Tradução e validação do Confusion Assessment Method para a população portuguesa
Introdução
O termo delirium, de acordo com a literatura psiquiátrica atual (da corrente
norte-americana) (American Psychiatric Association - American Psychiatric
Association, 2002), pode ser descrito como uma perturbação da consciência
(manifestada por uma redução da perceção do ambiente) acompanhada por uma
alteração na cognição (que pode incluir diminuição da memória, desorientação ou
perturbação da linguagem) que não pode ser atribuída a uma demência previamente
existente ou em evolução. Para além disso, o desenvolvimento da perturbação
ocorre num curto período de tempo, geralmente de horas a dias, tendo tendência
a flutuar ao longo do dia.
Ainda que o delirium se apresente como uma entidade nosológica muito frequente,
com taxas de incidência na ordem dos 25% a 60% e taxas de mortalidade a variar
entre os 25% e os 33% (Inouye et al., 1990), este acaba por, em diversas
ocasiões, não ser identificado, havendo estudos que apontam para números na
ordem dos 76% de casos de delirium não diagnosticados (Han et al., 2009). No
caso concreto de Portugal, o diagnóstico de delirium apenas pode ser realizado
através dos critérios apresentados pelo Diagnostic and Statistical Manual of
Mental Disorders (DSM)-IV-TR® ou pela Classificação Internacional das Doenças
(CID)-10®, visto que não existe qualquer instrumento psicométrico validado que
permita o rastreio e/ou diagnóstico de delirium.
Sendo claro que a análise dos processos de saúde/doença no contexto da Saúde
Mental e Psiquiatria é extremamente subjetiva e que o conceito em estudo
(delirium) se constitui como um problema grave, sobretudo junto das pessoas
idosas internadas, sentiu-se a necessidade de traduzir e validar para a
população portuguesa um instrumento psicométrico que permitisse o rastreio e/ou
diagnóstico de delirium (e, eventualmente, da confusão aguda), minimizando
assim as consequências do subdiagnóstico desta condição patológica que se
configura como uma emergência médica.
Analisando os instrumentos existentes para o rastreio/diagnóstico do delirium
e/ou da confusão aguda, optou-se por traduzir e validar o Confusion Assessment
Method (CAM) para a população portuguesa, por este se tratar de um instrumento
robusto e facilmente utilizável (Adamis et al., 2010) e pelo facto de alguns
autores apontarem o CAM, de acordo com a evidência científica, como o
instrumento de eleição (Wong et al., 2010), sobretudo para avaliação do
delirium. Para a avaliação da confusão aguda já existe a Escala de Confusão
NeeCham traduzida e validada para a população portuguesa (Neves, 2008; Neves,
Silva e Marques, 2011).
Quadro teórico
No presente estudo foi considerado que o delirium e a confusão aguda se tratam
de conceitos com características sobreponíveis, mas diferentes, não apenas
porque o primeiro corresponde a um diagnóstico médico e o segundo a um
diagnóstico de Enfermagem (International Council of Nurses, 2011), mas também
porque a literatura aponta para a confusão aguda enquanto conceito mais amplo,
dentro do qual se enquadra o delirium (IVANRC, cit. por Rapp et al., 2000).
Assim, é sugerido que todas as pessoas com delirium têm também confusão aguda,
mas nem todas as pessoas com confusão aguda têm delirium (Ibidem).
Relativamente aos instrumentos de avaliação da confusão aguda e do delirium,
estes foram analisados de forma conjunta, já que grande parte da literatura
consultada trata ambos os conceitos como se de sinónimos se tratassem. Assim,
foi realizada uma revisão sistemática da literatura (através de pesquisa em
bases de dados nacionais e internacionais online ' datada entre 1990 e 2011 ' e
em bibliotecas de Escolas de Enfermagem) que pretendia analisar as propriedades
psicométricas evidenciadas pelo CAM (instrumento psicométrico a validar) e pela
Escala de Confusão NeeCham (único instrumento de avaliação da confusão aguda
validado para a população portuguesa) nos estudos anteriormente realizados.
