Osteomielite da sínfise púbica
INTRODUÇÃO
A osteomielite da sínfise púbica é uma entidade rara, encontrada em certos
grupos - casos de toxicodependentes, doentes sujeitos a procedimentos
urológicos ou com patologia neoplásica pélvica e atletas. O diagnóstico é com
frequência atrasado e não raramente confundido com outras entidades não
infeciosas [1,2].
CASO CLÍNICO
Homem, 44 anos, caucasiano, mecânico com um quadro de febre, dor abdominal
baixa e cruralgia esquerda arrastada. Realizou consultas e exames auxiliares
sem identificação da causa etiológica para a dor. Após 8 semanas foi tratado
como hidrosadenite da coxa esquerda tendo sido submetido a drenagem cirúrgica e
antibioterapia endovenosa com amoxicilina mais ácido clavulânico. Duas semanas
após a drenagem da hidrosadenite apresentou recidiva da dor e fistulização
purulenta a nível do local inicial do abcesso inguinal e também sinais de
hidrosadenite contralateral (Figura_1). Após avaliação complementar
identificou-se marcadores inflamatórios elevados: leucocitose com neutrofi lia
e trombocitose acompanhado de valores de PCR na ordem dor 190,4 mg/l (n<3). O
estudo imagiológico simples evidenciou um alargamento da sínfise púbica com
rarefação da face sinfisial do corpo do púbis esquerdo (Figura_2) e uma fixação
eletiva num cintilograma ósseo a nível da sinfise, já evidenciado num exame
previamente efetuado pelo doente. O doente foi submetido a desbridamento sinfi
sial com ressecção das plataformas articulares e drenagem dos abcessos
associados. Iniciou terapêutica endovenosa com vancomicina e meronem, mas ao
10º dia pós desbridamento apresentou recidiva da infeção com alastramento para
o membro inferior direito com extensa/severa infeção partes moles e subida dos
marcadores infl amatórios (PCR 285,7 mg/l). Realizou ressonância magnética da
pelve e coxa visualizando-se além da destruição da sínfise um extenso
infiltrado de material purulento a nível dos músculos da raiz da coxa com
extensão aos compartimentos anterior e medial da coxa direita (Figura_3). Houve
necessidade de fasciotomias dos compartimentos da coxa e revisão do
desbridamento sinfisial (Figura_4). Foi isolado desde o primeiro procedimento
cirúrgico, e consequentes colheita de microbiologia dos exsudados, uma espécie
de Streptococcus spp sensível a meronem, vancomicina, linezolide,
levofloxacina, rifampicina. Foram realizados pensos da sínfise e das
fasciotomias em dias alternados sob sedação, com encerramento em 2ª intenção e
terapêutica endovenosa durante 6 semanas e posteriormente oral com levofl
oxacina e rifampicina até aos 3 meses.
Figura_4
DISCUSSÃO
A dor abdominal baixa, na sínfise púbica e coxa, coloca problemas de
diagnóstico diferencial. A osteomielite da sínfise púbica é uma possibilidade
que devemos ter presente quando existem sinais de inflamatórios associados. Em
termos genéricos o quadro ocorre com febre (74%), dor púbica (68%), dor na
marcha com claudicação (59%), dor à mobilização da anca (45%) e dor na coxa
(41%). A chave para o diagnóstico é um alto índice de suspeição e a presença de
fatores de risco[1].
Os valores laboratoriais de infeção estão extremamente elevados na osteomielite
e só ligeiramente nos casos de osteíte. A cintigrafi a em 3 fases é positiva
nas 3 fases da osteomielite e na osteite pode ser positiva na fase tardia[2,3].
Dado o agravamento do quadro clínico foi necessário o estudo por Ressonância
Magnética para avaliação da extensão da infeção para os tecidos contínuos como
se veio a confirmar com progressão para a coxa.
O isolamento do micro- quer por biopsia quer intraoperatóriamente permite o
diagnóstico definitivo[1,2]. O agente mais frequentemente envolvido é o
Estafilococus Aureus sendo o Streptococcus, identificado no nosso caso, dos
mais frequentes. A existência de febre e a presença de uma deterioração clínica
favorece a presença de um processo de infeção e enfatiza a necessidade de um
estudo cultural repetido (hemocultura, biopsia aspirativa ou colheita
intraoperatória[2].
As "guidelines" recomendam antibioterapia dirigida endovenosa pelo menos 6
semanas, mas um gesto cirúrgico, para desbridamento, pode ser necessário nos
doentes que não respondem á antibioterapia ou em caso de complicação séptica
[2,4]. Numa revisão de 100 doentes com osteomielite da sínfise 55 % requereu
desbridamento cirúrgico[5]. A ressecção das plataformas articulares é a técnica
recomendada para tratamento cirúrgico neste tipo de infeção[7,8]. Não raramente
só o encerramento por 2ª intenção permite controlar a infeção como o ocorrido
no nosso caso clínico. Existem relatos de ocorrência de dor numa forma tardia a
nível sinfi sial ou posteriormente na sacroilíaca quando ocorre uma
instabilidade tardia do anel pélvico dado a perda de integridade do anel
anterior de suporte. No nosso caso ainda não se evidenciou qualquer sinal
clínico ou radiológico de instabilidade tardia[9].
CONCLUSÃO
Devemos estar atentos para a possibilidade da existência de uma osteomielite da
sínfise nos quadros de persistência de dor na região pré púbica. A distinção
entre osteite e a osteomielite deve estar presente entre nós quando estudamos
um doente. O diagnóstico precoce e orientação terapêutica correta permite
controlar a doença de forma eficaz.