A transição no transplante hepático: um estudo de caso
Introdução
Uma transição de saúde é a categoria mais lata numa situação de transplante
hepático na qual estão incluídas as alterações de natureza física, restauração
da saúde, reconquista da autonomia e de adaptação à terapia imunossupressora
(Sargent e Steven, 2007). A transição saúde/doença vivenciada pelo doente
transplantado, enquanto passagem de uma condição para outra, conduz a
alterações que afetam a qualidade de vida. Estas alterações estão associadas
aos fatores adversos após transplante: regresso ao trabalho, suporte social,
preocupação sexual e à imagem corporal (Muehrer e Becker, 2005).
Os enfermeiros desempenham um importante papel, no período pós-transplante, na
manutenção da adaptação do doente e na criação de estratégias de readaptação.
Além disso, são um importante recurso mobilizador, estimulador e facilitador
das atividades promotoras da saúde e de suporte social (Forsberg, Backman e
Svensson, 2002).
Uma alteração na vida das pessoas requer um período de ajustamento
compensatório que resulta numa adaptação ao evento (Tomey e Alligood, 2007). A
Enfermagem, enquanto ciência, desempenha um papel importante na melhoria da
capacidade de adaptação e na transformação de todas as condições e
circunstâncias da conduta das pessoas, tomando como atenção os recursos
pessoais.
Os enfermeiros preparam ( ) os clientes para a vivência das transições e são
quem facilita o processo de desenvolvimento de competências e aprendizagem nas
experiências de saúde/doença (Meleis et al., 2000, p.13). Na perspetiva de
Zagonel (1999, p.28) a transição será melhor sucedida ao conhecer-se: o que
desencadeia a mudança; a antecipação do evento; a preparação para mover-se
dentro da mudança; a possibilidade de ocorrências múltiplas de transições
simultaneamente. O enfoque está na disposição para ajudar na passagem de um
estado a outro considerando que as situações difíceis irão gerar respostas
positivas e negativas.
Assim sendo, pretende-se com este trabalho operacionalizar a teoria de médio
alcance de Meleis à vivência de uma transição saúde/doença de um doente numa
situação de transplante hepático. A teoria de médio alcance de Meleis é uma
teoria que resulta da análise de estudos de caso e, portanto acessível aos
profissionais. Esta teoria permite uma visão mais coerente e integradora do
cliente, assim como, uma antecipação do diagnóstico pelo que é fundamental uma
atenção mais erudita e sistemática por parte dos enfermeiros (Meleis, 2007).
Neste estudo será efetuada uma análise crítica à aplicabilidade da teoria à
vivência de um doente transplantado hepático em contexto fulminante, de forma a
avaliar a situação do doente, os seus recursos, e traçar intervenções adequadas
à vivência deste tipo de transição. Como o processo de transição é único, pelas
variáveis pessoais e contextuais, só é passível de compreensão na perspetiva de
quem a experiencia (Mendes, Bastos e Paiva, 2010, p. 8).
Quadro Teórico
No processo assistencial é fundamental que os enfermeiros sejam facilitadores
do processo de transição e, portanto, que tenham em consideração todas as
dimensões intrínsecas e extrínsecas ao indivíduo.
É importante que os enfermeiros identifiquem o tipo de transição que o
indivíduo está a vivenciar para que possam desenvolver um plano de intervenção
que seja adequado às necessidades reais do indivíduo. O enfermeiro deve
desenvolver um programa que ajude a pessoa a vivenciar o processo de transição
da melhor forma possível, no entanto, o seu foco de atenção não deve ser só o
conhecimento acerca da medicação imunossupressora e dos sinais/sintomas de
rejeição, mas sim a adaptação da pessoa à nova situação e, a promoção do
encontro com uma identidade saudável, na qual estão integradas o seu julgamento
e a sua perceção do corpo (Forsberg, Backman e Moller, 2000).