Na análise dos estudos que envolvem a utilização do CAM, importa destacar o
estudo de criação e validação inicial do instrumento, realizado por Inouye et
al. (1990). Nesse estudo, o CAM (algoritmo de diagnóstico) foi testado num
serviço de Medicina Interna e num Centro de Avaliação Geriátrica, e foi
apresentado como tendo uma sensibilidade entre 94% e 100%, especificidade entre
90% e 95%, valor preditivo positivo entre 91% e 94%, valor preditivo negativo
entre 90% e 100%, e uma concordância entre observadores com valores de k entre
0,81 e 1,0.
Analisando outros estudos realizados em que foi utilizado o CAM e partindo da
análise, somente, dos estudos que, de acordo com Wei et al. (2008),
apresentavam melhor qualidade (rigor) na sua realização, foi possível verificar
níveis de sensibilidade entre 81% e 100%, especificidade entre 63% e 100%, e
concordância entre observadores entre 79% e 100%. Importa ainda ressalvar que
os resultados ao nível da sensibilidade apresentaram relação direta com o
treino do observador na aplicação do instrumento (Wei et al., 2008), e que os
resultados de sensibilidade obtidos quando a aplicação do instrumento é feita
por médicos são superiores aos obtidos quando este é aplicado por enfermeiros
(Rockwood et al., 1994; Rolfson et al., 1999, cit. por Wei et al., 2008).
Relativamente à Escala de Confusão NeeCham, instrumento psicométrico para
avaliação da confusão aguda, as propriedades psicométricas analisadas apontam
para os seguintes resultados: consistência interna a variar entre os 73%
(Johansson e Hamrin, 2009) e os 91% (Neves, Silva e Marques, 2011);
concordância entre observadores com valores de k entre 0,60 (Immers, Schuurmans
e Van de Bijl, 2005) e 0,96 (Champagne et al., 1987, cit. por Milisen et al.,
2005). Os valores de sensibilidade e especificidade não são apresentados, pois
partem da comparação entre conceitos diferentes, ou seja, entre a confusão
aguda e o delirium (avaliado pelos critérios do DMS-IV-TR®).
Metodologia
O presente estudo trata-se de um trabalho de investigação realizado com o
objetivo geral de proceder à análise das caraterísticas psicométricas do CAM no
contexto de Portugal, pelo que a principal questão de investigação foi: quais
as propriedades psicométricas apresentadas pelo CAM numa amostra portuguesa de
pessoas idosas? Adicionalmente a esta questão central emergiram mais duas
questões de investigação: qual é a relação existente entre o delirium e
confusão aguda, e as caraterísticas sociodemográficas das pessoas idosas
internadas, no contexto de Portugal?; qual é a relação existente entre o
delirium e confusão aguda, e as caraterísticas clínicas das pessoas idosas
internadas, no contexto de Portugal?
De modo a conduzir o trabalho de tradução e validação do CAM para a população
portuguesa optou-se por um desenho de investigação quantitativa, do tipo
metodológico transversal, sendo algumas das variáveis em estudo tratadas em
termos descritivos e correlacionais.
Relativamente ao processo de tradução do CAM para a população portuguesa
(Figura_1) optou-se por seguir um modelo genérico de tradução do instrumento
para português e, seguidamente, de retrotradução para a língua de partida.
Assim, foi realizada uma tradução do CAM para português pelo investigador
principal e outra por uma enfermeira generalista. Após se verificar a
existência de uma versão do CAM traduzido para português do Brasil, optou-se
por incluir essa versão do instrumento como se tratando de uma terceira
tradução para português. A partir da análise das três versões foi possível
chegar a uma versão de consenso. Essa mesma versão foi enviada a um professor
de inglês (de nacionalidade sul-africana), que realizou a retrotradução do
instrumento para inglês. À posteriori, a versão traduzida foi enviada à
principal autora do CAM para proceder à validação do instrumento, sendo que
esta não sugeriu qualquer alteração.
