Tradução e validação para a língua portuguesa do questionário de planeamento da
alta (PREPARED)
Introdução
Os avanços científicos, o desenvolvimento social, a aplicação de medidas de
política de saúde, e o próprio comportamento salutogénico do Homem nas últimas
décadas, têm sido apontados como fatores responsáveis pelo aumento da esperança
de vida. Paralelamente, com o crescimento da esperança de vida, tem-se
assistido ao aumento da incidência e da prevalência de problemas de saúde na
população e, inerentemente, ao aumento das necessidades em cuidados de saúde,
sendo do conhecimento geral que nem todas estas necessidades podem ser
satisfeitas.
De facto, os hospitais não estão vocacionados nem possuem todos os recursos que
lhes permitam uma prestação de cuidados até à completa recuperação das
capacidades dos doentes, de forma a poderem assumir todas as atividades da sua
vida diária. Verifica-se, muitas vezes, que aqueles são submetidos a um
processo de alta precoce, nem sempre estando assegurado que o doente e
eventuais cuidadores estão suficientemente habilitados e informados acerca dos
cuidados indispensáveis para o restabelecimento do seu estado de saúde.
Também a expectativa dos doentes e da família no momento de entrada numa
instituição hospitalar é muito elevada, encontrando-se associada a um conjunto
de ansiedades, dúvidas, incertezas e medos, acerca de tudo o que irá acontecer
e de como se irá desenvolver o processo de internamento e consequente
recuperação. Neste sentido, a continuidade dos cuidados é encarada como a
componente chave do processo de prestação de cuidados (Bull, Hansen e Gross,
2000) e é vista pelos doentes e seus familiares cuidadores ou cuidadores
informais como a informação recebida relativa à medicação, à condição clínica,
às atividades possíveis de serem realizadas e às ofertas de serviços
comunitários.
Planeamento de alta
A hospitalização de um doente visa, sobretudo, ajudá-lo a recuperar de um
problema de saúde, no intuito de melhorar e de se reintegrar na sociedade o
mais rapidamente possível. O planeamento da alta é considerado um dos processos
que permite identificar e organizar os serviços de saúde e de apoio na
assistência aos doentes e seus familiares, contribuindo para o sucesso no
período após a alta (Grimmer et al. 2006). Assim, é muito importante que
doentes e cuidadores sejam bem integrados no planeamento da alta, sendo
envolvidos em todos os aspetos relativos à prestação de cuidados, devendo este
processo de aprendizagem iniciar-se o mais cedo possível e ser transversal a
todo o período de hospitalização, de modo a poderem ser desenvolvidas
competências que promovam a qualidade de vida e a otimização do processo de
reabilitação (Martins, Ribeiro e Garret, 2004).
De acordo com Aguillar e Angerami (1992), a alta traduz a resultante de um
conjunto de intervenções, cuidados médicos e de enfermagem, bem como a perceção
de missão cumprida, revelando-se a ponte entre os cuidados hospitalares e os
cuidados domiciliários. A alta está associada, por um lado, a uma conquista e,
por outro, a um conjunto de incertezas, medos e ansiedade, relativos à
transferência do hospital para casa. Constituindo a última fase do processo de
internamento, a alta não deve ser encarada como a etapa final do processo de
prestação de cuidados, mas sim como uma das suas fases, uma vez que se aposta,
cada vez mais, na continuidade dos cuidados. A alta deve permitir a readaptação
do doente ao seu ambiente familiar e comunitário nas melhores condições
possíveis (Alfonso et al., 1999). Além disso, a forma como o processo da alta
se desenvolve tem, também, implicações diretas nos posteriores contactos a
estabelecer com as instituições hospitalares, uma vez que o momento da alta,
quando resultante de um ambiente atencioso e cuidado, permite o estabelecimento
de uma relação empática e agradável, que irá marcar aquele período de
internamento.
A expressão planeamento da alta' é, assim, empregue para descrever todo o
processo decorrente do momento da alta hospitalar, facilitando o planeamento
das intervenções necessárias à satisfação das necessidades dos doentes em
cuidados de saúde, com o objetivo de proporcionar a continuidade dos cuidados,
na perspetiva da tríade doente-família-comunidade. Trata-se de um processo
contínuo e que deve ser iniciado no dia da admissão hospitalar, envolvendo o
doente, a família e a equipa de saúde, visando a garantia de obtenção de ganhos
em saúde (Grimmer et al., 2006).
