Dotação segura para a prática de enfermagem: operacionalidade do conceito e o
seu impacto nos resultados
Introdução
Os enfermeiros são os e lementos da equipa de saúde habilitados com um
portfólio de competências, entendidas como um conjunto de comportamentos que
englobam os conhecimentos, as habilidades e os atributos pessoais essenciais
para prestarem cuidados de qualidade. No entanto, é necessário que as
organizações estejam munidas dos recursos materiais, técnicos e humanos
adequados para que os enfermeiros possam cumprir a sua missão.
A dotação adequada de recursos de enfermagem refere-se à correta dotação de
enfermeiros em quantidade (número de enfermeiros ou equivalentes em tempo
integral) e em qualidade (experiência/formação dos enfermeiros) face às
necessidades dos clientes, sendo uma das condições favoráveis para a qualidade
dos cuidados de enfermagem prestados. É fundamental dispor de recursos de
enfermagem adequados para que os enfermeiros possam orientar a sua prática de
forma a prestar cuidados de qualidade que garantam a segurança e a satisfação
dos clientes.
As definições de dotação reportam-se à relação entre quantidade e qualidade,
tal como defendido por Hall (2005, p. 2), como a quantidade e tipo de pessoal
necessário para a prestação de cuidados a clientes, e por Frederico e Leitão
(1999, p.113), estabelecer de forma quantitativa e qualitativa, as
necessidades de pessoal de enfermagem, para prestar cuidados a um determinado
grupo de clientes.
A combinação das diferentes categorias de prestadores de cuidados de saúde e a
determinação do número de profissionais necessários para os diferentes
ambientes são peças chave na dotação, constituindo uma preocupação dos
decisores aos diferentes níveis (nível macro ' políticas de saúde e nível micro
- planeamento operacional).
Bostick et al. (2006), na sua revisão sistemática da literatura sobre qualidade
e dotação de enfermeiros em casas de saúde/lares, encontraram oitenta e sete
artigos e documentos governamentais publicados entre 1975-2003, que lhes
permitiram concluir que existe uma associação entre níveis de dotação e
melhoria da qualidade dos cuidados.
A determinação da adequada combinação de recursos humanos (enfermeiros com
diferentes níveis de competências e de necessidades de supervisão) nas equipas
em cada turno é essencial pois uma falha nesse sentido pode conduzir a erros
clínicos que, por sua vez, podem resultar em danos para os clientes e para a
organização. A necessidade de adequar os recursos de enfermagem tendo em conta
a segurança, o nível de necessidade de cuidados de enfermagem dos clientes, a
qualidade dos cuidados de enfermagem, a carga de trabalho, o ambiente de
trabalho e o nível de qualificação/experiência dos enfermeiros, fez emergir o
conceito de dotação segura em enfermagem. É a American Federation of Teachers
em 1995 (apud International Council of Nurses, 2006, p.7) a primeira entidade a
definir este conceito como estar disponível em todas as alturas uma quantidade
adequada de pessoal, com uma combinação adequada de níveis de competência, para
assegurar que se vai ao encontro das necessidades de cuidados dos doentes e que
são mantidas condições de trabalho isentas de riscos.
No sentido de dar resposta a estas preocupações, têm sido desenvolvidos vários
métodos de cálculo de dotação de enfermeiros e múltiplos estudos para avaliar o
impacto da dotação de enfermagem na qualidade e segurança nos cuidados
prestados.Com esta revisão da literatura realizada no âmbito do Doutoramento em
Enfermagem no Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa
pretende-se identificar e analisar o conhecimento produzido sobre esta
temática. Pelo que este trabalho tem como objectivos: identificar o conceito de
dotação segura; analisar os métodos existentes para a sua operacionalização e
analisar o impacto da dotação segura nos resultados obtidos. Em primeiro lugar
serão descritos os diferentes métodos encontrados para operacionalizar a
dotação de enfermeiros, destacando-se em cada um deles os pontos fortes e
limitações. Seguidamente, apresenta-se a solução proposta por alguns países
como forma de resolução desta problemática, elencando as suas potencialidades e
constrangimentos. O item seguinte centra-se na análise dos resultados obtidos
para os clientes, enfermeiros e organizações de saúde, articulando-os com o
tema em estudo. Para finalizar esta revisão, apresenta-se o método
maioritariamente utilizado no nosso país para o cálculo da dotação de
enfermeiros e os estudos desenvolvidos nesta temática.
