Relação entre dimensões do autoconceito e consumo de álcool em alunos
Relação entre dimensões do autoconceito e consumo de álcool em alunos
J. Vasconcelos-Raposo
1
, O. Gonçalves
2
, C. Teixeira
3
, H.M. Fernandes
4
Este estudo analisa a relação entre múltiplas dimensões do autoconceito e o
consumo de álcool no seio da adolescência escolarizada. Uma amostra de 642
alunos (263 rapazes e 379 raparigas) do ensino secundário, com idades
compreendidas entre os 15 e os 23 anos, respondeu, de forma anónima e
confidencial, a um questionário de autoconceito (SDQ II) acoplado a um outro
relativo a consumos. Os resultados evidenciam uma ausência de relações
significativas entre o autoconceito geral ou auto-estima e a ingestão de
álcool, bem como uma relação pouca expressiva, verificada apenas ao nível do
sexo feminino, entre o consumo de bebidas alcoólicas e o autoconceito total,
corroborando a tese que defende a fraca sensibilidade e a consequente escassa
utilidade das dimensões globais do autoconceito. Em contrapartida, observam-se
relações estatisticamente significativas entre algumas facetas específicas do
autoconceito e o consumo de álcool, cujo padrão de correlações varia de acordo
com a consideração do sexo dos sujeitos, sugerindo uma leitura em termos de
envolvência cultural.
Palavras-chave: adolescente, auto-conceito, consumo de álcool
Relation between self-concept and students alcohol drinking
This study examines the relation between multiple self-concept dimensions and
alcohol consumption within the adolescent schooling. A sample of 642 students
(263 boys and 379 girls) aged between 15 and 23 years completed the Self-
Description Questionnaire II (SDQ II) and an alcohol drinking measure. Results
reveal an absence of significant relationships between global self-esteem and
alcohol consumption and a small relation, found only in the female, between
alcoholic drinking and global self-concept, supporting the assumption that
supports the low sensitivity and the consequent use of scarce global dimensions
of the self. In contrast, there are significant relations between some specific
dimensions of the self and alcohol consumption, whilst the correlation
coefficients vary according to subject's gender, suggesting a cultural
involvement based analysis.
Key words: adolescents, self-concept, alcohol drinking
Constitui um dado amplamente aceite, no campo da psicologia, que uma das
tarefas desenvolvimentais centrais durante a adolescência passa,
incontornavelmente, pela formação de um autoconceito positivo e estável,
enquanto indicador privilegiado de um desenvolvimento psicológico saudável
(Aken, Lieshout & Haselager, 1996; Scriven & Stevenson, 1998).
Aliás, são inúmeros os autores que escoram a ideia, segundo a qual o
autoconceito é susceptível de condicionar o desenvolvimento cognitivo, social e
académico dos indivíduos e de explicar, mediar e regular um extraordinário
leque de comportamentos humanos (Carvalho, 1992; Hattie, 1992; Hayes, Crocker,
& Kowalski, 1999; Rosenberg, 1981).
Mais especificamente, vários estudos e documentos (Carvalho, 1994; Filozof et
al., 1998; Glendinning & Inglis, 1999; Lloyd, Lucas, Holland, McGrellis,
& Arnold, 1998; Marsh, 1990a) postulam a importância de se investir
explicitamente na promoção de auto-percepções adequadas e positivas visando
dotar os jovens com recursos intrapsíquicos que lhes permitam protegerem-se e
enfrentarem os problemas e os riscos para a saúde, quer esse investimento
ocorra em contexto escolar ou em contexto clínico.
Não admira, pois, que alguns autores (Abernathy, Massad, & Romano-Dwyer,
1995; Torres, Fernandez, & Maceira, 1995) tenham constatado a circunstância
das abordagens psicológicas e psicossociais dos consumos de substâncias
tóxicas, centradas em variáveis intrapessoais como o autoconceito e a auto-
estima, orientarem muita da investigação e das intervenções no âmbito da
prevenção e da promoção para a saúde.
No âmago destas perspectivações, tem-se cultivado o pressuposto de que o
autoconceito e a auto-estima constituem uma base imprescindível e poderosos
factores mediadores ao nível da tomada de decisões saudáveis e do consequente
evitar de comportamentos com risco para a saúde, designadamente, os consumos de
álcool, tabaco e drogas (Bolognini, Plancherel, Bettschart & Halfom, 1996;
Collin, 1995; Hamilton & Oswalt, 1998; King, 1997; Torres et al., 1995;
World Health Organization [WHO], 1997).
Todavia, a promoção/educação para a saúde tem persistido, tanto no domínio da
investigação, como no que se refere à definição das estratégias de intervenção,
em enveredar pela tematização do autoconceito e da auto-estima desde uma
abordagem global e unidimensional, a partir da qual se estabelecem ou se
pressupõem relações destes constructos com as condutas que representam risco
para a saúde. Digamos que tem predominado, nas intenções e nas práticas da
promoção/educação para a saúde, quer o discurso eminentemente verboso e
mitificado relativamente ao papel que o autoconceito ou a auto-estima podem
desempenhar no desenvolvimento saudável do adolescente, quer uma visão
unidimensional destes constructos, ancorada na quase ausência de pressupostos
teóricos coerentes e de procedimentos metodológicos robustos. Como
pertinentemente foi constatado por Kahne (1996), a literatura que, no
fundamental, defende a existência de supostas associações entre as variáveis em
apreço e que enaltece as virtualidades de um autoconceito ou auto-estima
positivos, só muito raramente se preocupou em definir, operacionalizar e
suportar empiricamente os seus considerandos.
Ora, de acordo com Marsh (1989, 1990a, 1990b, 1993), não é possível compreender
adequadamente o autoconceito se ignorarmos a sua natureza multidimensional
(videtambém Byrne, 1996a; Hattie, 1992; Marsh & Hattie, 1996).
Como tal, Wylie (1989) e Hattie (1992) asseguram que os esforços da promoção/
educação para a saúde e das intervenções educacionais que visam aumentar o
autoconceito são frequentemente ineficazes, mercê da escassez de bases teóricas
e, em particular, devido à focagem dos mesmos no autoconceito global,
claramente mais imune à mudança.
Assim sendo, e como o sublinharam recentemente Marsh e Yeung (1998), o
autoconceito global não é um constructo particularmente útil, pelo que a
investigação deve privilegiar a consideração de domínios específicos do
autoconceito.
Por outro lado, constata-se que, além da necessidade emergente em imprimir uma
nova orientação à abordagem do autoconceito no contexto da promoção/educação
para a saúde, é visível uma pungente preocupação com a precocidade e as
crescentes tendências de consumo de bebidas alcoólicas por parte das populações
adolescentes.
Consumo de álcool na adolescência
Todos os dados disponíveis apontam para o facto de a adolescência constituir o
período em que os jovens estão mais confrontados com o risco de iniciarem o
consumo de álcool, como é ressalvado de forma explícita por Chassin e DeLucia
(1996).