No que se refere à natureza das transições estas podem ser classificadas quanto
ao tipo, padrões e propriedades. Quanto ao tipo, as transições podem ser
situacionais, saúde/doença, organizacionais e desenvolvimentais. É importante
que os profissionais de saúde tenham em consideração que pode haver
sobreposição do tipo de transição, e que a natureza da relação entre os
diferentes eventos funciona como uma alavanca para as transições sentidas pelo
doente (Meleis et al., 2000). Neste trabalho, é foco da nossa atenção a
transição saúde/doença, por considerarmos ser a mais diretamente envolvida na
experiência de transplante hepático e, em todo o processo de adaptação à nova
condição.
Quanto aos padrões, as transições podem ser classificadas como simples ou
múltiplas. As múltiplas podem ainda ser classificadas em sequenciais,
simultâneas e relacionadas ou não relacionadas. Dificilmente um indivíduo
vivencia uma única transição, daí raramente ser do tipo simples, uma vez que
uma mudança implica outros reajustes além da aparente. No entanto, a transição
vivenciada pelo doente é do tipo saúde/doença e tem um padrão simples, uma vez
que se trata apenas da vivência de uma única transição (Transplante Hepático em
contexto de hepatite fulminante).
Na mudança para um comportamento de saúde é de extrema importância caracterizar
a forma como o indivíduo está a viver a situação (propriedade). A situação de
transplante implica que o indivíduo se consciencialize da necessidade da
mudança (awareness), caso o indivíduo não se consciencialize da necessidade da
mudança ainda não iniciou processo de transição (Meleis et al., 2000). A
consciencialização por parte do doente, por vezes, é difícil uma vez que há
dificuldade na aceitação do seu estado de saúde e da necessidade de
transplante.
Metodologia
Com a teoria de médio alcance de Meleis é possível precaver o sentido da
transição do cliente, e deste modo, implementar intervenções mais ajustadas às
reais necessidades dos clientes, pelo que foi efetuado um estudo de caso
operacionalizando a teoria de Médio alcance de Meleis a uma situação concreta.
Foi efetuada uma análise aos registos eletrónicos de enfermagem, assim como uma
entrevista semiestruturada ao doente selecionado por conveniência para o estudo
de caso.
A seleção deste doente deve-se ao facto de este não integrar de forma fluida o
processo de transição saúde/ doença e o transplante hepático surgir na sua vida
de forma abrupta por ser em contexto fulminante.
Além disso, para que todo o processo de análise seja sustentado na evidência
científica, foi efetuada uma pesquisa bibliográfica utilizando a EBSCOHOST e
todas as bases de dados indexadas a esta. Em todas as bases de dados os artigos
são de revistas indexadas e, portanto, de alto rigor científico.
Foram utilizadas as seguintes palavras-chave incluídas sempre no abstract dos
artigos: transition, liver transplantation, nursing, nursing model. Uma outra
forma de pesquisa efetuada foi através da leitura das referências dos artigos
encontrados, ou seja, foi efetuada uma análise aos artigos referenciados pelos
artigos já encontrados e, após serem examinados, foram identificados aqueles
que se mostravam mais relevantes. A pesquisa desses artigos foi efetuada,
quando possível, na EBSCOHOST. Quando não era possível encontrar o texto
integral a pesquisa era efetuada no GOOGLE SCHOLAR com o título do artigo
pretendido.
Transplante Hepático ' um caso clínico
A enfermagem é a profissionalização da ajuda às pessoas nas transições, uma vez
que as pessoas têm necessidade de vivenciar transições saudáveis. É fundamental
que o enfermeiro valorize o ( ) conhecimento das pessoas relativamente aos
fenómenos que as afetam, aos processos terapêuticos a que aderem, às doenças
diagnosticadas que não valorizam, aos riscos de saúde que não provocam mudança
de comportamento (Silva, 2006, p.25).
