A influência da actividade física na saúde mental positiva de idosos
A influência da actividade física na saúde mental positiva de idosos
H.M. Fernandes
1
, J. Vasconcelos-Raposo
2
, E. Pereira
3
, J. Ramalho
3
, S. Oliveira
3
O presente estudo objectiva investigar os níveis de actividade física de
adultos em idade avançada e a sua influência nos domínios da satisfação com a
vida, auto-estima e crescimento pessoal. A amostra foi constituída por 168
indivíduos de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 60 e os 95 anos
(M= 72.06, DP= 6.83). Os resultados evidenciam que cerca de 41.1% da amostra é
fisicamente inactiva, enquanto somente 31.5% dos idosos reporta níveis iguais
ou superiores às recomendações internacionais de actividade física. As análises
comparativas e correlacionais demonstram que um aumento dos níveis de prática
de actividade física traduz-se em níveis superiores de satisfação com a vida,
auto-estima e crescimento pessoal, sendo esse efeito superior nos idosos que
praticam pelo menos 30 minutos de actividade física aeróbia de intensidade
moderada durante cinco ou mais dias da semana.
Palavras-chave: actividade física, saúde mental positiva, idosos
The influence of physical activity in the positive mental health of the elder
This study aim to investigate the physical activity levels of older adults and
its effect on life satisfaction, self-esteem and personal growth. A sample of
168 elderly persons of both sexes with ages between 60 and 95 years (M= 72.06,
SD= 6.83) was used. Results reveal that about 41.1% of the sample is physically
inactive, while only 31.5% of the older adults reported physical activity
levels equal or above international recommended amounts. Correlation and
comparative analysis demonstrate that physical activity participation is
associated with higher levels of life satisfaction, self-esteem and personal
growth, and that this effect is superior in the elderly people who practice at
least 30 minutes of moderate-intensity aerobic physical activity on five or
more days a week.
Key words: physical activity, positive mental health, elderly
O envelhecimento das populações é um dos fenómenos que mais se evidencia nas
sociedades actuais, pelo que esta situação resulta de um conjunto de avanços
nas ciências biomédicas, tecnológicas e comportamentais, as quais se têm
preocupado com o aumento do bem-estar e a qualidade de vida deste segmento
populacional. Em Portugal, durante os últimos 50 anos, verificou-se um aumento
notório do envelhecimento demográfico, definido pelo aumento da proporção das
pessoas idosas na população total, em detrimento da população jovem e/ou da
população em idade activa, traduzindo-se num incremento de 140% da população
idosa no período entre 1960 e 2001 e constituindo cerca de 16.4% do total da
população (Instituto Nacional de Estatística, 2002).
Enquanto processo (ou conjunto de processos) multifacetado que ocorre aos
níveis molecular, celular e orgânico, o envelhecimento envolve alterações
estruturais e funcionais em quase todo o organismo, originando evidentes
manifestações ao nível psicomotor, socioafectivo e cognitivo. Estas mudanças
ocorrem de modo assíncrono, pelo que para compreender o envelhecimento é
necessário distinguir entre os seus processos primários e secundários (Berger,
Pargman, & Weinberg, 2007), que constituem eixos distintos, mas
interactivos. Os processos primários estão intimamente associados com a idade
cronológica e envolvem a perda natural da visão, do cabelo, as alterações na
composição corporal, a desmineralização óssea e a diminuição da aptidão física.
Por sua vez, os processos secundários incluem factores comportamentais e
ambientais (e.g. stress elevado, consumo de tabaco, sedentarismo), assim como,
a influência de doenças como a diabetes, artrite e o cancro. Implicitamente,
assume-se que o estilo de vida de um indivíduo possa inferir importantes
repercussões em ambos níveis dos processos de envelhecimento.
No âmbito das diversas áreas científicas que têm procurado desenvolver recursos
que contribuam para o aumento da longevidade (ou qualidade de vida associada),
destaca-se a linha de pesquisa sobre a influência da prática de actividade
física na idade adulta avançada, que tem argumentado que o exercício físico é
uma experiência necessária e fulcral na vida da maioria dos idosos.
