Critérios imagiológicos da instabilidade femoro-patelar por ressonância
magnética
INTRODUÇÃO
A rótula é o sesamoide envolvido na biomecânica da articulação do joelho e faz
parte integrante do mecanismo do quadricípite. Tem as funções de incrementar o
poder mecânico do aparelho extensor e proteger a articulação do joelho[1-2].
A dor da região anterior do joelho foi desde o início do séc. XX até cerca dos
anos 60 atribuída a lesões condrais. Nos anos 70 este conceito modificou-se,
passando a relacionar-se a dor da região anterior do joelho com o
desalinhamento da rótula. Devido à vasta evidência produzida, sabe-se hoje, que
num elevado subgrupo de doentes com esta patologia, a dor é justificada pela
enervação da interface do osso subcondral[1, 2].
Devido ao desenvolvimento das técnicas cirúrgicas, hoje o número de cirurgias
quase triplicou e não é consensual que o desalinhamento que causa instabilidade
da rótula possa estar diretamente associado a dor no compartimento anterior do
joelho[1].
Pela sua complexidade, é confusa a identificação dos padrões que remetem para
os síndromes associados, criando alguma ambiguidade de designações e podendo as
mesmas serem adotadas indistintamente pelos diferentes autores. A terminologia
usada para descrever a instabilidade pode ser incorretamente apresentada como
desalinhamento, luxação e subluxação ou síndrome de hiperpressão externa da
rótula[1, 6, 7, 10, 12].
Os movimentos da rótula são complexos e a articulação é provida de elevada
vulnerabilidade, sendo suscetível de apresentar vários tipos e graus de
instabilidade[1].
O desalinhamento patelar é definido como um deslizamento anormal da rótula no
sentido externo, uma angulação externa excessiva ou a coexistência de ambas as
situações[1]. É atribuído ao deslocamento anormal da rótula durante o movimento
de flexão do joelho e é uma consequência, entre outros fatores, da
instabilidade femoro-patelar[8]. Os fatores anatómicos predisponentes são o
aumento do valor do ângulo Q, anteversão do colo femoral, joelho valgo, tíbia
vara ou em excessiva rotação externa, displasia troclear, patela alta, e
displasia patelar, sendo a incompetência do ligamento rotuliano interno o fator
major[1, 3, 12].
A patela alta é uma alteração em que a rótula se encontra na sua posição quase
normal em relação à tróclea e é acompanhada de alterações anatómicas. A patela
baixa é um deslocamento inferior da rótula em relação àtróclea e está
habitualmente associada a síndromes pós-cirúrgicos, alterações neurológicas ou
síndromes póstraumáticos[4].
Na luxação, o deslocamento externo é bastante mais frequente do que o interno,
que quando ocorre é tipicamente de natureza iatrogénica. A área de contacto da
rótula com a superfície articular femoral não excede 1/3, nunca atinge a tíbia
e o contacto é mais acentuado na flexão a 45º[1]. Para esta situação concorrem
alterações na bolsa de Hoffa, síndrome de Osgood Shlatter, síndrome de Sinding
Larsen Johanson e alterações aos valores normais do ângulo Q (até 10º para os
homens e até 15º para as mulheres) [12] e rótula em posição alta.
Alterações das inserções dos músculos vasto interno, médio, quadricípite,
tendão rotuliano, retinaculum e ligamento femoro-patelar, bem como joelho vago
ou recurvatum são outros fatores que podem contribuir para a instabilidade da
rótula. A laxidão ligamentar associada às síndromes de Ehlers-Danlos ou Marfan
são também fatores predisponentes[5]. Estudos efetuados com cadáveres revelam
que o ligamento femoro-patelar interno suporta 50 a 60% da força de resistência
estática interna necessária para provocar um deslocamento significativo da
rótula. Tem a forma de uma ampulheta e mede cerca de 13 cm[1, 5, 12].
A instabilidade femoro-patelar pode ser classificada como aguda ou crónica. A
aguda refere-se a um episódio traumático inicial no qual a rótula se desloca
lateralmente, enquanto a instabilidade crónica pressupõe deslocações
recorrentes. Integra um conjunto de síndromes que assumem diferentes
classificações de acordo com os diferentes autores. Neste estudo foi
considerada a classificação proposta por Insall[6].
