Caracterização da organização do processo ofensivo em pólo aquático feminino de
elite
Caracterização da organização do processo ofensivo em pólo aquático feminino de
elite
S. Canossa1, J. Garganta1, M. Lloret2, F. Argudo3, R. Fernandes
1
No presente estudo procedeu-se à caracterização da organização do processo
ofensivo em Pólo Aquático feminino de elite a partir da observação de 442
sequências ofensivas de 8 jogos realizadas pelas principais equipas
participantes num Campeonato Europeu. Para o feito, foram apuradas 17 variáveis
táctico-técnicas inerentes à gestão do espaço de jogo, à posição e à
participação dos jogadores, à organização táctica e aos métodos de jogo
utilizados, bem como à eficácia das acções empreendidas. Os resultados obtidos
permitem concluir que: (i) o ataque posicional é o método de jogo predominante
no processo ofensivo, tendo por oposição a defesa mista com flutuação; (ii) o
contra-ataque constitui-se como o método de jogo mais eficaz; (iii) o processo
ofensivo inicia-se através da recuperação da posse da bola por antecipação e
defesa da guarda-redes, predominando a utilização de um primeiro passe de
alcance longo efectuado para o corredor direito; (iv) as formas preferenciais
de finalização são o remate directo da primeira linha ofensiva, as desmarcações
assistidas e as situações de superioridade numérica temporal; (v) no conjunto
das sequências ofensivas predominam as que não chegam a esgotar os 35s
regulamentares; (vi) a eficácia das equipas correlaciona-se com os meios
tácticos adoptados, destacando-se o remate directo com origem na primeira linha
ofensiva, a desmarcação assistida e as situações de superioridade numérica
temporal.
Palavras-chave: pólo Aquático, equipas femininas, análise do jogo, eficácia
ofensiva
Attacking process characterization of elite water polo female teams
The purpose of the present study was to analyze the attacking tasks and
tactical organization of elite Women's Water Polo. The sample consisted of 442
attack sequences of 8 games played by the top teams in a European Championship.
Seventeen variables were analyzed according to the position and player's
participation, tactical organization and playing styles, as well as the
efficacy of actions performed. The results from this study indicate that
positional attack was the predominant performance factor in the attacking
process. To this occurrence, the mixed floating defense was identified as the
most frequent opposition. The counter-attack proved to be the most efficient
strategy. The attacking process frequently started by ball recovering, in
anticipation, and by the defense of the goal-keeper in the 2m zone. In central
path, a first long-range pass to the right wing predominated. Teams preferred
spontaneous shot on goal supported by assisted displacements, and extra player
man offence situations. In general, the attacking sequences, do not take longer
than 35s to be developed.) Teams efficiency emerged related to the tactical
means adopted, namely the spontaneous shot at goal on the front line and
numerical superiority of players in attacking game situations.
Key words: water-polo, female teams, match analysis, attacking efficacy
Embora o Pólo Aquático tenha sido a segunda modalidade desportiva colectiva a
ser implementada em Portugal (Sarmento, 1989) é uma disciplina desportiva ainda
pouco estudada (Carreiro 1992; Pinto, Carvalho, & Saraiva, 1989). Esta
escassez de investigação, e de consequente literatura especializada, não se
restringe, contudo, ao espaço nacional português. A este propósito, o Director
da Escola Nacional de Treinadores da Real Federação Espanhola de Natação
lamentava a escassez de literatura dedicada a esta modalidade, apesar da
própria equipa masculina espanhola ter sido finalista dos Jogos Olímpicos de
Barcelona'1992 e Campeã Olímpica em Atlanta'1996 (Lloret, 1998).