A imensa evidência empírica existente até ao momento e revisada em diversas
meta-análises (e.g. Netz, Wu, Becker, & Tenenbaum, 2005; Reifschneider,
1998) demonstrou que a actividade física é um importante mecanismo
comportamental para atenuar os efeitos degenerativos do envelhecimento nos
domínios físico, social e mental, bem como, promover a independência funcional
e inerente autonomia. De entre os benefícios reportados na literatura destaca-
se que a prática de actividade física na idade adulta avançada está associada a
uma melhoria da quantidade e qualidade do sono, a um padrão mais saudável de um
conjunto de indicadores fisiológicos (consumo máximo de oxigénio, tensão
arterial, peso corporal, densidade óssea, entre outros), a um menor risco de
quedas tão usuais e nocivas neste período de vida, a um melhor funcionamento
cognitivo, a maiores níveis de satisfação com a vida e auto-percepções e a uma
menor prevalência e severidade dos sintomas de ansiedade e depressão, quer em
populações clínicas, como não clínicas (Berger et al., 2007; Colcombe &
Kramer, 2003; Reifschneider, 1998; Schechtman & Ory, 2001).
Perante o exposto, o presente estudo pretende contribuir com a apresentação da
evidência do impacto da prática de actividade física na saúde mental de idosos,
tendo em consideração um domínio pouco explorado nesta fase do curso da vida '
a saúde mental positiva. Vários autores têm argumentado por alguma saliência na
defesa e proposição deste domínio, pelo que os modelos resultantes têm-se
centrado no pressuposto de que o bem-estar emocional é delimitado como algo
mais que a mera ausência de sintomas psicopatológicos (Jahoda, 1958; Seligman,
2002; Ryff & Singer, 1998). Neste âmbito, a investigação aqui retratada
pretende respeitar estas premissas, procurando contribuir para a colmatação da
reduzida pesquisa em idosos sobre este domínio, na medida em que a depressão
tem sido a dimensão preferencialmente retratada pelos investigadores (Netz et
al., 2005; Strawbridge, Deleger, Roberts, & Kaplan, 2002; Söjsten &
Kivela, 2006; Reifschneider, 1998). Para além disto, insere-se numa linha de
investigação que temos procurado estabelecer e desenvolver, centrada no estudo
do domínio do bem-estar psicológico ao longo do continuum do desenvolvimento
humano (Fernandes & Vasconcelos-Raposo, 2008).
Durante muito tempo, as investigações no domínio do envelhecimento procuraram
conceptualizar o significado de um envelhecimento bem sucedido na inclusão de
dimensões como a felicidade, equilíbrio emocional, bem-estar subjectivo e
depressão, permitindo consolidar algumas bases para se repensar e
conceptualizar novas pesquisas centradas no funcionamento psicológico positivo
na idade avançada (Ryff, 1989a). Objectivando a reorientação da discussão
teórica e filosófica para uma concepção mais positiva do indivíduo, Ryff
(1989a, 1989b) propôs um modelo multidimensional do bem-estar psicológico que
integra seis dimensões geradas a partir da literatura subjacente às teorias do
desenvolvimento, psicologia clínica e dos critérios de saúde mental positiva
propostos por Marie Jahoda (Fernandes & Vasconcelos-Raposo, 2008), a saber:
domínio do meio, aceitação de si, relações positivas com os outros, autonomia,
objectivos na vida e crescimento pessoal.
O crescimento pessoal constitui uma dimensão do modelo integral supracitado que
representa o desenvolvimento contínuo do ser humano, portador da necessidade e,
ao mesmo tempo, da capacidade de actualização e realização do seu potencial de
crescimento e expansão como pessoa ao longo da sua vida, pelo que, para isso, o
indivíduo tem de estar aberto a novas experiências (Ryff, 1989a, 1989b). No
entanto, o processo de crescimento (leia-se desenvolvimento) pessoal pode ser
afectado por sentimentos de estagnação, monotonia e falta de interesse na vida
e também por confrontos com limitações decorrentes de um evento não esperado
(ou aceite), pelo que o envelhecimento enquanto fenómeno contínuo abarca
consideravelmente grande parte destas condições. Todavia, a capacidade de
adaptação a qualquer mudança exige uma alteração pessoal contínua e, neste
sentido, o envelhecimento satisfatório depende do equilíbrio entre as suas
potencialidades e limitações (Ryff, 1989b). Keyes e Ryff (1998) consideram que
o ser humano é portador de um desafio duplo de crescimento pessoal e de
percepção das suas potencialidades, pelo que é na sequência desta superação ao
longo da vida, que emerge um funcionamento psicológico positivo.
Relativamente às suas investigações iniciais, Carol Ryff (Ryff, 1989b; Ryff
& Keyes, 1995) demonstrou que o segmento idoso das suas amostras tendia a
reportar menores níveis de crescimento pessoal em relação aos restantes grupos
(jovens e adultos), sendo essas diferenças relativas às faixas etárias
igualmente constatadas em estudos portugueses (Ferreira & Simões, 1999;
Novo, 2003; Novo, Duarte-Silva, & Peralta, 1997). Como tal, importa
perceber se o envolvimento na prática de actividade física contribui para um
aumento dos níveis reportados de crescimento pessoal na população idosa.
