Precisão das equações preditivas de 1-RM em praticantes não competitivos de
treino de força
O treino de força (TF) é uma das formas de exercício mais utilizadas para o
condicionamento físico, tanto de atletas, quanto de não atletas (Fleck &
Kraemer, 1999). A popularidade crescente do treino de força tem estimulado
investigação sobre os seus efeitos (Baechle & Groves, 2000). São vários os
autores (Myer, Ford, Palumbo, & Hewett, 2005; Manso, 1999; O'Conner,
Simmons, & O'Shea, 1989) que relatam efeitos do treino de força na melhoria
da performance desportiva e do estado de saúde dos indivíduos, nomeadamente,
melhoria da composição corporal, prevenção de problemas posturais, articulares
e lesões músculo-esqueléticas.
O American College of Sports Medicine (ACSM, 2002), cita a importância do TF
para a manutenção da qualidade de vida das pessoas e recomenda que sejam
realizados de 2 a 3 sessões por semana, de 8 a 10 exercícios para os principais
grupos musculares por sessão e, de 8 a 15 repetições por exercício. Para que um
programa de TF produza os efeitos desejados, é muito importante que as cargas
de treino sejam criteriosamente determinadas. Somente através da utilização da
carga correta é que um programa de exercícios de força poderá atingir o sucesso
com atletas (Fleck & Kraemer, 1999).
Existem diferentes formas para prescrever a carga de treino. A forma mais
popular e simples para determinação da carga de trabalho é o teste da uma
repetição máxima (1-RM) ou teste de carga máxima (Cosgrove & Mayhew, 1997;
Manso, 1999), que é a máxima carga que pode ser levantada em apenas uma
repetição completa (Pereira & Gomes, 2003). Após a identificação da 1-RM,
as cargas de treino serão, então, prescritas de acordo com a percentagem da
carga máxima (%1-RM) (Abadie & Wentworth, 2000) que objectiva as adaptações
pretendidas. O quadro 1 mostra alguns exemplos sobre o valor das percentagens
da carga máxima e respectivas adaptações inerentes ao processo de treino
(Dantas, 2002).
Quadro 1
Relação entre adaptações provocadas pelo treino e a percentagem da 1-RM
O teste de 1-RM é frequentemente utilizado por treinadores, especialistas na
área de reabilitação e profissionais do fitness e da saúde (Braith, Graves,
Leggett, & Pollock, 1993). Porém, por se tratar de uma metodologia que
utiliza cargas máximas, este método é contra-indicado para indivíduos
iniciantes no TF, para crianças, adolescentes e adultos sedentários, idosos,
hipertensos e cardíacos e nos casos de recuperação muscular (Abadie &
Wentworth, 2000; Manso, 1999; Pereira & Gomes, 2003), pelo risco elevado de
causar lesões musculo-esqueléticas (Mayhew, Ware & Prinster, 1993).
A sua utilização é também na maioria das vezes muito demorada. Devido a estas
limitações impostas pelo teste de 1-RM, algumas equações foram desenvolvidas
visando estimar a carga máxima que um indivíduo pode suportar através da
utilização de cargas submáximas. Destes estudos surgiram, então, equações de
regressão para predição da carga máxima através da utilização de cargas
submáximas.
Muitos são os trabalhos sobre predição de cargas máximas através da utilização
de cargas submáximas. Berger (citado por Abadie & Wentworth, 2000) e
Carpinelli (2002), executou 1-RM, 5-RM e 10-RM no exercício supino plano.
Através dos dados coletados, foram estimados valores de 1-RM utilizando valores
obtidos com cargas que permitiam a realização de 2-RM a 10-RM, com alto grau de
correlação (r = .96). Braith, Graves, Leggett e Pollock (1993) realizaram 7-RM
a 10-RM no exercício de extensão de pernas (cadeira extensora), verificando um
coeficiente de correlação de r = .94 com o teste de 1-RM. Existem muitos
estudos relacionando a precisão de algumas equações de predição de 1-RM
(Altorfer, Abadie & Schuler, 1997; Dohoney, Chromiak, Lemire, Abadie &
Kovacs, 2002; Ploutz-Snyder & Giamis, 2001). A eficiência destas equações
depende da sua fiabilidade de estimação da 1-RM (Mayhew, Prinster, Ware,
Zimmer, Arabas, & Bemben, 1995). Apesar da grande quantidade de estudos,
muitas equações, já com uso generalizado, não apresentam ainda indicadores da
sua adequabilidade para praticantes habituais de treino da força em centros de
fitness. Muitas destas equações apresentam semelhanças, apresentando em sua
composição as mesmas variáveis e possuindo, assim, resultados muito próximos.
Algumas das equações mais frequentemente utilizadas são expostas no quadro 2.