Em Portugal, no que se refere especificamente ao Pólo Aquático feminino, a
Selecção Nacional Absoluta estreou-se no Campeonato Europeu (final A) em Viena
de Áustria (1995), conseguindo uma nova participação na principal competição da
Europa em 1997 na cidade de Sevilha. Embora o desenvolvimento e afirmação do
Pólo Aquático em Portugal seja uma realidade, nomeadamente pelo incremento do
número de praticantes nos escalões de formação (Canossa, Fernandes, Carmo,
Andrade, & Soares, 2007; Ribeiro, 2005), verifica-se que a equipa feminina
Portuguesa não alcança o apuramento para a fase final de um Campeonato da
Europa (ou competição similar) há mais de uma década. Poder-se-iam alvitrar
algumas explicações para a tímida expressão competitiva das equipas Portuguesas
de Pólo Aquático no quadro das competições internacionais. Porém, todas elas,
directa ou indirectamente, estariam reféns da escassez de estudos relativos a
modalidade desportiva. Estamos convictos que sem um conhecimento objectivo da
prestação das formações Portuguesas, dificilmente se poderá delinear
estratégias ajustadas e consistentes para se atingir níveis de desempenho mais
elevados (Canossa, 2001).
No presente estudo procura-se descrever o modelo de jogo de Pólo Aquático
feminino de elite, considerando que este opera como um instrumento de relação
orientada entre a realidade existente e aquela que desejamos provocar (Adelino,
1987). Esta linha de pesquisa parte da premissa da necessidade de estabelecer
referenciais de actuação no sentido da excelência. Deste modo, estudou-se a
fase ofensiva do jogo, dado que é na elaboração do ataque que se encontram as
maiores dificuldades do Pólo Aquático português no confronto com níveis de jogo
superiores (Carreiro, 1992; Sarmento, 1991).
A fim de se poder contribuir para o desenvolvimento da Selecção Nacional
feminina no que concerne à organização ofensiva, entendeu-se que se deveria
observar, fundamentalmente, o desempenho das equipas de elite nessa fase do
jogo para que, através da sua esquematização, se consiga configurar um modelo
representador do processo ofensivo. Segundo Garganta (1997), a observação e
análise das competições, para além de possibilitar um melhor conhecimento sobre
a realidade do jogo, permite avaliar, organizar e regular os processos de
ensino, de treino e de competição. Neste sentido, os Campeonatos do Mundo e da
Europa são momentos cruciais para a definição de modelos e detecção de
tendências evolutivas do jogo (Pinto & Garganta, 1986). Porém, no domínio
dos jogos desportivos colectivos, os estudos centrados na dimensão táctica são
expostos a algumas dificuldades e limitações, nomeadamente no que se refere ao
tipo e à quantidade de indicadores a considerar como representativos das fases
e dos momentos do jogo (Bayer, 1994; Castelo, 1994; Egaña, 2000; Gréhaigne,
1992; Silva, 2000). Para além disso, constata-se que o tratamento dos dados
recolhidos a partir de tais raramente tem permitido obter informação relevante
a propósito da organização táctica dos jogadores e das equipas (Argudo &
Lloret, 1994; Argudo, 2000; Egaña, 2000; Garganta, 1997; Silva, 2000).
Os objectivos do presente estudo consistem em: (i) caracterizar o modelo de
jogo ofensivo do Pólo Aquático feminino de elite através da observação e
análise do comportamento de variáveis táctico-técnicas das três equipas melhor
classificadas numa competição internacional de elevado nível desportivo
(Campeonato Europeu) e (ii) evidenciar os indicadores de eficácia ofensiva que
se afiguram relacionados com o sucesso das equipas.
Deste modo, através da configuração do modelo de jogo ofensivo do Pólo Aquático
de elite visa-se contribuir para a clarificação de indicadores de sucesso, de
modo a viabilizar a reflexão sobre o ensino, o treino e a competição no âmbito
desta modalidade desportiva.
Metodologia
No estudo presente, procurou-se identificar o tipo e a eficácia dos métodos de
jogo mais frequentemente utilizados num Campeonato Europeu de Pólo Aquático
feminino. Para tal, foram descritas as acções ofensivas indutoras de
desequilíbrios na estrutura defensiva adversária, assim como as formas
preferenciais de iniciar, desenvolver e concluir o processo ofensivo.