Metodologia
Este trabalho tem como objetivos: identificar o conceito de dotação segura;
analisar os métodos existentes para a sua operacionalização e analisar o
impacto da dotação. Atendendo aos objectivos do trabalho realizou-se uma
revisão da literatura da investigação publicada entre 2000-2011 nas áreas
temáticas: métodos de cálculo de dotação em enfermagem, rácios em enfermagem,
impacto da dotação nos resultados dos clientes, dos profissionais e das
organizações. Foram selecionadas as seguintes bases de dados: EBSCO-CINAHL,
MEDLINE, B-ON, Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal, The
Cochrane Library e SciELO. Utilizou-se como idiomas preferenciais o português e
o inglês para a definição das palavras-chave, transcritas de acordo com os
Descritores em Ciências da Saúde (Administração de recursos humanos em saúde,
dotação de recursos para cuidados de saúde, Recursos humanos de enfermagem,
Recursos humanos). A bibliografia encontrada foi categorizada e analisada de
acordo com as áreas temáticas acima mencionadas, sem recurso ao uso de
metodologia específica.
Revisão de Literatura
Métodos de cálculo de dotação de enfermeiros
Os métodos de organização de recursos humanos, nomeadamente os que se reportam
à enfermagem, são um importante contributo para a prestação dos cuidados com
qualidade e segurança.
Atualmente os métodos usados para sustentar as decisões nos diferentes
contextos são variados e com diferentes finalidades. Estes são baseados em
alguns princípios como a análise de tarefas, de funções, de postos de trabalho,
do grau de dependência dos clientes nos cuidados e do juízo profissional.
Hurst (2003), na revisão sistemática da literatura que efetuou e que teve por
base a análise de mais de 500 artigos, publicações monográficas e relatórios de
diversos países sobre este tema, identificou cinco métodos principais que são
utilizados pelos gestores em enfermagem para tomarem decisões quanto ao custo/
benefício, número e combinação de capacidades do efetivo de enfermagem. Os
métodos referenciados são:
Juízo profissional: permite calcular, através do número de enfermeiros
pretendido em cada turno, o número de horas de trabalho necessárias por semana
(nº de horas em cada turno multiplicado pelo nº de enfermeiros em cada turno,
multiplicado pelo nº dias da semana) sendo expresso em Equivalentes de Tempo
Integral (ETI). Ao valor total obtido deve-se acrescentar (multiplicando) a
tolerância relativa às folgas e férias (o autor recomenda 1.22). Finalmente,
esse valor deve ser dividido pelo nº de horas de trabalho semanais
contratualizadas. É considerado o método mais simples e indicado para uma
abordagem rápida e simples da dotação, sendo confirmado pelos resultados
obtidos por outros métodos. Tem como desvantagem não se adaptar às oscilações
de carga de trabalho ou à distribuição equitativa da mesma.
Número de enfermeiros por cama ocupada: assenta no cálculo do número de
enfermeiros necessário em cada turno e de acordo com o número de camas ocupadas
por especialidade ou tipologia de cliente (cirúrgico, medicina, oncológico,
cuidados intensivos, etc.). Pressupõe o cálculo de dotações de base e não é
sensível ao grau de dependência dos clientes internados.
Qualidade-acuidade: também assenta no cálculo do número de enfermeiros
necessários por turno tendo por base uma fórmula mais complexa que a do método
anterior. É sensível à complexidade das necessidades em cuidados dos clientes e
ao seu grau de dependência, pelo que é muito útil em serviços com oscilações
frequentes no fluxo e tipologia de clientes. Permite identificar o patamar
abaixo do qual a qualidade dos cuidados é posta em causa, pois consegue avaliar
a carga de trabalho, classificando os clientes de acordo com as suas
necessidades. O tempo despendido nos chamados cuidados indiretos (atividades de
formação, supervisão e coordenação) assim como a satisfação das necessidades
psico afetivas dos clientes, os tempos de pausa e de folga dos enfermeiros são
contabilizados como tempos extra por serviço. No entanto necessita de um
programa informático e de formação específica para a sua utilização, aumentando
a carga de trabalho dos enfermeiros dada a necessidade de recolher e registar
os dados que alimentam o programa.