Neste sentido, e de acordo com Grimmer e Moss(2001), podem considerar-se os
seguintes objetivos do planeamento da alta: minimizar o número de dias
desagradáveis em ambiente hospitalar intensivo; permitir ao doente reassumir a
sua vida social; facilitar a rápida transição dos doentes do meio hospitalar
para a comunidade; conduzir à resolução de problemas e à obtenção de metas,
tendo em conta as expectativas dos doentes, dos cuidadores informais e dos
profissionais de saúde, sem prejudicar os imperativos dos hospitais.
Na opinião de Grimmer, Hedges e Moss (1999), o planeamento da alta pode ser
estruturado em quatro fases. São elas: (i) o conhecimento das necessidades dos
doentes que irão ter alta, (ii) o desenvolvimento de planos de alta
pertinentes, (iii) a implementação dos planos elaborados e (iv) a avaliação dos
resultados obtidos.
Verifica-se, no entanto, que se tem dado muito mais ênfase ao processo da alta
do que aos seus resultados, daí se compreender a escassez de bibliografia com
informações dos profissionais, dos doentes e dos cuidadores acerca da sua
avaliação (Chao, 1988; Peters, Fleuren e Wijkel, 1997). De facto, pouco se tem
escrito acerca da última fase do planeamento da alta. Encontram-se referências
às três primeiras fases realizadas pelos profissionais de saúde, constatando-se
que, neste âmbito, poucas informações existem sobre a perceção dos doentes e
cuidadores.
Por outro lado, uma avaliação económica do planeamento de alta exige uma
identificação e uma medição dos benefícios e dos custos, sob a perspetiva da
sociedade, e não apenas com base na redução de dias de internamento (Blaylock e
Cason, 1993).
Em Portugal, só recentemente se tem manifestado interesse por esta temática,
com os processos de planeamento de alta a serem encarados como critérios
importantes para a avaliação da qualidade dos cuidados de saúde, atualmente
considerada como exigência social, política e cultural, ilustradora do nível de
desenvolvimento do país.
Perante a importância da avaliação do planeamento da alta e da constatação da
inexistência de instrumentos validados para a população portuguesa, selecionou-
se um instrumento de avaliação que permite, em contexto comunitário, medir a
perceção dos doentes e seus cuidadores relativamente à qualidade das atividades
hospitalares no âmbito do planeamento da alta. Assim, a presente investigação
tem como objetivo a tradução e validação da versão portuguesa do Questionário
PREPARED.
O questionário PREPARED
O questionário PREPARED é um instrumento de avaliação da qualidade do
planeamento da alta, da autoria de Karen Grimmer, professora na Universidade da
Austrália do Sul e diretora do Centre for Allied Health Evidence. O nome deste
instrumento provém de um acrónimo composto por oito letras com o seguinte
significado: (P)rescriptions; (R)eady to enter community; (E)ducation;
(P)lacement; (A)ssurance of safety; (R)ealistic expectations; (E)mpowerment;
(D)irected to appropriate services.
Construído com base em entrevistas a doentes, cuidadores informais e
profissionais de saúde, foi testado e modificado de modo a garantir uma medição
precisa dos atributos do processo de planeamento de alta e dos seus resultados
(Grimmer e Moss, 2001).
É composto por quatro versões coerentes (doentes, cuidadores, clínicos gerais e
gestores de organizações de cuidados continuados). No entanto, neste artigo,
referenciam-se apenas as versões doente e cuidador que traduzem o grau de
preparação do doente e seu cuidador para a alta, bem como as suas expectativas
relativamente à organização e disponibilização de serviços e equipamentos na
comunidade no período pós-alta.
Os questionários apresentam-se dispostos em secções com perguntas ordenadas de
uma forma cronológica. Assim, começam por uma caracterização sociodemográfica e
clínica dos respondentes e prosseguem com perguntas em que é medido o tipo de
informações que receberam durante o internamento em três momentos diferentes:
(i) antes de ter tido alta, (ii) depois de saber que iam ter alta e (iii)
depois de terem deixado o hospital.
