Desenvolvimento da assimetria manual
Considerações preliminares
A escolha de uma mão em detrimento da outra é o reflexo mais evidente da
assimetria no comportamento motor humano. As mãos expressam também diferentes
funções na realização de tarefas manuais ' uma mão assegura funções de suporte
ou estabilização e a outra assume papel mais activo.
A tendência para a destralidade e, em contraposição, à reduzida tendência para
a sinistralidade, na maioria da população, têm sido vastamente estudadas e
documentadas em diversas culturas, em grupos com patologias identificadas e em
diferentes faixas etárias. Pela importância da funcionalidade manual torna-se
pertinente compreender o desenvolvimento do comportamento assimétrico, quer ao
nível da preferência quer da proficiência e funcionalidade. O objectivo do
presente ensaio consubstancia-se na descrição do desenvolvimento da preferência
e proficiência manual relacionadas com a idade e com o género, e sua
caracterização em condições patológicas.
Assimetrias manuais: da concepção aos primeiros 3 anos de vida
A tendência para a preferência manual direita, típica da população adulta,
parece estar já presente no início da vida. Apesar da preferência manual não
ser uma característica óbvia de crianças pequenas, tornando-se mais evidente
com o início da escolaridade, podem observar-se algumas tendências de
preferência mesmo antes do nascimento. As assimetrias posturais espontâneas de
fetos e bebés recém-nascidos têm sido estudadas na perspectiva de explicação de
tendências posteriores de desenvolvimento. Os resultados mostram que entre as
10 e as 12 semanas de vida já é possível observar movimentos lateralizados dos
membros e cabeça e que a tendência para a direita é predominante
(13)
. Alguns aspectos e tendências verificados durante o período pré-natal têm sido
relacionados com características comportamentais pós-parto. Por exemplo, existe
alguma indicação de que os fetos que sugaram o seu polegar direito durante a
gestação, quando examinados entre o segundo e quarto dias após o seu
nascimento, viravam a cabeça para o lado direito
(1)
. A preferência para o lado direito na sucção do polegar às 15 semanas de
gestação também foi recentemente relacionada com a preferência manual direita
aos 10-12 anos de idade
(4)
. Porém, esta preferência estável para a direita não foi sempre evidente. De
Vries et al.
(5)
observaram os contactos da mão com a face efectuados por fetos com idade
gestacional entre 12 e 38 semanas relacionando-os com a posição preferencial da
cabeça após o nascimento. Contudo, não foi possível suportar a associação entre
contactos da mão e posição da cabeça na formação de uma sinergia ipsilateral
estável e preferencial. Por outro lado, a posição da cabeça durante o período
fetal e o virar da cabeça espontâneo logo após o nascimento foram relacionados
com actividades manuais (manipulação e preferência) na infância
(6)
.
A observação de recém-nascidos demonstra, do mesmo modo, uma variedade de
tendências motoras laterais, nos contactos da mão com a face, na orientação da
cabeça
(7, 8)
, no reflexo de preensão
(9, 10)
, no reflexo do caminhar
(8, 11)
, ou no reflexo tónico assimétrico e contralateral do pescoço(11). Porém, a
maioria dos estudos observa as tendências laterais após o nascimento ao nível
do tronco e membros superiores por serem um potencial indicativo da preferência
manual adoptada posteriormente. Os estudos que focam as assimetrias laterais no
reflexo do caminhar como indicativo da preferência lateral dos membros
inferiores são muito menos frequentes e não revelam tendências assimétricas.