Outro dos domínios intimamente associados ao bem-estar e muitas das vezes
identificado como uma importante variável predictora é o das autopercepções
(Fernandes & Vasconcelos-Raposo, 2008). Na teoria e pesquisa contemporânea
respeitante ao sentimento de si (self), o eu é entendido como um sistema
dinâmico e multidimensional em que a informação acerca do self é organizada de
acordo com o contexto envolvente e de acordo com as autopercepções específicas
a cada domínio de vida (Harter, Waters, & Whitesell, 1998; Oosterwegel
& Oppenheimer, 2002), pelo que o sentimento de si é deste modo mais
correctamente descrito como um complexo sistema de construtos (Bernardo &
Matos, 2003).
Neste âmbito, a auto-estima é definida enquanto a dimensão avaliativa
quantitativa do auto-conhecimento referente à forma como um indivíduo formula
apreciações acerca de si próprio, quer seja acerca da sua auto-imagem, quer
seja da sua prestação num dado domínio de vida (Rosenberg, 1965).
Perante as inúmeras contingências de vida e as transformações morfológicas e
sociocognitivas associadas, a idade adulta avançada surge como um período de
vida em que é capital o estudo das autopercepções, quer seja a um nível
longitudinal deste período de vida (intra-ciclo), quer seja a um nível de
enquadramento ao longo do curso de vida (inter-ciclo), pelo que estudos
preliminares sugerem que a idade avançada (> 70 anos) constitui um dos períodos
de vida em que se verificam maiores declínios nos níveis médios da auto-estima
global (Robins, Tracy, Trzesniewski, Potter, & Gosling, 2001).
Vários estudos têm sido efectuados com o propósito de analisar os efeitos do
exercício físico nas autopercepções em global, e na auto-estima em específico,
demonstrando que a prática de actividade física influencia positivamente a
auto-imagem e satisfação corporal, o auto-conceito e a auto-estima da população
sénior (Beneddetti, Petroski, & Gonçalves, 2003; Mazo, Cardoso, &
Aguiar, 2006; Rejeski & Mihalko, 2001; Stathi, Fox, & McKenna, 2002).
Com o propósito de apresentar uma explicação para o impacto do exercício na
auto-estima, Sonstroem e Morgan (1989) desenvolveram um modelo hierárquico
representado de acordo com uma hierarquia (bottom-up), sendo que no topo se
encontra a auto-estima e na sua base a auto-eficácia. Estes mesmos autores
referem que as alterações nos níveis inferiores produzirão mudanças nos níveis
superiores, isto é, na auto-estima. Desta forma, os sentimentos de auto-
eficácia física vão se acumulando e generalizando, desenvolvendo sentimentos de
competência. Estes dois últimos sentimentos, por sua vez, poderão influenciar
os níveis de auto-estima directamente ou mediados pela aceitação física. Embora
o propósito da presente investigação não seja o de validar esta proposição,
consideramos que este modelo apresenta uma explicação plausível e coerente para
a compreensão do impacto da actividade física na auto-estima dos idosos, dado a
evidente redução da sua capacidade e competência motora e funcional.
Por sua vez, a satisfação com a vida pode ser definida como a dimensão
cognitiva do modelo bem-estar subjectivo proposto por Diener (1984) e pressupõe
que a avaliação global que uma pessoa faz da sua vida esteja relacionada com as
percepções subjectivas (juízo cognitivo consciente) acerca da sua vida, pelo
que esta apreciação também depende da comparação entre as circunstâncias de
vida do indivíduo e do padrão por ele escolhido (Diener, Emmons, Larsen &
Griffin, 1985; Fernandes & Vasconcelos-Raposo, 2008). Deste modo, a
satisfação com a vida, abrange o estudo dos factores que constituem uma boa
vida de acordo com os padrões que cada pessoa utiliza para definir o
significado da sua vida (Diener, 2000).
Tendo em consideração a fase no (per)curso de vida que a idade adulta avançada
representa, consideramos de todo interesse incluir esta dimensão no espectro de
análise do presente estudo. Enquanto expressão subjectiva da reflexão sobre si
num dado momento temporal (passado, presente ou futuro), a satisfação com a
vida parece reflectir um passado de experiências, opções, decisões e
comportamentos que moldaram o indivíduo, mas que também lhe concederam um
know-how mais abrangente e consistente para lidar com as adversidades e
exigências quotidianas, pelo que dados de investigações internacionais tendem a
demonstrar que esta dimensão psicológica não diminui, necessariamente, com a
avançar da idade (Diener & Suh, 1998; Myers & Diener, 1995).