Amostra
A amostra integra 442 sequências ofensivas, extraídas das oito partidas
realizadas pelas equipas melhor classificadas: a equipa Campeã da Europa (Eq1),
a equipa Vice-Campeã (Eq2) e a equipa 3ª classificada (Eq3). Os jogos
analisados foram os disputados entre estas equipas nos seguintes momentos (cf.
Quadro 1): (i) fases preliminares de apuramento; (ii) quartos de final (entre
as três primeiras equipas e respectivas oponentes) e (iii) finais (entre as
duas primeiras equipas e entre a Eq3 e a oponente na disputa do terceiro
lugar).
Quadro 1. Jogos de Pólo Aquático feminino observados no presente estudo
___________________________________________________________________________________________
|Fases do |Jogos |Sequências por equipa observada |Sequências observadas por jogo |
|Campeonato|observados___|(n)______________________________|(n)_____________________________|
|Preliminar|Eq1_x_Eq2____|33_-_35__________________________|68______________________________|
|Preliminar|Eq1_x_Eq3____|43_-_42__________________________|85______________________________|
|Preliminar|Eq3_x_Eq2____|41_-_38__________________________|79______________________________|
|Preliminar|Eq2 x |33 |33 |
|__________|oponente_____|_________________________________|________________________________|
|Quarto de |Eq3 x |35 |35 |
|final_____|oponente_____|_________________________________|________________________________|
|Quarto de |oponente x |41 |41 |
|final_____|Eq1__________|_________________________________|________________________________|
|3º e 4º |Eq3 x |35 |35 |
|lugares___|oponente_____|_________________________________|________________________________|
|Final_____|Eq1_x_Eq2____|34_-_32__________________________|66______________________________|
|Total |8 jogos / 12 |Eq1 (151), Eq2 (138) e Eq3 (153) |442 |
|__________|observações|_________________________________|________________________________|
Procedimentos
Modelo conceptual adoptado
O procedimento de observação e análise adoptado foi construído com base em
Garganta (1997). Este autor considera que nos jogos desportivos colectivos,
sendo a táctica um constrangimento nuclear, é fundamental que as variáveis de
observação e análise do jogo se reportem à organização das equipas durante as
fases de jogo, de modo a considerar o modo como as acções de jogo decorrem da
relação que se estabelece entre as equipas em confronto.
Neste sentido, considerou-se o desenvolvimento do processo ofensivo de Pólo
Aquático à semelhança dos restantes jogos desportivos colectivos, isto é, de
acordo com a oposição que se verifica num determinado tipo de organização
defensiva, na respectiva relação com os métodos de jogo ofensivo adoptados e
com os meios tácticos utilizados preferencialmente no processo ofensivo. Os
meios tácticos, métodos de jogo ofensivo e tipos de organização defensiva,
permitiram observar o comportamento táctico das jogadoras e equipas no que
concerne à operacionalização e à forma de organização do processo (Canossa,
2001).
Com o intuito de seleccionar as variáveis mais representativas, procurou-se
sistematizar os constrangimentos típicos de um jogo de Pólo Aquático. Assim, e
tendo em conta a especificidade do meio aquático, nomeadamente a sua densidade
e ausência de apoios fixos (Lloret, 1994; Lopes, 1985; Sarmento, 1994;
Sarmento, 1995), os principais problemas que o jogo coloca aos jogadores são os
seguintes: (i) contacto físico com ou sem bola e consequente diminuição da
velocidade de deslocamento; (ii) a reduzida criação de incerteza para os
adversários; (iii) limitação generalizada de todas as acções táctico-técnicas e
(iv) dificuldade na construção de situações de finalização, salientando a
necessidade de criar superioridade posicional e numérica.