A sua validade divergente foi testada através de comparação com os resultados
do SF-36, no pressuposto de que se tratava de uma medida de perceção dos
doentes sobre cuidados, independentes da sua perceção sobre a qualidade de vida
relacionada com a saúde (Grimmer e Moss, 2001). Estes autores concluíram que se
trata de um instrumento que mede aspetos não avaliados pelo SF-36. A validade
de conteúdo foi testada através das correlações entre indicadores de processo e
de resultado referentes à alta.
A aplicação do questionário foi acompanhada por entrevistas semiestruturadas,
tendo surgido destas entrevistas, por análise fatorial, quatro domínios de
processo: (i) informação sobre a existência de estruturas de apoio; (ii)
informação sobre a medicação e respetiva adesão terapêutica; (iii) preparação
para a alta e preocupação com a reintegração na comunidade e (iv) controlo
sobre as circunstâncias associadas à alta. A cada um destes domínios de
processo estão associadas várias perguntas, conforme é apresentado no quadro 1,
podendo ser calculado um indicador total de processo através da soma das
pontuações dos quatro domínios.
QUADRO 1 ' Domínios de processo
O domínio informação sobre estruturas de apoio preocupa-se com a informação
que é fornecida sobre a forma de conseguir desempenhar as suas atividades da
vida diária (avd) quando regressasse a casa (fazer compras, tomar banho, entre
outras). Além disso, refere, também, os serviços domiciliários (por exemplo,
cuidados domiciliários, visitas de enfermagem e alimentação ao domicílio) a que
o doente pudesse recorrer ou o equipamento que pudesse necessitar quando
estivesse em casa (por exemplo, apoios para as mãos, cadeira de banho ou ajudas
técnicas para andar).
O domínio informação sobre a medicação analisa que informação foi fornecida
ao doente sobre a medicação que ia levar para casa e sobre os eventuais efeitos
secundários. Verifica, também, se lhe foram dadas instruções por escrito sobre
os medicamentos.
Em relação à preparação para a reintegração questiona se há mais alguma
informação que o doente gostaria de ter recebido quando estava no hospital para
preparar o seu dia-a-dia em casa e verifica se o doente anda preocupado com a
sua reintegração em casa.
Finalmente, o domínio controlo sobre as circunstâncias vê se o doente se
encontra confiante para executar as tarefas diárias em casa e se houve algum
atraso no dia em que teve alta do hospital.
Por outro lado, o indicador de resultados é obtido pela soma das respostas às
quatro perguntas seguintes: (i) Em geral, até que ponto se sentiu preparado
para regressar a casa; (ii) Foi feita alguma coisa para lidar com as suas
preocupações; (iii) Se já recebeu serviços comunitários, foram ao encontro das
suas necessidades; (iv) Se o equipamento já foi fornecido, foi ao encontro das
suas necessidades.
Existem, também, perguntas relativas aos custos associados ao internamento e
aos serviços utilizados após a alta (deslocação, combustíveis, medicamentos e
despesas de saúde no setor público e privado), para além de um indicador geral
de satisfação com o planeamento de alta.
Por fim, são incluídas perguntas abertas questionando se houve alguns aspetos
da preparação para a alta, ainda enquanto no hospital, em relação aos quais
gostasse de fazer mais comentários e, depois de ter saído do hospital,
relativamente aos cuidados que recebeu.
Metodologia
O objetivo do presente estudo foi traduzir para a língua portuguesa e validar
as versões doentes e cuidadores do questionário PREPARED através das suas
propriedades psicométricas. Para a criação e validação de cada um destes
instrumentos de avaliação da qualidade do planeamento de alta seguiu-se uma
metodologia composta por duas fases: (i) a fase de tradução e adaptação
cultural do questionário e (ii) a fase da validação.
A opção pelo referido instrumento de avaliação foi efetuada após uma revisão da
literatura produzida relativamente ao planeamento da alta que, nos diversos
estudos consultados, elencam como variáveis a relacionar, obrigatoriamente, a
informação veiculada ao doente e cuidador, dirigida à medicação e às estruturas
de apoio existente, aos serviços disponíveis na comunidade, às preocupações com
a capacidade de satisfação das necessidades de vida diária e às circunstâncias
da alta.
