Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe1646-21222012000300011

EuPTCVHe1646-21222012000300011

variedadeEu
ano2012
fonteScielo

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Osteoporose transitória da gravidez

INTRODUÇÃO A osteoporose transitória foi descrita pela primeira vez na literatura norte- americana em 1959 por Curtiss e Kincaid[1].

Trata-se de uma patologia auto-limitada, que ocorre em homens de meia idade e em mulheres no terceiro trimestre da gravidez ou puérperas. Envolve as articulações dos membros inferiores, principalmente a anca, e menos frequentemente, o joelho, o tornozelo e o pé[2].

A osteoporose transitória da anca durante a gravidez caracteriza-se clinicamente pelo início gradual de dor, que agrava com a carga e se traduz em claudicação. As mobilidades ativas e passivas da anca são normais, com o aparecimento de queixas álgicas apenas nas mobilidades extremas. Esta discrepância entre os achados do exame objetivo e a clínica pode ajudar a distinguir esta condição autolimitada, de outras patologias, tais como tais como neoplasia, necrose avascular e infecção, evitando assim diagnósticos e medidas terapêuticas desnecessárias[2].

A complicação mais grave desta patologia é a ocorrência de fratura do colo do fémur, situação retratada neste artigo através da apresentação de dois casos clínicos.

CASOS CLÍNICOS Caso 1 Doente do sexo feminino com 30 anos de idade, primigesta, com 38 semanas e 2 dias de gestação, entrada no Serviço de Urgência (SU) com dor e incapacidade funcional na anca direita após queda na banheira. O estudo radiológico realizado revelou fratura do colo do fémur direito, tipo IV de Garden[3] (Figura_1). O estudo analítico da doente era normal.

Na história clínica recolhida a  doente referia um início gradual de dor na articulação coxo-femoral direita desde cerca de dois meses. Por esse motivo, teria recorrido ao seu Médico assistente que a medicou, recomendou repouso e proteção na carga.

A doente relatava também uma coxalgia esquerda ocorrida cerca de dois anos e que à data teria levantado a suspeita de osteoporose transitória dessa anca.

Foi medicada pelo Médico assistente com resolução do quadro clínico.

Foi internada por Obstetrícia para realização de cesariana de urgência. Uma semana depois a doente foi submetida a artroplastia total da anca direita não cimentada, cerâmica/cerâmica (Figura_2).

Neste momento tem seis meses de pós-operatório, encontra-se sem queixas álgicas e deambula sem apoio externo na marcha.

Caso 2 Doente do sexo feminino com 26 anos de idade, saudável, Gesta 2/Para 2; gravidezes sem intercorrências e ambos os partos eutócicos.

Dois meses após o nascimento do segundo filho sofreu queda de bicicleta de baixa energia (encontrava-se parada, desequilibrou-se e caiu). Inicialmente foi observada no SU de outra instituição hospitalar, após o que teve alta com indicação de repouso e analgesia. Ao fim de dois dias deu entrada no nosso SU, por persistência e agravamento das queixas álgicas, com incapacidade para a marcha. Realizou estudo radiológico da bacia que revelou fratura do colo do fémur, tipo III de Garden[3] (Figura_3).

A doente foi submetida a redução fechada da fratura e osteossíntese com parafusos canulados (Figura_4). Decorridos seis meses após a cirurgia (Figura 5), deambula com apoio de canadianas, tem rigidez á mobilização da anca operada, pelo que se encontra em programa de reabilitação fisiátrica.

DISCUSSÃO A desmineralização da articulação da anca durante gravidez é uma situação que muitas vezes passa despercebida. Na literatura foram descritos cerca de trinta casos, quase todos em grávidas no final dos vinte anos de idade e início dos trinta[4].

Existem diversas teorias que tentam explicar a sua etiologia. As necessidades aumentadas de cálcio durante a gravidez, associadas a uma possível, malnutrição materna, pode ser uma das hipóteses. Outros autores têm sugerido que alterações do fluxo sanguíneo local, fatores virais, metabólicos, inflamatórios, traumáticos ou neurológicos podem também contribuir para a sua patogénese[5].

Uma outra teoria baseada na biomecânica da articulação da anca, defende que o esqueleto da mulher, é menos capaz de suportar o aumento do peso corporal durante o terceiro trimestre da gravidez, ocorrendo uma flexão excessiva da cabeça e colo femorais. O aumento da carga estimularia a reabsorção óssea e o aparecimento de microfraturas que podem resultar em fratura patológica[4].