A partir deste entendimento, foram consideradas para a análise não apenas as
acções imediatamente anteriores à marcação do golo, mas também as acções
individuais e colectivas empreendidas pelos jogadores e equipas na procura de
superioridade (posicional e numérica) face ao adversário.
O movimento global da equipa, empreendido entre a sua baliza e a baliza
contrária, desenvolve-se a partir da conquista da bola e termina com a sua
perda. Com base na literatura da especialidade (Argudo, 2000; Argudo &
García, 1996; Carreiro, 1992; Lloret, 1994; Lloret, 1998; Lopes, 1985, Pinto,
Carvalho & Saraiva, 1989, Sarmento, 1987; Sarmento & Magalhães, 1991;
Sarmento, 1994; Sarmento, 1995), foram considerados três momentos no
desenvolvimento da sequência da acção da equipa, relacionando-os com acções
individuais e colectivas que, a priori, favorecem o seu êxito: (i) recuperação
da posse da bola, provocada por falhas técnicas, remate precipitado de uma
determinada posição de jogo ou para uma zona determinada, conquista da posse da
bola por intercepção, antecipação e desarme e antecipação da saída para o
ataque (posicionar um ou mais jogadores à frente da linha defensiva adversária
e efectuar o primeiro passe com precisão e eficácia para o jogador melhor
posicionado); (ii) transição defesa/ataque, fomentando um estilo de jogo
directo (com o 1º passe para após o meio campo), assim como o contra-ataque
(com vantagem posicional e numérica e conseguir a vantagem posicional ou
numérica durante a transição); e (iii) ataque posicional, criando incerteza
(realizando fintas e variações de passe e corredores), efectuando penetrações
pelo espaço defensivo adversário e assistências, obtendo vantagem posicional e
numérica e respeitando o equilíbrio no dispositivo ofensivo criando a dinâmica
global da equipa.
Explicitação das variáveis e metodologia da observação
De acordo com o modelo de observação e análise em Pólo Aquático desenvolvido
(Canossa, 2001) foram contempladas as seguintes variáveis: (i) área de
aquisição ou recuperação da bola; (ii) número de variações de corredor; (iii)
tempo de realização do ataque; (iv) formas de recuperação da posse da bola; (v)
primeiro passe; (vi) número de passes; (vii) número de variações de passe;
(viii) número de jogadoras; (ix) sequência ofensiva; (x) resultado da
sequência; (xi) meios tácticos utilizados no processo ofensivo; (xii) métodos
de jogo ofensivo; (xiii) tipos de organização defensiva; (xiv) coeficiente
ofensivo de eficácia absoluta (COEA) e (xv) coeficiente ofensivo de eficácia
relativa (COER). Estes coeficientes determinaram-se através das seguintes
equações:
Foi utilizado um campograma de Pólo Aquático de forma a responder às
necessidades de uma observação tão objectiva quanto possível, o qual continha a
identificação da primeira e segunda linhas ofensivas, bem com as áreas e
corredores de acção, segundo o referencial ofensivo, delimitados pelas linhas
regulamentares do campo de jogo. A recolha dos dados relativos às variáveis
seleccionadas decorreu de acordo com quatro momentos de observação e registo,
fazendo-se corresponder a cada momento uma ficha de notação manual aglutinando
os dados, posteriormente, numa ficha panorâmica de síntese.
Recolha e registo de imagens
Os jogos foram filmados de um plano superior utilizando duas câmaras de vídeo
(Sony VHS), tendo-se recorrido ao método de focagem inicial sobre o centro do
terreno para, posteriormente, face à entrada em posse de bola por uma das
equipas, se acompanhar a acção de jogo cobrindo todo o meio campo em que esta
se desenvolvia (Argudo, 2000). Para a recolha dos dados os jogos foram
observados, através de um televisor (Toshiba FST) e de um vídeo gravador (Sony
VHS SLV-SE10).
