Expectativas dos doentes face ao internamento numa Unidade de Cuidados
Paliativos
Introdução
Atualmente, com o crescente aumento da esperança média de vida, os índices de
envelhecimento e as alterações na estrutura familiar conduziram, entre outros
aspetos, à exclusão da morte e de quem está a morrer de doença prolongada. Este
contexto sócio- demográfico específico, caracterizado pelo crescente aumento de
situações de dependência funcional de uma faixa etária cada vez mais
envelhecida, é citado como característica fundamental da sociedade moderna. É
hoje frequente, perante doentes em fase terminal, conduzi-los para hospitais
concebidos e vocacionados para o tratamento da doença aguda, recebendo aí
cuidados que não se ajustam às suas reais necessidades (Barbosa, 2003).
A formação e atuação dos profissionais de saúde são direcionadas para a cura da
doença do ponto de vista estritamente técnico e não para lidar com a pessoa
doente em processo de transição. Esta atitude de relutância em admitir
claramente a naturalidade da ocorrência da morte traduz-se na desumanização dos
cuidados. O ser humano contemporâneo acaba privado da sua própria morte, ligado
a tubos e aparelhos, privado de sua consciência e individualidade (Pacheco,
2002; Sapeta e Lopes, 2007).
Recorrendo a dados demográficos da Organização Mundial de Saúde (Portugal,
2008) pode estimar-se que cerca de 80 % dos doentes com cancro que virão a
falecer podem necessitar de Cuidados Paliativos diferenciados. Tendo em conta
os números de mortalidade anual em Portugal, cerca de 18.000 doentes com cancro
podem necessitar, anualmente, de Cuidados Paliativos. Por outro lado, devem ser
tidas em consideração as patologias debilitantes, para além do cancro, que
podem requerer apoio intenso no alívio do sofrimento. Em múltiplas ocasiões,
existem co-morbilidades que se desenvolvem de uma forma progressiva em semanas
ou meses, com frequentes crises de necessidades. Tendo em conta estas variáveis
de contexto é previsível que nos próximos anos as necessidades de Cuidados
Paliativos aumentem de forma significativa.
A par desta situação, também encontramos sérios desafios para a criação de
UCP´s nas instituições, relacionados com políticas inconsistentes na
implementação de unidades especializadas, deficiente formação/educação dos
profissionais de saúde e da comunidade, bem como, limitações no fornecimento de
fármacos necessários no alívio da dor (Hall et al., 2011).
Para contrariar a ideia que se tem deste tipo de cuidados em Portugal, a
disciplina de Enfermagem desenvolve-se e evolui em torno da especialização, do
aprofundamento de competências e da expansão do saber. Os Cuidados Paliativos
procuram maximizar o bem-estar, a dignidade e a autonomia do doente em fim de
vida e seus familiares. As unidades de internamento são criadas a pensar nos
cuidados de saúde a doentes com doença terminal que por questões clínicas, por
circunstâncias familiares ou outras, se encontram impossibilitados de
permanecer na sua casa (WHO, 2010).
Perante esta perspetiva e no sentido de responder às necessidades de cuidados
de saúde da população portuguesa, este estudo pretende indagar as expectativas
dos doentes quando internados numa UCP. Procura apreender o essencial do
processo de transição dos doentes em fim de vida, com a finalidade de adquirir
conhecimentos para uma prática de cuidados de enfermagem de excelência.
Definiu-se então como questão de investigação: Quais as expectativas dos
doentes face ao internamento numa Unidade de Cuidados Paliativos?
Metodologia
A adoção de metodologias qualitativas nas pesquisas de enfermagem é importante
e têm sido cada vez mais usadas, porque se prestam ao estudo do ser humano e de
suas relações no seu ambiente natural, possibilitando a compreensão das
experiências vividas pelos indivíduos (Dupas, Oliveira e Costa, 1997).
Neste estudo, a opção metodológica assenta na Grounded Theory (GT), abordagem
enraizada na corrente do Interacionismo Simbólico (IS), que permite ao
investigador compreender o outro, considerando os significados que esse outro
atribui às suas experiências (Dupas, Oliveira e Costa, 1997).