Tarefas/intervenções cronometradas: requer a quantificação em minutos de todas
as intervenções previstas no plano de cuidados de enfermagem de cada cliente. O
somatório destes minutos resulta no número de horas de cuidados de enfermagem
necessárias por cliente/turno/dia. Este método é adequado para serviços nos
quais os planos de cuidados são elaborados e atualizados de forma sistemática.
As atividades de enfermagem relacionadas com as necessidades psicológicas e
afetivas dos clientes são de difícil quantificação pelo que, habitualmente, os
tempos médios dedicados a estas atividades/intervenções são acordados
localmente, sendo por vezes ignorados. Tal como no método anterior, os tempos
de pausa e de folga dos enfermeiros são contabilizados como tempos extras por
serviço. Este método é replicável em ambientes semelhantes e facilmente
adaptável a ambientes diferentes (depois de desenvolvido o trabalho de
quantificação das diferentes intervenções de enfermagem e de parametrização do
programa informático que suporta os registos de enfermagem).
Análise de modelos de regressão linear: utiliza cálculos estatísticos complexos
que permitem prever o número de enfermeiros necessários para um determinado
nível de atividade num determinado serviço. Esta metodologia demonstra que o
aumento da taxa de ocupação leva ao aumento da dotação e estima as necessidades
em número de enfermeiros. Os dados são fáceis de recolher, partindo-se do
princípio que as dotações são ajustadas de acordo com as necessidades dos
doentes, podendo efetuar-se agregação de dados a partir de serviços
semelhantes. É uma metodologia útil para gestores com recursos limitados que
não têm à sua disposição meios para cronometrar tarefas/actividades ou para
recorrerem a métodos de qualidade-acuidade. Necessita de conhecimentos
estatísticos apropriados para a sua conceção e implementação, no entanto não é
seguro extrapolar os resultados para realidades diferentes pois a existência de
relações lineares entre variáveis dependentes e independentes não garantem as
mesmas relações noutros contextos.
Rácios de dotação em enfermagem
Em todos os métodos anteriormente mencionados são apresentados pontos fortes e
fracos no entanto, apesar de toda a investigação desenvolvida, ainda não foi
apresentada uma ferramenta ideal que permita aos enfermeiros gestores tomarem
as melhores decisões quanto à dotação segura em enfermagem. Um dos
constrangimentos reside na impossibilidade em medir todas as atividades/
intervenções associadas aos aspetos cognitivos e intelectuais desenvolvidos
pelos enfermeiros.
Dada a dificuldade na adoção de um único método para a determinação da dotação
segura, a solução apresentada por alguns países assentou na legislação e
implementação de rácios de dotação segura em enfermagem. Entende-se por rácio a
relação proporcional entre dois valores, reportando-se ao número máximo de
clientes a serem atribuídos a um enfermeiro durante um turno. O estado da
Califórnia foi pioneiro nesta abordagem, com a introdução de legislação que
assenta nos princípios defendidos pela Associação Americana de Enfermagem
relativamente à dotação em enfermagem, tendo sido implementada entre 2004 e
2008 em todos os Hospitais da Califórnia. Posteriormente, outros estados
americanos e outros países legislaram igualmente rácios com base nos níveis de
dotação recomendados pelos órgãos reguladores do exercício da profissão.
No estudo efetuado por Chapman et al. (2009), que avaliou o impacto da
implementação desta lei, na perspetiva de vinte e três líderes de doze
hospitais da Califórnia com diferentes modelos de gestão, concluíram que a
melhoria da qualidade dos cuidados prestados não resulta exclusivamente do
aumento na dotação. Referem também que a implementação desta lei em todos os
serviços e hospitais foi um desafio no entanto teve um impacto negativo nos
clientes, em especial nas Urgências (devido ao aumento do tempo de espera para
transferência para outros serviços) resultando também na diminuição do staff
auxiliar.
Verificamos assim que a adoção de rácios também não é consensual. Os argumentos
de maior peso que os rejeitam, sustentam-se nos elevados custos que acarretam e
no facto de não refletirem com precisão as necessidades dos clientes em termos
de complexidade dos cuidados que requerem. Para além de não terem em
consideração a arquitetura do ambiente de trabalho, a tecnologia disponível, o
nível de preparação e a experiência dos prestadores de cuidados. Em oposição,
os argumentos a favor da introdução de rácios sustentam-se em evidência
científica, indicando que menores rácios enfermeiro/cliente influenciam
positivamente os resultados para os clientes (Aiken et al., 2002; Rothberg et
al., 2005; Kane et al., 2007).