A comissão organizadora do Campeonato da Europa foi detalhadamente informada
sobre os procedimentos exploratórios, tendo autorizado a recolha de imagens e
seu futuro tratamento.
Procedimentos estatísticos
A fiabilidade intra-observador foi testada segundo Bellack et al. (1966),
tendo-se verificado percentagens de acordos entre 82 e 100% para as variáveis
em estudo. Com o intuito de se analisar os dados recolhidos e se verificar o
comportamento das variáveis em estudo, recorreu-se a medidas da estatística
descritiva, designadamente a média, o desvio-padrão, a amplitude de variação, a
frequência de ocorrência e a respectiva percentagem. Ainda no sentido de se
discriminar os indicadores de eficácia ofensivos do jogo, foram utilizados
testes de medidas não paramétricas e independentes, nomeadamente o Qui-Quadrado
e o Mann Whitney. Utilizou-se, também, o cálculo da correlação de Pearson e da
correlação não paramétrica de Kendall's tau b.
Resultados
Da análise realizada, constatou-se que as três equipas estudadas,
frequentemente, recuperam a posse da bola na área dos 2m do corredor central.
Como se pode observar na Figura 1, essa recuperação é materializada, sobretudo,
através da antecipação e da defesa da guarda-redes. A única equipa que
apresenta valores mais elevados de desarme em vez de ressalto defensivo é a
Eq3.
Figura 1. Indicadores preponderantes relativos às
formas de recuperação da posse da bola registadas
para as equipas em estudo
A: antecipação, DGR: defesa da guarda-redes, Ds:
desarme e Rd: ressalto defensivo.
Verificou-se, igualmente, que as equipas analisadas adoptam, preferencialmente,
um primeiro passe longo para iniciarem as sequências ofensivas, destacando-se a
Eq3 com 73% de utilização deste tipo de passe. Este passe longo foi
frequentemente recepcionado após o meio campo ofensivo, no corredor direito, à
excepção da Eq2 que não tem um corredor preferencial para a recepção deste
primeiro passe.
Adicionalmente, calculou-se a média de participação directa no processo
ofensivo de 4.3 ± 1.4 (M±DP) jogadoras (incluindo a guarda-redes), tendo-se
observado que os valores médios da Eq3 (5.0±2.0) foram superiores às outras
duas equipas (4.0±1.0 para a Eq1 e Eq2).
Também se observou que as três formações apresentam o mesmo valor médio do
número total de passes por sequência ofensiva (n=5), não se verificando
diferenças relativamente ao número de variações do alcance do passe. Na Eq1 e
Eq3, verificou-se que as variações de corredor induzidas à bola, através da
acção de passe, oscilam entre uma e cinco variações, enquanto na Eq2 se foram
entre duas e seis variações.
Na Figura 2 pode-se observar que o método de jogo ofensivo predominante nas
três equipas foi o ataque posicional. Contudo, verificou-se que a Eq3
apresentou um total de 27% de desenvolvimento de sequências ofensivas de
desfecho rápido (ataque rápido e contra-ataque), em que 19% corresponderam ao
método de contra-ataque.
Figura 2.
Frequências
dos
métodos de
jogo
ofensivo
para as
formações
em estudo
Arap:
ataque
rápido,
Coat:
contra-
ataque e
Ap: ataque
posicional.
Dos meios tácticos de grupo e colectivos predominantes no ataque posicional,
constatou-se que a Eq1 e a Eq2 desenvolveram, preferencialmente, o ataque
posicional organizado, sem mudanças dos elementos no dispositivo inicial
adoptado, enquanto a Eq3 o desenvolveu com movimentos de entrada e penetração
pelo espaço defensivo adversário (cf. Figura 3).
Figura 3. Meios tácticos, de grupo e
colectivos, predominantes no ataque
posicional relativamente às equipas
analisadas
Ac/m: movimentos de entrada e
penetração pelo espaço defensivo
adversárioe APP: ataque posicional
organizado
Relativamente à materialização da acção ofensiva, as três formações adoptaram,
preferencialmente (frequência de 37%), o meio táctico individual de remate
directo, constatando-se que a Eq1 também optou pelo remate com simulação, tendo
este origem na segunda linha ofensiva.