A pertinência destes domínios de variáveis é reforçada por Bull, Hansen e Gross
(2000) ao referir que, no que respeita ao planeamento de alta, os doentes e
seus familiares/cuidadores informais percecionam a continuidade de cuidados,
tendo em conta a informação que receberam relativamente à medicação, estado
físico, atividades e serviços comunitários. Ainda segundo os mesmos autores, a
qualidade deste planeamento encontra-se dependente do nível de preparação
realizada no hospital e do grau de dificuldade apresentada pelos doentes em
assumir essas atividades.
Com a fase de tradução do questionário pretendeu-se obter uma versão em
português, linguisticamente correta e equivalente à versão original. Seguindo a
metodologia tradução/retroversão, esta fase começou com a produção de duas
versões em português, geradas independentemente por dois tradutores portugueses
fluentes em inglês. Ambas as traduções foram analisadas e comparados os seus
conteúdos, tendo sido produzida uma única versão de consenso. De seguida, esta
versão foi submetida a uma retroversão, tornando possível a comparação com a
versão original. Do resultado desta comparação surgiu uma nova versão em
português.
Esta última versão passou pela análise de um especialista linguista que a
analisou em termos gramaticais e da língua portuguesa. Foi submetida a um
especialista clínico que comparou, para cada item do questionário, as versões
original em inglês e a obtida em português. Ainda na fase linguística foi feito
um teste de compreensão com um pequeno grupo de doentes para detetar problemas
de ambiguidade ou de dificuldade de compreensão por parte dos destinatários do
questionário e testou-se a validade de conteúdo (facial).
Na fase de validação do questionário analisou-se a vertente de construção,
através da análise fatorial e da correlação entre indicadores de processo e de
resultado. A análise fatorial permitiu confirmar as dimensões de processo e
resultado referidas pela autora.
A amostra utilizada para validar o PREPARED foi obtida do universo dos doentes
internados com alta clínica do Departamento Cirúrgico (Serviços de Cirurgia de
Cabeça e Pescoço/Urologia, Cirurgia Geral e Ginecologia) do Instituto Português
de Oncologia de Coimbra Francisco Gentil, EPE, durante o período compreendido
entre 16 de abril e 31 de maio de 2007. Foi efetuado um pedido formal a cada um
dos Diretores de Serviço.
Para garantir o anonimato e a confidencialidade das informações recolhidas, a
entrega dos questionários foi efetuada em sobrescrito fechado no momento da
alta, contendo dois outros sobrescritos, RSF para envio, por correio, dos
questionários para o doente e respetivo cuidador. Foi-lhes pedido que
respondessem entre o sétimo e o décimo dia após a alta. Foi-lhes, também,
pedido o contacto telefónico para os lembrar quando decorressem oito dias da
data da alta. Apesar de terem sido contactados telefonicamente, o anonimato não
foi quebrado, uma vez que apenas se reforçou a ideia de preenchimento e não
foram feitas quaisquer perguntas ao telefone. Independentemente destes
procedimentos de confidencialidade, foi, também, solicitada e obtida
autorização ao Presidente do Conselho de Administração e parecer da Comissão de
Ética do hospital.
Resultados
Após o processo de tradução/retroversão que garantiu a equivalência semântica e
cultural entre as versões original e em português, obteve-se um questionário
que, posteriormente, foi submetido a teste de compreensão e de validação.
Testes de compreensão
Em relação à versão para doentes, do processo de tradução-retroversão resultou
uma primeira versão em português que foi submetida a uma amostra de dez
doentes, maioritariamente do sexo feminino, com uma idade média de 56,5 anos e
uma mediana etária de 57 anos. Sete tinham sido submetidos a uma mastectomia,
um outro a uma colostomia, outro a um esvaziamento cervical e, por fim uma
outra doente a quem foi realizada uma herniorrafia e mastectomia. Relativamente
à profissão, 30% estavam reformados e os restantes distribuídos por atividades
ligadas aos setores secundário e terciário. Nenhum doente declarou ter tido
qualquer dificuldade de compreensão do questionário, ou em entender as
palavras, e todos consideraram tratar-se de um questionário claro, embora um
pouco longo, com um tempo médio de preenchimento ligeiramente inferior a 25
minutos.