A literatura trata de maneira algo semelhante os termos de envelhecimento bem
sucedido, envelhecimento activo e qualidade de vida na velhice, sob o foco da
satisfação com a vida (Jóia, Ruiz, & Donalisio, 2007). Neste contexto, a
ligação entre a satisfação com a vida, as funções cognitivas e a actividade
física regular foi investigada em vários estudos que reportaram que a
actividade física mantém ou aumenta as capacidades funcionais nos idosos e,
neste sentido um dos factores que determina a satisfação com a vida no idoso é
também o seu nível funcional de independência (Subas & Havranb, 2004).
Tendo em consideração a imensa evidência empírica já existente sobre os
benefícios da actividade física, bem como, as anteriores directrizes
formuladas, um painel de autores sobre a alçada do ACSM (American College of
Sports Medicine) e do AHA (American Heart Association) apresentou recentemente
as novas recomendações de actividade física para a população idosa, sugerindo
que estes deverão praticar um mínimo de 30 minutos de actividade física aeróbia
de intensidade moderada durante cinco ou mais dias da semana, ou então,
realizar um mínimo de 20 minutos de actividade física aeróbia de intensidade
vigorosa em três dias da semana, podendo estas recomendações ser combinadas
(Nelson, Rejeski, Blair, Duncan, Judge, King et al., 2007, p. 1439).
Adicionalmente, os gerontes deverão participar em actividades de reforço
muscular, flexibilidade e equilíbrio durante alguns dias da semana,
salvaguardando necessárias adaptações à prescrição do exercício consoante as
condições clínicas dos indivíduos.
Deste modo, constituem-se como objectivos específicos da presente investigação,
os seguintes propósitos:
- Caracterizar os níveis de actividade física habitual auto-reportados; e,
- Analisar o efeito das variáveis actividade física, sexo e idade na saúde
mental positiva de indivíduos idosos.
Metodologia
A presente investigação é de natureza transversal (cross-sectional) e do tipo
causal-comparativo (ex post facto).
Amostra
A amostra global foi constituída por 168 indivíduos com idades compreendidas
entre os 60 e os 95 anos (média: 72.06; desvio padrão: 6.83), residentes na
região norte de Portugal (distrito de Vila Real). Ao nível do sexo, a amostra
subdividiu-se em 102 mulheres (60.7%) e 66 homens (39.3%). Cerca de 47% (n=79)
dos indivíduos tinha habilitação literária igual ou superior ao 4º ano
escolaridade (1º ciclo do ensino básico). Somente 37 indivíduos (22%)
desempenhavam uma ocupação profissional remunerada na altura da recolha dos
dados. A selecção da presente amostra orientou-se por um procedimento de
amostragem probabilístico aleatório.
Instrumentos
A avaliação do nível de actividade física (AF) foi efectuada por método de
auto-resposta a duas questões que visavam quantificar os dias da última semana
e de uma semana normal, em que os indivíduos realizavam pelo menos 30 minutos
de actividade física moderada. Estas perguntas foram adaptadas da proposta de
Prochaska, Sallis e Long (2001), sendo posteriormente calculado o valor final
de actividade física habitual a partir da média das questões enunciadas. Para
efeitos posteriores de análise, essa variável foi decomposta em dois construtos
associados: (i) níveis de actividade física ' 0 dias (inactivo ' G1), 1 a 2
dias (insuficientemente activo ' G2), 3 a 4 dias (moderadamente activo ' G3) e
5 ou mais dias (muito activo ' G4); (ii) cumprimento das recomendações de
actividade física ' tendo em consideração as directrizes propostas por Nelson
et al. (2007), a amostra foi dividida nos que não atingiam (menos de 5 dias) e
nos que cumpriam (5 ou mais dias) as recomendações de actividade física
moderada.
A avaliação da satisfação com a vida foi efectuada através de um instrumento de
auto-resposta, especificamente desenvolvido por Diener et al. (1985) e
traduzido e adaptado por Neto (1993) para a população portuguesa. Constituída
por cinco itens, a SWLS ' Satisfaction With Life Scale é respondida
originalmente de acordo com uma escala tipo Likert de 7 pontos, indicando a
concordância (ou não) com cada item apresentado. No presente estudo e por
critérios de uniformidade em relação às outras escalas, optámos por uma escala
de resposta de 5 pontos (1: discordo plenamente a 5: concordo plenamente). Ao
nível da consistência interna obteve-se um valor de 0.76 para o alpha de
Cronbach.
