Rotura do tendão distal do bicípite braquial
INTRODUÇÃO
Mais de 50% de todas as roturas do músculo bicipite braquial ocorrem na cabeça
longa do tendão[1] . Estima-se que somente 3% das roturas agudas do bicípite
braquial ocorram distalmente, o que torna esta lesão relativamente rara
[2,3,4,5]. A maioria das roturas ocorrem no membro dominante, em homens com
idades compreendidas entre os30 e 49 anos, quando uma carga excêntrica é
exercida no bicípite, com cotovelo em flexão e supinação[2,6,7,8,9]. O doente
refere, frequentemente, um estalo, seguido de dor intensa no braço e antebraço
proximal[4].
O diagnóstico clínico torna-se óbvio com o aparecimento do "sinal Músculo
Popeye", e da equimose na fossa antecubital. No caso de rotura incompleta
o diagnóstico não é tão fácil, uma vez que as restantes fibras impedem a
retração proximal do músculo. Com uma palpação cuidadosa conseguese,
habitualmente, confirmar o diagnóstico. Para tal o médico deve tentar passar o
seu dedo indicador por baixo do tendão do bicípite. O tendão intacto pode
facilmente ser palpado enquanto o doente faz supinação sob resistência[4,1]. O
diagnóstico clínico de rotura do tendão distal do bicípete braquial pode ser
confi rmado por ecografia do cotovelo. A radiografia e a Resonância Magnética
(RMN) normalmente não são necessárias para confirmar o dignóstico[10].
O tratamento das roturas distais é controverso, e novas técnicas estão sempre a
aparecer na literatura. O tratamento cirúrgico é, geralmente, considerado o
tratamento de escolha, ficando o tratamento não cirúrgico para doentes com
contraindicações para cirurgia e para doentes idosos e sedentários[6,7,4,9,1].
O tratamento cirúrgico consiste na reparação anatómica e não anatómica[11,12].
Está descrito que a tenodese do tendão bicipital ao tendão do braquial produz
piores resultados do que a reparação anatómica[6,4]. A reinserção anatómica do
tendão na tuberosidade bicipital usando abordagens com uma -ou duasincisões dão
melhores resultados que outras técnicas, na restauração da força de flexão e
supinação do cotovelo[3,13,14,5). Inicialmente, a técnica de reinserção usando
uma incisão anterior requeria uma disseção extensa em redor da tuberosidade
bicipital de modo a permitir a passagem das suturas, o que por vezes resultava
em paralisia do ramo profundo do nervo radial. Assim, em 1961,Boyd e Anderson
descreveram a técnica de duas incisões, de modo a limitar a dissecção e
minimizar o risco de lesão das estruturas neurovasculares[3,5,1]. No entanto,
esta técnica de duas incisões esta associada a ossificação heterotópica, o que
levou ao desenvolvimento de técnicas que usam âncoras de osso ou EndoButtons de
modo a reparara rotura distal do tendão bicípite braquial através de uma
incisão. Apesar destas técnicas permitirem o acesso através de uma única
incisão, elas continuam associadas com complicações de paralisia nervosa[6].
Nós apresentamos dois casos clínicos de rotura completa do tendão distal do
bicípite braquial em doentes sexo masculino. Eles foram tratados com sucesso
pela técnica de Boyde e Anderson.
MATERIAL E MÉTODOS
Caso Clínico 1
Doente sexo masculino, 39 anos, dextro, antecedentes patológicos irrelevantes,
recorreu ao Serviço de Urgência do nosso Hospital, no dia 28/08/2010, por dor
súbita , edema e equimose no antebraço proximal direito após uma extensão
inesperada do cotovelo fletido, por queda de uma escada. Ao exame objetivo
identificava-se equimose da fossa antecubital direita (Figura_1) e na palpação
não se identificava o tendão distal do bicipite braquial, ao contrário do lado
contralateral.
Apresentava um défice na supinação do antebraço contra resistência, sem perda
da flexão. Rx simples do cotovelo sem evidência de lesões traumáticas agudas. A
ecografia confirmou o diagnóstico de rotura do tendão distal do bicípite
braquial.
O doente foi operado a 29/08/2010, pela técnica de Boyd e Anderson. Pós
operatório imediato sem intercorrências relevantes, nomeadamente,
neurovasculares.
Após a cirurgia o doente ficou imobilizado com tala dorsal com cotovelo em
flexão durante duas semanas, seguido de imobilização gessada com cotovelo em
flexão durante mais duas semanas. Terminado este período iniciou mobilização
ativa e passiva, sem apoio formal de fisioterapia, tendo como objetivo o arco
movimento contralateral, o que foi atingido por volta das 7 semanas.
Exercícios de contra resistência foram iniciados ás 7 semanas após cirurgia.
Após três meses da cirurgia o doente tinha restaurado flexão, extensão,
pronação e supinação.
Ao sexto mês após cirurgia tinha 5/5 força resistência manual em supinação e
flexão. Reiniciou a sua atividade laboral sem restrições após 6 meses.
Caso Clínico 2
Doente sexo masculino, 45 anos, dextro, antecedentes patológicos irrelevantes.
Recorreu ao Serviço de Urgência do nosso hospital no dia 23/10/2010 por dor
súbita, tipo facada na região anterior do cotovelo direito enquanto
transportava mobília de casa. Refere que sentiu um estalo na zona do cotovelo.