À medida que vão crescendo, os bebés mostram preferência manual em acções como
apontar, agarrar e manipular objectos, traduzida pela frequência do uso de cada
mão. A idade dos 3 anos parece constituir um marco no uso preferencial por uma
das mãos, normalmente a direita
(12)
. Alguns factores podem influenciar estas flutuações, tais como as mudanças no
desenvolvimento da organização e controlo dos movimentos do braço e mão,
controlo postural, associação a comportamentos locomotores, ou a
constrangimentos da tarefa. Não obstante, à medida que a idade avança torna-se
notória a preferência consistente por um dos lados, com uma grande
variabilidade no que diz respeito ao processo de desenvolvimento da preferência
manual durante o primeiro ano de vida
(13, 16)
. Esta variabilidade pode ser real ou apresentar alguma contaminação
metodológica, pela dificuldade de avaliação típica destas idades. Após os 12
meses, os autores são unânimes em considerar uma certa estabilidade ao nível
dos comportamentos de preferência manual, sobretudo quando se trata da
preferência sobre a mão direita, como acontece em cerca de 90% dos casos. As
mudanças no desenvolvimento da preferência manual durante os primeiros anos de
vida parecem estar associadas a reorganizações sucessivas do sistema motor, que
ocorrem à medida que a criança aprende a sentar, gatinhar e andar, assim como
às novas possibilidades de acção sobre o envolvimento. Como tal, o
desenvolvimento da preferência manual afigura-se como altamente maleável e
sensível a uma diversidade de novas experiências sensorio-motoras
(17, 18)
, pelo que os primeiros movimentos assimétricos são muito flexíveis e sujeitos
a uma oscilação e instabilidade antes de se estabelecerem numa determinada
direcção. A determinação destas tendências é ainda insatisfatória, pela
escassez de estudos longitudinais.
Existe alguma controvérsia sobre a idade de estabilização da preferência
manual. Alguns autores defendem a idade dos 3 anos
(19)
, outros dos 4 anos
(20)
e outros ainda sugerem que, apesar da preferência manual estar estabelecida
por volta dos 5 ou 6 anos, esta pode sofrer alterações até cerca dos 13 anos,
fruto das pressões sociais
(21)
. A consistência da preferência, difícil de medir com objectividade, parece
aumentar com a idade, ao mesmo tempo que se fixa uma preferência definida.
Apesar de muitos estudos procurarem referenciar idades, com evidente efeito
normativo, o próprio conceito de estabilidade é pouco preciso, o que pode
reflectir-se no sentido das conclusões dos estudos.
Algumas investigações descrevem uma tendência para a direita mais elevada no
sexo masculino comparativamente ao sexo feminino no que diz respeito à rotação
da cabeça
(7, 22)
e à força de preensão palmar
(23)
, enquanto outras apresentam resultados contrários
(24, 25)
. A tendência para uma preferência manual direita parece ser mais precoce no
sexo feminino do que no masculino no que diz respeito ao comportamento de
agarrar objectos
(26)
o que sugere um desenvolvimento da lateralização cerebral mais precoce nas
meninas do que nos meninos, hipotetizando a possibilidade deste resultado ser
um precursor da assimetria mais acentuada nas mulheres adultas comparativamente
aos homens.
Uma porção significativa de bebés recém-nascidos demonstra reflexos e
movimentos espontâneos mais fortes e mais coordenados para o lado direito do
corpo do que para o lado esquerdo. Porém, uma preferência para a esquerda
superior ao normal tem sido observada consistentemente em prematuros
(14, 27-30)
, em especial nos rapazes
(27, 29)
. Outros factores relacionados com o bebé ou com o momento do parto têm sido
ligados a uma percentagem elevada de preferência manual esquerda ou mista.
Entre eles encontram-se, o baixo peso, ordem elevada de fratria, dificuldades
respiratórias, trabalho de parto prolongado, tipo de parto (cesariana, uso de
fórceps, apresentação pélvica), e incompatibilidade Rh
(31, 32)
. Para além disso, alguns factores relacionados com a mãe, como idade precoce
ou elevada da mãe no momento do nascimento do bebé, sintomas de depressão,
ansiedade, consumo de drogas, tabaco ou álcool por parte da mãe durante a
gravidez, podem influenciar a trajectória típica das assimetrias funcionais dos
seus filhos, traduzindo-se numa maior prevalência de preferência manual mista
ou para a esquerda
(32-34)
. Estes resultados sugerem que as origens neuro-desenvolvimentais da
preferência manual podem estar parcialmente ligadas ao ambiente químico a que o
feto está exposto no útero, fomentado pelos vários factores de stress pré-natal
mencionados anteriormente.