Para o propósito da mensuração da auto-estima utilizámos a versão traduzida e
adaptada por Santos e Maia (2003) da escala proposta por Rosenberg (1965) -
Rosenberg Self-Esteem Scale (RSES), que visa analisar a ponderação mais
positiva ou negativa que os indivíduos fazem sobre as suas características
pessoais. A RSES é constituída por 10 itens, sendo cinco de orientação positiva
(e.g. Globalmente, estou satisfeito(a) comigo próprio(a).) e cinco de
orientação negativa (e.g. Sinto que não tenho muito de que me orgulhar).
Embora no seu período inicial de desenvolvimento, este instrumento tenho sido
respondido com base numa escala tipo Guttman, no presente estudo tratámos os
itens de auto-estima de acordo com uma escala tipo Likert em que as opções de
resposta variaram entre 1 (discordo plenamente) e 5 (concordo plenamente). Após
a inversão dos 5 itens de orientação negativa foi possível calcular um total da
auto-estima, podendo os seus valores variar entre 10 e 50. O valor de alpha de
Cronbach obtido foi de 0.75.
Para a análise do crescimento pessoal incluiu-se a escala correspondente, na
forma de 9 itens da versão portuguesa de Novo et al. (1997), do questionário
desenvolvido por Ryff (1989b) ' EBEP: Escalas de Bem-Estar Psicológico (SPWB:
Scales of Psychological Well-Being). Os itens foram seleccionados da forma
longa das EBEP de acordo com recomendações de van Dierendonck (2005).
Verificou-se um valor de consistência interna de 0.73 para este factor.
Procedimentos
Após uma informação inicial dos propósitos da investigação e a obtenção do
consentimento informado por parte dos indivíduos, foram aplicados os
questionários, sendo pedido para responderem de forma sincera e sendo lhes
garantindo o anonimato e a confidencialidade das suas respostas.
Após a inserção dos dados recolhidos numa matriz do SPSS v.15, procedeu-se a um
conjunto de análises estatísticas. Inicialmente, efectuaram-se análises
descritivas (frequências, média, desvio-padrão, assimetria e curtose) e de
consistência interna das escalas. Com o intuito de medir a relação linear entre
um conjunto de variáveis utilizámos o cálculo do r de Pearson (também
denominado de coeficiente produto-momento). Posteriormente, efectuaram-se
análises uni (ANOVA) e multivariadas de variância (MANOVA) para determinar o
efeito da prática de actividade física e do sexo nas dimensões psicológicas em
estudo.
O nível de significância foi mantido em 5% (p<0.05).
Resultados
No quadro_1 são apresentados os parâmetros descritivos e de análise da
normalidade de cada uma das escalas, bem como, o respectivo coeficiente de
consistência interna. Considerando os resultados deste quadro constatou-se que
os coeficientes de assimetria e achatamento situaram-se no intervalo da sua
unidade, assumindo-se por isso a normalidade univariada da distribuição dos
dados.
Quadro_1. Análise descritiva e de consistência interna
MédiaDesvio-padrãoAssimetria Curtose α de Cronbach
Satisfação com a vid36.52 6.63 0.279 0.250 0.76
Auto-estima 17.04 4.38 0.442 0.1710.75
Crescimento pessoal 27.81 6.34 0.387 0.163 0.73
Relativamente aos níveis de AF habitual apresentados no quadro_2 verifica-se
que cerca de 41.1% da amostra global é fisicamente inactiva.
Quadro_2. Frequências relativas (%) da prevalência semanal da prática de
actividade física
Nunca 1 dia 2 dias 3 dias 4 dias 5 dias 6 dias 7 dias
Amostra global 41.1 11.3 7.1 3.6 5.4 4.8 7.7 19.0
Sexo
Masculin31.8 9.1 9.1 4.5 7.6 1.5 10.6 25.8
Feminino47.1 12.7 5.9 2.9 3.9 6.9 5.9 14.7
Faixa etária
60-69 an28.8 15.2 7.6 4.5 9.1 7.6 7.6 19.7
70-79 an43.4 10.0 10.0 3.3 3.3 3.3 10.0 16.7
+80 anos57.1 7.1 2.4 2.4 2.4 2.4 4.8 21.4
Em média, os idosos praticam 2.54±2.83 dias por semana, observando-se uma
superioridade (F(1,166)=4.98, p<0.05) reportada pelo sexo masculino em
comparação com o feminino (3.14±2.92 dias vs 2.15±2.71 dias). Quando analisado
o cumprimento das recomendações internacionais de actividade física, somente
31.5% (n=53) da amostra reportou níveis iguais ou superiores a 5 dias por
semana, sendo mais uma vez esse valor superior no sexo masculino (37.9% vs
27.5%). Quando diferenciados pela faixa etária, os níveis de actividade física
suficiente para cumprir as recomendações diminuem com a idade (60-69 anos:
34.9%; 70-79 anos: 30.0%; e, mais de 80 anos: 28.6%). Contudo, quando
correlacionada a idade com o nível de AF não se verificou uma associação
significativa (r= '0.093, p>0.05).
