Revisão para psicólogos da segunda causa mais comum de demência
neurodegenerativa em idosos
Revisão para psicólogos da segunda causa mais comum de demência
neurodegenerativa em idosos
R. Bertelli1, J.J.P. Bianchi2, E.C. Cruz
2
Formas perniciosas de declínio cognitivo são causadas por uma variedade de
condições neuropatológicas. Entre as causas das condições de declínio cognitivo
pernicioso está a Demência de Corpos de Lewy (DCL). Apesar de representar a
segunda causa mais comum de demência neurodegenerativa em idosos, é ainda pouco
conhecida pelos psicólogos. Os psicólogos podem contribuir de forma
significativa no processo de avaliação cognitiva e de diagnóstico diferencial
entre essa condição neurodegenerativa e condições neuropsiquiátricas. O
conhecimento da DCL é, portanto, extremamente importante e pode significar uma
diminuição na taxa de mortalidade.
Palavras-chave: demência de corpos de Lewy, declínio cognitivo, avaliação
cognitiva
Abbreviated review for psychologists of the second most common cause of
neurodegenerative disease in elderly people
Malignant forms of cognitive decline are caused by a variety of
neuropathological conditions. Dementia with Lewy bodies (DLB) is among such
conditions. Even though such a condition represents the second most frequent
cause of neurodegenerative dementia in elderly people, it is still very little
known by psychologists. Psychologists can play a very important role in the
process of cognitive evaluation and differential diagnosis between this
neurodegenerative condition and neuropsychiatric conditions. Knowledge of DLB
is thus extremely important and it may mean a decrease in fatality rate.
Key words: dementia with Lewy bodies, cognitive decline, cognitive evaluation
A revisão que aqui se apresenta pretende oferecer uma panorâmica básica, que se
julga ser especialmente útil para psicólogos, os quais podem desempenhar um
papel fundamental no processo de diagnóstico da Demência de Corpos de Lewy
(DCL) e na elaboração e realização de programas de reabilitação cognitiva, que
auxiliem o paciente de DCL a agir, o mais adequadamente possível, dentro das
suas contingências operantes (Bertelli, Vasconcelos-Raposo, & Fernandes,
2007; Salmon & Bondi, 2009).
Envelhecer não é sinónimo de incapacidade cognitiva. Cada indivíduo tem uma
história pessoal, o que lhe confere uma certa individualidade, ou seja,
indivíduos diferentes envelhecem de modos diferentes. É verdade que, no
processo de envelhecimento, muitos indivíduos manifestam algum declínio em
certas habilidades cognitivas, porém muitos outros envelhecem de forma saudável
e conseguem manter níveis elevados de funcionamento cognitivo durante toda a
vida (Antonini, et al., 2008; Dunnen, et al., 2008). Acresce que, em muitos
casos, esse declínio não costuma ser pernicioso, isto é, não costuma ter
consequências nocivas especialmente graves, que limitem irreparavelmente a
funcionalidade ou a sobrevivência, de forma caracteristicamente patológica,
mas, pelo contrário, ocorre em paralelo com mudanças fisiológicas, expectáveis
em processos evolutivos normais. Todavia, em alguns indivíduos, as alterações
de certas habilidades cognitivas ultrapassam aquilo que poderia ser considerado
normal e apresentam-se como persistentemente progressivas. Essas formas
perniciosas de deterioração intelectual podem ser causadas por diversas
condições neuropatológicas, originando diferentes quadros demenciais.