A opção por esta metodologia teve por base a natureza do problema, de modo a
permitir explorar, descrever e analisar as expectativas e interações dos
doentes face ao internamento numa UCP, bem como, face aos profissionais de
saúde que nela desempenham funções. Esta é particularmente pertinente quando é
necessário explorar áreas substantivas acerca das quais pouco é sabido ou é
sabido muito, mas é necessário ganhar um novo entendimento. É ainda válida para
obter difíceis detalhes acerca dos fenómenos tais como os sentimentos, processo
de pensamento e emoções, que são difíceis de extrair ou compreender através de
métodos de investigação convencionais (Strauss e Corbin, 1998).
Visto que a GT pretende encontrar a teorização partindo da realidade, procura-
se saber a natureza da experiência vivencial dos doentes quando internados numa
UCP, no sentido de obter um corpo de conhecimentos que sirva de referência para
a prática de cuidar, partindo das expectativas dos próprios doentes. A
utilização destes referenciais na enfermagem poderá abrir novos caminhos para o
conhecimento e na prática profissional, uma vez que, tais abordagens permitem a
descoberta de novas perspetivas do cuidar, porque são construídas e desenhadas
a partir dos dados.
Nos estudos qualitativos, a dimensão da amostra é determinada pelos dados
colhidos e pela sua análise, através do processo de amostragem teórica, uma vez
que visa não a representatividade da amostra, mas sim a representatividade dos
conceitos.
A amostra foi composta por doentes de duas instituições. Foram entrevistados 14
doentes, 6 dos quais internados na Casa de Saúde da Idanha (CSI) e os restantes
8 internados no Hospital da Luz (HL). Foram selecionados intencionalmente
segundo os seguintes critérios:
Terem doença incurável diagnosticada, cujo prognóstico clínico fosse reservado;
Estarem conscientes, lúcidos e orientados no tempo e no espaço;
Não terem dificuldades de comunicação ou perturbações mentais;
Encontrarem-se internados numa unidade de cuidados paliativos com pelo menos
cinco dias de internamento;
Aceitarem a participação no estudo, assim como autorizarem a gravação áudio da
entrevista.
Dos doentes entrevistados, 9 eram do sexo masculino e 5 do sexo feminino, com
idades compreendidas entre os 34 e os 74 anos. Em relação à escolaridade, 8
eram licenciados e os restantes 6 possuíam o ensino básico.
No que diz respeito ao diagnóstico, as neoplasias do pulmão são as mais
frequentes e o período de internamento variava entre os 2 dias e os 3 meses.
As entrevistas semiestruturadas foram realizadas nas UCP's referidas,
consideradas pelos investigadores um cenário com alto potencial de riqueza de
informações, visto que os doentes internados possuem as características
necessárias ao estudo, isto é, são todos doentes terminais. A opção pela
entrevista teve por base possibilitar a obtenção de dados em profundidade
acerca da experiência dos doentes quando internados numa unidade apta às
necessidades destes, assim como, saber quais as suas expectativas. Na
construção das questões procurou-se que estas visassem as vivências do doente
em fim de vida, as suas experiências face à doença e ao processo de fim de
vida.
Tendo em consideração o tipo de estudo e as opções metodológicas tomadas,
realizou-se um guião de entrevista, com um conjunto de seis questões, em que
lhes foram explicados todos os detalhes acerca dos objetivos gerais e
específicos subjacentes a cada questão.
As entrevistas foram realizadas no quarto do doente, num ambiente privado onde
foi estabelecido primordialmente um contacto empático. Cada entrevista durou em
média 30 minutos.
As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas. Os dados foram
simultaneamente colhidos, codificados e analisados de forma sistemática, até o
momento em que se chegou à saturação teórica, ou seja, quando nenhum dado novo
ou relevante foi encontrado, conforme o preconizado por Strauss e Corbin
(1998), utilizando o programa informático Nvivo, versão 8.0, que serviu apenas
de apoio e organização dos dados.
A análise dos dados procedeu-se mediante três tipos de codificação: codificação
aberta, codificação axial e codificação seletiva. Na primeira, as entrevistas
foram examinadas minuciosamente para extrair os primeiros códigos. Pelo
processo de comparação, os códigos identificados foram agrupados por
similaridades e diferenças, formando as categorias. Com a progressão da
análise, as categorias foram construídas, recodificadas, combinadas e
comparadas entre si. Na última fase, procurou-se identificar a categoria
central, determinando e validando sua relação com as outras categorias e dessas
entre si. A categoria central representou o elo de ligação entre todas as
demais (Glaser e Strauss, 1967; Strauss e Corbin, 1998).