Assimetrias manuais: período pré-escolar e escolar
Os avanços no controle motor durante o período pré-escolar, os quais dependem
tanto da maturação cerebral e física como do refinamento das competências
através da experiência, permitem o estudo da preferência manual em acções como
desenhar, cortar com uma tesoura, apanhar um objecto do chão, ou lançar um
objecto a um alvo. Muitos estudos investigaram a preferência manual de crianças
dos 3 aos 12 anos de idade na execução de várias acções como as descritas
anteriormente
(e.g. 19, 35)
bem como, a assimetria manual em vários testes de performance
(e.g. 36, 37)
. Merece ser realçado que, apesar das medidas de performance permitirem
distinções precisas numa escala quantitativa, elas não são, em parte,
acessíveis a crianças até à idade pré-escolar nem a crianças com perturbações
do desenvolvimento ou limitações sensoriais, físicas e cognitivas. Os
resultados dos estudos apontam para uma tendência das populações pré-escolar e
escolar para uma preferência manual direita
(38, 39)
, com uma percentagem de sinistrómanos semelhante à da população adulta
(aproximadamente 10%). Porém, tal como na população adulta, essa tendência
parece variar com a cultura onde está inserida a criança. Por exemplo, Fagard e
Dahmen
(40)
verificaram que, entre os 5 e os 9 anos, 16.7% das crianças Francesas usam a
mão esquerda na escrita, por comparação com 3.3% das crianças Tunisinas, e o
estudo de Holder e Kateeba
(41)
registou, no Uganda, 4.8% de crianças sinistrómanas entre os 4 e os 19 anos.
Pode existir um forte efeito da cultura, tradições, tolerância e estereótipos
comportamentais na tendência biológica para uma preferência determinada.
Viviani
(42)
verificou, em crianças italianas entre os 5 e os 11 anos, que as do meio rural
apresentavam percentagens significativamente inferiores de preferência manual
esquerda (6.2%) relativamente às do meio urbano (20.1%).
No que diz respeito ao desenvolvimento da preferência manual neste período, os
investigadores concordam que não é a direcção que muda com a idade
(43, 44)
mas sim a consistência (intensidade) da preferência manual
(45, 46)
. Por exemplo, Bryden, Roy e Spence(45) verificaram que as crianças mais jovens
(entre os 3 e 5 anos) eram menos consistentes do que as mais velhas (a partir
dos 7 anos) e do que os adultos. Também Greenwood et al.
(47)
observaram, em 5000 crianças Irlandesas dos 3 aos 18 anos, que as mais novas e
os rapazes demonstraram uma frequência e intensidade menos elevadas na
tendência para a direita. Porém, Ounsted et al.
(48)
, num estudo longitudinal em que avaliaram 199 crianças aos 2, aos 4 e aos 7½
anos, verificaram que a preferência manual foi constante ao longo deste
período. Das crianças destrímanas aos 7½ anos, mais de 70% demonstraram a mesma
preferência manual manifestada aos 2 anos e 89% manteve a mesma preferência
revelada aos 4 anos. Para as crianças sinistrómanas, os valores foram idênticos
aos das destrímanas, ou seja 76% aos 2 anos e 86% aos 4 anos. No sentido de
avaliar a consistência da preferência manual, McManus et al.
(49)
verificaram, numa amostra de 314 crianças com idades de 3, 4, 5 e 7 anos, que
a direcção da preferência parece estar determinada aos 3 anos, e que a
consistência no uso da mão preferida aumentou ao longo do tempo, mais
rapidamente nas crianças sinistrómanas. Estas parecem demonstrar uma
preferência manual mais fraca do que as destrímanas aos 3 anos, mas de similar
consistência aos 7 anos. Resultado semelhante com crianças sinistrómanas foi
observado por Bryden e Mayer
(50)
.
O aumento da consistência na preferência manual direita com a idade não tem
ainda uma explicação clara. Presumivelmente poderá ser o resultado das
interacções sociais e da adaptação a um mundo orientado à direita, mas poderá
ser admitida uma regulação ao nível maturacional, que decorrerá mesmo na
ausência de quaisquer influências do meio. Recentemente Dubois et al.
(51)
observaram em bebés entre o primeiro e o quarto mês de vida marcadores
estruturais de assimetrias hemisféricas, ou seja, diferenças inter-hemisféricas
na proporção de neurónios no tracto cortico-espinal, sendo esta assimetria mais
evidenciada para o lado esquerdo. Apesar de este estudo não clarificar se estas
assimetrias estruturais são a causa ou consequência do desenvolvimento das
assimetrias funcionais, os autores sugerem que esta organização neural está
relacionada com o desenvolvimento posterior da lateralização funcional.
Provavelmente será a interacção destes e de outros factores alguns dos aspectos
que actuam sinergeticamente no sentido de intensificar o uso da mesma mão ao
longo da vida.