Verificando-se a ausência de divergências significativas entre a versão
original e retrotraduzida do CAM, procedeu-se à realização das correções
necessárias (apenas a nível gramatical, dada a ausência de incorreções de outro
tipo), tendo sido possível chegar à versão final do CAM traduzido para
português de Portugal.
Na realização do trabalho de investigação, após estar concluída a tradução do
CAM, optou-se pela não realização da sua adaptação cultural, tendo em
consideração a extrema simplicidade do instrumento e dos conceitos envolvidos
no mesmo. Quanto ao processo de validação do CAM para a população portuguesa,
desde logo importa destacar que se optou por proceder, somente, à validação
da versão reduzida do instrumento (algoritmo do CAM ' versão com quatro
critérios), na medida em que apenas os quatro primeiros critérios da versão
integral do instrumento permitem o rastreio ou diagnóstico da presença ou
ausência de delirium. Para além disso, o CAM foi validado nos seus dois métodos
possíveis de pontuação (método sensível e método específico). Clarificando
estes métodos, enquanto no método sensível de pontuação o primeiro critério é
especificado como início agudo ou curso flutuante, no método específico este
é especificado como início agudo e curso flutuante. Assim, enquanto o método
sensível permite identificar um maior número de casos de possível delirium, o
método específico permite identificar um menor número de casos, mas dando uma
maior certeza ao diagnóstico realizado pela aplicação do instrumento (Inouye,
2003).
De modo a proceder à validação do CAM, foram recolhidos dados junto de uma
amostra de 100 pessoas idosas internadas num Hospital Central, tendo sido
utilizada a técnica de amostragem não probabilística acidental. Para definição
da amostra, foram aplicados critérios de inclusão (internamento em serviço que
tenha autorizado a realização do estudo; assinatura do consentimento informado
para a realização do estudo pela pessoa internada ou pelo seu responsável
legal; idade igual ou superior a 65 anos) e critérios de exclusão (score igual
ou inferior a oito na Escala de Coma de Glasgow; presença de afasia; psicose
grave; atividade delirante grave; agitação psicomotora; ausência de colaboração
ou recusa de participação no estudo por parte da pessoa internada ou do seu
responsável legal). Optou-se pela seleção, para efeitos de colheita de dados,
dos serviços de Medicina Interna, Cirurgia, Ortopedia, Unidade de Cuidados
Intensivos (UCI) Polivalentes e Psiquiatria, já que estes são os serviços que,
de acordo com a literatura, apresentam uma maior prevalência de delirium e/ou
confusão aguda (Inouye et al., 1990; Neves, Silva e Marques, 2011). Apenas no
caso do serviço de Psiquiatria a opção relacionou-se com a tentativa de
perceber se o CAM se tratava, efetivamente, de um instrumento capaz de
identificar a presença de delirium em pessoas com patologia mental
(considerando que, segundo a literatura, esses casos estão na origem de grande
parte dos resultados falsos positivos obtidos na aplicação do CAM) (Inouye et
al., 1990).
A recolha de dados foi realizada através da aplicação de uma entrevista
semiestruturada dividida em três partes (Tabela_1); o gold standard para
aferição das propriedades psicométricas do CAM para a população portuguesa
foram os critérios do DSM-IV-TR® para o diagnóstico de delirium. Na recolha de
dados, o preenchimento do CAM foi realizado tendo por base uma avaliação
cognitiva breve (Mini Mental State Examination ' MMSE) realizada à priori, tal
como preconizado pela principal autora do instrumento (Inouye, 2003).
Tabela_1
No estudo de validação do CAM as propriedades psicométricas avaliadas foram a
sensibilidade, especificidade, valores preditivos positivo e negativo,
likelihood ratios positivo e negativo, e eficácia geral do instrumento por
comparação com os critérios do DSM-IV-TR® para o diagnóstico de delirium (bem
como aferição da validade concorrente com estes critérios). Foi ainda avaliada
a validade convergente do instrumento por comparação com a Escala de Confusão
NeeCham e a concordância entre observadores (neste caso, recorrendo a uma parte
da amostra composta por 20 idosos, e sendo as entrevistas conduzidas com a
colaboração de um enfermeiro generalista).