A luxação primária consequente à instabilidade da rótula ocorre normalmente com
os movimentos bruscos de torção do joelho, durante os quais pode ocorrer a
rutura dos ligamentos estabilizadores e o contacto da rótula com o côndilo
femoral externo. A partir desta fase, com a perda de função dos ligamentos, a
luxação recidivante torna-se muito provável[5].
O quadro clínico típico é caracterizado por dor retropatelar mais
frequentemente do lado interno, exacerbada por certos movimentos associados à
flexão/extensão do membro e à duração de alternância destas posições (sinal do
cinema, cócoras ou subir e descer escadas)[6]. Quando ocorre luxação crónica
associada ao quadro de instabilidade, existe destruição progressiva da
cartilagem articular e erosão do ápex e da vertente interna do côndilo externo,
podendo ainda ocorrer a lesão típica em forma de lágrima no ligamento femoro-
patelar interno. Outros sintomas podem estar associados tais como crepitação,
bloqueios, ressaltos, e edemas peri-patelares. Quando a erosão condiliana
atinge proporções mais elevadas pode evoluir para osteoartroses da faceta
articular externa[5, 6].
A síndrome de pressão externa pode ocorrer a partir de um desalinhamento com
comprometimento do mecanismo femoro-patelar, porém, para muitos autores o
desalinhamento não é mais do que um incorreto posicionamento da rótula,
assumindo uma deficiente relação estática entre esta, as partes moles peri-
patelares e os eixos femorais e tibiais[2, 12].
As opções de tratamento conservador da Instabilidade da rótula, com luxação,
passam por um reforço muscular sobretudo dos músculos vastos interno e externo,
do reto anterior e do quadricípite. Podem ser adotadas as técnicas de
fisioterapia, utilização de fixadores, imobilizadores ou aplicação de
ortóteses. No caso de correção cirúrgica, as técnicas incluem o reforço da
porção interna da rótula, reconstrução vs. fixação do ligamento femoro-patelar,
trocleoplastia, medialização da tuberosidade anterior da tíbia ou remoção da
plica da cápsula interna[6, , 12].
As alterações femoro-patelares representam 20-40% de todas as patologias desta
articulação, são mais frequentes no género feminino e podem ser uma das queixas
mais comuns na população ativa, levando ao absentismo[3, 5].
Entre as alterações femoro-patelares a instabilidade é uma das mais frequentes
síndromes clínicas.
A compreensão desta problemática requer um bom conhecimento da anatomia e
biomecânica da articulação femoro-patelar uma consistente história clínica, um
exame físico completo e rigoroso, exames complementares de diagnóstico
conclusivos, bem como um conhecimento dos princípios e indicações de tratamento
[1].
EXAMES RADIOLÓGICOS
Os estudos de imagem por Radiologia Convencional (RC) apresentam limitações
pela fraca sensibilidade do método para as estruturas de tecidos moles. Ainda
assim, têm sido usados frequentemente o perfil do joelho ortostático com flexão
a 30º para determinação da altura da rótula ou em alternativa a determinação
dos índices de Insall & Salvati ou Canton-Déschamps utilizando a mesma
incidência[12]. A incidência em perfil estrito permite avaliar - segundo
Déjour - a geometria da tróclea, o sinal do cruzamento e a profundidade
do sulco.
Para avaliação das suas facetas e caracterização dos 6 tipos de configurações
das rótulas propostos por Winber e Baumgartl, este método torna-se insuficiente
por apresentar apenas uma representação biplanar da rótula.
A avaliação da rótula em projeção axial permite avaliar o ângulo de congruência
do sulco, a posição rotuliana relativa ao sulco, a altura da entrelinha
articular, alterações ósseas e a forma da rótula[12]. A sua abordagem pode
seguir a avaliação do método de Merchant ou o método proposto por Laurin,
considerados como os mais fiáveis, em alternativa à incidência axial. A
avaliação do ângulo de congruência de Merchant requer uma abordagem axial da
rótula em que o raio incidente (supero-inferior) é perpendicular à posição do
detetor e a perna faz um ângulo de 45º com a coxa. Para a realização desta
incidência é necessário um suporte complexo e não disponível no mercado. Muitos
Técnicos de Radiologia optam por efetuar a incidência em abordagem infero-
superior em que o paciente sustenta, a meio da coxa, o detetor com as próprias
mãos e com um grau de flexão de 45º (aproximadamente) da articulação do joelho.
A desvantagem desta técnica é que a posição do doente é instável, caso não seja
apoiada por um suporte adequado, e o detetor também fica numa posição instável
por ser fixado pelo próprio doente. Para além destas desvantagens acresce a
incidência do feixe principal de Rx (Radiação Ionizante) a qual se projeta na
direção do tronco do doente[6, 12, 13].