Aliás, as implicações para a vida adulta decorrentes da opção adolescente em
enveredar por comportamentos não saudáveis e a circunstância destas condutas
adquirirem maior saliência na adolescência fundamentam-se no reconhecimento de
que o hábito de beber, entre outros consumos de substâncias tóxicas, se inicia
e se consolida neste período da vida dos indivíduos, perpetuando-se pela idade
adulta (Baer, MacLean & Marlatt, 1998; Centers for Disease Control and
Prevention [CDC], 2000; Kandel, 1998; Torres et al., 1995).
Em apoio a estes considerandos, são vários os estudos, quer nacionais
(Carvalho, 1991, 1994, 1996) quer estrangeiros (Aldridge, Parker & Measham,
1998; Anderson, 1997; Hine, Summers, Tilleczek & Lewko, 1997; Lloyd, Lucas,
& Fernbach, 1997; Mackintosh et al., 1997; O'Malley, Johnston &
Bachman, 1998; Rey Calero & Calvo Fernández, 1998) que, de uma forma geral,
indicam aumentos significativos e tendências de consumo crescentes, nos últimos
anos, por parte dos adolescentes, quer em relação ao álcool, quer relativamente
ao tabaco ou mesmo ao consumo de drogas.
Sem lugar a reservas, o artigo de Aldridge et al. (1998) refere que os jovens,
durante os anos noventa, beberam mais e com mais regularidade. Na mesma linha,
Maddi, Wadhwa e Haier (1996) consideram que o álcool se traduz, seguramente, na
droga mais popular entre os jovens. No contexto português, Carvalho (1994)
considera que o consumo de álcool constitui, supostamente, o principal problema
que afecta jovens e escolas.
Em termos gerais, a literatura é unânime no reconhecimento dos factores
estruturais que contribuíram para o crescimento registado, em toda a década de
90, no consumo de álcool, os quais têm subjacente uma cultura de aceitação
natural e generalizada do consumo de bebidas alcoólicas na adolescência
(Anderson, 1997; Jones & Heaven, 1998), quando não, mesmo, um encorajamento
e glorificação do álcool (Baer et al., 1998; Beman, 1995).
Relativamente à prematuridade dos consumos, verifica-se uma constatação
generalizada do fenómeno, ainda que as idades estabelecidas oscilem
consideravelmente, situando-se o período crítico de iniciação entre os 10-12
anos, de acordo com alguns estudos (Carvalho, 1996; Rodrigues, Antunes &
Mendes, 1994), ou entre os 15-18 anos, segundo outros (Mackintosh et al., 1997;
Rey Calero & Calvo Fernández, 1998).
Para Grunbaum, Gingiss, Orpinas, Batey e Parcel (1995), os usos de álcool,
tabaco e drogas constituem, juntamente com a inactividade física, os
comportamentos prioritariamente implicados na problemática da saúde
adolescente. Aliás, a prioridade atribuída a estas condutas foi, segundo os
autores, estabelecida em 1990 pelo U.S. Department of Health and Human Service.
Concretizando o anteriormente afirmado, a OMS considera o consumo de álcool, o
uso do cigarro e o abuso de drogas como os comportamentos que mais
frequentemente põem em perigo a saúde dos adolescentes.
O tipo de consumo de álcool prevalecente na adolescência é, conforme reconhecem
Baer et al. (1998), de natureza episódica e ocasional, onde os padrões de
ingestão regulares ou crónicos assumem uma expressão incomparavelmente menor.
Em conformidade com esta constatação, os adolescentes bebem, predominantemente,
em ambientes festivos, fora de casa, fora das refeições, aos fins-de-semana e
na ausência dos adultos (Anderson, 1997; Mackintosh et al., 1997; Rey Calero
& Calvo Fernández, 1998).
Se o consumo esporádico e excessivo é o padrão mais comum entre os
adolescentes, é também o que mais prejudica a saúde, nomeadamente ao nível do
risco de ataque cardíaco (Anderson, 1997; International Council on Alcohol and
Addictions [ICAA], 1997).
A este respeito, a literatura tem reportado uma miríade de consequências
nefastas para a saúde e o bem-estar dos adolescentes decorrentes do consumo de
álcool.
A título paradigmático, Chassin e DeLucia (1996) reviram uma vasta literatura a
propósito das consequências negativas para o funcionamento psicossocial e a
saúde dos adolescentes como resultado do consumo de álcool em grandes
quantidades, tendo referenciado todo um corpo de efeitos nocivos: subida das
enzimas no fígado (Arria, Dohey, Mezzich, Bukstein, & Van Thiel, 1995);
acidentes fatais com veículos motorizados, danos não intencionais, homicídio e
suicídio (U.S. Department of Health and Human Services, 1991); actividade
sexual precoce, actividade sexual mais frequente e menor frequência de
utilização do preservativo (Cooper, Peirce, & Huselid, 1994), aumentando o
risco de infecção por HIV e de transmissão de outras doenças sexualmente
transmissíveis; empobrecimento da função linguística (Moss, Kirisci, Gordon,
& Tarter, 1994); e, interferência com o desenvolvimento de competências e
de habilidades sociais do adolescente (Baumrind & Moselle, 1987).
Privilegiando as repercussões directas que o consumo de álcool pode ter para o
adolescente, Anderson (1997) sumaria todo um conjunto de problemas inerentes a
esse mesmo consumo, nomeadamente, enxaquecas, náuseas, diarreias, perdas curtas
da memória, alteração temporária da lucidez, mudanças de humor, violência e
agressividade, acidentes, relações sexuais desprotegidas, experimentação de
drogas e problemas de natureza familiar e social. Num âmbito mais geral, o
autor repisa alguns dos efeitos para a saúde já evidenciados por outros
estudos, tais como, cancros, cirrose do fígado, acidentes vasculares cerebrais,
efeitos perniciosos ao nível da saúde mental, violência e implicações negativas
na produtividade.
Em termos da prevalência do consumo de álcool, Anderson (1997) descreve os
resultados de um inquérito efectuado em 10 países europeus e no Canadá os quais
indiciam que apenas a Noruega apresenta uma prevalência de experimentação de
álcool, até aos 15 anos de idade, inferior a 90%. Neste mesmo inquérito,
verificou-se que entre 10 a 47% dos jovens, com 15 anos de idade, bebiam pelo
menos uma vez por semana. Já no que concerne a casos de embriaguez, os números
apontam para 24 a 70% das raparigas e 42 a 74% dos rapazes que, aos 15 anos de
idade, admitiram terem-se embebedado pelo menos uma vez.
De acordo com uma investigação baseada numa amostra representativa de toda a
população adolescente norte-americana, Chassin e DeLucia (1996) relatam que 50%
dos alunos do 12º ano indicaram terem consumido álcool no mês anterior, 28%
admitiram terem ingerido cinco ou mais bebidas seguidas nas duas últimas
semanas e 3% reportaram um consumo diário. Esta mesma investigação, citada em
Baer et al. (1998), indica que 73% da amostra admitiram terem consumido álcool
no último ano, com 52% admitindo terem-se embriagado.