Ao longo da investigação foram respeitados os princípios éticos que devem
nortear qualquer trabalho do género. Assim: o trabalho de investigação que
serviu de suporte ao presente artigo foi aprovado na reunião da Comissão de
Ética do hospital onde foi realizada a colheita de dados tendo, de seguida,
sido dado aval positivo para a realização da colheita de dados por parte da
Comissão Executiva do hospital e dos diretores dos serviços onde foi requerida
autorização para recolher dados; foi solicitada e obtida autorização formal dos
autores dos instrumentos incluídos na entrevista de colheita de dados (através
de correio electrónico) para utilização dos mesmos; todos os idosos que
participaram no estudo (ou os responsáveis legais) assinaram o consentimento
informado e tiveram acesso à leitura da carta explicativa do mesmo; foram
explicadas as finalidades e objetivos da investigação, assim como a ausência de
inconvenientes para os idosos e responsáveis legais. Foram ainda informados
todos os intervenientes sobre a possibilidade de desistirem da participação no
estudo a qualquer momento, sem que desse ato resultasse qualquer alteração no
seu tratamento por parte dos profissionais de saúde. No final da colheita de
dados, foi fornecido um contacto a todos os participantes (e/ou responsáveis
legais) para a eventualidade de quererem aceder aos resultados do estudo. Foi
ainda fornecido o relatório da investigação ao hospital onde decorreu a
colheita de dados.
A análise e tratamento dos dados foi realizada com recurso ao Statistic Package
Social for the Social Sciences® (SPSS®) Versão 17.0, tendo a análise
estatística sido realizada com recurso a estatística descritiva e inferencial
(com o nível de significância pré-definido de 0,05). No tratamento estatístico
dos dados foram utilizados os testes paramétricos t de Student, ANOVA e
Coeficiente de Correlação de Pearson, bem como os testes não paramétricos Qui-
Quadrado e teste de associação Phi.
Resultados
Ao nível da caraterização sociodemográfica verificou-se: uma idade média de
77,55 anos; um número médio de 3,61 anos de escolaridade; uma média de 11,49
dias de internamento (com um desvio-padrão de 12,83 dias); um número médio de
10,76 medicamentos prescritos por pessoa internada. Ao nível clínico verificou-
se que: há um ligeiro predomínio de pessoas entrevistadas do género feminino
(51%); quase metade das pessoas entrevistadas estavam internadas no serviço de
Medicina Interna (47%); as patologias mais prevalentes eram do aparelho
circulatório (19%) e do aparelho respiratório (18%); apenas 8,1% dos
entrevistados apresentavam antecedentes de estados confusionais agudos; a
medicação mais frequentemente prescrita pertencia ao grupo Medicamentos para o
Sistema Nervoso Central (97%); quase metade da amostra (49,5%) apresentava
défice cognitivo.
A somar a estes dados, importa ainda ressalvar os índices de prevalência de
delirium obtidos, que variaram entre os 3% (avaliação através dos critérios de
diagnóstico de delirium do DSM-IV-TR®), os 5,1% (avaliação através do método
específico de pontuação do CAM), e os 8% (avaliação através do método sensível
de pontuação do CAM). Já ao nível da confusão aguda, os índices de prevalência
apontam para números na ordem dos 41% de pessoas confusas (avaliação através da
Escala de Confusão NeeCham).
Para aferição das propriedades psicométricas do algoritmo do CAM foram criadas
duas tabelas de contingência 2x2 representativas dos achados do CAM (no seu
método sensível ' Tabela_2 ' e método específico de pontuação ' Tabela_3)
quando comparados com o gold standard.