A determinação do valor TA-GT por Tomografia Computorizada (TC) para avaliação
do deslizamento rotuliano, para ser fiável deve, pelo menos, incluir 3
conjuntos de exposições a diferentes graus de flexão do joelho ou com
diferentes graus de contração do quadricípite. Surgiram algumas variantes do
método o qual se tornou banal a partir dos anos 80. Sendo que a instabilidade
femoro-patelar tem uma elevada incidência em indivíduos jovens a partir os 10-
15 anos de idade onde a probabilidade da divisão e crescimento celular é
considerável, alerta-se para o envolvimento de uma quantidade significativa de
radiações ionizantes com a aplicação desta técnica[1-5, 12].
Alguns autores consideram indispensável a avaliação métrica dos membros
inferiores em pangonograma ortostático com apoio bipedal para avaliação do
alinhamento femoro-tibial[6]. Como alternativa aos métodos e técnicas
anteriormente abordados surge a Ressonância Magnética (RM) como um método
fiável no diagnóstico e na identificação de fatores de risco para a
instabilidade patelar crónica e na avaliação de lesões articulares do joelho
associadas à luxação da patela, podendo assim, fornecer informações importantes
para o tratamento personalizado e de rigor desta patologia[5].
Uma abordagem da correlação entre a avaliação electromiográfica e as medidas
obtidas por RM revelou que os valores mais elevados da atividade elétrica do
reto anterior e o deslocamento lateral externo da rótula constituem indicadores
de instabilidade[7]. Outro estudo determinou o intervalo de comprimento do
tendão patelar em relação ao comprimento da patela, através da Ressonância
Magnética do Joelho, a fim de auxiliar no estabelecimento de critérios para o
diagnóstico de patela alta e baixa[4]. O estudo de Carrilon provou haver
reprodutibilidade na avaliação por RM da displasia troclear[8].
A RM, para além da determinação dos parâmetros da instabilidade da rótula tem
sido também considerada muito útil na avaliação da cartilagem articular femoro-
patelar e no estudo dinâmico para despiste das alterações femoro-patelares[5,
10].
Este estudo teve como objetivo especular a adequação da utilização do exame de
RM do joelho para a quantificação de medidas que sirvam de indicadores da
instabilidade femoro-patelar. Pensa-se ser possível calcular valores de
referência a partir das imagens obtidas num exame de RM que segue um protocolo
standard mesmo que a hipótese clínica a esclarecer, a qual justificou o exame,
apresente causa diferente.
METODOLOGIA
Tratou-se de um estudo exploratório e analítico com recolha retrospetiva de
dados.
Foram selecionados sequencialmente todos os exames (N=50) de RM de joelho do
sistema PACS (Picture Archiving and Communication System) realizados entre
dezembro de 2010 e fevereiro de 2011 numa clínica privada da região de saúde de
Lisboa e Vale do Tejo.
Tratou-se duma amostra não probabilística dirigida por tipicidade. Foram
observadas as condições éticodeontológicas tendo-se obtido a autorização do
responsável clínico da instituição ao abrigo do artigo 7º da Lei nº 67/98,
atendidas as orientações da Comissão Nacional de Proteção de Dados e dos
artigos 3º nº 1 e 4 da lei 12/2005.
Foram observados o anonimato identitário dos indivíduos e respeitados os
princípios da não discriminação, proporcionalidade e conservação da informação.
A referenciação clínica constante nas fichas dos doentes assumia diferentes
hipóteses de diagnóstico sendo que a grande maioria se referia a: sequelas
traumáticas, patologia inflamatória, meniscoligamentar e uma pequena
percentagem por algias ou alterações inespecíficas. Dos 50 casos apenas em 4
requisições eram referidas alterações do aparelho extensor ou lesões condrais.
Os exames foram obtidos num equipamento da marca Hitachi modelo ARIS ® Elite,
com um magneto permanente de campo aberto e 0,3 T de intensidade de campo
magnético.
A amplitude dos gradientes é de 21mT/m com um Slew rate de 55 Vμs. A abertura
anterior é de 210º panorâmicos com 2 pilares laterais para a sustentação da
componente superior do magneto. Em todos os exames foi usada uma bobina
dedicada, de deteção em volume com 17cm de diâmetro. Os pacientes ficaram
imobilizados e deitados em decúbito dorsal em orientação feet-first quanto ao
isocentro do magneto, a posição do membro inferior não teve qualquer rotação do
eixo tibial e ficou em extensão, o que não é indiferente uma vez que a rótula
se pode mover até cerca de 6 cm no sentido longitudinal ao longo da tróclea,
com a flexão do joelho.