Quando considerado o sexo da amostra em estudo, a MANOVA a um factor permitiu
denotar um efeito significativo no conjunto das variáveis dependentes a um
nível convencional (F(3,164)=3.76, p<0.05, Wilk's Lambda=0.936, η²=0.064),
sendo apresentados os resultados no quadro_3.
Quadro_3. Análise comparativa por sexo
Sexo Feminino Sexo Masculino F
M±DP M±DP
Satisfação com a vid16.38±4.70 18.06±3.62 6.08*
Auto-estima 35.65±6.57 37.88±6.53 4.65*
Crescimento pessoal 26.77±6.22 29.41±6.23 7.19**
* p<0.05, ** p<0.01, *** p<0.001
A análise do quadro_3 demonstra que o sexo masculino reportou níveis superiores
e significativos (p<0.05) em todas as dimensões em análise, quando comparado
com o sexo feminino.
Por sua vez, quando correlacionada a idade com as dimensões psicológicas
somente se constatou uma associação significativa com o crescimento pessoal (r=
'0.237, p<0.01), demonstrando que este tende a diminuir nesta fase do curso da
vida.
Com o objectivo de clarificar a diferenciação da variável níveis de AF habitual
relativamente às dimensões da saúde mental, efectuou-se uma análise de
variância multivariada (MANOVA a um factor) que permitiu concluir que a mesma
tem um peso significativo na diferenciação dos grupos, F(9,394)=4.75, p<0.001,
Wilk's Lambda=0.778, η²=0.080, sendo apresentado no quadro_4 os valores das
subsequentes análises univariadas.
Quadro_4. Análise comparativa por níveis de AF
G1 (n=69) G2 (n=31) G3 (n=15) G4 (n=53) F
M±DP M±DP M±DP M±DP
Satisfação com a vid15.54±4.6817.06±3.9716.20±2.1519.23±3.808.27***
Auto-estima 33.94±6.5738.39±4.6538.07±6.1438.36±6.856.53***
Crescimento pessoal 25.43±5.1328.71±6.7530.07±4.7829.74±6.986.25***
Nota: G1 - inactivo, G2 - insuficientemente activo, G3 - moderadamente activo e
G4 - muito activo
* p<0.05, ** p<0.01, *** p<0.001
No quadro anterior observa-se uma tendência crescente dos valores médios da
satisfação com a vida, auto-estima e crescimento pessoal, sendo os valores mais
baixos reportados pelos indivíduos inactivos. Os resultados da correlação
corroboram esta evidência, na medida em que se verificaram associações
positivas e significativas com as dimensões da saúde mental positiva
analisadas, sugerindo que um aumento dos níveis de prática de actividade física
traduz-se em níveis superiores de satisfação com a vida (r=0.374; p<0.001),
auto-estima (r=0.308; p<0.001) e crescimento pessoal (r=0.290; p<0.001).
No que concerne o efeito do cumprimento dos níveis recomendados de AF, a MANOVA
a um factor efectuada permite verificar que esta distinção de AF constitui um
importante factor de diferenciação dos grupos ao nível das dimensões
psicológicas (F(3,164)=8.72, p<0.001, Wilk's Lambda=0.863), sendo esse efeito
bem superior aos anteriormente observados (η²=0.137).
Através do quadro_5 é possível observar que os indivíduos idosos que atingem as
recomendações da prática de exercício físico revelam níveis superiores de
satisfação com a vida, auto-estima e crescimento pessoal, sendo essas
diferenças estatisticamente significativas.
Quadro_5. Análise comparativa por níveis de cumprimento das recomendações de AF
Não atingeAtinge F
M±DP M±DP
Satisfação com a vid16.03±4.2719.23±3.80 21.70***
Auto-estima 35.68±6.3838.36±6.856.12*
Crescimento pessoal 26.92±5.8329.74±6.98 7.43**
* p<0.05, ** p<0.01, *** p<0.001
Em suma, os resultados do presente artigo sugerem que a prática de actividade
física, preferencialmente de acordo com os níveis internacionais recomendados,
traduz-se num perfil mais favorável do domínio da saúde mental positiva em
idosos, traduzido nas dimensões da satisfação com a vida, auto-estima e
crescimento pessoal.
Discussão
Os propósitos centrais desta investigação centraram-se na caracterização dos
níveis auto-reportados de actividade física de uma população sénior e na
compreensão do efeito desse envolvimento num conjunto de dimensões associadas à
saúde mental positiva. Assim, mais do que procurar conhecer se a actividade
física contribui para uma diminuição da prevalência e severidade de certas
perturbações psiquiátricas em idosos, pretendeu-se analisar a influência da
adopção de um estilo de vida activo em certas dimensões psicossociais,
usualmente associadas à avaliação da saúde mental positiva.