Para a versão para cuidadores foram também selecionados dez elementos de entre
gestores, metalúrgicos, enfermeiros, administrativos, professores, domésticas,
reformados e desempregados. Oitenta por cento eram do sexo feminino, a idade
média era de 47,8 anos, com uma mediana de 51 anos. De uma forma geral,
referiram não ter tido qualquer dificuldade na compreensão do questionário, com
30% também a opinar tratar-se de um questionário um pouco longo. O tempo de
preenchimento desta versão do PREPARED foi de 24 minutos, de uma amplitude de
dez a trinta e cinco minutos.
Teste de validação
Avançou-se então para a validação do instrumento de medição a partir da
aplicação do questionário a uma população de doentes do foro cirúrgico e seus
cuidadores do hospital central atrás referido.
Os critérios de inclusão para os doentes foram: saber ler e escrever, ter sido
submetido a um internamento de cirurgia, num mínimo de três dias e o
consentimento em colaborar no estudo. Em relação à versão para os cuidadores,
foi também exigido saber ler e escrever, consentir colaborar no estudo e a
autoidentificação como cuidadores.
Foram distribuídos 200 questionários a doentes e outros 200 a cuidadores.
Recebeu-se um total de 129 questionários de doentes e 118 de cuidadores,
correspondendo, respetivamente a uma taxa de respostas de 64,5% e 59,0%. A
tabela 1 apresenta as características das amostras de doentes e de cuidadores
que responderem a este questionário.
TABELA 1 ' Características das amostras de doentes (n=129) e de cuidadores
(n=118)
Analisando estes quadros, verifica-se uma distribuição do género feminino de
70,5% dos doentes, e de 61,2% dos cuidadores. Cerca de dois quintos dos doentes
teve alta antes das 14 horas, sendo que, em média, a alta se verificou entre as
10 e as 12 horas. Enquadrado nas circunstâncias da alta, quando questionados
sobre a eventualidade de atrasos na alta, os dois grupos do estudo foram
coincidentes na opinião de que tal não ocorreu para 96,5% dos doentes e para
93,5% dos cuidadores.
Ainda associado ao período pós-alta verificou-se que os profissionais mais
solicitados pelo doente na primeira semana após a alta foram, em média e por
ordem decrescente de episódios, os enfermeiros em 79% dos casos, os médicos de
família em 55%, outras pessoas em 39% e o farmacêutico em 21%. Para o cuidador,
os profissionais mais solicitados foram o médico de família em 12%, seguido dos
enfermeiros e dos farmacêuticos, ambos com 6%.
Indicadores de processo e de resultado
Com base nos indicadores de processo já anteriormente definidos, obtiveram-se
os resultados apresentados na tabela 2. Pela análise dos resultados obtidos
para os domínios da informação, detetam-se valores diferentes segundo a
perspetiva dos doentes e dos cuidadores. Assim, segundo a opinião dos doentes,
a informação recebida foi a necessária relativamente à medicação (57,6%), aos
efeitos secundários (40,8%) e às instruções por escrito sobre os medicamentos
(37,2%). No caso dos cuidadores, em relação à informação recebida sobre a
medicação que o doente ia levar para casa, 39,1% referiram que foi a necessária
e 35,4% afirmam não ter recebido informação sobre os efeitos secundários dos
medicamentos.
TABELA 2 ' Domínios de processo para os doentes e para os cuidadores
Quanto à informação relativa à preparação para a realização das atividades da
vida diária, no caso dos doentes, e como conseguir prestar cuidados ao doente,
por parte do cuidador, o presente estudo revelou que 75,4% dos doentes
consideram que a informação recebida foi a necessária, e que 53,0% dos
cuidadores afirmam não terem sido informados.
Na análise dos resultados associados à informação sobre serviços comunitários a
que os doentes pudessem recorrer, constatou-se que para 70,2% não eram
necessários, o mesmo acontecendo para 67,8% dos cuidadores. Verificou-se ainda
que, para os dois grupos, 17,8% dos doentes e 21,6% dos cuidadores, ao
afirmarem necessitar de equipamentos, referiram não ter recebido qualquer
informação. Relativamente aos serviços comunitários, as respostas proferidas
pelos dois grupos mostram não ter existido qualquer transferência de informação
nesse sentido, apresentando valores de 23,5% para o doente e 31,9% para os
cuidadores.