Demência e demente são, na linguagem corrente, palavras estigmatizantes,
evidenciando, de um modo geral, a falta de preparação para compreender e
aceitar os males da mente (Pontes, 2007). Sob o ponto de vista clínico, a
demência é considerada uma síndroma marcada pela ocorrência de múltiplos
défices cognitivos ou de transtornos do funcionamento executivo. De acordo com
o International Statistical Classification of Disease Related Health Problems
da World Health Organization (2007), trata-se de uma situação em que se
registam perturbações, mais ou menos acentuadas, da actividade social,
profissional e até da vida quotidiana de indivíduos que, sem alteração do seu
nível de consciência, manifestam alterações persistentes das funções nervosas
superiores, especialmente da memória, do pensamento, da orientação, da
aprendizagem, do cálculo, da compreensão e da capacidade para efectuar juízos
críticos. Segundo os critérios apresentados pelo Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders(American Psychiatric Association, 2000), demência é
definida como um défice cognitivo múltiplo, afectando a memória e associando-se
a, pelo menos, um de quatro sintomas de perturbação intelectual (afasia,
agnosia, apraxia ou disfunção executiva), com declínio apreciável do prévio
desempenho profissional ou social da pessoa, e que não ocorra no decurso de
estado confusional ou de doença depressiva.
Assim, é crucial discriminar as situações de declínio cognitivo que acompanham
o processo normal de envelhecimento, as dificuldades cognitivas associadas a
condições psicopatológicas independentes da idade e as condições de declínio
cognitivo pernicioso (Aarsland & Ballard, 2004; Borroni, Agosti, &
Padovani, 2008; Guidi, Paciaroni, Paolini, Padova, & Scarpino, 2006; Salmon
& Bondi, 2009). Para isso, pode contribuir de forma significativa, com base
em métodos de diagnóstico diferencial, a avaliação neuropsicológica, realizada
por equipas multidisciplinares que podem também contribuir de forma
significativa para a estruturação de programas de reabilitação cognitiva, em
qualquer um daqueles casos (Bertelli, et al., 2007).
Os psicólogos, em particular, podem desempenhar um papel de destaque na
avaliação de queixas e de mudanças no funcionamento cognitivo, já que, graças
ao seu conhecimento e treino na utilização de ferramentas especializadas, estão
singularmente bem equipados para avaliar mudanças nos mecanismos de memória e
nos processos de funcionamento e, ainda, para distinguir entre mudanças normais
e sinais iniciais de patologia. Esse papel dos psicólogos não pode ser
subestimado, uma vez que, apesar dos árduos esforços no sentido da
identificação de causas fisiológicas de demência, ainda não existem, nem sequer
para as formas mais comuns de demência, marcadores biológicos que permitam
diagnósticos diferenciais conclusivos, salvo os indicadores post mortem que
só podem ser obtidos, tarde demais, na autópsia (McKeith, 2007; Sauer, Ffytche,
Ballard, Brown, & Howard, 2006).
As avaliações neuropsicológica e cognitiva representam os métodos de
diagnóstico diferencial mais eficazes na discriminação entre o normal e o
patológico, e entre as dificuldades cognitivas relacionadas com a depressão e
outras disfunções e as condições de declínio cognitivo pernicioso (Bertelli, et
al., 2007; Salmon & Bondi, 2009). Entre as causas das condições de declínio
cognitivo pernicioso está a DCL. Tal condição, apesar de representar entre 10%
a 15% de todos os casos de demência (McKeith, Galasko, et al., 1996; McKeith,
Mintzer, et al., 2004), é ainda pouco conhecida pelos próprios psicólogos.
O conhecimento da DCL, a segunda causa mais comum de demência neurodegenerativa
em idosos (McKeith, 2005), é extremamente importante, uma vez que, devido às
alucinações presentes nos estágios iniciais, pode ser interpretada como
indicativa de um quadro psicopatológico, mais especificamente esquizofrenia,
que traz como consequência imediata a prescrição de antipsicóticos ou
neurolépticos, cujos efeitos colaterais, no caso da DCL, são extremamente
nocivos para o sistema extrapiramidal (Kane, 2001; Ray, et al., 2004).