Na sequência de autorização formal para realização do estudo, obtida junto do
Conselho de Administração das instituições referidas, posteriormente, foi
obtido o consentimento livre e informado dos entrevistados, acordada data e
hora para realização da entrevista de acordo com a disponibilidade destes.
Todos os doentes foram informados dos objetivos do estudo e assegurou-se a
exclusiva utilização dos dados para este fim. Foi assegurado o anonimato quer
na transcrição das entrevistas quer na análise e publicação dos dados,
oferecendo a segurança de que os dados colhidos se manteriam confidenciais. Foi
também comunicado aos doentes que estes podiam interromper a entrevista sempre
que quisessem, sem ter qualquer consequência no tratamento que lhes é prestado.
Resultados e discussão
A análise global dos dados permitiu desenvolver como tema central:
"Processo de Negação da Morte", que reúne e pretende explicar as
interações e associações entre os dois temas principais: Perceção da Doença e
Expectativas da Pessoa internada numa Unidade de Cuidados Paliativos. O
primeiro tema emergiu da interação de cinco categorias que refletem a perceção
do processo de doença, podendo este depender de vários fatores como:
representações da doença, decisão de hospitalização, perdas associadas à
doença, reações face à doença e estratégias de coping. O segundo tema emergiu
da interação de três categorias: Cuidados Curativos, Cuidados Paliativos e
Cuidados Terminais.
Perceção da doença
Os doentes podem percecionar o processo de doença de diferentes formas, podendo
estes depender de vários fatores como: a própria representação da doença, o
confronto com a hospitalização, as perdas, os sentimentos face à doença e as
estratégias de ajustamento a esta situação que afeta a pessoa holisticamente.
Os doentes têm perceção da doença, tendo diferentes representações desta. Por
outras palavras, há o conhecimento de doença incurável, contudo a consciência
da inevitabilidade da morte não está presente pois esta é dissuadida através de
mecanismos de adaptação de cada doente.
A - Representações da doença
Esta categoria pretendeu englobar um conjunto de situações vividas pela pessoa
quando confrontada com uma doença oncológica terminal, que interferem na
figuração da doença. Havendo por um lado a perceção da gravidade '
representação total: Vim por uma neoplasia do pulmão, estou a controlar esta
neoplasia (E8HL); os projetos terão de ser sempre projetos do dia-a-dia
(E8HL). Por outro lado há conhecimento da doença mas não da gravidade desta '
representação parcial: eu sabia o que tinha, e que a curto prazo não havia
resultados espetaculares a receber (E8HL); eu estou muito magro,
emagreci muito com a doença e eu penso não tenho a certeza não é, mas penso
que tenho um cancro, nunca ninguém me disse mas eu suspeito devido ao meu
estado clínico. (E1CSI).
A representação criada sobre a doença depende de uma multiplicidade de fatores,
nomeadamente da própria personalidade do doente, da forma como no passado
enfrentou situações difíceis, da sua compreensão do prognóstico da doença e seu
tratamento (ex: radioterapia e quimioterapia). De acordo com Reis (1993), os
processos de construção de significados relacionados coma a situação de doença
recorrem sobretudo ao imaginário pessoal, às experiências vividas no passado e
às crenças (Gameiro, 1999).
B - Decisão de hospitalização
Observou-se que estes doentes recorreram ao internamento por necessidade
extrema, pois referem como motivos de internamento aspetos relacionados com: a
procura de cuidados especializados, a sobrecarga familiar e pela perda de
controlo da situação de doença.
A perceção da perda de controlo sobre os sintomas, sobre a própria vida e a
falta de apoio de cuidados no domicilio, leva como que à obrigação da procura
de um serviço especializado que atenda às suas necessidades.
Cuidados especializados
vinha fazer quimioterapia (E1HL).
Vinha só para aqui para melhorar mas eu não sabia como. (E4CSI).
Sobrecarga familiar
Vim para aqui, ( ) porque chegámos à conclusão, a família, que só estando um
bocadinho, uns dias fora é que a minha mulher podia descansar. (E5HL);
a minha filha coitada, ela precisa de trabalhar e não podia porque eu não
posso ficar sozinha. (E6CSI).
Consciência da perda de controlo
eu vi que já não conseguia, estava mesmo já pelas pontas e então internaram-
me e aceitei. ( ) Não tinha possibilidades de me prestar a mim própria.
(E5CSI).