Também Aiken et al. (2010) realizaram um estudo de grande dimensão, com 22336
enfermeiros, no qual foram avaliadas as cargas laborais e os rácios enfermeiro/
clientes em 353 hospitais da Califórnia, 73 hospitais de New Jersey e 178
hospitais da Pensilvânia. Da análise dos dados tornou-se evidente que os
enfermeiros dos hospitais da Califórnia cuidam, em média, de menos dois
clientes nos serviços de medicina e de menos um cliente nos serviços de
cirurgia, comparativamente com os enfermeiros que trabalham nos hospitais dos
outros estados em que não estão legislados rácios enfermeiro/clientes. Da
comparação dos resultados obtidos ao nível do rácio enfermeiros/clientes,
verificou-se uma menor taxa de mortalidade dos clientes nos hospitais da
Califórnia. Nos hospitais dos outros estados, alinhados com os rácios dos
hospitais da Califórnia, o nível de insatisfação e exaustão nos enfermeiros foi
também mais baixo.
Também os estudos de Donaldson et al. (2005)e de Bolton et al. (2007)
evidenciam que alguns indicadores relativos às intervenções de enfermagem, como
as quedas e úlceras de pressão adquiridas no hospital, são influenciados pelo
rácio enfermeiro/cliente, observando-se melhoria nestes resultados para rácios
enfermeiro/clientes mais baixos.
Impacto da dotação em enfermagem nos resultados
A dotação de recursos em enfermagem apropriados é essencial para se prestarem
cuidados adequados às necessidades dos clientes, manifestando-se ao nível dos
resultados obtidos nos clientes, enfermeiros e organizações de saúde.
Para os clientes: A investigação evidencia que a dotação adequada, seja na
quantidade (número de enfermeiros) ou na qualidade (nível de formação e de
experiência profissional) tem impacto nos resultados obtidos para o paciente/
cliente. Aiken et al. (2002) verificaram no seu estudo que por cada cliente
adicional distribuído a cada enfermeiro (acima de 4 clientes atribuídos), a
probabilidade de morte aumentava 7% nos 30 dias subsequentes à sua admissão,
culminando num aumento de 7% na taxa de insucesso nos procedimentos de
reanimação. Para o mesmo estudo, estes investigadores recolheram informação em
doentes cirúrgicos de 168 hospitais da Pensilvânia, verificando que as taxas de
mortalidade eram quase duas vezes mais elevadas nos hospitais que detinham um
efetivo de enfermeiros com menos de 10% dos enfermeiros diplomados registados
(RN) comparativamente a hospitais que apresentavam mais de 70% dos enfermeiros
detentores de diploma de enfermeiro registado.
Também Needleman et al. (2002), num estudo transversal tendo por base dados de
cinco milhões de clientes de medicina e um milhão e cem mil clientes de
cirurgia, verificaram que em unidades onde era disponibilizada uma maior
proporção de horas de cuidados de enfermagem por dia de internamento e uma
maior proporção na diversidade de competências criando um nível de
diferenciação mais elevado de horas de cuidados de enfermagem por dia estiveram
associados a internamentos mais curtos, taxas de infeção mais baixas
(pneumonias, infeções urinárias, sépsis), menor taxa de paragens cardíacas e
menor taxa de insucesso na reanimação. Deste modo parece evidente que dotações
em enfermagem adequadas estão associadas a menor mortalidade (Needleman et al.,
2011) e redução nos dias de internamento (Lang et al., 2004).
Para os enfermeiros: A proporção elevada no rácio enfermeiro/clientes para além
de afetar negativamente os cuidados prestados aos clientes, também afeta os
enfermeiros, aumentando o risco de exaustão emocional, stress e insatisfação
profissional (Sheward et al., 2005). As investigações de Aiken et al. (2002)
identificam a carga de trabalho como um fator que influencia o grau de
satisfação dos enfermeiros no desempenho da sua atividade, verificando que 43%
dos enfermeiros apresentaram altos scores de exaustão emocional, 41% declararam
estar insatisfeitos com seus empregos e 23% planeavam mudar de trabalho no ano
seguinte. É também assinalado que ambientes de trabalho inseguros se associam a
fatores como a pressão e stress elevado, falta de apoio dos gestores e colegas,
falta de controlo sobre a prática, horário de trabalho inadequado, liderança e
dotações desajustadas. Os enfermeiros, quando repetidamente expostos a estes
fatores, apresentam níveis mais elevados de fadiga e de exaustão, diminuição da
produtividade, da motivação e, simultaneamente, apresentam um aumento do
absentismo e da insatisfação profissional.