O sistema piramidal conduz, a partir do córtex cerebral, os impulsos que
possibilitam a execução de movimentos voluntários precisos. O sistema é
composto por axónios que se originam nos corpos das células nervosas, ou
neurónios, no córtex cerebral. É a única via cujos axónios ligam, sem a
interrupção de quaisquer sinapses, o córtex cerebral aos seus destinos finais
na medula espinhal. Esse sistema é chamado piramidal, devido ao formato de
pirâmide dos corpos das células em que os axónios se originam e, também, para
descrever uma área da superfície do eixo da medula oblonga, onde o sistema
piramidal atravessa para o outro lado da medula espinhal. As vias
extrapiramidais, por outro lado, são aquelas vias motoras que não passam
através das pirâmides da medula oblonga (Greenstein & Greenstein, 2000).
O sistema extrapiramidal consiste em vias centrais que regulam as áreas motoras
do Sistema Nervoso Central, no córtex cerebral, no cerebelo, no tronco cerebral
e na medula espinhal. A função primária do sistema extrapiramidal é a sintonia
fina dos movimentos voluntários, no sentido de torná-los conscientemente
reguláveis, em níveis mais elevados. A ausência dessa sintonia fina torna-se
evidente em condições como o parkinsonismo, em que os movimentos voluntários
são prejudicados, por exemplo, pela presença de tremores e abrandamento motor.
Mesmo em doses baixas, indivíduos com DCL, que não apresentam alterações no
sistema motor extrapiramidal, são extremamente susceptíveis a desenvolvê-las
(por exemplo: movimentos espontâneos, rigidez, tremores), quando medicados com
antipsicóticos (McKeith, 2006; McKeith, Mintzer, et al., 2004).
Em 75% a 80% dos casos de DCL, observam-se sinais extrapiramidais (SEP), no
curso natural da doença, porém, no momento do diagnóstico, esses sinais
registam-se em apenas 25% a 50% dos casos, sugerindo que os SEP podem surgir ou
agravar-se em consequência da medicação neuropsiquiátrica (McKeith, 2007). Essa
é, por si só, razão bastante para realçar a importância da avaliação
neuropsicológica e, portanto, do papel que os psicólogos podem desempenhar,
contribuindo, por exemplo, para o diagnóstico diferencial entre condições
neuropsiquiátricas e neurodegenerativas (McKeith & Cummings, 2005; McKeith,
Mintzer, et al., 2004).
Tem sido frequentemente sugerido que a DCL seja considerada parte de um
espectro chamado Doença com Corpos de Lewy (Dodel, et al., 2008). Esse espectro
abrange doenças neurodegenerativas que partilham o desequilíbrio e a acumulação
anormal da proteína sináptica alfa-sinucleína (Spillantini, et al., 1997). As
manifestações clínicas da Doença com Corpos de Lewy incluem a DCL, a Doença de
Parkinson (DP) e falhas no Sistema Nervoso Autónomo que, em todos os casos
referidos, incluem a formação de corpos de Lewy ou de neuritos de Lewy (Emre,
2003; Popescu & Lippa, 2004).
Os corpos de Lewy e os neuritos de Lewy são depósitos microscópicos de
proteínas. Enquanto os corpos de Lewy se apresentam como saquinhos, dentro da
célula cerebral, os neuritos de Lewy têm a forma de fitinhas, nos
prolongamentos neuronais. Friederich Heinrich Lewy descobriu, no cérebro de
indivíduos com DP, uma formação ínfima, que posteriormente passou a chamar-se
corpo de Lewy. O termo corpos de Lewy entrou na literatura internacional em
1918 (Schiller, 2000).
As proteínas são substâncias que têm a função de libertar energia e de reparar
as células e os tecidos. A proteína alfa-sinucleína, em particular,
habitualmente protege as células, mas a sua acumulação leva à formação de
corpos de Lewy (Spillantini, et al., 1997). Ainda não ficou esclarecido se os
corpos de Lewy e os neuritos de Lewy são a causa ou a consequência da
degeneração das células cerebrais. As causas dos sintomas clínicos parecem
surgir a partir de deficiências de neurotransmissão e dos efeitos
desorganizadores dos corpos de Lewy sobre as funções dos axónios (Mukaetova-
Ladinska & McKeith, 2006). É oportuno observar que não parecem existir
factores genéticos implicados no processamento patológico da proteína sináptica
alfa-sinucleína, nos casos de Doença com Corpos de Lewy (Johnson, et al., 2004;
McKeith, 2006, 2007; McKeith, Mintzer, et al., 2004).