Tanto quanto a literatura nos permite conhecer, o presente estudo alicerça-se
na demanda de conhecimento numa área temática pouco explorada, da qual resulta
uma escassa evidência teórico-empírica. Tal condição substancia-se no facto de
que até ao momento não nos foi possível encontrar outra publicação que
analisasse o efeito da actividade física na conjugação das três dimensões
psicossociais referidas anteriormente.
Estudos anteriormente publicados indicam que a prevalência de sedentarismo da
população adulta portuguesa (mais de 18 anos) tende a oscilar entre os 60 e os
90% (Martinez-Gonzalez, Varo, Santos, Irala, Gibney, Kearney et al., 2001;
Sjöström, Oja, Hagströmer, Smith, & Bauman, 2006), sendo esta uma das taxas
mais elevadas da Europa (IEFS, 1999; Varo, Martínez-González, Irala-Estevéz,
Kearney, Gibney, & Martinez, 2003). Este dado é ainda mais preocupante
quando se denota que o valor máximo da prevalência ocorre a partir dos 60 anos
de idade, verificando-se uma ligeira superioridade por parte das mulheres '
91.5% vs 89.5% (Gal, Santos, & Barros, 2005).
Relativamente à frequência da (in)actividade física praticada pela nossa
amostra, os resultados indicam que 41.1% é fisicamente inactiva e cerca de
68.5% dos indivíduos não cumpre as recomendações mínimas internacionais. Pese
embora a vasta reflexão e aparente divergência sobre a definição e
classificação da inactividade física e sedentarismo com base nos pressupostos
de dispêndio energético (Biddle, Gorely, Marshall, Murdey, & Cameron, 2003;
Murdey, Cameron, Biddle, Marshall, & Gorely, 2004), os presentes dados
sugerem que somente 31.5% destes adultos em idade avançada estão a participar
em níveis de actividade física suficientes para auferir os benefícios para a
saúde documentados na literatura (e.g. Netz et al., 2005; Reifschneider, 1998).
Porém e quando confrontada esta taxa com as restantes prevalências acima
referidas, observa-se um perfil mais activo por parte da presente amostra,
embora as medidas de avaliação sejam distintas. Esta situação pode ser
explicada, em parte, pelo facto de alguns elementos amostrais pertencerem a um
grupo de praticantes de actividade física regular ' os caminheiros de Vila Real
' que já foram objecto de investigação anteriormente (Rodrigues &
Vasconcelos-Raposo, 2006).
No que concerne a distinção dos níveis de AF pelo sexo, o grupo dos homens
tende a reportar valores médios mais elevados, assim como, uma taxa superior de
cumprimento das recomendações internacionais, situação essa idêntica à
retratada na literatura (Gal et al., 2005; Martinez-Gonzalez et al., 2001).
Neste âmbito, as revisões existentes sobre a imensa evidência empírica
publicada demonstram que o sexo, a par da idade, constituem os factores de
influência da actividade física mais consistentes, em que os adultos mais novos
e do sexo masculino tendem a evidenciar um estilo de vida mais activo (Sallis
& Owen, 1999; Trost, Owen, Bauman, Sallis, & Brown, 2002). Várias
explicações têm sido avançadas para a compreensão deste efeito a um nível
individual, envolvendo influências genéticas, o (des)conhecimento dos
benefícios do exercício, imposições sociais e baixa percepção de competência
motora, embora outros factores contribuam para esta situação a diferentes
níveis sociocontextuais.
Quanto ao impacto da AF nas dimensões psicológicas, observaram-se influências
positivas e significativas no que se refere quer aos distintos níveis de
envolvimento, quer ao cumprimento das recomendações internacionais,
evidenciando que o exercício físico é um mecanismo importantíssimo para a
manutenção ou melhoria do bem-estar dos idosos, a par de outros benefícios de
ordem biofisiológica já enunciados. Apesar de alguma especificidade (modo e
tipo) da actividade física não ter sido contemplada neste estudo, os resultados
obtidos sugerem que um aumento nos níveis de actividade física, se possível
atingindo as recomendações, possibilita uma melhoria das percepções de contínuo
desenvolvimento e enriquecimento pessoal (crescimento pessoal) e de atitude
positiva de aceitação dos múltiplos aspectos do self e da vida passada, bem
como, das boas e más qualidades pessoais (satisfação com a vida e auto-estima).