O conhecimento sobre a assimetria manual, muito dependente das tarefas
utilizadas, não reúne consensos fáceis. Enquanto em alguns estudos
(e.g. 52, 53)
não se observaram diferenças estatisticamente significativas ao longo da
idade, em outros
(e.g. 45, 54)
verificou-se uma maior assimetria manual nos grupos mais jovens. Mas Bryden et
al.
(55)
, por exemplo, verificaram, na tarefa motora WatHand Cabinet Test, que os
sinistrómanos apresentavam maior variação do que os destrímanos nas assimetrias
manuais ao longo da idade, e que as crianças mais jovens demonstravam um grau
de lateralização mais fraco do que as crianças mais velhas e do que os adultos.
Para além disso, tem sido observada uma assimetria funcional menos acentuada
nos sinistrómanos
(56)
, facto que tem sido explicado pelo não uso da sua mão dominante em muitas
tarefas da vida diária traduzido pela vivência num mundo destro.
Para além da idade, a lateralidade manual parece também estar de algum modo
associada ao sexo. Enquanto alguns autores não documentam diferenças
significativas entre raparigas e rapazes
(e.g. 19, 57)
, outros observam uma percentagem superior de sinistrómanos no sexo masculino
(e.g. 41, 58)
.
Em relação à consistência (intensidade) da preferência manual, existe uma
incidência superior de ambidestralidade no sexo masculino
(59)
enquanto o sexo feminino revela maior tendência para intensificar o uso da mão
preferida, no caso de esta ser a direita. De acordo com alguns autores
(e.g. 60, 61)
, a intensificação superior no sexo feminino, relativamente ao masculino, deve-
se à maior pressão cultural a que as mulheres estão sujeitas desde muito novas.
A confirmar este facto, Porac e Coren
(62)
observaram uma taxa superior de sucesso no sexo feminino relativamente à
mudança para uma preferência manual direita.
No que respeita à performance, alguns estudos reportam diferenças entre os
sexos no grau de assimetria manual, sendo o sexo feminino mais fortemente
lateralizado do que o masculino no desempenho de algumas tarefas motoras
(63, 64)
. Pedersen et al.(64), por exemplo, avaliaram 112 crianças com idades
compreendidas entre os 7 e os 9 anos, utilizando duas tarefas do Movement
Assessement Battery for Children (atirar pequenas bolas e fazer um jogo de
encaixe simples). O estudo pretendeu avaliar as diferenças entre os sexos nas
habilidades manuais. Os resultados revelaram que, na tarefa das bolas, o sexo
feminino mostrou ser mais assimétrico, enquanto na tarefa de encaixe, não se
verificaram diferenças entre os sexos. Os autores sugeriram que as diferenças
entre os sexos, a existirem, parecem ser específicas de algumas tarefas, o que
reforça o papel de eventuais condicionamentos sociais na expressão de
preferências laterais. A especificidade da tarefa no que diz respeito à
assimetria manual e sua relação com as diferenças entre os sexos foram também
corroboradas por outros autores
(65, 66)
.
Algumas condições atípicas, como o autismo
(e.g. 67)
, a esquizofrenia
(e.g. 68)
, as doenças do sistema imunitário
(e.g. 69)
ou desordens desenvolvimentais
(e.g. 70, 71)
têm sido associadas a padrões atípicos de lateralização. O modelo patológico,
sugerido por Satz et al.
(72)
, postula que a preferência manual esquerda é determinada tanto geneticamente,
resultando numa preferência manual esquerda natural, como patologicamente. Do
ponto de vista dos autores, o segundo caso é consequência de danos cerebrais
prematuros, tendo-se baseado, para esta sugestão, na observação de um elevado
número de sinistrómanos em sujeitos com danos cerebrais ou com suspeita da
existência desses danos. Porém, parece que é a ausência de uma tendência
lateral ou uma assimetria menos acentuada para a direita que caracteriza estas
populações patológicas, ao invés de uma percentagem mais elevada de
sinistrómanos bem lateralizados
(e.g. 73, 74)
. Recentemente este assunto tem suscitado interesse, talvez pela exuberância de
estudos associados às desordens coordenativas na criança
(para uma revisão exaustiva sobre este assunto ver 75)
.