As 200 imagens incluídas na amostra foram medidas por dois observadores com
experiência em exames de RM osteoarticular, em condições de independência. Cada
exame foi gravado num CD-ROM e para os procedimentos de medida foi usada a
aplicação Hitachi Dicom Viewer™. O tratamento dos dados foi feito com recurso à
aplicação SPSS®(Statistic Package for Social Sciences) - versão 15.0 para
Windows. Todos os protocolos, depois de efetuada a sequência localizadora,
incluíram as seguintes sequências de pulso, ponderações e orientações
espaciais: DP SAG (Densidade Protónica Sagital); DP COR (Densidade Protónica
Coronal) com saturação de gordura, STIR COR (Short Taw Inversion Recovery), DP
SAG com cortes de 1,5mm dirigido aos ligamentos cruzados, T2 SAG, WFS T2* SAG
(Water Fat Separation T2* Sagital) e WFS T2* TRS (Water Fat Separation T2*
Transversal). Apenas nos doentes com referência a lesões condrais se aplicou
uma sequência 3D com cortes de 0,5mm para apreciação pormenorizada da
cartilagem e ligamentos rotulianos. Para efetuar os procedimentos de medida
utilizaram-se as imagens das sequências WFS T2*TRS (plano axial) e DP SAG
(orientação sagital), com os parâmetros de aquisição apresentados nas tabelas 1
e 2 respetivamente.
A escolha das duas sequências deveu-se ao facto de nas imagens obtidas em DP
SAG ser evidenciado o tendão rotuliano e a rótula em perfil. As imagens obtidas
em WFS T2* foram escolhidas por permitirem o estudo do sulco troclear, o
deslocamento e a inclinação da rótula.
A técnica WFS T2* é uma sequência em Gradiente Eco que obtém as imagens da água
e da gordura em diferentes frequências de ressonância visto que a magnetização
transversal da água decai mais rapidamente que a da gordura. Nesta sequência
existe um TE (tempo de eco) efetivo e um segundo valor de TE. Há portanto, duas
recolhas de sinal, uma no tempo em que os protões da água e da gordura se
encontram em fase e outra no segundo tempo, separado do primeiro de 3,4 ppm,
estando os protões da água e da gordura desfasados. As imagens resultantes,
após processadas estão no mesmo plano espacial, uma com realce das estruturas
líquidas e cartilagíneas e outra com realce da gordura e tecidos. Desta
sequência foram selecionadas, para as medidas necessárias, as imagens com
realce da água e apagamento da gordura[14].
De acordo com a classificação da escola Lyonnaises são quatro os principais
fatores para determinar a instabilidade patelar:
a) displasia troclear,
b) valor do índice TA-TG,
c) ângulo de inclinação da rótula
d) posição da rótula[10].
Neste estudo foram obtidos os valores do Índice Insall-Salvatti para avaliação
da posição da rótula (Figura_1), ângulo do sulco troclear para avaliar a
displasia troclear (Figura_2), o deslocamento da rótula (Figura_3) e o ângulo
de inclinação da rótula (Figura_4). Para os procedimentos de medida foi seguido
o método usado por Ribeiro A. et al [7].
Quadro_I
Quadro_II
RESULTADOS
Foram incluídos e analisados todos os casos (N=50) e feitas medições em 200
imagens. A normalidade da distribuição dos sujeitos foi calculada pelo teste de
ajustamento K-S com correção de lilliefors tendo-se aceitado a hipótese da
normalidade da amostra. Os resultados descritivos da amostra foram obtidos a
partir da média de valores medidos pelos dois observadores em condições de
independência. A média de idades foi 43,6 anos com um mínimo de 15 e um máximo
de 79 anos e um desvio padrão de ±16,28. O comprimento médio da rótula foi de
43,52 mm e o comprimento do tendão rotuliano 43,98 mm. O desvio padrão foi
±4,54 e ±5,47mm respetivamente.