Em relação ao nível de confiança para executar as tarefas diárias em casa, os
doentes referiram que em 52,9% dos casos se encontravam confiantes, assim como
85,2% dos cuidadores, apesar de, anteriormente, 53,0% destes terem referido não
lhes ter sido dada informação para o cuidar. Este nível apurado para os
cuidadores poderá estar relacionado com o facto de que 87,0% assumirem não
serem o cuidador único, partilhando o cuidar com outros familiares e amigos.
Quanto à questão da preocupação com a realização das atividades diárias, 69,4%
dos doentes referem que se sentem preocupados e 84,2% dos cuidadores confirmam
a mesma ideia relativamente aos cuidados que têm que prestar na sua função de
cuidador. Assim, inserido no mesmo domínio das preocupações para a retoma das
suas atividades de vida diária, constatou-se que dos 37 doentes e 18 cuidadores
que relataram ter preocupações, foram estabelecidas estratégias de apoio a
29,7% doentes e a 22,2% cuidadores.
Os indicadores de resultados estão apresentados na tabela 3. O surgimento de
problemas inesperados após o regresso a casa não foi sentido por 86,8% dos
doentes, o que se reflete na estabilidade dos níveis de confiança do cuidador,
pois 90,0% mencionam não ter surgido nenhuma complicação pós alta. Em resposta
à questão se já recebeu serviços comunitários e equipamentos e se estes foram
ao encontro das necessidades dos doentes e dos cuidadores, verificámos que
91,3% dos doentes não recebeu qualquer serviço comunitário e os restantes 8,7%
receberam e sentiram-se satisfeitos. No que se refere ao equipamento, 90,2%
indica que não foi fornecido qualquer equipamento, embora 9,8% tenham recebido
e tenham ficado satisfeitos. Quanto ao cuidador, em relação aos serviços
comunitários, 92,5% afirmaram que não receberam e 6,5% que receberam e foram ao
encontro das suas necessidades. No que respeita ao equipamento 96,1% referiram
não ter recebido qualquer equipamento e 3,9% consideraram que o equipamento
recebido os tinha satisfeito.
TABELA 3 ' Indicadores de resultados para os doentes e para os cuidadores
Quanto ao nível de preparação do doente para regressar a casa, 59,2% referem
que poderiam ter sido mais bem preparados e 35,2% sentiram-se completamente
preparados. No que concerne ao cuidador, 72,3% afirmam sentir-se completamente
preparados para tratar do doente em casa, enquanto 20,5% consideram que
poderiam ter sido mais bem preparados.
Do conjunto dos resultados obtidos por tratamento das diferentes questões
emerge a noção de que o planeamento da alta e a sua qualidade é multicausal e
com associações de variáveis que revelam afinidades aparentes.
Testou-se, também, a independência entre as medidas de processo e as de
resultado para ambas as versões do questionário PREPARED, correlacionando cada
um dos quatro domínios de processo com o indicador de resultados. A tabela 4
apresenta os valores destas correlações. Pela análise desta tabela, verifica-se
que são correlações fracas ou moderadas, indicando tratar-se de atributos
diferentes da qualidade do planeamento de alta. Resultados semelhantes foram
obtidos pelos autores do questionário (Grimmer e Moss, 2001). Os resultados das
versões, doente e cuidadores, não foram comparados pois crê-se que medem
perceções independentes da qualidade do planeamento de alta.
TABELA 4 ' Correlação entre domínios de processo e indicador de resultados
Validade de construção
Aplicando a análise fatorial aos indicadores de processo, encontraram-se os
valores e os quatro fatores, apresentados na tabela 5, associados a uma
variância total explicada de 61%. Os quatro fatores encontrados são muito
próximos dos apresentados pelos autores, podem ser identificados como: (i)
informação sobre a medicação; (ii) informação sobre estruturas de apoio; (iii)
preocupações com a reintegração na comunidade; (iv) controlo das circunstâncias
da alta.
TABELA 5 ' Fatores da versão PREPARED doente
Da análise fatorial realizada com base nos indicadores de processo do
questionário destinado aos cuidadores foram também obtidos os quatro fatores
apresentados na tabela 6, correspondendo agora a uma variância total explicada
de 71%. Deste quadro, podem detetar-se os seguintes quatro fatores: (i)
obtenção de serviços e equipamento; (ii) informação sobre serviços e
equipamento; (iii) informação sobre medicação; (iv) atraso na alta. Os
resultados desta análise fatorial permitem observar que a estrutura do
questionário se manteve muito semelhante à original, tal como também aconteceu
com a versão para doentes.