Assimetrias manuais: adultos e idosos
As tendências manuais em adultos são, tal como em crianças em idade escolar,
analisadas em relação à preferência (a auto-definição, os questionários e as
tarefas motoras unilaterais) e à proficiência (testes de performance). No
entanto, Peters
(76)
recomenda que, em idades superiores a 40 anos, os sujeitos não devam ser
inquiridos sobre a sua preferência manual com base apenas na mão usada na
escrita. Esta recomendação baseia-se na pressão social a que possam ter estado
sujeitos no caso de uma preferência inicial pelo uso da mão esquerda, sendo
vários os estudos que justificam o cuidado desta advertência
(e.g. 77, 78).
É importante referir que, apesar da diminuição da pressão social sobre o uso
da mão esquerda, assiste-se ainda a alguma estigmatização quando esta é a
preferida em detrimento da direita para as várias tarefas da vida diária, entre
as quais se destaca claramente a escrita(42, 47).
Os estudos que analisam a preferência manual ao longo da vida demonstram que a
percentagem de sinistrómanos diminui com o avançar da idade, sendo
drasticamente sub-representada nos idosos
(79-82)
. Por exemplo, Bryden, Bulman-Fleming e MacDonald
(80)
descreveram, numa amostra de três gerações, uma percentagem de sinistrómanos de
1.9% nos indivíduos com idade superior a 64 anos, de 8.6% com idades
compreendidas entre os 35 e os 54 anos, e de 19.8% com idades entre os 20 e os
29 anos. O aumento da percentagem de sinistrómanos nas gerações mais jovens tem
sido atribuído a várias causas, entre as quais um relaxamento das atitudes
sociais e uma maior permissão face ao uso da mão esquerda como mão preferida
(83, 84)
. Também as hipóteses de acumulação de pressões num mundo construído para
destrímanos(60), ou uma expectativa de vida mais reduzida nos sinistrómanos,
devido a uma incidência mais elevada de morte não natural
(85, 86)
, têm merecido alguma atenção.
Coren e Halpern(85) agregaram as várias explicações para o declínio da
preferência manual esquerda com a idade em duas grandes hipóteses: a hipótese
da eliminação e a hipótese da modificação. A primeira sugere que os
sinistrómanos encontram mais dificuldades ao nível físico por viverem num mundo
destro, estando, por conseguinte, mais sujeitos a sofrerem acidentes e, para
além disso, mais propensos a riscos relacionados com a saúde tendo, portanto,
um tempo de vida mais curto. A segunda hipótese, a da modificação, expressa que
as pressões para modificar os comportamentos da preferência manual diferem
entre gerações, sendo mais flexíveis actualmente. Ou seja, a hipótese da
eliminação remete para factores mais biológicos, enquanto a da modificação
sugere factores mais sociais e históricos.
A hipótese da eliminação tem demonstrado resultados contraditórios. Enquanto
alguns estudos não a confirmam
(87, 88)
, apresentando até resultados contrários, indicando uma vantagem não
significativa de sobrevivência mais elevada nos sinistrómanos(e.g. 87), outros
relatam uma frequência mais elevada nos sinistrómanos de acidentes
(89)
, de ferimentos acidentais
(90, 91)
, de quedas
(92, 93)
e, mais recentemente, de doenças cardíacas
(94)
, aumentando a vulnerabilidade à morte acidental.
Por outro lado, investigações que utilizaram um critério de classificação da
preferência manual mais abrangente (não considerando apenas a classificação
dicotómica, em sinistrómanos e destrímanos mas um critério com base na
consistência, isto é, na intensidade da preferência, para além da direcção)
observaram serem os sinistrómanos não consistentes (menos lateralizados),
relativamente aos outros grupos, os mais propícios a um risco mais acentuado de
morte prematura
(95)
e de acidentes(93).
A hipótese da modificação sustenta que a maior ou menor pressão exercida pelas
sociedades e culturas sobre os sinistrómanos resulta numa modificação dos seus
comportamentos constrangendo-os a agir como destrímanos, facto confirmado por
alguns estudos
(77, 96)
e contestado por outros
(97)
. Porém, esta hipótese não explica completamente a reduzida incidência de
sinistrómanos em indivíduos idosos, uma vez que as tentativas para mudar o uso
da mão são muito específicas a determinadas tarefas, tais como comer e escrever
e, mesmo quando efectivas, essas mudanças não tendem a produzir um efeito
generalizado
(61, 98)
.