Assim sendo, foi selecionado um doente que vivenciou uma situação de transição
saúde/doença em contexto de uma hepatite fulminante em janeiro de 2010 e, foi
efetuada uma análise aos registos eletrónicos de enfermagem, nomeadamente, à
avaliação inicial realizada no período pré-transplante.
Além disso, foi efetuada uma entrevista semiestruturada ao doente com intuito
de perceber a forma como o doente estava a vivenciar a sua transição de saúde/
doença.
Em resultado desta análise foi efetuado um quadro de caracterização do doente
selecionado para o estudo de caso (quadro 1).
QUADRO 1 ' Caracterização do doente selecionado para o estudo de caso
De seguida, foi percecionado a forma de aplicabilidade da teoria de médio
alcance de Meleis ao doente em estudo, tendo por base a análise efetuada e a
evidência científica relevante ao estudo.
Resultados
O doente refere que ( ) já tinha uns problemazitos de fígado, até que um dia me
senti fraco, mal disposto fui ao centro de saúde fiz análises, estava amarelo e
o TGO e o TGP estavam alterados, tive que ser internado no Hospital. E o médico
que me apareceu foi um Santo. Estava muito mal o transplante era a única
solução para uma nova vida.
O acontecimento do próprio transplante surge na vida do doente como um
imperativo, o que o ajuda na consciencialização da mudança que ocorre na sua
vida. Além disso, o reconhecimento por parte do doente da necessidade de
alteração dos seus estilos de vida ( ) vou ficar por casa, não me quero tentar
é o que mais me custa, ajuda-o na consciencialização de toda a situação. É de
salientar que no momento da análise desta transição o doente já tinha sido
transplantado. Neste sentido, é importante, ( ) ajudar o doente a tomar
consciência dos seus receios e emoções, de modo a evitar uma má adesão ao
processo terapêutico e uma possível rejeição ( ) (Abrunheiro, Perdigoto e
Sendas, 2005. p.140).
A perceção do doente do que é necessário mudar, irá ter forte impacto nos
resultados (Rafii, Shahpoorian e Azarbaad, 2008). Neste sentido, a
consciencialização envolve o conhecimento/reconhecimento de si em si mesmo e
das alterações subjacentes à situação de alteração da sua homeostasia.
Além da consciencialização da necessidade de mudança, é fundamental que o
indivíduo se sinta envolvido (engagement) na situação, o que tem uma influência
directa no nível de compromisso do indíviduo no processo. No que diz respeito à
propriedade da experiência da transição, o doente tem consciência da mudança
ocorrida na sua vida; tem perceção da necessidade de mudança mas não a
operacionalizou no sentido de estar completamente envolvido pela situação, ou
seja, não tem necessidade de procura de informação e exploração do que é
necessário operacionalizar na sua vida e, quando os profissionais de saúde
procuram envolvê-lo este refere ( ) não quero pensar muito nisto.
Um transplantado é uma pessoa revoltada. Um transplante hepático implica
mudança de comportamentos e estilos de vida para que a adaptação à nova
condição seja positiva e tradutora de enorme bem-estar.
Segundo Meleis et al. (2000), para compreender inteiramente o processo de
transição é necessário desvendar os efeitos e significados das mudanças que o
mesmo abarca. Assim, a natureza, temporalidade, seriedade percebida, normas e
expectativas pessoais, familiares e sociais, são dimensões das mudanças que
devem ser exploradas. O doente tem plena consciência das mudanças que ocorrem
na sua vida, nomeadamente no facto de se tornar dependente da companheira, nas
questões de saúde, em quem delega tudo, assumindo um locus de controlo externo.
Percebe a necessidade de não voltar a frequentar os cafés que frequentava para
não voltar a beber que ( )é o que mais me custa; ou seja, a mudança de estilos
de vida torna-se fundamental, assim como a adesão ao regime terapêutico, uma
vez que a não-adesão tem um forte impacto na diminuição da qualidade de vida
pelo aumento da taxa de rejeição.