Estes dados são consistentes com as descrições de Reis (1993), em que estes
anunciam uma série de fatores ameaçadores associados à condição de doença
crónica, tais como: os danos físicos, a dor crónica, as modificações físicas
permanentes, a incapacidade funcional, a incerteza e insegurança em relação ao
desenlace da situação, a eventual necessidade de alterar os objetivos de vida,
a perda de autonomia, as alterações da autoimagem, a carga emocional provocada
pela doença, a separação dos familiares e a necessidade de internamento
hospitalar (Gameiro, 1999).
C - Perdas
A categoria Perdas engloba três subcategorias: Perda Física, Perda de
Finalidade e Perda Social. As perdas a nível físico, psicológico e social são
designadas pelos doentes quando confrontados com a situação de doença incurável
como as principais fontes de sofrimento, sendo a perda de autonomia a mais
marcante.
Perante o diagnóstico de doença incurável, a pessoa doente pode perder alguns
papéis sociais importantes, ser sujeito a mudanças na sua aparência e
funcionamento corporal e natural.
Progressivamente, a pessoa é forçada pela doença a confrontar-se com a perda do
controlo das suas funções corporais e mentais - nunca tive problemas de visão
( ) quando isto que me afetava, sem ler, nem escrever, sem conduzir, pois já
não conduzo, fiquei completamente arrumado. (E4HL). A vivência do processo de
doença terminal envolve a perda progressiva do controlo sobre a própria vida '
não tinha interesses, perdi-os. (E4HL), conjuntamente com a perda de
controlo dos acontecimentos externos e das atividades dos outros ' Eu queria
fazer as minhas coisas porque eu era uma pessoa muito ativa. Eu pegava no meu
carro de manhã, eu saía, eu fazia tudo e mais alguma coisa e de um momento para
o outro vejo-me assim (choro). (E6CSI). Ainda que, seja parcialmente
ilusório, por vezes, as pessoas gostam de sentir que controlam o que as rodeia
e gostam de escolher o que fazer e quando fazer.
D - Reações face à doença
Quase todos os doentes internados manifestaram sentimentos de desesperança face
ao diagnóstico de doença terminal, sendo a reação de choque a de maior destaque
o primeiro contacto com o médico que me disse aquilo que eu tinha, fiquei
completamente estarrecido (E4HL).
Para Meleis (1997) a transição remete para uma mudança significativa no estado
de saúde, através da alteração de processos, papéis socialmente desempenhados,
nas expectativas de vida, nas habilidades socioculturais, como resultado de
estímulos e de novos conhecimentos, o que poderá ter como consequência a
mudança de comportamentos e da própria pessoa (Abreu, 2008).
E - Estratégias de coping
A categoria Estratégias de Coping emerge de três subcategorias: Estratégias
cognitivas, Estratégias comportamentais e Estratégias de evitamento. Estas
referem-se aos mecanismos usados para lidarem com a situação de doença terminal
A maioria dos entrevistados recorre à focalização no problema através da
procura de informação, a focalização em aspetos positivos, a procura suporte
emocional, a manutenção da esperança e o espírito de luta. Contudo, também são
utilizadas estratégias centradas na emoção, como o distanciamento e o
evitamento.
A perceção que o indivíduo tem de si próprio, das suas capacidades e
competências, influencia determinantemente as estratégias adaptação à doença,
sendo as estratégias cognitivas e comportamentais as mais utilizadas.
Para Paúl e Fonseca (2001, p. 102), viver com doença crónica implica
necessariamente uma tentativa de reconstrução da própria vida, envolvendo
estratégias específicas para lidar com os sintomas, com as consequências
percebidas da doença e com o ajustamento à doença no âmbito das relações
sociais.
Kobasa, Maddi e Kahn (1982) sugerem que existem duas variáveis de personalidade
que se destacam em contextos de saúde, são elas a resistência e a disposição
otimista. Os indivíduos resistentes seriam aqueles que possuíam uma filosofia
de vida que os protegia do impacto debilitante dos acontecimentos da vida
geradores de stress, tendo estes uma visão mais positiva das suas vidas e de
maior controlo sobre as mesmas. Relativamente à disposição otimista supõe-se
que esta possa motivar as pessoas a lidar de forma mais eficaz com o stress. Em
particular, os otimistas têm mais probabilidade de utilizarem um coping
centrado no problema, enquanto os pessimistas utilizariam a negação e a
distanciação (Stroebe e Stroebe, 1995).