De igual modo, Weinberg, Rahdert, Colliver e Glantz (1998) relataram que no
contexto norte-americano, que 40,4% dos jovens do 10º ano e 50,8% dos que
frequentavam o 12º ano consumiam álcool.
Mais recentemente, O'Malley et al. (1998), com base em alguns resultados
decorrentes da análise dos dados de três grandes sistemas de pesquisas norte-
americanos (MTF, NHSDA e YRBS), concluíram que as taxas de uso de álcool, entre
os adolescentes, eram extraordinariamente elevadas, enquanto as taxas de
abstinência completa eram bastante baixas. Por exemplo, no estudo MTF reportado
a 1997, as taxas de consumo de álcool por parte dos adolescentes do 10º ano (15
a 16 anos de idade) e do 12º ano de escolaridade (17 a 18 anos de idade) foram,
respectivamente, de 72% e de 82%.
Resultados ainda mais avassaladores são fornecidos por Pedersen e Skrondal
(1998) os quais indicam que 95,1% da amostra tinham consumido álcool, situando-
se a idade de iniciação à volta dos 14,8 anos.
Também a nível nacional, dispomos de alguns indicadores relevantes no âmbito de
prevalências relativas ao consumo de álcool. Por exemplo, num estudo relatado
por Cunha (1988) relatou-se que 80% de adolescentes com mais de 15 anos de
idade a consumirem álcool. Uma prevalência similar foi observada por Carvalho
(1996), referindo que 82% dos adolescentes entre os 15 e os 17 anos de idade
bebem normalmente cerveja. Dois estudos citados por A. M. Carvalho, ainda que
não referenciados na bibliografia (Barbosa, 1993), apontam para,
respectivamente, 76% e 82% de jovens portugueses consumidores de bebidas
alcoólicas.
Num estudo de âmbito nacional e tendo por base uma amostra alargada de alunos
do 3º Ciclo diurno, Rodrigues et al. (1994) detectaram alguns resultados
relevantes no capítulo dos consumos, tais como, o predomínio do consumo
ocasional para todas as substâncias consideradas e um claro ascendente do
álcool em todas as regiões, seguido pelo tabaco e, a uma maior distância, pelos
medicamentos e pela droga. De acordo com os resultados do estudo, 34,37% dos
jovens consumiram álcool nos últimos 30 dias e 59% beberam ao longo da vida.
Finalmente, um inquérito aplicado, em 1995, a uma ampla amostra nacional de
alunos do Ensino Secundário e inserido no Projecto Europeu para Estudo do
Álcool e outras Substâncias em Meio Escolar, o qual consubstanciou o estudo de
Rodrigues, Mendes e Antunes (1997), evidencia três tipos de frequências de
consumos: ao longo da vida, nos últimos 12 meses e nos últimos 30 dias. Em
relação às prevalências ao longo da vida, verificou-se que 79,10% dos alunos
admitiram o consumo de álcool. Nos últimos 12 meses, constatamos prevalências
de 74,06% para o consumo de álcool, ao passo que as frequências de consumo nos
últimos 30 dias se traduziram em 48,64%.
Relativamente às diferenças de consumo decorrentes da idade, uma investigação
de âmbito alargado, em contexto norte-americano os Serviços da Administração
para o abuso de Substancias e Saúde Mental dos Estados Unidos de América
(O'Malley et al., 1998), evidenciaram um significativo aumento no consumo de
álcool em função da mesma, o qual passou de 14% aos 12-13 anos para 39% aos 14-
15 anos e, finalmente, para 62% em adolescentes na faixa dos 17-18 anos de
idade. Este fenómeno de crescente consumo de álcool com a idade aparece também
em Mackintosh et al. (1997) e em Maddi et al. (1996), assinalando, estes
últimos, um aumento dramático entre os 13 e os 18 anos de idade.
Em termos da consideração da variável sexo, os estudos apontam, de uma forma
concludente, para um maior consumo de álcool por parte dos rapazes (Grunbaum et
al., 1995; Hawkins et al., 1997; O'Malley et al., 1998; Scheier & Botvin,
1997), ao mesmo tempo que se regista uma maior precocidade do sexo masculino em
termos de iniciação ao consumo (Hawkins et al., 1997; Pedersen & Skrondal,
1998).
Este desequilíbrio entre os sexos, a nível do consumo de álcool, prende-se,
porventura, com aquilo que Foxcroft e Lowe (1995) apelida de retrato
estereotipado negativo e Pedersen e Skrondal (1998) designam por acentuada
desaprovação social da ingestão de álcool pelas mulheres, sobretudo em termos
de consumo excessivo.
Alguma literatura tem também constatado a existência de diferenças de género
quando se consideram, além do consumo de álcool, também o uso de drogas
ilícitas, com os rapazes a apresentarem taxas mais elevadas (Chassin &
DeLucia, 1996; Macfarlane, Macfarlane & Robson, 1997; Rodrigues et al.,
1994).
Neste âmbito, os estudos de citados por Chassin e DeLucia (1996) e de Anderson
(1997) descreve igualmente a ideia, segundo a qual as raparigas têm tendência a
beber menos frequentemente do que os rapazes, do mesmo modo que os dados
evidenciados pela investigação permitem sustentar que o consumo de álcool
aumenta consideravelmente com a idade.
Apesar dos resultados que têm vindo a ser referenciados apontarem para um maior
consumo de álcool por parte do sexo masculino, a OMS desde 1985 que faz eco de
uma crescente tendência das mulheres para ingerirem álcool. Foxcroft e Lowe
(1995) procuraram estabelecer diferenças de género a propósito dos consumos de
álcool, tabaco e drogas, tendo concluído que as mulheres têm tendência a
consumirem as substâncias menos socialmente discriminadas, o que se traduz no
facto de apresentarem maiores taxas de consumo de tabaco do que o sexo
masculino, enquanto os homens se sobrepuseram às mulheres no que toca ao
consumo de álcool.
Autoconceito e consumo de álcool
No domínio do consumo de bebidas alcoólicas, o sentimento de baixa auto-estima
tem sido visto como um forte preditor do mesmo e, ademais, da progressão até
níveis problemáticos de ingestão de álcool (Scheier & Botvin, 1997). De
igual modo, Chassin e DeLucia (1996) descrevem a existência de ligações entre o
consumo de álcool e a presença de baixos níveis de auto-estima.
Muitos outros estudos têm afirmado a relação do autoconceito e da auto-estima
com mais do que um tipo de substância consumida, admitindo associações com
outros comportamentos não saudáveis, além da ingestão de álcool por nós
considerada.
Deste modo, a ocorrência de problemas ao nível das auto-percepções pode levar
aos usos de álcool e de droga, do mesmo modo que King (1997) afirma a face
correspondente, ou seja, que possuir uma auto-estima positiva diminui o risco
de envolvimento no uso de álcool e de drogas. Por seu turno, Beman (1995)
verificou uma maior tendência para os consumos de álcool e de outras drogas por
parte dos jovens com pobres autoconceitos relativamente àqueles que
apresentavam autoconceitos positivos. Similarmente, Mutrie (1997) sustenta que
a baixa auto-estima está relacionada com a ingestão de álcool e com o uso de
drogas.