Quadro 2
Equações de predição de 1-RM
As equações de O'Conner et al. (1989) e Baechle e Groves (2000) são muito
semelhantes: a carga máxima (1-RM) é o produto de uma constante (cujos valores
são muito próximos) pelo número de repetições. Ao valor encontrado, adiciona-se
o valor de outra constante. Para alcançar o resultado final multiplica-se o
valor encontrado até então pela carga realizada no teste submáximo. A equação
proposta por Epley (Epley, 1995) diferencia-se, pois o valor da carga é
multiplicado por uma constante e o resultado é novamente multiplicado pelo
número de repetições e adicionado à carga atingida no teste submáximo.
As equações de Brzycki (Brzycki, 1993) e Lander (Lander, 1985) apresentam
valores de %1-RM similares. Das equações referidas no quadro 2, a equação de
Adams (Adams, 1994) considera que para cada repetição realizada, a carga
suportada cai em aproximadamente 2%. Assim, multiplicando-se 2% pelo número de
repetições realizadas, encontra-se o percentual de queda em relação a 1-RM.
Então, a carga utilizada para um determinado número de repetições corresponde
ao valor percentual de perda em relação à carga máxima.
O objectivo deste estudo é investigar a precisão das equações de predição de 1-
RM relacionadas no quadro 2, quando comparadas ao teste de 1-RM numa população
de praticantes habituais de treino da força.
MÉTODO
Amostra
Trinta e um indivíduos do sexo masculino, aparentemente saudáveis (média ± DP:
idade, 21.8 ± 4.0 anos; peso, 75.9 ± 8.4 kg; altura, 178.1 ± 6.4 cm),
praticantes de treino de força numa base regular (3 - 4 sessões/semana)
participaram no estudo. Todos os indivíduos foram informados sobre os
procedimentos adoptados para a realização dos testes e assinaram a declaração
de consentimento informado. O exercício escolhido para a realização do presente
estudo foi o supino recto com barra, pelo facto de ser um exercício estrutural
e poliarticular. Antes dos testes, os indivíduos receberam instruções
padronizadas sobre a técnica de execução. Este estudo está de acordo com as
normas da Declaração de Helsinque de 1975.
Instrumentos e Procedimentos
O exercício supino recto com barra foi realizado em um banco próprio (Body and
Soul, Brasil), utilizando uma barra de 1.80 m e discos de .5 kg a 25 kg. A
partir da posição de deitado em decúbito dorsal, com joelhos e quadris
semiflexionados, com os pés sobre o apoio do próprio aparelho, dois ajudantes
(certificados pelo National Strenght and Conditioning Association), colocavam a
barra nas mãos do sujeito, que iniciava o teste com os braços em extensão. A
distância entre as duas mãos na pega na barra era medida previamente de forma
que, quando os braços assumissem a posição paralela ao solo, os cotovelos
descrevessem um ângulo de 90o. O movimento descendente (fase excêntrica), era
executado em 2 segundos e até tocar levemente o peito do sujeito, no ponto
meso-esternal. Nenhuma assistência física era dada para ajudar os participantes
a completar a fase concêntrica da repetição. A repetição era válida quando os
braços se encontravam em extensão.
A recolha de dados referentes às cargas de trabalho no supino recto foram
divididas em 2 partes: 1º) carga referente ao teste de 1-RM (carga máxima); e,
2º) carga referente ao teste submáximo e respectivo número de repetições. O
teste de 1-RM e o teste submáximo foram realizados em dias diferentes (entre 48
e 72 horas), de forma a evitar fadiga acumulada.
Protocolo do Teste de 1-RM
Antes de realizar o teste propriamente dito os sujeitos realizaram um de
aquecimento, que segundo Kraemer e Fry (1995), consiste de 5 a 10 repetições,
com uma carga equivalente a 40 a 60% da máxima percebida, seguido de
alongamentos por um minuto. A seguir, a carga foi aumentada para uma carga de,
aproximadamente, 60 a 80% da máxima percebida. Após este aquecimento, os
indivíduos respeitaram um intervalo de 2 minutos, enquanto a carga era
incrementada para a realização do teste. O movimento era realizado com o
indivíduo podendo ou não vencer a resistência oferecida e após um intervalo de
5 minutos a carga era, respectivamente, aumentada ou diminuída para permitir a
realização de uma única repetição (Dias, Cyrino, Salvador, Caldeira, Nakamura,
& Papst, 2005). O número máximo de tentativas permitidas na mesma sessão
foi de três, conforme procedimento descrito na literatura (Marins &
Giannichi, 1996).
Protocolo do Teste submáximo
Após a realização do mesmo protocolo de aquecimento do teste de 1-RM, um carga
de aproximadamente 80 a 100% da carga máxima percebida era selecionada. Aos
sujeitos foi solicitado a realização do maior número de repetições, que no caso
deste estudo ficaram entre 4 e 10 repetições máximas.