Expectativas dos doentes
Relativamente ao tema principal: Expectativas dos doentes, este emergiu de três
categorias, os "cuidados curativos", os "cuidados
paliativos" e os "cuidados terminais". A categoria
"cuidados curativos" emergiu da procura da cura e da recuperação.
Pode estar intimamente ligada ao facto de estes não aceitarem a aproximação da
morte revelando-se mediante comportamentos de fé e esperança que emergem do
apelo e súplica de ajuda a uma força divina ou ligada à manutenção da
esperança, promovendo expectativas positivas.
Por outro lado, há doentes em que a consciencialização da doença torna-se
inevitável e procuram contorná-la. Há um ajustamento às limitações impostas
pela condição de doente e a procura de cuidados especializados. Pelo que
emergiu a categoria "cuidados paliativos", tendo em conta as
analogias dos códigos substantivos uma vez que estes englobam os princípios
orientadores da ação dos cuidados paliativos, em que se combinam as principais
áreas: o controlo sintomático, a comunicação adequada e o trabalho em equipa
multidisciplinar. A essência dos cuidados paliativos implica uma cooperação
entre a equipa de saúde e o doente, exige respeito mútuo, que segundo Twycross
(2003) se pode manifestar por: delicadeza no comportamento; honestidade e
abertura; capacidade de ouvir, de explicar; acordo sobre prioridades e
objetivos; discussão das alternativas de tratamento e aceitação da recusa de
tratamento.
Todos os doentes sublinharam o apoio dos profissionais como um aspeto de grande
relevância para a vivência do processo de doença. Os doentes valorizaram
atitudes que promovem um apoio psicossocial e afetivo relevante como o
profissionalismo da equipa multidisciplinar, a informação sobre a situação
clínica e os cuidados de excelência.
Por fim, a categoria "cuidados terminais" emergiu da ausência da
procura destes cuidados. Estes doentes não se referem explicitamente ao facto
de ser a última etapa de vida, nem utilizam a palavra morte. Não há projetos
para fazer um testamento, realizar despedidas, arrepender-se de algo errado,
etc.
O esquema apresentado na figura 1 representa um diagrama explicativo do
Processo de Negação da Morte, das interações e associações entre o tema
central, os temas principais e as categorias.
Figura 1 ' Diagrama ilustrativo da dinâmica do "Processo de Negação da
Morte"
Da análise dos dados constatamos que estes doentes espelham a perceção da
doença, salientando-se o facto de estes estarem conscientes desta, quer isso
lhes tenha sido dito ou não. Por vezes, a consciencialização da doença é
proveniente de uma conjuntura de sinais e sintomas da própria condição da
pessoa doente que afetam a normalidade do dia-a-dia da pessoa. Contudo, há
necessidade de negação da morte possivelmente para uma sadia vivência deste
processo, ou seja, apenas há uma aceitação parcial da condição de doente.
A análise e interpretação dos dados sugerem que os doentes internados numa
unidade de cuidados paliativos procuram obter alguma qualidade de vida,
referindo o controlo sintomático, a autonomia e a recuperação da mobilidade
como os aspetos de maior destaque ' tentar melhorar este meu estado físico e
psíquico, controlar a dor, ganhar alguma força anímica e física (E4HL); ...
espero que com o tempo consiga ter mais qualidade de vida (...) tudo para
recuperar a minha autonomia (...) recuperar a mobilidade, esse é o meu grande
objetivo (E3CSI); ... vim para aqui para ver se consigo voltar a andar outra
vez (E4CSI); ... gostava de sair daqui pelo menos a andar, melhor do que ando
e mexer a mão (E6CSI).
Independentemente da fase da doença, da perceção subjetiva de cada doente sobre
a sua doença ou dos mecanismos usados para lidar com ela, todos os doentes
entrevistados conservam alguma forma de esperança, refletida nas expectativas
positivas. No processo terminal a conservação da esperança é fundamental '
...há uma coisa que nós nunca podemos, é desistir (E2HL).
Noutras investigações com doentes terminais, Chochinov (2006), verificaram que
escutar os doentes, validar as suas preocupações e promover a esperança,
incrementa sentido à sua experiência de vida, promove o alívio do sofrimento e
pode fortalecer a dignidade no fim de vida.
Limitações do estudo
No sentido de fortalecer a credibilidade dos dados, os métodos usados incluíram
o ajuste continuado e a conferência com os colegas. Procurou-se obter um
conhecimento profundo dos participantes do estudo, através do estabelecimento
de uma relação empática e de confiança.