Neste âmbito, Rosenberg (1981) também defendeu a ideia de uma implicação do
autoconceito nos consumos de álcool e de droga, quer o mesmo seja perspectivado
como causa, quer como efeito. Reconhecendo a existência de relações entre estas
variáveis, Purkey (1988) adverte que os problemas dos abusos de álcool e de
drogas não podem ser enfrentados se os profissionais e o público em geral
ignorarem o autoconceito dos consumidores.
Ainda no domínio da consideração dos consumos heterogéneos, King (1997)
referencia a existência de uma relação inversa entre o autoconceito e a auto-
estima com os consumos de álcool, tabaco e droga, bem como com a própria
intenção de uso.
Finalmente, devemos considerar os efeitos indirectos decorrentes de uma alta
auto-estima sobre a redução dos consumos de álcool, tabaco e drogas, por via
daquilo que Torres et al. (1995) consideram ser um aumento das resistências dos
adolescentes às influências ambientais e sociais, particularmente às pressões
advindas dos pares.
Apesar das ortodoxias científica e popular admitirem a existência de
associações entre os consumos de substâncias tóxicas e o autoconceito e/ou a
auto-estima, existem, contudo, alguns estudos que não confirmaram as relações
supostas.
Kahne (1996) procedeu a uma avaliação de alguns programas e posicionamentos que
defendem o investimento na auto-estima como forma de atingir um vasto conjunto
de resultados, que vão desde a redução do abuso de álcool e de drogas até à
melhoria do rendimento escolar. Prevaleceu, a este respeito, um claro juízo
céptico, aliás, devidamente acolitado pela constatação que as associações entre
a auto-estima e os abusos de álcool e de drogas permanecem inconsistentes,
insignificantes e, mesmo, sem qualquer tipo de suporte empírico.
No mesmo sentido, West e Sweeting (1997) concluem, com base num estudo que
envolveu 1000 jovens de 15 anos de idade, pela não existência de relações entre
a auto-estima e os comportamentos não saudáveis, designadamente, consumir
álcool, fumar e usar drogas ilícitas. Os autores avançam com uma explicação
para esta ausência de relações entre estas variáveis, remetendo para uma
cultura de rebeldia que integra o beber, o fumar, o uso de drogas e os
sentimentos anti-escola, a qual leva aqueles que a partilham a formarem
sentimentos positivos relativamente a si próprios.
Porventura, na procura de relações entre o autoconceito e os comportamentos não
saudáveis é necessário ter presente a advertência de Hattie (1992), de acordo
com a qual existem muitos factores e muitas situações envolvidas na relação
entre o autoconceito e o comportamento, pelo que a admissão de uma correlação
substantiva entre ambas as variáveis podem constituir uma precipitação.
Numa tentativa de situar um dos eventuais factores geradores de viés na
relação, Glendinning e Inglis (1999) consideram que a inconsistência dos
resultados entre a auto-estima e os comportamentos específicos se fica a dever
a problemas de medição e à focagem na auto-estima global, uma vez que eles
próprios encontraram uma relação significativa entre auto-estima como domínio
específico e o uso de álcool e de tabaco, o que já não ocorreu em relação à
auto-estima global.
Num mesmo plano de análise, Moore, Laflin e Weis (1996) fazem eco da
disparidade de resultados a propósito da relação entre auto-estima e uso de
droga, referenciando tantos estudos que sustentam a existência de associações
entre as duas variáveis, como estudos que não encontraram qualquer tipo de
relação entre ambas. Refira-se que a investigação empreendida pelos próprios
autores não evidenciou relação entre auto-estima e o uso de álcool, tabaco,
marijuana ou outra droga. A este último padrão de resultados não será, de todo,
estranha a circunstância de se ter recorrido à avaliação da auto-estima a
partir da escala de Rosenberg, a qual fornece, como é sabido, uma medida global
da auto-estima. Sugere-se que a investigação deve enveredar pela consideração
de facetas específicas da auto-estima.
Posicionando-se num horizonte de assumido radicalismo, Shokraii (1998) ensaiou
uma crítica severa aos programas que se basearam na pretensa existência de
relações entre a auto-estima e o rendimento escolar ou os comportamentos não
saudáveis e que, em conformidade, apostaram na sua promoção. Na sequência da
sua avaliação demolidora, Shokraii fala de uma glorificação excessiva e
precipitada deste constructo, sugerindo que a hipótese de uma baixa auto-estima
não é nem necessária nem suficiente.
Confrontados com a relativa inconsistência que transparece da análise da
literatura e dado que a nossa investigação incorpora a anteriormente sugerida
abordagem multidimensional do autoconceito, pensamos poder contribuir, de algum
modo, para uma maior clarificação da relação entre o autoconceito e os
comportamentos não saudáveis. Ademais, constata-se que a maioria da literatura
que procurou estabelecer associações nestes domínios, o fez com base em medidas
globais de autoconceito e de auto-estima, o que, como ficou estabelecido, não
constitui a abordagem mais adequada.
Como já foi inicialmente sublinhado, as várias pesquisas que se integram, tal
como o nosso estudo, na perspectiva teórica de Shavelson, Hubner e Stanton
(1976), têm vindo a reivindicar, de forma recorrente e enfática, a
impossibilidade de se compreender a natureza do autoconceito no quadro de uma
abordagem unidimensional do mesmo (Byrne, 1996a; Hattie, 1992; Marsh, 1989,
1990a, 1990b, 1993; Marsh & Hattie, 1996; Marsh, Parker & Barnes,
1985).
Neste sentido, constata-se que a perspectivação multidimensional do
autoconceito na sua relação com os consumos de substâncias tóxicas tem sido uma
via inexplorada pela investigação no âmbito da promoção/educação para a saúde.
Deste modo, a falta de um suporte teórico e empírico para esta relação
constitui o problema axial a que a nossa investigação procura responder, o que
nos parece poder vir a redundar em algum tipo de implicação relativamente a
eventuais redefinições das estratégias de promoção/educação para a saúde,
particularmente em contexto escolar.
Com este estudo pretende-se, expressamente, estabelecer e analisar o grau das
associações encontradas entre as múltiplas facetas do conceito que os alunos
adolescentes do ensino secundário têm de si próprios e o seu envolvimento em
condutas de ingestão de álcool, sem menosprezar os efeitos que algumas
variáveis de caracterização poderão ter relativamente aos dois domínios em
análise, quer tomados individualmente, quer nas relações entre eles.
Metodologia
Amostra
A presente investigação baseia-se nas respostas de uma amostra que integra
indivíduos, de sexo feminino ou masculino, matriculados e a frequentar, em
regime diurno, um qualquer ano de escolaridade do ensino secundário, nas
escolas secundárias de Alijó e de S. Pedro, em Vila Real, as quais foram
objecto de uma selecção aleatória.