Ao exame objetivo mantinha flexão, extensão pronação e supinação completas, com
dor marcada na fossa antecubital e dor intensa na supinação contra resistência.
Tinha "sinal de musculo de Popeye" (Figura_2) e não se palpava
tendão distal do musculo bicipital.
Rx cotovelo sem lesão osteoarticular aguda, nomeadamente, na região da
tuberosidade radial. A ecografia confirmou o diagnóstico de rotura do tendão
distal do bicípite braquial.
O doente foi operado, no dia seguinte, pela técnica de Boyd e Anderson (Figura
3 e 4). Pós-operatório imediato sem intercorrências, nomeadamente,
neurovasculares.
Após a cirurgia o doente ficou imobilizado com tala dorsal com cotovelo em
flexão durante duas semanas, seguido de imobilização gessada com cotovelo em
flexão durante mais duas semanas.
Quatro semanas após a cirurgia o doente ficou sem imobilização e iniciou
exercícios de mobilização ativa e passiva. Exercicios de contra resistência
foram iniciados às 6 semanas após cirurgia (protocolo standart).
Após três meses da cirurgia o doente tinha restaurado flexão, extensão,
pronação e supinação.
Ao sexto mês após cirurgia ele tinha 5/5 força resistência manual em supinação
e flexão. Reiniciou a a sua atividade laboral sem restrições após 6 meses.
DISCUSSÃO
A patogénese da rotura distal do tendão do bicípite braquial não está
esclarecida, com uma variedade de fatores degenerativos, hipovasculares e
mecânicos a serem apontados como etiologias[10, 2,15]. Morrey defende a
hipótese de que as irregularidades na tuberosidade bicipital do rádio ou
bursite contribuem para a degeneração do tendão antes da rotura. Algumas
combinações de fatores anatómicos e degenerativos locais poderão contribuir
para a rotura do tendão distal do bicípite braquial, no entanto, tal contributo
ainda não foi provado conclusivamente[5].
A reinserção do tendão bicipital na tuberosidade bicipital pode ser efetuada
com difrentes abordagens cirúrgicas, e algumas parecem produzir os mesmos
resultados satisfatórios[8]. Atualmente, ainda não é possível saber qual a
técnica mais segura e com menos complicações associadas. Algumas diferenças no
tempo da cirurgia e da recuperação são provavelmente devidas ao tipo de fixação
[8].
A lesão do ramo profundo do nervo radial é provavelmente causada pela
compressão do nervo entre o retractor de Hohmann e o rádio na incisão dorsal
[8].
A ossificação heterotópica e a sinostose rádiocubital proximal podem ser
causadas pela destruição da porção proximal da membrana interóssea, formação de
hematoma entre o rádio e o cúbito, desbridamento ósseo na área e estimulação do
periósteo cubital. Estas complicações podem ser responsáveis pela limitação, no
pós-operatório, do movimento do cotovelo[8,7]. Nos casos clínicos apresentados
nenhum dos doentes teve estas complicações.
Apesar de ambas as técnicas cirúrgicas (utilizando uma ou duas incisões) serem
eficazes no tratamento da rotura do tendão distal do bicípite, ainda não há
consenso nas guidelines de reabilitação após a cirurgia. A maioria dos
protocolos na fase pós cirúrgica precoce protegem a reparação do tendão,
prevenindo edema cotovelo e promovem a adaptação com uma mão nas activiades
diárias. Tipicamente existe um período de imobilização que varia de uma a seis
semanas, com a maioria dos autores a defender a imobilização durante duas a
três semanas, seguida de mobilização passiva, especialmente durante flexão do
cotovelo e supinação do antebraço. Após período de imobilização, a extensão do
cotovelo é feita gradualmente, com o objetivo de obter a extensão e supinação
completas por volta das quatro a seis semanas após cirurgia[7]. Geralmente,
mobilização ativa é permitida após seis semanas, carga após 3 meses, e
atividade sem restrições a partis dos quatro a seis meses[7].
A comparação de resultados dos vários estudos é dificultada pela utilização de
diferentes testes de monitorização da força muscular no pós operatório, bem
como pela ausência de protocolos de follow-up aceitáveis[8].
O aumento do follow up dos doentes demonstrou que os cirurgiões ortopedistas
tem multiplas opções razoaveis para o tratamento da rotura distal do bicípite
braquial[5].
Nós apresentamos dois casos de rotura completa do tendão distal do bicípite
braquial tratados com sucesso pela técnica de Boyd e Anderson.
CONCLUSÃO
A rotura do tendão distal do bicípite pode levar a dor e limitações na flexão e
supinação do cotovelo. Historicamente, o tratamento não cirúrgico ou reparação
não anatómica apresentam resultados aceitáveis, mas a reparação anatómica
tornou-se o tratamento standart para a maioria dos doentes na fase aguda.
Os nossos resultados, neste período de followup, vão ao encontro da literatura,
que defende que a reparação anatómica do tendão distal do bicípite braquial dá
consistentemente bons resultados, com recuperação da força e endurance do
cotovelo. A execução cuidadosa da técnica cirúrgica e o tempo desde a lesão até
à cirurgia são também importantes para evitar complicações.