A osteoporose transitória da anca durante a gravidez é uma condição rara e pode ser sub-diagnosticada devido a queixas frequentes de desconforto pélvico. No entanto, a presença de dor na anca ou coxa numa grávida ou puérpera, deve levar o Ortopedista a pensar em fratura patológica, iminente ou real[4]. Outros diagnósticos diferenciais incluem neoplasias primárias ou tumores metastáticos (leucemia, linfoma, mieloma múltiplo) doenças inflamatórias e metabólicas, fratura de stress e osteonecrose da cabeça femoral.

A abordagem seguinte consiste na realização de radiografias e restrição de carga consoante os sintomas e os achados clínicos e radiográficos. Nos exames laboratoriais, pode surgir um discreto aumento da fosfatase alcalina, da velocidade de sedimentação e do nível urinário de hidroxiprolina, alterações que podem também ocorrer numa grávida saudável[2].

A radiografia convencional geralmente é normal na fase inicial da doença e o espaço articular permanece intacto durante todas as fases da patologia. Três a 6 semanas após o início dos sintomas, a radiografia revela desmineralização periarticular e este achado pode manter-se durante semanas após o desaparecimento da clínica[6].

Em alguns casos de osteoporose transitória da anca uma perda marcada do córtex subcondral da cabeça femoral, que é virtualmente patognomónico para a patologia[6].

A ressonância magnética (RMN) é considerada o exame de escolha para o diagnóstico desta patologia, demonstrando a presença de edema medular da cabeça e colo femorais, representado por hiposinal em imagens ponderadas em T1 e por hipersinal em T2, o que não se verifica em outras formas de osteoporose. Além disso, a RMN pode revelar a presença de microfraturas na área atingida e permite o diagnóstico diferencial com outras entidades nomeadamente a osteonecrose da cabeça femoral. Enquanto na osteoporose transitória da gravidez o edema medular é autolimitado e existe osteopenia difusa de toda a cabeça e colo femoral, sem erosão articular ou colapso subcondral, na osteonecrose o edema de medula óssea sofre uma deterioração gradual, com aparecimento de lesões subcondrais na porção antero-superior da cabeça femoral e colapso da superfície articular.

Uma questão importante no caso do parto ser realizado por via vaginal, é que a presença de uma anca dolorosa e osteoporótica, é um fator de risco para fratura, pela posição a que a doente fica sujeita.

As fraturas patológicas são uma complicação rara mas representam o pior cenário desta patologia, dado o elevado risco de necrose avascular da cabeça femoral.

Desde o primeiro artigo publicado em 1959, apenas 12 fraturas patológicas (11 doentes, um bilateral) foram relatadas[2].

O tratamento cirúrgico deste tipo de fratura permanece controverso. É preciso ter em conta que as fraturas do colo do fémur desviadas apresentam uma elevada incidência de pseudartrose e necrose avascular[3]. No caso de se optar pela osteossíntese, a maioria dos autores recomenda a fixação nas primeiras 24 horas após a lesão, a fim de melhor preservar o suprimento sanguíneo da cabeça femoral[3].

Relativamente aos casos apresentados: no caso 1 optou-se por realizar artroplastia total da anca direita, não cimentada, ao dia pós parto. Na literatura consultada encontramos referência a uma situação em que o tratamento da fratura consistiu na realização de artroplastia total da anca não havendo, porém, referência aos critérios que levaram a optar por essa estratégia cirúrgica.

Quanto ao caso a opção cirúrgica pela osteossíntese pode ser discutível porque a fixação foi realizada com mais de 48h após a fratura e a doente apresentava uma lise importante ao nível do foco de fratura, por carga desprotegida. Estes são dois factores que contribuem fortemente para o risco de necrose avascular da cabeça femoral. A fixação da fratura foi realizada após uma manobra de redução na mesa ortopédica em rotação interna e abdução, sem abordagem do foco de fratura.

No pós-operatório tem vindo a verificar-se um colapso ao nível do foco de fratura, com posicionamento em varo da cabeça femoral (Figura_4). Aos 6 meses de pós-operatório ainda não existem sinais evidentes de consolidação, continuando presente o risco de necrose asséptica da cabeça femoral (Figura_5).

Como conclusão, é importante ter em conta que a osteoporose transitória da anca durante a gravidez é uma condição rara que implica um alto índice de suspeição.

A presença de dor na anca ou coxa numa grávida ou puérpera deve alertar o Ortopedista para a possibilidade de ocorrência desta patologia e sobretudo para a presença de fratura patológica do colo do fémur. 


transferir texto