A amostra, estratificada segundo o ano de escolaridade, é constituída por 642
sujeitos, distribuídos por 41% de alunos do sexo masculino (n=263) e por 59% do
sexo feminino (n=379), com uma média de idades de 16,9 anos, sendo 15 anos a
idade mínima e 23 anos a idade máxima dos efectivos que integram a amostra.
Ressalve-se a distribuição equilibrada das unidades amostrais pelos três anos
de escolaridade, ocorrendo apenas um pequeno predomínio do 10º ano com 38% de
alunos (n=244), contra os 30,4% do 11º ano (n=195) e os 31,6% do 12º ano
(n=203).
O estudo assume um carácter observacional descritivo de tipo transversal, uma
vez que o investigador se confina à mera descrição dos dados relativos a
aspectos ou ocorrências naturais à vida dos indivíduos e também porque os dados
recolhidos se reportam a um único momento.
Procedimentos
Foram confiadas aos Directores de Turma as operações de distribuição, aplicação
e recolha dos questionários, não sem antes lhes ter sido disponibilizado um
documento explicativo da natureza e dos objectivos da investigação, bem como
dos procedimentos a adoptar no decurso da concretização das três fases do
processo de inquirição.
Uma vez que uma das finalidades directoras do estudo se traduz na procura das
relações que podem ser encontradas entre o consumo de álcool e os níveis de
autoconceito em diversas facetas do mesmo, optamos por uma aplicação simultânea
e acoplada de dois questionários distintos e independentes em si mesmos. Além
de estarem em causa dois conjuntos de variáveis que reclamavam o recurso a dois
instrumentos diferenciados, tornava-se imprescindível garantir a relacionação
de todas as variáveis em jogo na base do anonimato das unidades amostrais.
Com vista à administração dos respectivos questionários aos alunos, foi
solicitada autorização à Direcção Geral de Educação do Norte (DREN) e,
naturalmente, aos Conselhos Directivos das escolas envolvidas.
Instrumentos
Os instrumentos que suportaram a recolha de dados consubstanciaram-se em dois
questionários, um relativo a variáveis de caracterização e de consumo, ao passo
que o segundo foi constituído por um reputado instrumento de avaliação do
autoconceito (SDQ II de Marsh, 1990b).
Com o primeiro dos questionários supra-referenciado procurou-se encetar uma
recolha de dados que permitisse caracterizar a amostra relativamente a algumas
variáveis de natureza sociobiográfica, designadamente, sexo, idade e ano de
escolaridade, assim como, por outro lado, conhecer os níveis de consumo de
álcool na população adolescente considerada. A variável alusiva à ingestão de
bebidas alcoólicas foi categorizada em três níveis de consumo, os quais vão
desde o não bebe (n=134) aos bebe ocasionalmente (n=423) e bebe regularmente
(n=84). A última categoria integra diferentes padrões de consumo de álcool, tal
como discriminados no questionário aplicado, os quais agrupam desde a ingestão
de álcool às refeições, com ou sem ingestão fora das mesmas, até aos consumos
exclusivamente fora das refeições que ocorram de 1 a 3 ou mais vezes por
semana.
O Self Description Questionnaire II (SDQ-II) corresponde a uma versão do SDQ-
I concebido inicialmente por Marsh, Relich e Smith (1983) para medir o
autoconceito de crianças e pré-adolescentes. Com o SDQ-II visou-se adequar o
instrumento de medida a uma maior diferenciação do autoconceito, consolidada
nos indivíduos que se situam na adolescência média e final, pelo que se trata
de um teste vocacionado para medir o autoconceito dos adolescentes que
frequentam o ensino secundário. De um grupo original de 153 itens foi
progressivamente reduzido para 122 itens (Marsh, Parker & Barnes, 1985) e,
finalmente, para os 102 da versão actual repartidos por 11 escalas (Marsh,
1990b).
O SDQ-II baseia-se no modelo teórico de Shavelson et al. (1976) e, segundo
Wylie (1989), os três SDQ (I, II e III) foram desenvolvidos para testar o
modelo multidimensional e hierárquico proposto pelos autores nesse célebre e
canónico artigo.
O Quadro_1 procura representar a estrutura hierárquica e multidimensional
inerente à organização destas diversas escalas do SDQ-II, estando aí
devidamente identificadas as 11 dimensões do autoconceito contempladas no
instrumento. Uma vez que a faceta Autoconceito Geral corresponde, no SDQ II, à
Rosenberg Self-Esteem Scalerelativamente modificada, podemos admitir que a
mesma nos proporciona uma medida de auto-estima. Refira-se, por último, que o
Autoconceito Total corresponde à soma destas 11 escalas, devendo, em
conformidade, ser interpretado como uma avaliação global do eu (Marsh, 1990b).
Quadro_1. Organização hierárquica das 11 escalas do SDQ-II
Língua materna
Académico Matemática
Escolar geral
Físico total Aparência física
Actividades físicas e desporto
TOTAL
Relação com os pares do mesmo sexo
Não académicSocial total Relação com os pares do sexo oposto
Relação com os pais
Estabilidade emocional
Honestidade/integridade
Geral
Cada uma das 11 escalas contém 8 ou 10 itens, sendo metade formulados
negativamente. O sujeito respondente deve avaliar se a afirmação apresentada
por cada item corresponde ao que pensa acerca de si próprio, numa escala de
seis pontos, que vai do concordo totalmente' ao discordo totalmente',
passando por quatro outras possibilidades de concordância ou discordância
moderadas.
De uma forma consensual, os instrumentos de medição do autoconceito de Marsh
(SDQ-I, II e III) têm vindo a ser considerados como os mais prometedores, os
mais extensivamente usados e investigados, assim como aqueles relativamente aos
quais aumenta a evidência da sua utilidade e das suas robustas propriedades
psicométricas, tanto em termos de consistência interna como de validade de
constructo (Byrne, 1996a; Fontaine, 1991a, 1991b; Marsh, 1990b, 1993, 1994,
1997; Wylie, 1989). A este respeito, Hattie (1992, p. 83) afirma, sem reservas,
que os instrumentos SDQ constituem o melhor conjunto de medidas disponíveis,
enquanto Byrne (1996b) considera o SDQ-II o instrumento de medição do
autoconceito mais validado para aplicação a adolescentes, de entre todos os
disponíveis.
Refira-se que na nossa aplicação do SDQ-II à população adolescente portuguesa,
os coeficientes alpha estimados de fidelidade de consistência interna foram
sensivelmente aproximados aos do manual de referência de Marsh (1990b),
variando desde 0,74 para a honestidade/integridade até 0,94 para a matemática
(média a= 0,86 e mediana a= 0,87).
Análise estatística
Nas análises efectuadas para testar os objectivos do estudo, recorreu-se à
estatística descritiva e inferencial a fim de se obterem medidas de tendência
central, variabilidade e associação. No âmbito da estatística descritiva,
determinou-se a média, o desvio-padrão e o erro-padrão para todas as variáveis
observadas. Relativamente à determinação da consistência interna, procedemos ao
cálculo do coeficiente de homogeneidade alphapara cada escala do SDQ-II, com
base no procedimento Reliability Analysis do programa informático SPSS.