Tabela_2
Tabela_3
A partir destes dados foi possível passar à avaliação das propriedades
psicométricas do algoritmo do CAM, destacando-se os valores elevados obtidos na
avaliação da especificidade, valor preditivo negativo, likelihood ratios, e
eficácia geral do instrumento (Tabela_4).
Tabela_4
Quanto à avaliação da validade convergente do CAM, verificou-se a existência de
diferenças estatísticas significativas entre as pessoas com delirium presente
ou ausente no que concerne aos scores obtidos quando avaliadas através da
Escala de Confusão NeeCham [método sensível: t(98)=-4,98; p=0,0001; método
específico: t(97)=-4,02; p=0,0001]. Quanto à validade concorrente verificou-se
a existência de diferenças estatísticas significativas entre as pessoas com
delirium presente ou ausente no que concerne aos scores obtidos quando
avaliadas através dos critérios de diagnóstico de delirium do DSM-IV-TR®
(método sensível: X2=14,46; gl=1; p=0,016; método específico: X2=24,49; gl=1;
p=0,006). No caso da relação entre o método sensível de pontuação do CAM e os
critérios do DSM-IV-TR® para o diagnóstico de delirium, verifica-se a
existência de uma associação moderada positiva bastante significativa (φ=0,38;
p=0,0001), enquanto que na relação entre o método específico de pontuação do
CAM e os critérios do DSM-IV-TR® para o diagnóstico de delirium, verifica-se a
existência de uma associação mais forte, bastante significativa, ainda que
igualmente classificável como moderada positiva (φ=0,50; p=0,0001).
No que concerne à concordância entre observadores verificou-se, no caso do
método sensível de pontuação do CAM, um resultado de k=1,000, enquanto que no
método específico de pontuação se verificou uma concordância de 100%. No caso
do método específico de pontuação do CAM não foi possível aferir o valor de k
visto que as variáveis representativas dos resultados obtidos pelos dois
observadores foram constantes (ausência de casos de delirium presente).
Quanto à análise descritiva e correlacional de algumas variáveis em estudo, e
começando por apresentar os resultados relativos à estatística inferencial
entre o CAM (delirium) e as variáveis em estudo, apenas foram encontradas
diferenças estatísticas significativas entre a presença ou ausência de delirium
em pessoas com défice cognitivo presente ou ausente, e entre a presença ou
ausência de delirium (mediante avaliação com o método específico de pontuação
do CAM) em pessoas com doença do aparelho circulatório presente ou ausente
(Tabela_5).
Tabela_5
Quanto à estatística inferencial entre a Escala de Confusão NeeCham (confusão
aguda) e as variáveis em estudo, verificou-se a presença de diferenças
estatísticas significativas entre a presença ou ausência de confusão aguda em
pessoas com défice cognitivo presente ou ausente, e entre a presença ou a
ausência de confusão aguda em pessoas com doença do aparelho genitourinário, ou
que se encontrem a tomar medicação para o aparelho respiratório, locomotor,
ligada à nutrição, ou corretivos da volemia e das alterações
hidroeletrolíticas. Verificou-se ainda a existência de correlação moderada
negativa significativa entre a idade e os scores obtidos na Escala de Confusão
NeeCham.
Discussão
Na realização do presente estudo, importa destacar as seguintes limitações: a
realização de um estudo transversal dificulta a avaliação da prevalência de
delirium; a dificuldade para atingir os 100 participantes levou à necessidade
de colheita de dados em alguns idosos em período pré-operatório (sendo os casos
de delirium mais comuns em pós-operatório); a amostra selecionada para
avaliação da concordância entre observadores foi algo reduzida; houve
dificuldade de acesso a um número significativo de pessoas com patologia
mental; os scores do CAM resultam numa variável nominal, o que reduz as
possibilidades de realização de testes paramétricos.
Passando para a interpretação dos resultados do estudo, foram comparadas as
propriedades psicométricas obtidas (no método específico de pontuação do CAM)
com aquelas que foram apresentadas nos três melhores estudos de validação do
CAM (em que este foi, também, usado no método específico), segundo Wei et al.