Muitos casos de DCL também apresentam, na autópsia, algumas características da
Doença de Alzheimer (DA), predominantemente na forma de placas amilóides (uma
proteína sináptica complexa que resulta da degeneração do tecido). Emaranhados
neurofibrilares no neocórtex ocorrem em 20% dos casos e a presença desses
emaranhados modifica a apresentação clínica típica da DCL, tornando-
a semelhante à da DA. Isso dificulta a distinção dos casos, considerando-se
apenas a apresentação clínica, porém a identificação exacta da DCL, que não
deixa de ser possível, já que indivíduos com DCL apresentam sintomas
específicos, deficiências e incapacidades que diferem dos apresentados por
indivíduos com DA, é particularmente importante, pois, como se viu, as
confusões de diagnóstico podem ter graves consequências, pelo efeito perverso
das terapêuticas instituídas erroneamente (McKeith, 2005; Tiraboschi, et al.,
2006).
O consenso para os critérios diagnósticos clínicos de provável DCL ou de
possível DCL (McKeith, 2006; McKeith & Cummings, 2005; McKeith, Galasko, et
al., 1996; McKeith, Mintzer, et al., 2004) especifica um conjunto de
características centrais, com manifestação saliente: a) um declínio cognitivo
progressivo, de tal magnitude que interfira com as funções sociais e
ocupacionais normais; b) danos persistentes na memória, que não ocorrem
necessariamente nos estágios iniciais, mas que são evidentes com a evolução do
quadro na maioria dos casos; c) défices de atenção.
As características basilares (duas delas essenciais para o diagnóstico de
provável DCL e uma delas para o diagnóstico de possível DCL) são: a cognição
irregular com variações pronunciadas na atenção e na prontidão para responder;
alucinações visuais repetidas, tipicamente bem formadas e detalhadas; e
características espontâneas da DP. Há ainda três características sugestivas de
DCL (McKeith, 2006, 2007), cuja ocorrência, isolada ou em combinação, num
indivíduo com demência, dão suporte adicional ao diagnóstico de DCL: desordem
comportamental de sono REM (rapid eye movement), extrema sensibilidade aos
efeitos colaterais dos antipsicóticos e baixa captação de dopamina pelos
glânglios basais, conforme ilustrado pela tomografia computadorizada por
emissão de fótão único (SPECT) ou pela tomografia por emissão de positrões
(PET) ( Boeve, Silber, & Ferman, 2004; McKeith, O'Brien, et al., 2007).
Existem ainda algumas características auxiliares, ou seja, que podem estar
presentes, mas que não constituem os elementos mais importantes: quedas
repetidas, desmaios, breves perdas de consciência, ilusões sistematizadas,
alucinações em outros domínios que não o visual (por exemplo, alucinações
auditivas) e depressão.
A especificidade de um diagnóstico clínico de provável DCL, definido pela
presença de duas, ou mais, das características centrais, representa um critério
exigente em mais de 80% dos casos, que, segundo McKeith (2007), só é seguido
exclusivamente em cerca de metade dos casos. Na prática clínica, para melhorar
a taxa de identificação de casos, utiliza-se um índice mais elevado de
suspeita, adoptando como critério, no diagnóstico clínico de possível DCL, a
presença de uma única característica central.
O conhecimento e o reconhecimento de uma provável DCL é particularmente
relevante, considerando-se o significativo benefício oferecido pela
farmacoterapia, através, por exemplo, de drogas que aumentem a disponibilidade
de acetilcolina, isto é, do neurotransmissor que assegura a transmissão dos
estímulos nervosos, na fenda sináptica, entre células do sistema colinérgico
(Cummings, 2000; McKeith, Ser, et al., 2000; Perry, et al., 2000). Além disso,
torna-se essencial a estruturação de programas de reabilitação cognitiva
direccionados especificamente para os domínios do funcionamento cognitivo mais
comprometidos (Ballard, et al., 2002).