Utilizou-se a análise de variância univariada e multivariada como provas de
significância estatística das diferenças entre as médias, estabelecendo-se a
comparação dos valores médios da variância das variáveis em estudo com base na
ANOVA unidimensional. Para se avaliar a significância dos resultados
encontrados através do procedimento estatístico anterior, recorreu-se ao teste
de comparação múltipla de Scheffe (teste de Post Hoc). Para a variável sexo,
usou-se o T-test para determinar a igualdade de médias e, neste, o teste de
Levenepara a igualdade de variâncias. Visando-se a efectivação de todas as
provas estatísticas atrás referenciadas utilizaram-se os procedimentos
Independent-Sample T-test, Oneway ANOVA e teste Post Hoc de Scheffe do SPSS.
Por fim, foram procuradas as associações entre as variáveis em estudo mediante
recurso a análises de correlação bivariada, calculando-se, para o efeito, os
coeficientes de correlação (r) momento-produto de Pearson, com o procedimento
Bivariate Correlations do SPSS.
O nível de significância para a aceitação das diferenças de médias e de
variâncias entre os grupos, em todos os testes estatísticos, foi fixado em
0,05.
Resultados
Em termos globais, os dados constantes na Tabela_1 sustentam a observação de
uma elevadíssima percentagem de consumo de álcool (79,1%), com 66% dos alunos a
admitirem que bebem ocasionalmente e 13,1% a referirem consumos regulares.
Aliás, o consumo regular é uma conduta predominantemente masculina (24,7% vs
5,0%). Por contraposição, verifica-se uma percentagem ligeiramente maior de
consumo ocasional por parte das raparigas (69,3% vs 61,2%), qualquer que seja a
variável de caracterização considerada.
Tabela_1. Prevalências do consumo de álcool por idade e ano de escolaridade
considerando o sexo.
Consumo de Álcool
Não bebe Bebe ocasionalmente Bebe regularmente
M F Total M F Total M F Total
Idade
15 25.8 26.3 26.1 61.3 71.9 68.2 12.9 1.8 5.7
16 15.6 25.8 21.3 64.9 71.1 68.4 19.5 3.1 10.3
17 14.1 22.3 19.0 60.6 67.0 64.4 25.4 10.7 16.7
18 8.0 30.1 21.1 56.0 65.8 61.8 36.0 4.1 17.1
>18 8.8 25.0 18.3 61.8 72.9 68.3 29.4 2.1 13.4
Ano de escolaridade
10º 17.9 26.3 22.6 63.2 70.8 67.5 18.9 2.9 9.9
11º 14.3 23.1 19.0 58.2 74.0 66.7 27.5 2.9 14.4
12º 7.6 27.0 20.7 62.1 64.0 63.5 30.3 8.8 15.8
Total 14.1 25.7 20.9 61.2 69.3 66.0 24.7 5.0 13.1
Da leitura dos dados da Tabela_1 ressaltam, ainda, um decréscimo acentuado da
percentagem de abstinentes do sexo masculino, indo dos 25,8% aos 15 anos até
aos 8,8% nos maiores de 18 anos de idade, bem como a constatação de consumos
substanciais por parte dos indivíduos com 15 anos de idade, tanto a nível
esporádico (68,2%) como a nível regular (5,7%), o que indicia uma precocidade
do consumo de álcool. Outro dado relevante, em termos etários, é a constatação
de um aumento exponencial do consumo regular entre os rapazes de 15 e os de 18
anos de idade, situando-se as prevalências limite nos 12,9% e nos 36%, bem como
entre as raparigas de 15 e as de 17 anos de idade, com prevalências de 1,8% a
10,7%.
Por outro lado, verifica-se um aumento progressivo do consumo regular de álcool
no decurso dos três anos de escolaridade, tanto para os rapazes (de 18,9% até
30,3%), como para as raparigas (de 2,9% até 8,8%), com saltos abruptos, no caso
destas últimas, do 11º para o 12º ano de escolaridade e dos 16 para os 17 anos
de idade, ainda que a partir dos 18 anos se assista a uma regressão.
Encontraram-se diferenças estatisticamente significativas entre os sexos (F
(639)=1,377, p=0,000), com o consumo de álcool a revelar-se um comportamento
predominantemente masculino, o que parece adequar-se às expectativas comuns e
científicas.
Mau grado as flutuações percentuais assinaladas anteriormente verifica-se que
em relação às variáveis idade e ano de escolaridade, a consideração das mesmas
não introduziu diferenças significativas no consumo de álcool.
Correlações entre as múltiplas dimensões do autoconceito e o consumo de álcool
A leitura dos dados apresentados na Tabela_2 permite-nos verificar a existência
de correlações significativas entre o consumo de álcool e algumas facetas do
autoconceito, ainda que variando em função do sexo e evidenciando direcções
diferentes.
Tabela_2. Correlações (Pearson Correlation) entre as múltiplas dimensões do
autoconceito (AC) e o consumo de álcool considerando o sexo
Escalas/dimensões do SDQ-II Consumo de álcool
Sexo M Sexo F Geral
AC na língua materna -0.182** -0.060 -0.194**
AC na matemática -0.101 -0.057 -0.076
AC escolar geral -0.043 -0.040 -0.062
AC académico total -0.187** -0.052 -0.144**
AC na aparência física 0.062 0.016 0.069
AC nas actividades físicas e -0.032 -0.028 0.053
desporto
AC físico total 0.033 -0.017 0.081*
AC na relação com pares do mesmo 0.155* -0.016 0.043
sexo
AC na relação com pares do sexo 0.113 0.077 0.110**
oposto
AC na relação com os pais 0.049 -0.187** -0.072
AC social total 0.107 -0.044 0.033
AC na estabilidade emocional -0.075 0.098 0.087*
AC na honestidade / integridade 0.020 -0.233** -0.165**
AC geral 0.035 -0.091 -0.017
AC não académico total 0.083 -0.054 0.054
AC total 0.036 -0.109* -0.029
N = 641. *p < ,05. **p < ,01
Genericamente, destaca-se o facto do padrão de resultados correlacionais
relativos ao consumo de álcool divergir absolutamente para os dois sexos, no
sentido em que para os rapazes acontecem duas correlações negativas e uma
positiva, nomeadamente, com os autoconceitos na língua materna (r= -0,182),
académico total (r= -0,187) e na relação com os pares do mesmo sexo (r=0,155),
enquanto as raparigas apresentam correlações negativas com os autoconceitos na
relação com os pais (r= -0,187), na honestidade/integridade, que abordaremos
adiante, assim como com o autoconceito total (r= -0,109). A nível geral, as
correlações entre o consumo de álcool e as dimensões do autoconceito repartem-
se entre positivas e negativas, embora não assumam a força evidenciada pelas
associações resultantes da consideração do sexo, mesmo introduzindo correlações
com três novas facetas do autoconceito.