Embora a natureza transversal da investigação não permita ignorar o efeito
inverso (i.e., idosos com níveis de saúde mental positiva mais elevada podem
participar mais facilmente em programas de AF), os presentes dados vão de
encontro à evidência empírica que demonstra que a actividade física é um
importante mecanismo comportamental para promover um envelhecimento mais
saudável (Mazo et al., 2006; Netz et al., 2005; Reifschneider, 1998; Subas
& Havranb, 2004).
Esta influência da AF na saúde mental positiva dos idosos parece ser de extrema
importância, dado que esta fase do curso da vida, usualmente se traduz por um
declínio dos níveis de auto-estima (Robins et al., 2001) e crescimento pessoal
(Ryff, 1989b; Ryff & Keyes, 1995), com as inerentes repercussões no domínio
da satisfação com a vida destes indivíduos. Deste modo, a prática da actividade
física, enquanto elemento integral do estilo de vida de uma pessoa, parece
incidir beneficamente nas alterações normais decorrentes do processo de
envelhecimento, auxiliando na manutenção e melhoria de certas funções e
contribuindo também para melhorar a sua dimensão psicossocial (Jost &
Santini, 2003; Ryff & Singer, 1998; Vilela, Carvalho, & Araújo, 2006).
A evidência empírica recente tem permitido a formulação de um conjunto de
hipóteses e mecanismos desenvolvidos com o intuito de explicar o mais
holisticamente possível a relação entre o exercício e saúde mental, abarcando
efeitos aos níveis biofisiológico, social e mental. De entre estes, destaca-se
o aumento da actividade hormonal, a promoção da descarga da tensão muscular,
o incremento da temperatura corporal, a promoção de momentos de distracção/
diversão, assim como, o desenvolvimento de percepções de mestria, de auto-
controlo e de auto-eficácia (Leith, 1998). Embora a conclusão mais lógica e
acertada, é de que muitos destes processos anteriormente enunciados ocorrem
simultaneamente, originando assim uma combinação de efeitos indiciadores de
melhoria nos estados de humor, consideramos que para a presente investigação, a
proposta associada à auto-eficácia merece um maior destaque.
Desta forma, parece que as alterações na aptidão e aparência física decorrentes
da prática de AF têm efeitos indirectos sobre as componentes da saúde mental
positiva, com especial destaque para a auto-estima, tal como proposto pelo
modelo de Sonstroem e Morgan (1989). Neste modelo, as mudanças da auto-eficácia
associadas à actividade física indiciam alterações em subdomínios que
contemplam a multidimensionalidade das medidas e que abarcam aspectos
associados à satisfação corporal, ao desempenho físico, à autonomia funcional e
às relações interpessoais, pelo que a evidência empírica mais recente oferece
algum suporte para a confirmação destas assumpções (e.g. McAuley, Elavsky,
Motl, Konopack, Hu, & Marquez, 2005).
Pese embora os resultados obtidos, é necessário verificar-se alguma ponderação
na sua interpretação, visto existirem algumas limitações metodológicas. O
tamanho da amostra é reduzido e localizado regionalmente, pelo que a sua
capacidade de generalização deve ser comedida. Para além disto, o carácter
transversal da pesquisa não permite esclarecer a direcção (causal) do efeito
entre actividade física e saúde mental positiva em idosos. Por fim, quer a
medida utilizada para a mensuração da AF, quer os critérios definidos para a
sua distinção por níveis, pecam pela inexistência de uma evidência empírica de
suporte, sendo por isso necessários mais estudos centrados nestes pressupostos.
Deste modo, propomos que se aprofunde a compreensão da relação entre a AF e a
saúde mental durante a idade adulta avançada, tendo por quadro de referência as
inúmeras realidades sociais que se consubstanciam em distintos domínios de
realização da vida dos idosos, tal como por exemplo, o seu local de residência
(Paúl, Fonseca, Martín, & Amado, 2003).
Em suma, o presente estudo demonstrou que cerca de 41.1% da amostra global é
fisicamente inactiva, sendo estes níveis superiores no grupo feminino e mais
velho dos idosos. Igualmente providenciou um conjunto de resultados que
comprovam a importância da adopção de um estilo de vida activo por parte da
população idosa, no que se refere à esfera positiva da saúde mental, pelo que o
cumprimento das recomendações internacionais de AF surge como um patamar a
atingir para a obtenção de níveis mais elevados de auto-estima, satisfação com
a vida e crescimento pessoal.
Assim, consideramos que o exercício físico é um importante meio de promoção de
saúde e de qualidade de vida, que fomenta benefícios ao nível físico, psíquico
e social, permitindo aos idosos redescobrir novas e melhores formas de estar na
vida de uma forma mais autónoma e independente.