental,
podendo interferir no desempenho profissional destes docentes. O entendimento e
reconhecimento dessa realidade se fazem necessários para uma inclusão do
professor nas medidas de políticas públicas voltadas para a saúde e bem-estar
da categoria.
Sob a ótica da saúde coletiva, o cidadão e a comunidade em geral devem ser
encorajados a avaliarem e prover melhores condições de vida e saúde nos âmbitos
familiares e sociais. O professor, uma vez capacitado a cuidar de si e agir em
conjunto para a promoção da qualidade de vida, deve utilizar o espaço da escola
para possibilitar transformações individuais e sociais. As estratégias de
enfrentamento das frustrações e situações stressantes que podem ser utilizadas
pelos professores devem incluir: atividades de relaxamento; organização de
tempo e prioridades; dieta balanceada acompanhada de atividade física;
compartilhamento de vivências e discussão das dificuldades com colegas e
direção da escola; além de buscar auxílio profissional na medicina convencional
ou terapias alternativas, quando julgar necessário. Destaca-se também o papel
da escola, ao envolver os professores nas tomadas de decisão que busquem
melhorias, sejam estas estruturais, organizacionais ou na interação entre os
diferentes atores daquela realidade (Martinez, Paraguai e Latorre, 2004;
Lussier, 2006; Santos et al., 2008).
Ainda, pode-se citar a escassez de estudos que investiguem as condições de
trabalho e saúde sob o aspecto de Qualidade de Vida de docentes do Ensino
Fundamental no Brasil. A avaliação distinta entre os turnos de aula da escola
também se configura como um parâmetro importante, uma vez que, cada turno
possui características específicas.
As discussões suscitadas sobre Educação e Promoção da Saúde no ambiente
escolar, devem ser associadas a intervenções que configurem melhores
perspectivas de trabalho, enquanto incentivos e valorização do profissional. A
cargo das Políticas Públicas devem estar o desenvolvimento adequado da
profissão pelos docentes (através de remuneração adequada, estrutura física
apropriada, jornada de trabalho fixa, por exemplo) e adequado acesso aos
serviços de saúde, enquanto estratégias que podem melhorar a Qualidade de Vida
destes profissionais.
Este estudo tem como limitações o fato de ter sido desenvolvido em uma única
escola de uma cidade e estado brasileiro, mas seus resultados podem
possibilitar inferências no sentido de que a realidade de professores no Brasil
não estar fora destes padrões, tais como baixos salários, elevada carga horária
de trabalho pelo fato de se trabalhar em mais de uma instituição de ensino,
falta de ações de capacitação continuada entre outros.
A inexistência de estudos similares para devidas comparações pode também ser um
fator limitante. Por outro lado, esta investigação permitiu suscitar várias
reflexões sobre o papel do professor e o seu desgaste profissional e gerou
também a ampliação de propostas de intervenção que envolveu a participação da
universidade e a instituição pesquisada, bem como a ampliação do projeto para
outras escolas.
Por outro lado, tanto a experiência de pesquisa para os estudantes
universitários, a compreensão da realidade pelos atores envolvidos na escola
pesquisada, assim como, as intervenções suscitadas após o estudo, foram
importantes na realidade vivida pelos professores pesquisados.