Dos diversos estudos apresentados conclui-se as duas hipóteses não são
mutuamente exclusivas. Contudo, o debate está longe de terminar, permanecendo
ainda por desvendar a verdadeira razão da reduzida prevalência de sinistrómanos
na população mais idosa.
A intensidade da preferência manual ao longo da idade também tem sido objecto
de investigação
(99, 100).
Teixeira(100), por exemplo, analisou este aspecto em destrímanos divididos em
três grupos (20, 40 e 60 anos), tendo detectado um efeito significativo através
dos grupos de idade, nomeadamente no que respeita à comparação entre o grupo
com 60 anos e o grupo com 20 anos. De igual forma, num trabalho não publicado,
Rodrigues, Lamboglia, Cabral, Barreiros e Vasconcelos
(101)
analisaram a intensidade da preferência manual em 1977 destrímanos e
sinistrómanos, de ambos os sexos, distribuídos por cinco grupos de idade (6-11
anos, 12-18 anos, 19-33 anos e 56-95 anos). Os resultados demonstraram
diferenças significativas entre os grupos, porém, o efeito da idade não foi
similar em sinistrómanos e destrímanos. Nestes últimos, verificou-se que as
crianças exibiram um grau de preferência mais fraco do que os outros grupos de
idade, sendo o grupo dos idosos o mais fortemente lateralizado. Este padrão não
foi evidente nos sinistrómanos, onde apenas o grupo de adolescentes diferiu
significativamente dos outros grupos, demonstrando uma fraca lateralização. É
de salientar, contudo, que apesar dos outros grupos não diferirem entre si
significativamente, os adultos demonstraram uma lateralização mais acentuada,
seguida das crianças e dos idosos. Os resultados obtidos no grupo dos
destrímanos parecem corroborar os efeitos da prática e da experiência,
relacionados com um ambiente que favorece o uso da mão direita. Estes factores
têm sido apontados como determinantes no aumento da intensidade da preferência
manual ao longo da idade. Esta justificação não se aplica, no entanto, aos
resultados observados nos grupos de sinistrómanos, os quais não revelaram uma
tendência clara com a idade.
No que respeita ao efeito da idade na proficiência manual, não há consenso
entre os estudos. Assim, enquanto algumas investigações reportam uma diminuição
da assimetria manual com o avançar da idade
(e.g. 102, 103)
, outros mencionam que a assimetria permanece inalterada com a idade
(e.g. 37, 104)
e, outros ainda, que a assimetria manual ao longo da idade depende do tipo de
tarefas usadas bem como da sua complexidade
(e.g. 100, 105)
. As alterações na assimetria manual com a idade têm sido frequentemente
apontadas como uma adaptação compensatória às mudanças do processamento neural
relacionadas com a idade. Duas hipóteses têm sido propostas para explicar este
aspecto: a hipótese diferencial da idade
(106)
e a hipótese da redução da assimetria hemisférica em idosos
(107)
. De acordo com a primeira hipótese, com o avançar da idade assiste-se a um
declínio mais acentuado das funções do hemisfério direito relativamente ao
hemisfério esquerdo. A segunda hipótese propõe que o envelhecimento conduz a um
padrão simétrico bilateral das funções hemisféricas. Estas duas hipóteses foram
testadas por Hausmann, Gunturkun e Corballis
(108)
em tarefas que exigiam processamento específico de cada hemisfério. Os
resultados demonstraram que as mudanças nas assimetrias hemisféricas relativas
à idade são diferentes para tarefas com processamento específico do hemisfério
direito e do esquerdo, não suportando nenhuma das hipóteses. Por conseguinte, a
inconsistência dos resultados dos estudos atrás mencionados pode estar
relacionada com o tipo de tarefa.
No que diz respeito ao efeito do sexo na preferência manual em adultos e
idosos, os resultados, tal como nos outros momentos descritos, também se
apresentam inconclusivos. Enquanto alguns estudos documentam a ausência de
diferenças significativas entre sexos
(109, 110),
outros observaram uma percentagem de homens sinistrómanos superior à de
mulheres
(82, 111)
. Um estudo recente de meta-análise sobre esta questão, efectuado por Sommer et
al.