A mudança pode estar relacionada com eventos críticos ou destabilizadores, com
ruturas nas relações e rotinas, ou com ideias, perceções e identidades (Meleis
et al., 2000). O transplante e o diagnóstico de toda a situação do doente
culminaram como eventos críticos na sua vida. Em resultado desta alteração de
vida, o doente refere que ( ) eu sentia-me mal, portanto, o transplante surge
como um imperativo. O enfermeiro necessita ter uma visão ampla, conhecimento e
experiência de forma a reconhecer todo o meio envolvente e ser um facilitador
do processo de transição.
As condições das transições podem ser denominadas por facilitadoras ou
inibidoras, além disso caracterizadas como pessoais ou relativas à comunidade,
e ajudam o enfermeiro a percecionar as condições que podem ajudar o doente a ir
ao encontro do bem-estar e as que colocam o doente em risco de vivenciar uma
transição difícil (Schumacher e Meleis, 1994).
As condições pessoais, por sua vez, podem ser subdivididas quanto aos
significados atribuídos aos eventos: crenças e atitudes, estatuto
socioeconómico, preparação e conhecimento. A preparação anterior facilita o
processo de transição, além de que o conhecimento do que é expectável durante a
transição e as estratégias de gestão da transição também são facilitadoras
(Meleis et al., 2000). No entanto, nesta situação de transplante hepático, não
foi possível uma preparação anterior, uma vez que a situação de transplante
ocorre em contexto fulminante. Além disso, o doente não teve contacto anterior
com outros doentes que passaram pela mesma situação e, anteriormente tinha
medicação prescrita à qual não aderia por não se sentir doente. Adicionalmente,
o doente sempre vivenciou o reflexo dos antecedentes familiares: a mãe faleceu
com problemas no fígado e o pai faleceu com problemas com o álcool. Estas
condições podem ser interpretadas como facilitadoras do processo de transição,
uma vez que o culminar drástico da situação dos pais pode levar o doente à
procura de comportamentos saudáveis no sentido de não sofrer as mesmas
consequências. No entanto, apesar de todo este conhecimento acerca da situação
dos pais, o doente continuou (pré-transplante) a assumir comportamentos de
risco associados à crença de que o ( ) álcool dava-lhe força. A vivência
durante anos da situação dos pais e a envolvência em todo um ambiente de risco
funciona como uma condição inibidora ao processo de transição, uma vez que
estes comportamentos estão integrados de forma fluida nas suas rotinas diárias.
Neste sentido, é fundamental o desenvolvimento de estratégias que visem a
identificação de todos os fatores prétransplante que podem ser tradutores de
maior risco após o transplante e, que sejam tradutores de menor qualidade de
vida após todo este procedimento de risco (Neuberger, et al., 2002).
Existem outros condicionalismos ao processo de transição, nomeadamente o
significado atribuído ao fator stressante pensei que tinha chegado o meu fim ,
as crenças culturais e atitudes ( ) o álcool dava-lhe força , Deus dá-me paz de
espírito .
As condições sociais podem ser encaradas como um condicionalismo, uma vez que o
doente não tem relação com os filhos, mas podem também ser encaradas como
facilitadoras pelo apoio da companheira na qual delega algumas das suas
responsabilidades. As condições socioeconómicas são facilitadoras do processo
de transição (...) vou ocupar o tempo com a minha companheira a passear vou
ter a reforma do trabalho que executei eu vivo bem, não estou preocupado
Os padrões de resposta são considerados de dois tipos, nomeadamente,
indicadores de processo e de resposta, através dos quais é possível avaliar o
conhecimento acerca da transição, os recursos próprios e a forma como é
encarado o momento crítico.
Os indicadores de processo incluem o sentir-se envolvido, a interação, o estar
situado, a confiança e o coping. Através destes indicadores é possível
encontrar um sentido para a transição, por forma a ser vivida de forma saudável
ou induzir estados de maior vulnerabilidade, o que se pode traduzir numa
redução da qualidade de vida. Apesar destes indicadores serem definidos pela
própria pessoa, o enfermeiro desempenha um papel orientador de forma a que a
transição seja promotora da qualidade de vida.