Para as Organizações de Saúde: Os enfermeiros são o maior contingente
profissional das organizações de saúde e com os serviços que prestam aos seus
clientes, são responsáveis por uma parcela significativa da sua faturação. Este
facto é ilustrativo da importância do seu contributo na criação de valor na
organização, pelo que a gestão eficaz e eficiente deste grupo assume uma
dimensão de extrema relevância. Enfermeiros motivados detentores de
competências de elevada qualidade conseguem prestar cuidados de maior
qualidade, induzindo grande satisfação nas pessoas que recebem esses cuidados,
fidelizando-as à organização. Também a redução de enfermeiros, assente numa
visão economicista, tem um impacto negativo na mortalidade tal como é notado no
estudo de Rothberg et al. (2005) que demonstraram que a redução nos rácios
enfermeiro/clientes (1:8) induzem níveis de mortalidade mais elevados pelo que
concluem que, para assegurar a segurança dos clientes, os rácios de 1:4 são
razoavelmente aceitáveis em termos de custo-eficácia. Também Thungjaroenkul,
Cummings e Embleton (2007), na revisão sistemática da literatura efetuada,
assinalam em sete estudos que rácios enfermeiro/cliente mais elevados e a
disponibilidade de enfermeiros mais capacitados e com maior perícia,
influenciam de forma positiva a duração do internamento e de reinternamento com
consequente diminuição dos custos hospitalares.
Dotação segura para a prática de enfermagem em Portugal
No nosso país a atividade profissional de enfermagem é maioritariamente
desenvolvida nas unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) pelo que a
contextualização desta temática reporta-se apenas ao trabalho desenvolvido
pelas entidades reguladoras dessas unidades e pela Ordem dos Enfermeiros (OE).
A Divisão de Estudos e Planeamento da Direcção Geral de Recursos Humanos da
Saúde desenvolveu, ao longo de vários anos, um trabalho que propõe a adoção de
fórmulas para calcular as necessidades de enfermeiros, sendo a última versão a
publicada na Circular Normativa nº1/2006 de janeiro, da Secretaria Geral do
Ministério da Saúde. Esta circular, apresenta várias fórmulas de cálculo
relativamente às necessidades de enfermeiros para os diferentes ambientes
(Cuidados Primários, Hospitais com serviços de internamento, bloco operatório,
consulta externa, hospital de dia). A fórmula expressa no quadro_1 é a
aplicável ao contexto hospitalar com internamento, mantendo-se em utilização no
SNS.
Em 2009, a Ordem dos Enfermeiros desenvolveu um trabalho no qual propõe para a
Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, dotações de enfermeiros tendo
em conta o número adequado em quantidade e em qualidade, sugerindo níveis de
competência diferentes (generalistas e especializadas) para fazer face às
necessidades de cuidados deste tipo de clientes. Este avanço denota um
alinhamento com a tendência internacional, que aponta no sentido da dotação de
enfermeiros ser sensível, não apenas ao número de enfermeiros mas também às
competências que as equipas devem apresentar para a prestação de cuidados
seguros e de qualidade.
Em 2011, um grupo de trabalho constituído por membros da Ordem dos Enfermeiros
e do Ministério da Saúde (MS) elaboraram um Guia de Recomendações para o
cálculo da dotação de enfermeiros no Serviço Nacional de Saúde (Ordem dos
Enfermeiros. Ministério da Saúde, 2011). Este documento propõe critérios e
dotações que resultam da análise retrospetiva da realidade portuguesa relativa
à necessidade prestação de cuidados de enfermagem e da investigação efetuada.
Prevê três contextos de atuação, o ambiente hospitalar, os cuidados de saúde
primários e a rede de cuidados continuados integrados. Para o contexto
hospitalar propõem a fórmula da Circular Normativa de 12/01/2006 (MS) de acordo
com as necessidades dos clientes em cuidados de enfermagem (traduzidas em horas
de cuidados necessários por dia de internamento), tendo por base a análise dos
dados recolhidos no Sistema de Classificação de Doentes (SCD), entre 2008-2009.