(2008). Foi ainda incluído, para comparação, o trabalho de validação do CAM
para a população brasileira (Tabela_6).
Tabela_6
Analisando a sensibilidade, verifica-se que os resultados obtidos são
inferiores aos dos outros estudos de validação, o que pode ser explicado pela
forma de avaliação dos itens. Quanto à especificidade, os resultados obtidos
são positivos, e de acordo com os restantes estudos, destacando-se aqui, pela
negativa, o trabalho de validação realizado por Laurila et al. (2002). Quanto
ao valor preditivo positivo, os resultados obtidos foram bastante negativos,
apenas equiparáveis aos do estudo realizado por Laurila et al. (2002). Em
relação aos valores preditivos negativos, os resultados obtidos foram muito
positivos, e ao nível do obtido nos outros estudos de validação. Quanto ao
likelihood ratio positivo, este foi muito bom, assim como o likelihood ratio
negativo, cujo resultado está ao nível do obtido no estudo realizado por
Laurila et al. (2002). Finalmente, no presente estudo apenas foi possível
analisar a concordância entre observadores (valor de k) no método sensível de
pontuação do CAM mas, mesmo considerando a impossibilidade de avaliação no
método específico de pontuação, verifica-se uma total concordância entre os
resultados obtidos pelos observadores, estando estes de acordo com os
apresentados em outros estudos de validação.
Quanto à relação entre o CAM e a Escala de Confusão NeeCham, verificou-se que a
deteção de delirium é muito mais frequente nos casos mais graves de confusão
aguda, tal como é defendido por alguns autores, que consideram o delirium como
um estádio terminal de confusão, um subtipo mais grave (Marques, 2012). Tal
como é descrito pela literatura, o conceito de confusão aguda é mais amplo do
que o conceito de delirium (IVANRC, cit. por Rapp et al., 2000), pelo que todas
as pessoas identificadas pelo CAM com delirium presente são também
identificadas pela Escala de Confusão NeeCham com confusão aguda presente.
Porém, o contrário não se verifica, o que vem reforçar a ideia de que a
utilização dos instrumentos não deve ser realizada de forma intercambiável,
devendo estes ser aplicados de acordo com cada caso concreto.
Analisando os resultados falsos negativos, verifica-se que em ambos os métodos
de pontuação do CAM existe um caso falso negativo. Quanto ao resultados falsos
positivos, foram encontrados seis casos no método sensível de pontuação, e três
casos no método específico de pontuação.
Finalmente, e comparando o método sensível de pontuação do CAM com o gold
standard, verifica-se que este último apenas identifica três casos de delirium,
ao contrário do CAM, que identifica oito casos (ainda que se verifique a
existência de validade concorrente). Tal facto faz com que se possa sugerir que
a utilização do instrumento deve dar-se para fins de rastreio (Inouye, 2003),
mas o diagnóstico deve ser confirmado pela aplicação dos critérios do DSM-IV-
TR®.
Em jeito de conclusão, importa ainda ressalvar que, contrariamente ao que
sugere a autora principal do CAM (Inouye, 2003), a versão do instrumento em que
o critério um início agudo e curso flutuante é avaliado em separado não
apresenta, no presente estudo, uma maior sensibilidade comparativamente com a
versão do CAM em que se realiza a avaliação conjunta desse mesmo critério.
Porém, se o objetivo for a aplicação do CAM com fins de rastreio (o que deverá
acontecer para os profissionais de Enfermagem) será mais útil a utilização da
versão do algoritmo do CAM com a especificação ou no critério um (Inouye,
2003).