Os indicadores de processo como fatores que conduzem o doente em direção à
saúde ou à vulnerabilidade e risco, são os sentimentos de ligação ao processo
de transição, o desenvolvimento da confiança e mecanismos de coping eu não vou
falhar, confie em mim, assim ela me ajude , e a sua gestão do regime
terapêutico ineficaz, não tendo capacidade de auto-responsabilizar-se e gerir o
regime terapêutico.
Os indicadores de resultado são a mestria e a integração fluida. A mestria
indica se, com a vivência da experiência de transição, o indivíduo alcançou um
resultado positivo e saudável (Meleis et al., 2000). Como indicadores de
resultado interessa que o doente adquira qualidade de vida e bem-estar. Além
disso, é importante que faça uma gestão eficaz do regímen terapêutico de forma
a diminuir a probabilidade de rejeição do órgão, que caso ocorra, se traduzirá
numa diminuição da qualidade de vida e bem-estar. O estar situado pode ter um
impacto positivo pela comparação com outros doentes na mesma etapa. O
desenvolvimento da confiança e estratégias de coping focadas no problema ficam
favorecidos pela compreensão dos fenómenos inerentes ao processo de transição.
Na vivência de uma transição saudável, para que a pessoa se sinta envolvida, é
fundamental que o profissional, com quem se sentem familiarizadas, responda às
suas dúvidas (Meleis et al., 2000). A confiança no profissional de saúde e um
bom apoio social (família, amigos) terá reflexo na forma como adere ao regime
terapêutico.
Uma interação tem cariz positivo quando permite a clarificação de dúvidas,
comportamentos e atitudes. Neste sentido, o doente deverá ser capaz de
implementar todas as atividades que visam a adesão ao regímen terapêutico de
forma efetiva. Assim sendo, o tranplante hepático será integrado de forma
harmoniosa na vida do doente, pois só assim, é percecionado se o processo de
transição está concluído. Estes indicadores orientam os resultados esperados
com as intervenções implementadas em resposta às necessidades identificadas no
doente. Uma vez que não houve possibilidade de implementação das intervenções
de enfermagem, não foi possível avaliar o seu impacto nos resultados, ou seja,
se os resultados hipotéticos foram verificados na realidade. Após análise de
toda a situação vivenciada pelo doente foram planeadas áreas de intervenção de
forma a dar resposta à informação recolhida. A área das terapêuticas de
Enfermagem permite que o enfermeiro identifique a melhor ação para a manutenção
e promoção da saúde (Chick e Meleis, 1986). Assim, as terapêuticas de
Enfermagem podem ser situadas em termos preventivos, promocionais ou
interventivos. Em resposta às necessidades, foram planeadas intervenções que
visam a consciencialização do doente das necessidades que deve operar no
sentido da sua homeostasia, nomeadamente na vivência da nova condição enquanto
transplantado. Na promoção da adesão ao regímen terapêutico, tendo em vista a
diminuição do risco de rejeição e portanto, a promoção do bem-estar. Além
disso, dado que o apoio sócio familiar é reduzido e instável, é fundamental que
o doente se auto-responsabilize pela saúde e que seja promovido o potencial de
autonomia do doente, conforme o quadro 2.
QUADRO 2 ' Operacionalização da situação vivenciada pelo doente no Modelo
transacional de Meleis et al. (2000)
Discussão
A teoria das Transições de Meleis é uma teoria exequível uma vez que toda a
construção do modelo foi baseada em casos concretos, através dos quais induziu
o que estava na base do processo de tomada de decisão.
No entanto, a reflexão e antecipação de todo o percurso não é fácil uma vez que
o doente vive um processo dinâmico, ou seja, não é possível olhar para a teoria
de uma forma estanque em que os acontecimentos se sucedem uns aos outros. Este
percurso não é linear e necessita de um reconhecimento/reavaliação constante de
todo o processo. Assim sendo, é fundamental que os enfermeiros sejam detentores
de perícia para que sejam verdadeiros facilitadores do processo de transição.