Apenas para os cuidados de saúde primários é recomendado a utilização de rácio
(um enfermeiro para trezentas e cinquenta famílias ou mil e quinhentos
utentes). A proposta para os cuidados continuados teve em consideração as
diferentes tipologias das unidades de internamento e domiciliárias, as horas
médias de cuidados necessários e o trabalho anteriormente mencionado. Esta
proposta expressa uma evolução pois permite determinar as necessidades de
enfermeiros adotando diferentes métodos de cálculo para os diferentes ambientes
de cuidados. Assim, para os cuidados de saúde primários são definidos rácios
enquanto que, para o internamento hospitalar e rede de cuidados continuados,
aplicam-se fórmulas que incorporam média de horas de necessidade de cuidados.
No entanto este documento não define ou estipula contingentes de dotação
relativamente às competências dos enfermeiros. O parecer emitido pelo MS,
relativo a este trabalho, prevê a sua aplicação a título experimental em cinco
contextos diferentes para posterior avaliação a partir de 2011, mas ainda não
se iniciou nenhum dos estudos piloto propostos.
Relativamente à evidência científica produzida em Portugal, encontraram-se duas
publicações que abordam este tema.
A primeira, intitulada "Dotações seguras salvam vidas" e publicada
em 2006 pela Ordem dos Enfermeiros, enumera um conjunto significativo de
estudos internacionais que sustentam e argumentação para a importância do tema,
pretendendo contribuir para que as associações profissionais de enfermeiros
exerçam a sua influência na promoção de ambientes com níveis de dotação
adequados, de forma que os enfermeiros prestem cuidados com qualidade e
segurança.
A segunda, intitulada Responsabilidade profissional: Recursos humanos e
qualidade dos cuidados em enfermagem (Cordeiro, 2009), é um estudo que
apresenta como principais conclusões que os enfermeiros, mesmo quando existem
dotações insuficientes, priorizam as suas intervenções de acordo com a urgência
das mesmas e com as rotinas instituídas, não sentindo que a sua
responsabilidade diminua nos cuidados que prestam nessas condições.
Conclusão
A dotação segura em enfermagem é uma preocupação central para uma prática
segura e refere-se ao número de enfermeiros em quantidade e experiência
necessárias para fazer face às necessidades dos clientes em cuidados de
enfermagem.
O conceito tem sido operacionalizado de diferentes formas alicerçando-se em
diferentes métodos nomeadamente no juízo profissional, no número de enfermeiros
por cama, na complexidade de cuidados a prestar, na quantificação das
intervenções de enfermagem até modelos estatísticos de regressão linear. Apesar
da diversidade de métodos verificamos que os mesmos não encontram consenso na
literatura, valorizando apenas uma parte de um todo complexo que responde
apenas a uma faceta do conceito de dotação segura.
Dada a dificuldade na adoção de um único método para a determinação de dotação
segura, a abordagem efetuada por alguns países assenta na legislação e
implementação de rácios em enfermagem. Esta solução, não sendo consensual,
advoga argumentos a favor e contra. Diversos autores nas suas investigações
sustentadas em rácios, evidenciam a importância dos mesmos para a prática
segura de enfermagem demostrando que os rácios hospitalares enfermeiro/cliente
mais elevados estão associados a internamentos de menor duração, menores taxas
de infeção menores índice de paragens cardíacas e menores taxas de insucesso na
reanimação.
Só a partir do final dos anos 90 e início de 2000 os estudos de alguns autores
evidenciam o impacto das dotações de enfermagem nos resultados obtidos para os
clientes, enfermeiros e organizações. Também as revisões sistemáticas mais
recentes identificam a importância da combinação de competências no seio das
equipas para o sucesso dos resultados, demonstrando que enfermeiros com maior
nível de diferenciação prestam cuidados mais seguros com melhores resultados
para os clientes.
No entanto persiste a evidência de inexistência de um método de cálculo de
dotação de enfermeiros que seja universalmente aceite e utilizado pelos
gestores no âmbito da saúde pelo que se deverá continuar a desenvolver
investigações nesta área.
Assim, consideram-se os objetivos propostos para este trabalho atingidos,
apontando-se como limitações do estudo a utilização das palavras-chave
transcritas de acordo com os Descritores em Ciências da Saúde. Sugere-se a
replicação da revisão da literatura assente noutras palavras-chave. Propõe-se
um maior investimento nesta área de investigação, com o intuito de testar e
comparar diferentes métodos e de encontrar outras formas de operacionalizar o
conceito de dotação segura em enfermagem.