Intencionalmente reservamos uma apresentação autónoma para os dados que
implicam o autoconceito na honestidade/integridade, mercê do carácter
surpreendente das correlações surgidas entre esta faceta do autoconceito e o
consumo de álcool, particularmente a nível geral e no que concerne ao sexo
feminino. Assim, salvo no que respeita aos rapazes, em que não se verifica
qualquer associação, evidenciam-se correlações estatisticamente significativas
de sentido negativo com o autoconceito na honestidade/integridade, conforme
pode ser constatado na Tabela_2.
Um padrão de resultados, igualmente inusitado, prende-se com a observação de
uma quase ausência de correlações entre o consumo de álcool e os autoconceitos
na aparência física e na estabilidade emocional.
Além dos dados parcelares já consignados, sobrevive a constatação geral de
correlações raras e muito modestas entre as dimensões globais e o consumo de
álcool, o que pode ser revelador da ineficácia inerente à consideração das
mesmas para efeitos de estudo dos factores intrapsíquicos que se relacionam com
os consumos de substâncias tóxicas. Neste âmbito, merece algum destaque o facto
dos autoconceitos geral e total, com excepção deste último e apenas no caso das
raparigas, não se apresentarem correlacionados com o consumo de álcool, o que
corrobora, também, a hipótese da pouca utilidade destas dimensões do
autoconceito.
Discussão
Os resultados da nossa investigação confirmam, mediante as elevadas
percentagens de adolescentes consumidores, as constatações de Carvalho (1994) e
de Maddi et al. (1996), de acordo com as quais o consumo de álcool representa o
comportamento não saudável com maior preponderância na adolescência. A
prevalência observada de 79,1% de indivíduos de ambos os sexos que consomem
álcool enquadra-se plenamente nos valores reportados pela maioria dos estudos
portugueses (Carvalho, 1996; Cunha, 1988; Rodrigues et al., 1994), coincidindo,
mesmo, com a percentagem encontrada por Rodrigues et al. (1997), num estudo de
âmbito nacional, cuja amostra foi também constituída por alunos do ensino
secundário. Contudo, estes elevados índices de consumo de álcool não são uma
exclusividade ou fatalidade lusitana, dado que, à guisa de exemplo, os estudos
realizados a partir de amostras norte-americanas, e que foram objecto de
referenciação no ponto introdutório afecto à análise da literatura, apresentam
valores que se situam entre 40,4% (Weinberg et al., 1998) e 95,1% (Pederson
& Skrondal, 1998).
No essencial, algumas das razões subjacentes à extraordinária disseminação dos
hábitos de ingestão de álcool junto dos adolescentes estão bem documentadas e
decorrem, como sustentam vários autores (Anderson, 1997; Baer et al., 1998;
Beman, 1995; Jones & Heaven, 1998), da permissividade e da instigação
culturais, sendo admissível que, cumulativamente, resultem de auto-percepções e
de feedbacks que interpretam esses consumos como prenúncios de adultez.
A ingestão de álcool aparece, maioritariamente, como uma conduta de natureza
ocasional, uma vez que, a nível da amostra total, foram 13,1% dos adolescentes
que reportaram um consumo regular contra 66% a referirem hábitos de ingestão
ocasional. De uma forma geral, este resultado está em consonância com as
considerações de alguns autores que defendem este padrão de consumos na
adolescência (Anderson, 1997; Baer et al., 1998; ICAA, 1997), bem como replica
os resultados encontrados pela quase totalidade dos estudos. Anote-se que a
maior prevalência de consumo ocasional ocorre no sexo feminino (69,3% vs
61,2%), embora o sexo masculino quase que quintuplica a percentagem manifestada
pelas raparigas a nível do consumo regular (24,7% vs 5,0%). O carácter
prevalecente da ingestão esporádica de bebidas alcoólicas ajusta-se ao
tipicismo dos actuais estilos de vida da adolescência, constituindo, como
defendem Baer et al. (1998), a tradução de um consumo recreacional e
hedonístico ligado à celebração em acontecimentos vinculados ao encontro
social, à festividade e à diversão. Poderemos inferir daqui, com alguma
evidência, o predomínio dos consumos fora de casa, fora das refeições, aos
fins-de-semana, nos períodos nocturnos e sem a presença dos adultos, como já
foi admitido por alguns autores (Anderson, 1997; MacKintosh et al., 1997; Rey
Calero & Calvo Fernández, 1998).
Um terceiro resultado que, grosso modo, confirma a maioria das investigações
precedentes (Foxcroft & Lowe, 1995; Grunbaum et al., 1995; Hawkins et al.,
1997; Chassin & DeLucia, 1996; O'Malley et al., 1998; Scheier & Botvin,
1997; Anderson, 1997) diz respeito ao facto de termos encontrado diferenças
estatisticamente significativas entre rapazes e raparigas em termos de ingestão
de álcool, com os primeiros a apresentarem um consumo médio mais elevado.
Digamos que esta constatação está, igualmente, conforme à percepção
culturalmente enraizada que tende a vincular o consumo de álcool à afirmação de
alguma masculinidade e, como tal, a tolerá-lo mais nos rapazes do que nas
raparigas. Neste contexto, Pedersen e Skrondal (1998) sustentam que o consumo
excessivo de álcool por parte das mulheres é objecto da censura social, o que
leva a que as raparigas tenham uma maior tendência a consumirem substâncias
menos socialmente discriminadas, como defendem Foxcroft e Lowe (1995). Estes
enquadramentos teóricos não comprometem, porém, a circunstância do nosso estudo
evidenciar uma elevada percentagem de adolescentes do sexo feminino que ingerem
álcool de uma forma esporádica, superando nesta categoria de consumo o próprio
sexo masculino, pois, ao invés, até podem subsidiar a explicação deste
resultado, dado que facilmente admitimos que os eventos sociais e os ambientes
festivos constituem contextos de legitimação para o consumo de uma substância
que, fora destes momentos, seria alvo de recriminação social. Certamente que o
consumo de álcool funcionará, nessas situações, como um poderoso factor de
desinibição e de integração no grupo e no ambiente de diversão.
As elevadas percentagens de consumo de bebidas alcoólicas aos 15 anos de idade,
com 68,2% dos adolescentes a fazerem-no ocasionalmente e com 5,7% a consumirem
com regularidade, com a agravante deste último padrão de consumo atingir, nos
rapazes, os 12,9%, parecem justificar a suposição de alguma continuidade dos
consumos desde idades mais precoces, além de que estas percentagens de
consumidores, neste período etário, são, por si mesmas, um dado que deve gerar
naturais inquietações em qualquer promotor da saúde. Aliás, a cada vez mais
prematura iniciação ao consumo de álcool tem sido amplamente constatada pela
investigação, como tivemos ocasião de verificar aquando da análise da
literatura, havendo alguns estudos que a fazem remontar algures entre os 10 e
os 12 anos de idade (Carvalho, 1996; Rodrigues et al., 1994).