As movimentações ofensivas entre grupos de jogadoras basearam-se em meios
tácticos de grupo ou colectivos como a desmarcação assistida (24%), com elevada
ocorrência na Eq3, bloqueios, reajustes assistidos e assistências da jogadora
pivot para as suas colegas posicionadas fora do semicírculo ofensivo (7,2%), e,
confrontos 1x1, sem bola, que originaram situações de superioridade numérica.
Estas últimas, tanto foram desenvolvidas de forma posicional pura, fixa, como
foram desenvolvidas com mudança dos elementos na estrutura inicial definida. No
caso da Eq3, verificou-se uma predominância da alteração do sistema 4:2 para 3:
3. O tempo médio despendido pelas equipas para realizar o ataque foi variável,
sendo de 21±11 s, de 35±3 s e de 38±4 s, respectivamente, para a Eq1, Eq2 e
Eq3.
Relativamente ao tipo de oposição recebida pelas equipas estudadas, destacou-se
a oposição passiva (que visa a cobertura do centro do campo e a defesa mista
com flutuação). Embora a Eq3 se tenha classificado em terceiro lugar, obteve
valores superiores neste parâmetro, tanto em termos absolutos como relativos
(cf. Quadro 2).
Quadro 2. Coeficientes de eficácia, absolutos e relativos, para as equipas em
estudo.
____________________________________________________________________________
| |Coeficiente ofensivo de eficácia|Coeficiente ofensivo de eficácia|
|________|absoluta_________________________|relativa_________________________|
|Equipa_1|_______________18%_______________|_______________27%_______________|
|Equipa_2|_______________19%_______________|_______________28%_______________|
|Equipa_3|_______________30%_______________|_______________39%_______________|
Por último, realçamos os seguintes resultados que consideramos importantes para
a configuração do modelo de jogo ofensivo de elite: (i) a acção ofensiva
iniciou-se, frequentemente, através da recuperação da posse da bola por
antecipação e defesa da guarda-redes (31%), na área dos 2m do corredor central
(48%); (ii) o primeiro passe foi, em percentagem elevada, de alcance longo
(58%) e foi sobretudo efectuado para o corredor direito (50%); (iii) predomina
o ataque posicional como método de jogo (77%); (iv) o contra-ataque, embora
menos frequente (13%), constitui-se como o método de jogo mais eficaz (45% de
eficácia relativa); (v) foram acções tácticas predominantes no desenvolvimento
das sequências ofensivas as desmarcações assistidas (14%) e situações de
superioridade numérica (16%); (vi) o recurso mais frequente das formações,
perante a acção de finalização, foi o remate, com origem na primeira linha
ofensiva (23%); (vii) as sequências ofensivas que expressaram um tempo de
realização do ataque superior a 35 s revelaram pouca ocorrência (6%), ou seja,
predominaram as que não chegaram a esgotar os 35s iniciais para o
desenvolvimento do processo ofensivo.
Discussão
O local e a forma de recuperação da posse da bola, bem como o seu primeiro
envio no processo ofensivo, podem espelhar opções de organização táctica por
parte das diferentes equipas de Pólo Aquático. No presente estudo, os
resultados obtidos quanto à predominância da recuperação da bola na área dos 2m
do corredor central sugerem dois aspectos fundamentais relativos à organização
defensiva das equipas analisadas: (i) a opção pelas defesas mistas com
flutuação, ludibriando o adversário quanto à linha de passe efectiva para a
atacante que ocupa a posição de pivot e (ii) o papel defensivo fundamental da
guarda-redes, o qual assume maior evidência quando garante a posse de bola
através da antecipação de apoio à defesa central, nas intercepções
relativamente ao passe dirigido à atacante pivot e, também, na execução do
primeiro passe que ultrapasse o meio campo defensivo. Também se evidenciou o
papel da defesa central aquando da anulação da atacante pivot ou na antecipação
à mesma, na medida em que 11% da frequência das formas de recuperação da posse
da bola dizem respeito à falta de ataque que habitualmente ocorre na área dos
2m devido ao confronto intenso que se gera entre central e pivot na procura de
uma melhor posição.