Uma das estratégias para aumentar a credibilidade dos dados é a triangulação,
que consiste na combinação de várias fontes de dados e métodos de análise
dentro do mesmo estudo (Fortin, 2009). Quanto à triangulação dos dados, em que
a colheita de dados é feita junto de diversas fontes de informação tivemos em
conta três aspetos: o tempo, o espaço e as pessoas. Podemos referir que quanto
ao tempo há congruência nos dados visto que as entrevistas foram realizadas com
intervalos diferentes de tempo de internamento dos doentes e os resultados
foram os mesmos, mas não sabemos se durante períodos mais longos iríamos ter
novos dados. Em relação ao espaço, a colheita de dados desenrolou-se em duas
instituições diferentes, o que reforça a transferibilidade. Quanto às pessoas,
apenas foi estudada a população alvo, ou seja, os doentes com doença incurável
progressiva, consequentemente não se sabe o que é que é geral a qualquer doença
aguda ou crónica, ou o que é que é específico aos cuidados paliativos.
Para garantir a segurança dos dados colhidos e analisados, recorreu-se à
audição dos orientadores. Estes acompanharam e avaliaram o processo de
categorização desde a formação das unidades de significação até aos temas. Para
manter a objetividade dos dados, colhemos e descrevemos as informações de forma
sistemática, permitindo aos orientadores avaliar como e se estas podem ser
seguidas até à sua fonte, chegando a conclusões sobre os resultados.
Durante o processo de colheita de dados e análise dos mesmos foram retiradas
anotações e construídos diagramas a partir dos dados de modo a garantir a
confiabilidade e confirmação dos achados.
A transferibilidade foi mantida através da verificação e reverificação da
emergência das categorias e suportada pela descrição minuciosa do estudo para
que os dados possam ser avaliados e aplicados em outros contextos.
Conclusão
Sintetizando, no contexto deste estudo, os doentes entrevistados encontram-se
num processo de transição. Esta transição envolve um processo de reorganização
interior em que, em determinada altura, a pessoa tem consciência da realidade
da sua condição de fim de vida dadas as evidências fortes da doença. Contudo,
sabendo ou desconhecendo o termo cuidados paliativos, estes doentes quando
internados numa UCP´s revelam como expectativas: a cura, a recuperação, uma
melhor qualidade de vida, o controlo sintomático, particularmente o alívio da
dor e controlo da doença, bem como o apoio diferenciado dos profissionais de
saúde. Não há doentes que aceitem a morte e que falem de despedidas. Não há uma
aceitação plena da evolução normal do ser humano, possivelmente para uma sadia
vivência deste processo. Emerge aqui como modelo teórico o "Processo de
Negação da Morte". A manutenção da esperança é indispensável para um fim
de vida sadio. À esperança é atribuído um, poder terapêutico, sendo mais forte
que o otimismo, é um mecanismo de coping importante, que influencia o bem-estar
físico, psicológico e espiritual (Querido, 2005, p. 15).
Todos os doentes sublinharam o apoio dos profissionais como um aspeto de grande
relevância para a vivência do processo de doença. Os doentes valorizaram
atitudes que promovem um apoio psicossocial e afetivo relevante como: o
profissionalismo das equipas, a informação permanente sobre a situação clínica,
o trabalho entre a equipa multidisciplinar.
Será que os doentes que apenas querem fazer o controlo dos sintomas esperam
consequências positivas? Ou será que esses são os que desistiram? Os doentes
esperam um desenrolar da doença com conformidade e sem luta? Será que é por não
desistirem que não encaram a morte de frente e esse não encarar é positivo e
mobilizador da ação? Ou é apenas porque têm medo e esse não-encarar é apenas
fonte de sofrimento e de não-significado? Será que estes doentes não alcançam o
processo de aceitação por não estarmos a realizar um adequado suporte
psicológico e espiritual? Estas questões abrem a porta a novas pesquisas sobre
o significado complexo do processo de negação da morte.
Futuramente este estudo poderá ajudar a melhorar os cuidados de enfermagem
prestados aos doentes em fim de vida, dando ênfase à promoção da esperança, à
comunicação empática e ao direito à informação, à promoção da mobilidade e
autonomia sempre que possíveis, ao controlo dos sintomas e ao reconhecimento do
doente como pessoa integral.