Em relação às variáveis idade e ano de escolaridade, apesar de se registarem
ligeiros aumentos no consumo entre algumas idades e alguns anos de
escolaridade, no entanto, as diferenças percentuais observadas não foram
suficientes para adquirirem significância estatística. Não se confirmam, por
conseguinte, os resultados de outros estudos que apontavam para aumentos
significativos do consumo de álcool com a idade (Chassin & DeLucia, 1996;
Mackintosh et al., 1997; Maddi et al., 1996; Anderson, 1997).
No âmbito das relações supostas em epígrafe, é imperativo que, previamente à
análise dos resultados, se reafirme o relativo pioneirismo do nosso estudo na
procura de associações entre o consumo de álcool e o autoconceito,
perspectivado na sua multidimensionalidade. Nenhuma investigação, dentre a
literatura que nos foi possível reunir, considerou a relação entre facetas
específicas do constructo autoconceito e o consumo de álcool, pelo que o
estabelecimento de paralelismos e de contraposições entre os nossos resultados
e os que poderiam encontrar-se na literatura está, desde logo, impossibilitado.
Deste modo, optaremos, sempre que se julgue adequado, pela referenciação das
associações genéricas, tal como constam na literatura específica consultada,
entre o consumo de álcool e a auto-estima e o autoconceito, concebidos como
medidas globais.
Sobre a contingência atrás descrita, precipita-se, ainda, um notável busílis
decorrente do facto de, no nosso estudo, não se ter observado qualquer
correlação estatisticamente significativa entre a ingestão de álcool e o
autoconceito geral ou auto-estima, independentemente do sexo dos indivíduos. De
modo algo similar, a correlações registadas entre o autoconceito total e o
consumo de álcool são muito pouco significativas e apenas se verificam ao nível
do sexo feminino. Aliás, este, aparentemente, inusitado padrão de resultados
assume, no contexto do presente estudo, uma importância basilar, sendo, por
conseguinte, devidamente enquadrado mais adiante.
Pensamos que as correlações verificadas entre o consumo de álcool e as facetas
do autoconceito justificam uma leitura em termos de uma incontornável
contextualização cultural das mesmas. Em primeiro lugar, a circunstância de, a
nível do sexo feminino, apenas terem sido registadas correlações negativas
estatisticamente significativas entre o consumo de álcool e os autoconceitos na
relação com os pais, na honestidade/integridade e, de forma menos expressiva,
no autoconceito total, leva-nos a supor que a ingestão de álcool, por parte das
raparigas, se efectiva fora do ambiente familiar, às escondidas dos pais e sob
o receio da recriminação parental, com o consequente desenvolvimento da
percepção do carácter desleal da conduta. O fundo cultural subjacente a este
padrão de resultados está no facto das correlações negativas, nestas facetas do
autoconceito, não se repetirem no caso dos rapazes, sugerindo que relativamente
a estes, o consumo de álcool não afecta a relação com os pais nem gera
percepções de desonestidade, sendo, como tal, aceite e, eventualmente,
incentivado. Deste modo, é crível que a cultura de aceitação natural e de
encorajamento do consumo de bebidas alcoólicas em que os adolescentes se vêem
envolvidos, tal como foi notada por alguns autores (Anderson, 1997; Baer et
al., 1998; Beman, 1995; Jones & Heaven, 1998), seja melhor percepcionada e,
claramente, mais assumida pelos rapazes do que pelas raparigas. Ao contrário,
estas últimas sentir-se-ão mais sujeitas à discriminação social e mais
sensíveis à percepção de desaprovação social, de que falavam, respectivamente,
os já referenciados Foxcroft e Lowe (1995) e Pedersen e Skrondal (1998).
Não causa, pois, perplexidade que os resultados relativos ao sexo masculino não
guardem qualquer similitude com os reportados para o sexo feminino. Assim
sendo, foi registada uma correlação positiva estatisticamente significativa, no
caso dos rapazes, entre o consumo de álcool e o autoconceito na relação com os
pares do mesmo sexo, fundamentando quer a influência dos pares, quer a
possibilidade da ingestão de bebidas alcoólicas ocorrer no âmbito da
ritualidade grupal. Além desta associação, apenas se observaram correlações
negativas e significativas com os autoconceitos na língua materna e académico
total, as quais nos parecem algo surpreendentes e dificilmente interpretáveis,
salvo se tiverem sido induzidas pela circunstância de uma percentagem
significativa de alunos do sexo masculino ter manifestado baixas percepções de
competência na língua materna.
Também a relação admitida por uma vasta literatura (Mutrie, 1997; Beman, 1995;
King, 1997; Chassin & DeLucia, 1996; Purkey, 1988; Rosenberg, 1981; Scheier
& Botvin, 1997) entre baixos níveis de autoconceito ou auto-estima,
concebidos como constructos globais, e o consumo de álcool não é suportada
pelos resultados do nosso estudo.
Por conseguinte, é pouco provável que, salvo para as facetas específicas em que
ocorreu associação, o facto de o adolescente possuir um autoconceito e uma
auto-estima positivas funcione como um factor inibidor e protector do consumo
de álcool, como foi admitido por Carvalho (1994) e por Scheier e Botvin (1997).
Aliás, no caso da relação com os pares do mesmo sexo, o desenvolvimento de um
autoconceito positivo, por parte dos rapazes, pode, inclusive, converter-se em
factor de risco de consumo de álcool.
Embora conscientes de que a noção operacional de auto-estima presente no estudo
de West e Sweeting (1997) possa não coincidir com a faceta do autoconceito
geral, no entanto, sai confirmada a constatação dos autores que apontavam para
uma ausência de relação significativa entre a auto-estima e o consumo de
álcool, bem como colhe um apoio considerável a tese daqueles raros autores que
desconfiam da eficácia do investimento na promoção do autoconceito e da auto-
estima, unidimensionalmente perspectivados, como forma de prevenir ou reduzir o
consumo de álcool (Kahne, 1996; Shokraii, 1998).
Em síntese, podemos considerar que um dos resultados mais incisivo, decorrente
da nossa investigação, diz respeito ao facto de não ter sido observada nenhuma
correlação estatisticamente significativa entre o autoconceito geral ou auto-
estima e o consumo de álcool, verificando-se uma situação relativamente similar
no que concerne ao autoconceito total. Desta forma, confere-se um suporte
empírico à tese defendida por aqueles autores (Marsh, 1990b; Marsh & Yeung,
1998) que reivindicam a necessidade de uma perspectivação multidimensional do
autoconceito, no que são acompanhados pelos que consideram ineficaz a focagem
no autoconceito e na auto-estima globais e unidimensionais (Glendinning &
Inglis, 1999; Moore et al., 1996).
Em conformidade com o dado anterior, verificamos que uma análise
circunstanciada dos resultados correlacionais observados nos permite inferir
uma menor afectação dos níveis superiores do autoconceito pelas condutas
específicas dos indivíduos que integram a amostra, na sequência do que havia
sido postulado por Shavelson et al. (1976).
Assim, confirma-se a hipótese da relativa estabilização e conservadorismo do
autoconceito total e do autoconceito geral ou auto-estima, enquanto constructos
globais, como constatado por alguns autores (Hattie, 1992).