(112)
, confirmou esta tendência. A explicação que admite mais consenso, nesta linha
de pesquisa que sugere uma maior percentagem de homens sinistrómanos
relativamente às mulheres sinistrómanas, é a de que os homens são, por um lado,
menos sujeitos às pressões culturais e, por outro, mais resistentes a essas
pressões no sentido da mudança para uma preferência manual direita
(47, 113)
. Contudo, outras explicações têm sido apresentadas, nomeadamente as
relacionadas com a contribuição genética
(114, 115)
, as quais postulam que a expressão do gene que contribui para a preferência
manual para a direita é mais acentuada no sexo feminino do que no sexo
masculino. Esta relação parece ser corroborada por estudos cujos resultados
revelaram uma associação entre os cromossomas sexuais e a preferência manual,
ou seja, o gene associado com a preferência manual parece estar localizado no
cromossoma X
(116, 117)
. Como os genes recessivos no cromossoma X são expressos mais frequentemente no
sexo masculino do que no sexo feminino, esta explicação pode considerar-se
plausível no que diz respeito à maior frequência de indivíduos do sexo
masculino com preferência manual esquerda.
Por fim, temos as interpretações relativas à contribuição hormonal
(118)
, sugerindo que os níveis de testosterona, mais elevados no sexo masculino
comparativamente ao feminino, contribuem para o desenvolvimento da
lateralização cerebral, podendo induzir um atraso no desenvolvimento do
hemisfério esquerdo e, consequentemente, resultar numa expressão manual direita
menos pronunciada nos homens. Contudo, embora alguns estudos efectuados sobre a
relação entre a exposição no útero a hormonas esteróides e a prevalência de uma
preferência manual não destra pareçam corroborar esta teoria
(119, 120)
, uma meta-análise realizada recentemente aponta para resultados contrários
(121)
.
No que respeita às medidas de performance, têm sido documentadas por vários
autores diferenças significativas entre os sexos, com os homens menos
lateralizados do que as mulheres na assimetria motora funcional
(37, 122)
. Contudo, há relatos de outros estudos onde não se observaram diferenças
significativas entre os sexos nesta variável
(123-125)
. Não obstante, apesar das diferenças não se revelarem significativas em
relação à assimetria manual, Lissek et al.(123) observaram diferenças na
activação cerebral durante a realização da tarefa motora, sendo que o sexo
feminino demonstrou uma activação cortical mais bilateral do que o sexo
masculino. A natureza da tarefa bem como a organização cerebral distinta em
ambos os sexos têm sido apontadas como os principais factores que contribuem
para esta discrepância de resultados
(112, 124)
.
Na população adulta também se tem estudado a relação da preferência manual
esquerda ou mista com patologias. Existem estudos associando a preferência
manual esquerda a condições físicas e mentais, tais como, apneia do sono
(126)
, asma
(127)
, doença de Alzheimer
(128)
, síndrome de Williams-Beuren
(129)
, psicose
(130)
, esquizofrenia
(131)
. Os danos no hemisfério esquerdo relacionados com as patologias são apontados
pelos autores como possível causa da frequência mais elevada de sinistrómanos
nestes grupos.
Conclusão
As evidências provenientes de vários estudos mostram que as assimetrias
laterais variam ao longo do desenvolvimento, com um faseamento algo previsível,
mas com algumas incoerências ainda por explicar. O sexo, o estado neurológico
do sujeito e o tipo de sociedade em que este está inserido são factores que
parecem interferir no desenvolvimento da preferência manual e na consequente
assimetria manual. Pode-se assim dizer que a assimetria resulta de factores
biológicos, sociais e culturais característicos de um determinado espaço
geográfico e de uma contextualização histórica e cultural. Para além disso,
deve referir-se que existe grande variabilidade de metodologias e procedimentos
(no que respeita ao número e tipo de instrumentos aplicados para a
classificação da preferência manual, ao próprio critério de classificação dos
grupos de preferência manual e ao tipo de testes de avaliação da proficiência
manual que permitem ajuizar a consequente assimetria funcional). Existem ainda
as diferenças amostrais entre estudos, nomeadamente ao nível sócio-cultural,
como foi referido. Todas estas questões dificultam a comparação dos resultados.
Consequentemente, a posição teórica de cada autor e a sua predilecção por um
método ou por outro, resultam numa diversidade de nuances sobre a conclusão
mais geral mas inquestionável de que a preferência manual, a proficiência
manual e a consequente assimetria manual variam e sofrem oscilações ao longo do
desenvolvimento do sujeito.