TABELA 6 ' Fatores da versão PREPARED cuidador
Custos associados ao internamento
Segundo os nossos resultados, o internamento representa um acréscimo de
despesas para 66,4% dos doentes e para 67,0% dos cuidadores. Quando se lhes
pede para especificar em que é que gastaram mais, os cuidadores referem o terem
passado a deixar a luz acesa toda a noite e os aquecedores ligados mais tempo.
A tabela 7 apresenta os valores médios das despesas mais importantes. Deste
quadro evidencia-se uma maior despesa em táxi, outros transportes e
combustível, provavelmente resultantes da vasta área de abrangência deste
hospital.
TABELA 7 ' Despesas médias resultantes do internamento
Discussão
Este estudo permitiu a criação da versão portuguesa do PREPARED e a sua
validação. Os resultados permitem caracterizar o cuidador principal como sendo
o cônjuge ou filho/a com percentagens de 55,2% e 26,7%, respetivamente,
habitando na mesma residência que o doente em 77,6% dos casos. Estes dados
confirmam os resultados de Resta e Budò (2004) em que, no que concerne ao grau
de parentesco dos cuidadores, as percentagens maiores correspondem às esposas e
filhas, seguidas de noras e amigas, aparecendo as vizinhas, os netos e as irmãs
com menor frequência. No que respeita à relação estabelecida entre os
cuidadores e o doente, verifica-se uma relação de proximidade efetiva e física,
uma vez que a maior percentagem de cuidadores coabita com o doente. Também no
seu estudo de 2000 sobre as necessidades dos cuidadores de doentes idosos no
processo de transferência do hospital para casa, Shyu (2000) considera que a
equipa de cuidadores pode ser constituída por vários elementos da família,
destacando-se os filhos, pois são considerados como os mais capazes para lidar
com as formalidades inerentes ao processo da alta e para assegurar e
interiorizar a troca de informação com a equipa hospitalar. No entanto, também
se verifica que as noras são muitas vezes nomeadas como cuidadores principais
dos doentes, o que reforça o género feminino do cuidador principal e apresenta
como cuidador de primeira linha os filhos/as o que não se revelou no nosso
estudo, podendo este facto estar relacionado com o grupo etário mais
representativo da nossa amostra e com o seu estado civil.
Relativamente à hora do dia em que os doentes tiveram alta do hospital, esta
situação não é sobreponível com os resultados encontrados em outros estudos
sobre a satisfação com a alta, nomeadamente por Kravet et al. (2007) onde este
autor verificou que a alta era realizada depois das 16 horas e concluiu que,
quanto mais cedo for proporcionada a alta ao doente, mais hipóteses há de
aumentar os seus níveis de satisfação.
Ao analisar os resultados dos indicadores de processo e de resultado, verifica-
se mais uma vez, que a comunicação é essencial no planeamento da alta, uma vez
que é através dela que se transmitem todos os conhecimentos e informações que
são o garante da continuidade dos cuidados, com base na prestação de serviços
de saúde de qualidade que visam a satisfação dos doentes, cuidadores e
profissionais (Hedstrom, 1992). De referir que, quanto a esta transmissão de
informação acerca da medicação prescrita e dos seus efeitos secundários, o
estudo de O'Connell e Johnson (1992) relativamente à avaliação do conhecimento
sobre medicação em doente idosos, revela que é essencial que se estabeleçam
programas educacionais sobre medicação, em que se forneça informação escrita e
verbal aos doentes idosos, no intuito de estes serem capazes de dominar os
conhecimentos sobre o regime terapêutico a que são submetidos, facilitando o
reconhecimento dos efeitos secundários e das reações adversas e a conformidade
da toma em relação à dose prescrita.
Abordando em concreto a informação relativa aos efeitos secundários dos
medicamentos, situação diferente é encontrada nos estudos de Pullar et al.
(1989) onde se conclui que muito poucos doentes estão informados acerca dos
efeitos secundários possíveis e quais as precauções a tomar, sendo que mais de
metade da sua amostra revelou não saber por quanto tempo deveria tomar os
medicamentos.