A preferência por um primeiro passe de alcance longo, efectuado para depois da
linha central de meio campo, é reveladora quanto à transição defesa/ataque
realizada pelas formações em estudo. Tal facto evita o dispêndio de tempo e o
confronto físico que se verificaria se a transição fosse realizada através da
circulação da bola no meio campo defensivo. Esta opção táctica obriga à
recuperação defensiva das adversárias de forma passiva, procedendo à contenção
no centro do campo, em virtude de a bola se encontrar avançada no terreno de
jogo. Constatou-se, igualmente, que o corredor direito e o corredor central
totalizam 75% da totalidade da recepção do primeiro passe, ou seja, só em 25%
dos casos ocorre distribuição da bola pelo corredor esquerdo. Em conformidade,
parece existir intencionalidade organizativa na transição defesa/ataque.
O número de jogadoras que participam directamente no processo ofensivo (4 e 5
jogadoras, incluindo a guarda-redes) sugere um jogo em profundidade, onde a
circulação da bola e o tempo de realização do ataque é reduzido. As sequências
desenvolvidas com um número de passes mais elevado sugerem a eleição
preferencial da organização ofensiva com grande circulação da bola e com tempo
de realização do ataque elevado, com situações de ataque posicional e
desenvolvimento de situações de superioridade numérica.
Adicionalmente, os valores encontrados para a variável número de variações de
corredor evidenciam o volume de circulação da bola pelo terreno de jogo, bem
como do método de jogo ofensivo adoptado. Assim, quantas mais variações
contemplar uma sequência ofensiva, maior será o nível organizacional da mesma,
indicando que a equipa procura soluções ofensivas através da mudança de posição
do móbil de jogo. Tal como Sarmento (1995) refere, variar a posição da bola
relativamente à baliza, constitui um meio de provocar desadaptações na
estrutura defensiva do adversário.
Quanto ao número de jogadoras envolvidas directamente no processo ofensivo (em
média 4,3 ± 1,4), se for tomado em conta que na maioria das sequências
ofensivas iniciadas sem que a formação tenha sofrido golo, a guarda-redes quase
sempre tem intervenção directa na jogada, o número de jogadoras que evoluem no
processo ofensivo e que nele intervêm directamente é, ainda, menor. De acordo
com o observado, raramente as sete jogadoras têm intervenção directa no
processo, o que não significa que a sua presença ou suas movimentações sejam
menos determinantes para a construção do ataque. Distinguem-se, assim, a
situação em que ocorre contra-ataque, sendo reduzido o número de jogadoras e a
situação de ataque organizado, onde a jogadora pivot ocupa uma posição
determinante. Nesta última situação, as possibilidades dividem-se em: (i) a
bola é passada à pivot sendo interceptada ou conquistada pelas defesas por
antecipação (nem todas as jogadoras intervêm directamente no processo); (ii) a
bola é passada para a pivot, a qual finaliza ou obtém penalti (de igual forma,
nem todas as jogadoras intervêm directamente no processo); (iii) a bola é
passada à pivote esta obtém uma superioridade numérica temporal (maiores
possibilidades de intervenção de outras jogadoras); (iv) a atacante pivot não
consegue receber a bola (nem todas as jogadoras intervêm directamente no
processo). Das situações descritas, entendemos que a evolução do processo
ofensivo dificilmente contempla as sete jogadoras, opinião concordante com os
resultados obtidos.