Muitas similaridades clínicas e patológicas entre a DCL e a Demência que ocorre
nos estágios mais avançados da Doença de Parkinson (DDP) têm sido reconhecidas.
Até mesmo na autópsia, indivíduos com DCL e DDP apresentam corpos de Lewy, que
constituem a característica patológica da DCL, no entanto, DCL e DDP são
síndromes clinicamente definidas (McKeith & Cummings, 2005; McKeith,
Galasko, et al., 1996; McKeith, Mintzer, et al., 2004).
A sequência temporal dos eventos é bastante importante, porque, sabe-se que,
quando o indivíduo apresenta apenas sinais motores, o problema será
plausivelmente DP, mas, quando os sinais motores são seguidos (dentro de um
período de 12 meses) por sinais cognitivos, é mais plausível que o problema
seja DCL, no entanto, quando os sinais motores são seguidos (depois de mais de
12 meses do seu aparecimento) por sinais cognitivos, o problema plausivelmente
será DDP, que tende a manifestar-se na fase mais avançada da doença ( McKeith,
2006).
Geralmente, o princípio da DCL tende a ser muito discreto, de difícil detecção,
sem que o próprio indivíduo ou os outros à sua volta percebam que algo ocorre,
no entanto, esse começo é destrutivo. A presença de um período de crescente
confusão, a identificação da presença de alucinações ou uma queda
significativa, podem dar a falsa impressão de que o início foi repentino,
fulminante. O desenrolar da DCL, no entanto, é progressivo, com a pontuação nas
avaliações cognitivas declinando cerca de 10%, por ano. As flutuações
cognitivas podem contribuir para a elevada variabilidade apresentada em termos
das pontuações obtidas no Mini-Exame do Estado Mental (MEEM), o que dificulta a
determinação do grau de gravidade do prejuízo em uma única avaliação (McKeith,
2007).
Os principais diagnósticos diferenciais para a DCL são a DA, a demência
vascular, a DDP, as síndromes Parkinsonianas atípicas (por exemplo, paralisia
supranuclear progressiva, atrofia sistémica múltipla, degeneração córticobasal
e a doença de Creutzfeldt-Jacob). O tempo de sobrevivência, a partir do início
da DCL até à morte, é geralmente similar ao da DA, muito embora, para alguns
indivíduos com DCL, o curso da doença seja bem mais rápido (McKeith, 2007;
McKeith, Galasko, et al., 1996).
O diagnóstico clínico da DCL depende da obtenção de uma história detalhada de
sintomas, a partir de entrevistas com o próprio indivíduo e algum informador
próximo do mesmo, do exame do estado mental e das avaliações neurológica e
cognitiva apropriadas. Investigações através de recursos de neuroimagem podem
dar suporte ao diagnóstico clínico (Sauer, et al., 2006). As mudanças
associadas à DCL incluem a preservação do volume do hipocampo e do lobo
temporal medial, segundo MRI, e diminuição do fluxo sanguíneo na região
occipital, segundo SPECT, perda do transportador de dopamina no caudato e no
putámen como consequência de degeneração das vias dopaminérgicas
nigroestriatais (McKeith, O'Brien, et al., 2007).
O perfil de danos neuropsicológicos na DCL reflecte o envolvimento combinado
das vias corticais e subcorticais e a relativa preservação do hipocampo. Os
indivíduos com DCL apresentam um desempenho pobre em tarefas visuoespaciais e
testes de atenção (Sauer, et al., 2006). As flutuações no funcionamento
cognitivo, que podem alterar-se em minutos, horas ou dias, ocorrem em 50% a 75%
dos casos e estão associadas à contínua variação dos níveis de atenção e
prontidão para responder (McKeith, 2007). Os outros, à sua volta, observam a
presença de sonolência durante o dia, os episódios em que o indivíduo fica
olhando fixamente, sem expressão, para o nada e ainda a fala incoerente
(Ferman, et al., 2004; McKeith, 2006).