Por outro lado, nota-se que a ausência de informação dos cuidadores perante os
medicamentos que os doentes, a seu cuidado, levam para o domicílio é
evidenciada no estudo de Miasso e Cassiani (2005). Este estudo aborda a
orientação da enfermagem no que concerne à administração de medicamentos na
preparação da alta hospitalar, observando que, quando são os cuidadores os
responsáveis pela administração dos medicamentos aos doentes, estes revelam não
ter sido muito orientados neste sentido. No entanto, quando questionavam os
profissionais sobre este assunto recebiam informações insuficientes, o que
corresponde aos resultados encontrados no nosso estudo para a mesma questão.
Enquadrando estas estratégias de apoio, o estudo realizado por Cleary, Horsfall
e Hunt (2003) revela que os doentes se sentem satisfeitos com o respeito e a
delicadeza com que foram tratados por parte da equipa hospitalar, com a atenção
dispensada para escutar as suas preocupações, com a qualidade dos cuidados
prestados pelos enfermeiros e com o facto de terem tido em conta as suas
necessidades ao longo do período de internamento.
No âmbito dos equipamentos, e de forma a minimizar os problemas mais
frequentemente vividos no domicílio, Cox (1996) verificou que a existência de
serviços comunitários, aos quais o doente e o cuidador possam recorrer,
facilita a prestação de cuidados e permitem uma melhor qualidade, evitando o
desgaste e a exaustão de ambos e diminuindo o risco de surgirem complicações e
readmissões.
A finalizar, atendendo a que, por vezes, a alta é programada num momento em que
os doentes se encontram ansiosos para ir para casa, é compreensível que não
haja tempo para uma preparação convenientemente eficaz e que os doentes sintam
alguma dificuldade em interiorizar tudo aquilo que lhes é transmitido, não se
considerando este preciso momento como o ideal para satisfazer as necessidades
de informação (Grimmer et al., 2006).
Conclusão
Apesar de os familiares ou cuidadores informais serem considerados como
elementos vitais na assistência aos doentes após a alta, é do conhecimento
geral que os profissionais de saúde ainda não os incluem de forma sistemática
nos processos de tomada de decisão e de planeamento da alta, desconhecendo por
vezes questões de saúde ou de outras áreas que podem prejudicar o processo de
recuperação do doente.
Os questionários PREPARED podem ser encarados como instrumentos de uma
abordagem de melhoria contínua da qualidade nos cuidados agudos (Grimmer.
Hedges e Moss, 1999). Face aos resultados deste estudo e aos objetivos que
presidiram à sua elaboração, verificou-se que estes questionários oferecem uma
estrutura válida para obter informação, tendo por base a opinião dos doentes e
cuidadores, relativa à perceção da qualidade do planeamento da alta.
A validade dos questionários na versão portuguesa foi confirmada pela análise
fatorial, tendo-se mantido os quatro domínios e pelo estudo das correlações
entre as pontuações originais dos domínios de processo e de resultado,
verificando-se uma concordância com os resultados obtidos pela autora na
validação da escala original. Confirmou-se que na qualidade do planeamento da
alta estão implicados todos os domínios identificados, sendo a informação e
comunicação os pilares estruturantes de todo o processo.
As possíveis aplicações destes instrumentos são variadas e, se adequadamente
utilizadas, poder-se-ão tornar valiosos para a saúde pública, pois permitem
avaliar os processos inerentes ao planeamento da alta. A deteção de áreas de
processos menos bem conseguidas, sob o ponto de vista dos doentes e cuidadores,
poderá ser extremamente útil se tivermos uma atitude de melhoria contínua da
qualidade. Essa é, para nós, a principal utilidade deste instrumento de
medição.
Perante as exigências deste tipo de trabalho é natural que se detetem algumas
limitações, principalmente no que concerne à devolução dos questionários
preenchidos pelos doentes e cuidadores, exigindo um contacto telefónico prévio
que nem sempre foi conseguido na data prevista. Por outro lado a distribuição
dos mesmos exigia a presença do investigador no momento da alta do doente e a
motivação do doente e cuidador em aderir e colaborar no estudo. Sugere-se para
investigações futuras o alargamento do prazo estipulado para a colheita de
dados e a aplicação do questionário nas versões de Clínicos Gerais e Gestores
de Organizações de Cuidados Continuados.