Relativamente à discussão dos resultados obtidos na análise descritiva e
correlacional de algumas variáveis em estudo verifica-se que, no que concerne à
prevalência do delirium, os resultados obtidos são inferiores aos que são
apresentados pela American Psychiatric Association (2002). Quanto aos fatores
que podem influenciar o delirium, os resultados sugerem que as caraterísticas
sociodemográficas não revelam uma associação significativa com o delirium
(avaliado pelo CAM) em pessoas idosas internadas. No entanto, a idade tem uma
relação inversamente proporcional com a confusão aguda avaliada pela Escala de
Confusão NeeCham, ou seja, a idades superiores correspondem scores inferiores
na escala, indo de encontro aos resultados obtidos aquando do estudo de
validação do instrumento para a população portuguesa (Neves, 2008; Neves, Silva
e Marques, 2011). No entanto, esse mesmo estudo refere que a confusão aguda tem
também relação com a escolaridade sendo que, no presente trabalho, ainda que
seja verificada uma correlação positiva, esta não é estatisticamente
significativa.
Quanto às caraterísticas clínicas verifica-se, mediante avaliação com o método
específico de pontuação do CAM, que é mais frequente a presença de delirium em
pessoas que apresentem, como motivo de admissão ao internamento, patologia do
aparelho circulatório. Este dado vai de encontro ao que refere a literatura,
que considera o delirium como uma complicação major em pessoas idosas que
tenham tido, por exemplo, um AVC (Dahl, Rønning e Thommessen, 2010).
Conclusão
Analisando os resultados obtidos, verifica-se que o CAM é um instrumento com
uma boa sensibilidade, muito boa especificidade e simples de utilizar para a
identificação do delirium, podendo ser preenchido em cerca de um a dois minutos
(se utilizador experiente), mediante realização prévia de uma avaliação
cognitiva com uma duração de 10 a 20 minutos. O CAM apresenta resultados que
sugerem concomitância com os critérios do DSM-IV-TR® para o diagnóstico de
delirium, e convergência com a Escala de Confusão NeeCham, mas não se trata de
um instrumento indicado para a avaliação da confusão aguda, mas antes do
delirium. Assim, o CAM deve ser utilizado, somente, para fins de rastreio do
delirium.
Por outro lado, verifica-se a associação entre a patologia do aparelho
circulatório e o delirium (mediante avaliação com o método específico de
pontuação do CAM). Existe ainda associação entre a idade e a confusão aguda, e
entre a patologia do aparelho genitourinário e a confusão aguda, assim como
associação entre a confusão aguda e a toma de medicamentos para o aparelho
respiratório, medicamentos com fins nutritivos, e corretivos da volemia e das
alterações eletrolíticas. Finalmente, verifica-se uma relação inversa entre a
confusão aguda e a toma de medicamentos para o aparelho locomotor.
Analisando a relevância do estudo para a prática de Enfermagem pode destacar-
se, desde logo, o facto de este ter permitido a validação para a população
portuguesa de um instrumento psicométrico de rastreio de delirium
(potencialmente utilizável, principalmente, em serviços de internamento agudo
não psiquiátricos) e, consequentemente, de alguns casos de confusão aguda. No
caso do delirium, ainda que este não seja um diagnóstico de Enfermagem, é
fundamental o papel do enfermeiro no rastreio desta entidade nosológica e na
sua referenciação ao médico, já que o delirium constitui uma emergência médica.
Para além disso, o estudo realizado permitiu, sobretudo, dar um contributo para
uma maior literacia dos enfermeiros no que concerne à utilização adequada de
instrumentos psicométricos e à análise da confusão aguda e do delirium.
Para efeitos de investigação futura importa realizar mais estudos com o CAM
(sobretudo com a versão integral do instrumento), para verificar se este se
trata, de facto, de um instrumento com boas propriedades psicométricas para ser
aplicado na população portuguesa.
A autora principal do instrumento refere ainda a hipótese de cotar o mesmo,
numa escala global de zero a sete; nesse sentido, seria importante validar
estas cotações, de forma a que o instrumento possa avaliar, para além da
presença ou ausência de delirium, também os seus graus de gravidade/severidade.
Finalmente, seria relevante a realização de estudos utilizando o CAM em
populações mais jovens, para verificar se este tem propriedades psicométricas
que permitam a sua utilização não apenas junto das pessoas idosas.