O Índice Insall & Salvati variou entre 0,75 e 1,38 cm com uma média de 1,02
cm e um desvio padrão de ±0,13789. Este indicador em 49 casos apresentou
valores ≤ a 1,3 cm considerados dentro da normalidade. O ângulo de inclinação
rotuliano teve uma variação entre o valor máximo e mínimo de 20,4º e o seu
valor médio foi 9,74º. Apresentou valores inferiores a 11º para 33 casos (66%)
e 17 casos com valores ≥ a 11º (34%). O ângulo do sulco da tróclea obteve
também uma variação considerável (33,3º) e um valor médio de 146,6º.
Apresentou, para 38 casos (73%), valores ≤ a 150º e para os restantes 24%
valores superiores a 150º.
Para o indicador deslocamento externo da rótula, verificou-se que em 39% dos
casos a distância assumiu valores negativos (deslocamento externo) acima de -
20mm.
Os valores de cut off considerados foram descritos por Diederichs G. et al em
2010.
DISCUSSÃO
Foram avaliados 4 indicadores de medida para a instabilidade da rótula sendo
que 3 deles pertencem aos 4 parâmetros sugeridos por Berruto M. et al em 2010,
nomeadamente ângulo de inclinação da rótula, ângulo do sulco troclear e posição
da rótula pelo índice de Insall & Salvati (ISI) [10]. O quarto indicador
sugerido por este autor, o valor do TA-GT não foi calculado pela necessidade de
sobrepor duas imagens em planos diferentes e haver limitações quanto à
aplicação Dicom Viewer utilizada.
Adotando a referência de Diederichs G. et al [5], dos valores obtidos para o
índice ISI, (±2SD) verificou-se que, com uma sensibilidade de 78% e uma
especificidade de 68%, em 49 dos casos os valores obtidos sugeriram ser normais
para a posição da rótula (≤1,3 mm). Outros estudos consideram valores de
referência diferentes nomeadamente Shabsshin N. et al [4]. Para estes autores a
rótula estará em posição alta com um ISI acima de 1,5 mm e baixa, abaixo de
0,74 mm. Existem diferentes valores propostos por outros autores para a
determinação de rótula alta/baixa [6, 11]. Evidencia-se, no entanto, que os
valores são determinados por diferentes métodos como por exemplo o de Canton-
Déchamps ou, mesmo que sejam pelo ISI, os valores são obtidos por Radiografia
Convencional podendo sofrer variações devido ao método de aquisição de imagem
por RM, utilizado neste estudo, ter uma maior precisão. Para além disso, existe
alguma controvérsia sobre a influência da posição do joelho sobre o ISI quando
este é calculado num radiograma (flexão do joelho a 30º) ou por RM (membro
inferior em extensão)[4, 15].
Para os valores do ângulo de inclinação externa da rótula, para uma
sensibilidade de 93% e especificidade de 87%, os valores obtidos neste estudo
indicam haver fatores predisponentes para a displasia troclear em 17 dos 50
casos com ângulos abertos para o lado interno e inclinação superior a 11º. Nas
medições por TC estes valores são muito díspares. Gamela J. padronizou o valor
de 20,8º com o joelho em extensão como sendo o valor normal[5, 6, 10].
Alguns autores fazem, contudo, referência ao facto de, caso se utilize o método
de Laurin o doente deve fazer uma flexão de 20º[6], o que na RM não acontece
devido ao quadricípite estar relaxado. Existe controvérsia quanto à fiabilidade
deste critério havendo mesmo a assunção de que um moderado ângulo de inclinação
da rótula pode ser normal com a flexão do joelho ou na presença de edema da
bolsa de Hoffa[7]. Havendo presença de edema intra-articular notar-se-á um
aumento da entrelinha femoro-patelar que em condições normais varia entre 6 e 7
mm[1, 5].
O ângulo do sulco troclear apresentou-se displásico em 24% da amostra com
valores superiores a 150º indicando aplanamento da superfície articular do
joelho em projeções axiais. Note-se, porém, que este valor foi transposto da TC
e que para alguns autores este método não é reprodutível para além de
subestimar o valor do ângulo[5, ].