Desta forma, poderemos ser verdadeiramente significativos para a população e
desenvolver uma ( ) Enfermagem com mais Enfermagem ( ) (Silva, 2007, p.18).
A transição vivenciada pelo doente, apesar da sua consciencialização, não
conduziu ao seu envolvimento em todo o processo, o que não contribuiu para a
melhoria do seu estado vulnerável. O doente não se sente envolvido na situação
pelo que se sente revoltado com o sucedido na sua vida. Contudo, o doente tem
perceção da necessidade de mudança pelo que é fundamental que os enfermeiros o
ajudem a desvendar os seus medos e angústias, por forma a serem verdadeiros
facilitadores do processo de transição. A identificação dos fatores inibidores/
facilitadores ao processo de transição permitiu que o enfermeiro enfatizasse os
fatores facilitadores e trabalhasse os fatores inibidores, de forma a não serem
um obstáculo à vivência de uma transição saudável. Com o desenvolvimento de uma
prática de Enfermagem que contemple estas dimensões, é possível a aquisição de
ganhos em saúde precursores de populações mais saudáveis.
Os enfermeiros são os profissionais que melhor podem desempenhar o papel de
facilitadores do processo de transição, pela sua maior proximidade e
conhecimento da realidade e necessidades das pessoas. No entanto, deve haver
uma consciencialização do enfermeiro de que o seu papel não é de substituição
mas de parceria, ou seja, o enfermeiro não deverá assumir uma atitude
paternalista mas sim ajudar o indivíduo no encontro do seu protótipo de bem-
estar e, portanto, da melhor qualidade de vida.
Um dos pontos que não tivemos oportunidade de implementar e obter foram os
indicadores de resultado. Neste doente, e devido ao contexto fulminante e
emergente do transplante, bem como pelos seus antecedentes pessoais, é exigido
um tempo diferente daquele que este trabalho e o contexto hospitalar permitem.
Porém, devido a um agravamento do estado clínico do doente também não foi
possível implementar o plano de cuidados. É importante notar que os indicadores
de resultados devem ser definidos pelo doente, não devendo ser uma meta para o
doente atingir imposta, pelos enfermeiros.
No entanto, após a análise de todo o processo de transição do doente,
verificamos que o caminho para a homeostasia seria favorecido pela
implementação de terapêuticas de enfermagem que visassem a promoção do
potencial de autonomia do doente e a adesão ao regime terapêutico.
Para que o enfermeiro seja um verdadeiro facilitador do processo de transição
necessita de ter conhecimento, experiência e uma visão alargada das condições
do doente. Neste sentido, deve colocar-se numa postura em que a recolha,
processamento e documentação da informação deve assentar numa perspetiva que
seja tradutora das reais necessidades do indivíduo e, que o doente seja
integrado no desenvolvimento de todo o seu plano assistencial.
Conclusão
Com o percurso traçado para este trabalho pensamos ter dado resposta aos
objetivos a que nos propusemos mas, acima de tudo, tomamos consciência da
necessidade de desenvolvimento de mais investigação no domínio das transições
de forma a desenvolver um cuidado mais sustentado e tradutor de uma melhor
gestão das necessidades em saúde das pessoas. Com este tipo de
desenvolvimentos, é possível diminuir o fosso entre a teoria e a prática, e
portanto, a melhoria contínua da qualidade dos cuidados.
Em resultado, consideramos que na avaliação de um doente, é necessário que o
enfermeiro esteja desperto para todos as dimensões, sejam elas intrínsecas e/ou
extrínsecas ao doente, para que a sua atuação seja tradutora de enorme bem-
estar, e que portanto, os cuidados prestados pelos enfermeiros sejam tradutores
de enorme qualidade.