Quanto aos métodos de jogo ofensivo utilizados pelas equipas com maior sucesso,
constatou-se uma preferência clara pelo desenvolvimento do ataque posicional.
Nos estudos de Lloret (1994) e Argudo (2000) verificou-se, igualmente, uma
supremacia do desenvolvimento do ataque posicional em relação ao contra-ataque.
Porém, no presente estudo, se à frequência de acções de contra-ataque
adicionarmos a ocorrência do ataque rápido verifica-se que as sequências
ofensivas de desfecho rápido, desenvolvidas pelas três formações, adquirem
valores importantes. Assim, constatamos que a Eq3 foi a mais eficaz, tendo
desenvolvido preferencialmente o ataque posicional através de movimentos de
entrada e penetração pelo espaço defensivo adversário, bem como o contra-ataque
e ataque rápido. A Eq3 assume-se, igualmente, como a que mais varia o passe (em
termos de alcance), a que mais jogadoras envolve directamente no processo
ofensivo (5), a que apresenta a menor amplitude de variação do tempo de
realização do ataque e a que mais finaliza de forma espontânea.
Os resultados acima descritos parecem estar de acordo com a literatura no que
concerne às necessidades de movimentação da equipa, no sentido de romper a
estrutura defensiva adversária. Nesse sentido, Sarmento e Magalhães (1991)
referem que a finalização se torna mais fácil quanto mais perto da baliza se
realizar. Sarmento (1995) alega, também, que o ganho e o aproveitamento de
trajectórias de penetração constitui um meio eficaz para provocar desadaptações
na estrutura defensiva adversária. Estes requisitos parecem ter sido cumpridos
pela Eq3, apesar de esta não ter sido a primeira classificada dos campeonatos.
Saliente-se, ainda, que no que concerne à eficácia ofensiva, a prestação da Eq3
superou a das outras duas formações, até à fase dos quartos de final. Tal
poderá dever-se à influência de constrangimentos de ordem psicológica que se
afiguram decisivos em competições deste nível.
Do exposto ressalta a relevância de preconizar um modelo de jogo que contemple
as acções identificadas como indutoras de sucesso dos jogadores e das equipas.
Tal implica uma escolha criteriosa dos exercícios a considerar nas sessões de
treino, bem como a adopção de estratégias de instrução e de exercitação
eficazes no que concerne ao modelo de jogo elegido.
Para além disso, deve destacar-se a importância dos constrangimentos de âmbito
psicológico já que os mesmos poderão tornar-se decisivos, nomeadamente no que
respeita às circunstâncias a criar para conseguir operacionalizar o modelo de
jogo. Como reporta Smith (2006), o treino mental é indispensável e quando este
é conjugado com o treino físico, potencia elevados níveis de prestação). Em
conclusão, salienta-se que o modelo de jogo ofensivo de elite parece
caracterizar-se pela aquisição e recuperação da posse da bola por antecipação e
defesa da guarda-redes, pela utilização preferencial de um primeiro passe longo
que permita uma rápida transição defesa /ataque, pela progressão da bola pelo
corredor direito, pela organização preferencial das acções segundo o método de
jogo posicional e eleição do remate directo como forma de finalização. A
exploração dos dados permitiu perfilar alguns indicadores que parecem estar
associados à eficácia ofensiva dos jogadores e das equipas, nomeadamente no que
respeita à organização e à finalização, a saber: (i) método de jogo ofensivo de
contra-ataque; (ii) ataque posicional com movimentos de entrada, nomeadamente
através de penetrações pelo espaço defensivo adversário e (iii) superioridade
numérica desenvolvida com alterações no dispositivo inicial adoptado. De
sublinhar, igualmente, meios tácticos de grupo como: (i) as desmarcações; (ii)
os bloqueios ofensivos e (iii) a assistência da jogadora pivot para as colegas
posicionadas no semicírculo ofensivo. Por último, as variações de corredor
parecem também constituir meios eficazes para induzir ruptura na estrutura
defensiva adversária.