Análise estatística
Os dados foram analisados com o software SPSS 13.0 (SPSS Science, Chicago,
USA). A análise exploratória dos dados incluiu medidas descritivas e
confirmação do pressuposto de normalidade (teste de Kolmogorov-Smirnov). As
diferenças entre medidas foram testadas pela ANOVA com post-hoc de Scheffé. As
associações entre variáveis foram investigadas por regressões lineares simples.
Os resultados são apresentados como médias e desvios padrão (M ± DP).
RESULTADOS
No teste de 1-RM a carga obtida foi de 76.23 ± 12.52 kg, com valores mínimos e
máximos de, respectivamente, 58.0 e 100.0 kg. No teste submáximo, o número de
médio de repetições foi de 7.29 ± 1.62 reps, com variação de 4 a 10 RM. A carga
média utilizada no teste submáximo foi de 61.9 ± 12.16 kg, com variação de 46.0
a 86.0 kg.
Os valores de carga encontrados com a aplicação das equações preditivas da 1-RM
variaram de 73.05 ± 13.75 kg a 77.38 ± 15.19 kg.
Os valores mínimos e máximos encontrados variaram de 50.19 a 107.50 kg (ver
quadro 3).
Quadro 3
Valores estimados de 1-RM através da utilização das equações de regressão (n =
31)
A análise de variância mostrou que não há diferenças significativas (p > .05)
entre os resultados das equações. As equações preditivas da 1-RM tiveram um
erro padrão baixo (EP), variando entre 2.7 e 3.2 kg. Os coeficientes de
determinação (r2) variaram de .94 a .96, conforme mostra o quadro 4 e as
figuras de 1 a 6.
Quadro 4
Correlação (r2) e erro padrão (EP) de estimativa das equações de regressão
Figura 1. Correlação entre o resultado da equação de O’Conner et al. (1989) e o
resultado de 1-RM
Figura 2. Correlação entre o resultado da equação de Epley (1995) e o resultado
de 1-RM
Figura 3. Correlação entre o resultado da equação de Brzycki (1993) e o
resultado de 1-RM
Figura 4: Correlação entre o resultado da equação de Lander (1985) e o
resultado de 1-RM
Figura 5. Correlação entre o resultado da equação de Adams (1994) e o resultado
de 1-RM
Figura 6. Correlação entre o resultado da equação de Baechle e Groves (2000) e
o resultado de 1-RM
DISCUSSÃO
O teste de 1-RM é um método muito utilizado para a mensuração da carga máxima
nos exercícios de musculação (Manso, 1999). Porém, apresenta algumas contra-
indicações quanto a seu uso. De forma a melhorar o acesso à 1-RM, foram
desenvolvidos modelos matemáticos para predição de carga máxima através da
utilização de cargas submáximas. Tais equações apresentam, hoje, grande
utilização entre os profissionais que trabalham nas salas de musculação. O
objectivo deste trabalho foi estudar a precisão das equações aplicadas a uma
amostra especifica de praticantes de treino da força em ginásios e academias.
Os resultados encontrados no estudo estão em concordância com alguns estudos de
predição de 1-RM através da utilização de cargas submáximas realizados com
outras populações. Os valores obtidos com a aplicação das equações preditivas
apresentam valores de correlação elevados com os do teste de 1-RM. Berger
(citado por Abadie & Wentworth, 2000) obteve uma correlação de .96 em sua
predição de 1-RM realizando 2 a 10 repetições. Braith et al. (1993) obtiveram
correlação de .94 na predição na cadeira extensora. Cummings e Finn (1998),
numa investigação com 57 mulheres com idade de 18 a 50 anos, determinaram
através de 4-8 RM, o valor de 1-RM para o supino recto com uma correlação de
.94. Rose e Ball (1992) avaliaram mulheres de 18 a 25 anos e encontraram
correlações de .78 a .82, utilizando cargas de 15.9 kg e 20.4 kg,
respectivamente. Pereira e Gomes (2003), através de uma revisão crítica acerca
do assunto, também encontraram forte relação entre equações preditivas e o
teste de 1-RM. Os referidos autores recomendam que quando os testes forem
utilizados em estudos, a fiabilidade das equações deve ser verificada antes do
início do estudo.
Concluímos, então, que todas as equações utilizadas no estudo para a predição
de carga máxima, podem ser empregues com o intuito de predizer, para o
exercício supino recto com barra, o valor de 1-RM com alto grau de confiança,
auxiliando, assim, os profissionais na avaliação e prescrição do treino de
força. Porém, recomenda-se que sejam realizados outros estudos com outras
populações (por exemplo: adolescentes, idosos e mulheres), outros grupos
musculares, velocidades de execução, biótipos e tempos de treino diferentes
para verificar a precisão de tais equações.