As alucinações visuais são o traço neuropsiquiátrico mais característico da DCL
e a sua persistência ajuda no diagnóstico diferencial. As alucinações visuais
estão presentes em metade dos casos de DCL, no momento em que a doença se
apresenta, e ocorrem, em algum momento durante o curso da doença, na maioria
dos casos. Essas alucinações consistem em imagens muito bem formadas,
detalhadas e animadas, que geram respostas emocionais variadas e estão
associadas à deficiência de acetilcolina cortical (Salmon & Bondi, 2009).
O perfil de SEP na DCL é geralmente similar ao perfil de SEP nos casos de DP,
porém com maior instabilidade postural, apatia facial e menos tremor. Uma
sensibilidade anormal aos efeitos colaterais da medicação antipsicótica,
conforme já referido, ocorre em 50% a 60% dos casos de DCL, em que são
receitados agentes antipsicóticos tradicionais, e essa sensibilidade severa
está associada a um aumento significativo do risco de mortalidade, devido ao
início intenso ou agravamento dos SEP e de danos da consciência (Kane, 2001;
MacKeith, 2007). Os antipsicóticos atípicos, utilizados em pequenas doses, são
mais seguros nesse sentido, mas as reacções de sensibilidade têm sido
documentadas com a maioria desses agentes (McKeith, Mintzer, et al., 2004).
Uma perturbação frequentemente associada à DCL, à DDP e à atrofia sistémica
múltipla, mas que raramente ocorre em outros quadros demenciais, e que pode
contribuir para as alucinações e alterações comportamentais típicas da DCL, é a
parassónia do sono paradoxal (REM), caracterizada por pesadelos, vívidos e
aterrorizadores, e por interrupções, mais ou menos bruscas, da atonia motora
que normalmente se observa na fase do sono dita paradoxal, por nela a
actividade e o metabolismo estarem aumentados e se observar a supressão do
tónus muscular, ou REM, por nela se registarem movimentos oculares rápidos
(Boeve, et al., 2004; Dodel, et al., 2008).
Sintomas de depressão (desinteresse por todas, ou quase todas, as formas de
actividade, durante todo o dia e quase todos os dias, perda de peso, na
ausência de dieta, aumento ou diminuição do apetite, quase todos os dias,
distúrbios do sono, falta de energia, quase todos os dias, sentimentos de
inferioridade ou sentimentos de culpa, diminuição da capacidade de
concentração) são relatados em 33% a 50% dos casos de DCL (McKeith, 2007).
Como referido no início, a revisão que agora se conclui visou oferecer uma
panorâmica básica da Demência de Corpos de Lewy (DCL). Com esse intuito, foram
dados, sucessivamente, os passos seguintes.
Pretendeu-se destacar que é tão importante reconhecer, identificar e tratar, ou
acompanhar, as patologias que possam afectar pessoas com mais idade, quanto não
perder de vista que o processo de envelhecimento se faz acompanhar por mudanças
que, mesmo quando se traduzam em certas limitações das capacidades ou da
actividade, não são necessariamente anormais e não devem ser confundidas com
manifestações patológicas.
Procedeu-se à caracterização genérica da demência e ressaltou-se a necessidade
de equipas multidisciplinares procederem à demarcação entre as situações de
declínio cognitivo que acompanham o processo normal de envelhecimento, as
dificuldades cognitivas associadas a condições psicopatológicas independentes
da idade e as condições de declínio cognitivo pernicioso.
Salientou-se, em particular, a relevância do papel dos psicólogos, quer pela
importância das avaliações neuropsicológica e cognitiva, para o diagnóstico
diferencial dos quadros demenciais, quer pela responsabilidade que lhes deve
ser atribuída no desenho e concretização de programas de reabilitação
cognitiva.