Os valores obtidos para o deslocamento externo da rótula relativamente à
tróclea mostraram que em 39% dos casos a distância assumiu valores negativos
superiores a -2,0 cm (deslocamento externo). Em 6% dos casos os valores do
deslocamento da rótula foi próximo de zero [-1,02cm; 0,31cm] e apenas em 5% os
valores foram positivos entre [1,003cm; 2,1cm] indicando desvio da rótula no
sentido interno. Este indicador está relacionado com o ângulo de inclinação da
rótula e com as diferenças no comprimento das vertentes da tróclea. Verificou-
se, neste estudo, que num grupo de doentes referidos para RM para despiste de
causas associadas a patologia maioritariamente articular, que não instabilidade
femoro-patelar, se encontraram 12 casos com 2 critérios sugestivos de
instabilidade da rótula. Pensamos que estes resultados poderiam ter maior
fiabilidade se na amostra o número de casos em género fosse equilibrado visto
esta patologia ser mais frequente no género feminino. Na amostra o número de
homens foi 41 e de mulheres 19.
Os valores obtidos são consonantes com outros estudos realizados para a
determinação dos valores do parâmetros de instabilidade por RM [1, 4, 5, 8,
10].
Constata-se que os valores de referência previamente propostos para os
indicadores de instabilidade da rótula se baseiam nos incidentes ósseos
anatómicos, calculados através das imagens de RC ou TC, os quais foram
transpostos diretamente para a RM[5]. Pensa-se que, devido a este último método
ser mais sensível e especifico para estruturas ligamentares, tendinosas e
representação tridimensional, é necessário desenvolver novos estudos para um
ajuste/determinação de novos valores de referência adaptados à RM.
Reconhece-se como grande limitação da RM para estudo da articulação do joelho o
facto de não permitir efetuar estudos em carga.
Verificou-se que todos os indicadores podem ser calculados por RM com uma maior
precisão por haver, com as sequências de supressão da gordura uma clara
visualização da cartilagem articular e das referências anatómicas musculo-
tendinosas[4, 10]. A RM é um método fiável e reprodutível [8] embora tenha
vindo, até agora, a ser utilizada para outros fins, mais do que para a
determinação dos parâmetros da instabilidade fémoro-patelar [10] por ser
considerado por alguns autores um método menos acessível e mais dispendioso[6].
Há ainda a considerar outras vantagens da RM tal como a ausência de radiação
ionizante, proporcionar informação óssea e cartilagínea, avaliar a articulação
do joelho em extensão tal como na TC, fornecer, com elevada sensibilidade e
especificidade, informação acerca das estruturas tecidulares para a deteção de
lesões associadas e ter a possibilidade de apresentar estudos dinâmicos nos
equipamentos de campo aberto[10]. Esta última particularidad e permite, à
posteriori, um processamento em 3D ao qual se associa animação com a função
cine para melhor apreciação da biomecânica da articulação[1, 6, 10].
Como limitações do estudo considerámos não terem sido avaliados os restantes
indicadores tais como o ângulo de congruência ou os diferentes tipos de rótula,
o facto de não ter sido possível efetuar uma correlação com a clínica, visto o
estudo ser retrospetivo e os doentes terem sido referidos por hipóteses de
diagnóstico que não instabilidade femoro-patelar e a amostra ter sido
predominantemente masculina.
CONCLUSÃO
Tal como estudos anteriormente efetuados concluímos que a RM pela sua
sensibilidade e especificidade para a patologia articular e referências
anatómicas é um método fiável para avaliar os indicadores de instabilidade da
rótula. Neste estudo em que, de 50 doentes, apenas 4 referiam patologia que
indiciava instabilidade femoral, foram encontrados 12 doentes que incluíam,
pelo menos, 2 critérios positivos para essa alteração. Se a amostra fosse
aleatorizada os valores poderiam ser superiores. Tendo a patologia femoro-
patelar uma incidência de 20- 40% pensamos que a RM poderá constituir um método
de rastreio nos pacientes com fatores de risco conhecidos para esta síndrome.
Para tal, sugere-se o desenvolvimento de critérios metodológicos, standards e
orientações para esta síndrome, por Ressonância Magnética, sobretudo dirigidos
aos equipamentos de campo aberto ou cilíndricos por serem os que têm maior
versatilidade e permitirem exames a um menor custo.
Os valores de referência utilizados para determinação da instabilidade femoro-
patelar não poderão ser os utilizados na RM ou na TC.
Adequado às vantagens da RM nesta patologia, de acordo com o objetivo proposto,
pensa-se ser possível desenvolver um algoritmo baseado no cálculo de valores de
referência a ser aplicado no despiste de instabilidade da rótula sempre que é
solicitado um exame de RM do joelho e mesmo que a referenciação clínica admita
diferente causa.
Este procedimento não implicará acréscimo de custos visto serem utilizadas as
sequências standard para estudo do joelho por RM, não sendo necessário obter
mais sequências por exame.