Relembrou-se a posição nuclear que a DCL ocupa, no conjunto das patologias
demenciais mais frequentes entre os idosos, como segunda causa mais comum de
demência neurodegenerativa, com uma prevalência de 10% a 15% dos casos
pertinentes.
Referiu-se o risco de confusão, no diagnóstico, entre a DCL e outras
patologias, e a gravidade das consequências eventualmente resultantes,
especialmente as associadas ao uso erróneo de antipsicóticos ou neurolépticos.
Por fim, caracterizou-se abreviadamente o quadro etiológico da DCL e
sistematizou-se o conjunto de sinais e de sintomas que podem estabelecer o seu
diagnóstico seguro, provável ou possível.
Conclusões
Dada a sua máxima relevância, face aos objectivos deste artigo, conclui-se,
retomando, de modo esquemático, as linhas de orientação para o diagnóstico
diferencial da DCL:
1. Características centrais (essenciais para o diagnóstico de possível ou
provável DCL):
Declínio cognitivo progressivo com magnitude suficiente para
interferir com funções sociais ou ocupacionais normais;
Défice proeminente ou persistente da memória pode não ocorrer
necessariamente nos estágios iniciais, mas é normalmente evidente com
o progresso;
Défices nos testes de atenção, função executiva e habilidade
visuoespacial podem ser especialmente proeminentes;
2. Características basilares (duas características basilares são suficientes
para um diagnóstico de provável DCL e uma para o de possível DCL):
Cognição flutuante com variações pronunciadas na atenção e na
vigília;
Alucinações visuais recorrentes que são tipicamente bem formadas e
detalhadas;
Características espontâneas da DP;
3. Características sugestivas (se uma ou mais estiver presente em conjunto
com uma ou mais características basilares, pode fazer-se um diagnóstico de
provável DCL; na ausência de qualquer característica basilar, uma ou mais
característica sugestiva é suficiente para possível DCL; o diagnóstico de
provável DCL não deverá ser feito com base exclusivamente em características
sugestivas):
Parassónia do sono paradoxal;
Sensibilidade neuroléptica severa;
Baixa captação do transportador de dopamina nos gânglios basais
demonstrada por imagens SPECT ou PET;
4. Características auxiliares (habitualmente presentes, mas que não se provou
que tenham especificidade diagnóstica):
Quedas repetidas e síncope;
Perda transitória e inexplicada de consciência;
Disfunção autonómica severa, por exemplo, hipotensão ortoestática ou
incontinência urinária;
Alucinações em outras modalidades, que não a visual;
Depressão;
Relativa preservação das estruturas do lobo temporal medial conforme
TC (tomografia computadorizada) / MR (ressonância magnética);
5. Um diagnóstico de DCL é menos provável:
Na presença de doença cerebrovascular evidente como sinais
neurológicos focais ou em neuroimagem;
Na presença de qualquer outra doença física ou disfunção cerebral
para dar conta total ou parcialmente do quadro clínico;
Se o parkinsonismo somente aparece pela primeira vez no estágio de
demência severa;
6. Sequência temporal dos sintomas:
DCL deveria ser diagnosticada quando ocorre demência antes ou
concomitantemente com parkinsonismo (se este estiver presente);
O termo Demência na doença de Parkinson (DDP) deve ser usado para
descrever a demência no contexto de doença de Parkinson bem
estabelecida;
Num contexto prático, termos genéricos como Doença com Corpos de Lewy
são frequentemente úteis;
Em estudos recentes em que há necessidade de distinguir entre DCL e
DDP, a regra de um ano na instalação da demência e do parkinsonismo
na DCL continua a ser recomendada. A adopção de outros períodos de
tempo irá simplesmente confundir a confrontação de dados e a
comparação de estudos. Em outros contextos de investigação que podem
incluir estudos clinicopatológicos e ensaios clínicos, ambos os
fenótipos clínicos podem ser considerados em conjunto sob categorias
tais como a Doença com Corpos de Lewy ou Alfa-sinucleinopatias.