Fixação posterior C1-2 com parafusos translaminares para os odontoideum com
instabilidade atlanto-axial
INTRODUÇÃO
O os odontoideum é uma estrutura óssea individualizada com margens arredondadas
de osso cortical cuja dimensão aproximada é a metade da apófise odontoide.
A sua etiologia como processo idiopático ou pós-traumático é ainda tema de
debate [1]. Casos de prevalência familiar apontam para uma natureza congénita;
em doentes com patologia óssea de base, como hipoplasia cervical, a
hiperlaxidez ligamentar predispõe à origem traumática do os odontoideum [2,3].
A apófise odontoide inicia o seu processo de calcificação entre o primeiro e
quinto mês de via intra - uterina tendo no seu ápex um centro de
ossificação secundário - o ossiculum terminale[1].
Esta estrutura mantem- se aproximadamente constante até ao terceiro / sexto ano
de vida sendo que a partir dessa idade desenvolve- se progressivamente acabando
por se integrar no corpo da apófise odontoide aproximadamente aos doze anos.
De acordo com a sua localização os odontoideum tem sido classificado em dois
tipos anatómicos: ortópico se apresenta mobilidade associada ao arco anterior
do atlas isto é na sua posicação anatómica ou distópico no caso da sua
localização ser adjacente à goteira basilar[2]. Em casos de os odontoideum
congénito distópico admitem - se duas possibilidades: primeira um anormal
desenvolvimento dos ligamentos alares com consequente tração sobre centro de
ossificação para a proximidade goteira basilar; segunda o os ondontoideum ter
origem num esclerótomo occipital e não em esclerotomos cervicais, como acontece
num desenvolvimento normal, manifestando - se assim como um elemento
ósseo acessório[2]. O os odontoideum pode condicionar uma instabilidade
atlanto-axial. Dependendo do grau de severidade tem como apresentação mais
usual: dor cervical, limitação do arco de movimento cervical, omalgias e
parestesias irradiadas aos membros superiores. Em casos severos pode
condicionar compressão medular grave com aparecimento de tetrapasésia ou morte
[4]. Não está descrito nenhum método conservador eficaz para a estabilização da
articulação atlanto-axial, assim doentes com os odontoideum com dor,
instabilidade C1-C2 ou deficits neurológicos devem submeter -se a redução
cirúrgica e estabilização posterior [5]. Várias técnicas de fixação posterior e
instrumentação a nível C1-C2 têm sido descritas na literatura. Desde Gallie que
descreveu a artrodese atlanto-axial utilizando uma cerclage posterior
associada a enxerto ósseo autólogo, vários autores registaram alterações neste
procedimento utilizando técnicas de aramagem ou clamps interlaminares [6]. Mais
recentemente a fixação aparafusada com parafusos trans-articulares C1-C2 ou C1
massas laterais - C2 fixação pedicular têm sido utilizadas na
estabilização da articulação atlanto-axial. Estes procedimentos conferem uma
maior rigidez do que a aramagem sublaminar[5]. No presente estudo foi testada a
técnica de fixação C1 - C2 originalmente descrita por Leonard and Wright
em 2004, através da utilização de parafusos polaxiais cruzados às laminas de C2
e paralelos às massas laterais de C1 à qual estão atribuidas vantagens
significativas sobre as técnicas prévias no que refere à fixação atlanto-axial.
MATERIAL E MÉTODOS
O instrumental utilizado foi constituído por 4 parafusos poli -axiais rosca
total autotradantes com angulação até 45o : C1 - 2 parafusos 35 x 22 mm; C2 - 2
parafusos 4.0 x 30 mm sendo o nível C1-C2 estabilizado bilateralmente por duas
barras longitudinais (Posterior fixation system Vertex Max - Medtronic,
USA).
Técnica cirúrgica
O procedimento requere a colocação do paciente em decúbito ventral após a
indução anestésica sendo a cabeça apoiada em suporte de Mayfield para manter a
posição neutra.
Foi utilizada uma via de abordagem mediana posterior desde a extremidade
inferior occipital ao nível do foramen magnum até à porção superior da apófise
espinhosa de C3.
Procedeu - se à exposição do arco posterior de C1 até à sua união às
massas laterais. Posteriormente foram expostas a apófise espinhosa de C2 bem
como as respectivas laminas e face medial das massas laterais a esse nível.
Para colocação dos parafusos em C1 inicialmente foi necessária a retração do
gânglio C2 para melhor exposição da união do arco posterior com o bordo
postero-interno das massas laterais. A direção utilizada foi em sentido
ligeiramente convergente para o centro das massas laterais[7].
O passo seguinte consistiu em abrir uma janela óssea na junção espinolaminar de
C2. Realizou-se um canal intralaminar de 30mm. Após verificação da integridade
cortical do canal colocou.se um parafuso multi-axial 4.0 x 30 mm. A mesma
técnica foi utilizada para a lamina contralateral.
Após colocação dos quatro parafusos multiaxiais as superfícies laminares nos
dois níveis foram descorticadas e colocado enxerto ósseo.
Os parafusos das massas laterais de C1 foram conectados aos parafusos laminares
de C2 através de 2 barras posteriores.
CASO CLÍNICO
Paciente sexo feminino de 63 anos com história arrastada de radiculopatia
bilateral intermitente irradiada aos membros superiores associada a dor
cervical posterior. Clínica agravada pelos esforços infringidos aos membros
superiores associada aos movimentos cervicais bruscos. Sem antecedentes
traumáticos conhecidos.
Referiu agravamento da sintomatologia nos dois anos prévios à cirurgia.
Estudo imagiológico inicial incluiu a radiologia convencional (Figura_1) e a
tomografia computorizada (Figura_2) que revelaram a instabilidade C1-C2 e o os
odontoideum.
Figura_1
A Ressonância Magnética confirmou a existência do os odontoideum com
mielomalácia pelo nível (Figura_3).
Figura_3
O exame físico não demonstrou a presença de alterações sensitivas ou motoras
com exceção das parestesias dos membros superiores. Os reflexos osteotendinosos
estavam preservados bilateralmente.
A paciente foi operada por uma via de abordagem posterior com fixação segmentar
C1 - C2 através de parafusos poli - axiais, translaminares em C2,
associados a barras laterais.
RESULTADOS
O procedimento cirúrgico decorreu sem intercorrências técnicas e não houve
complicações neuro-vasculares. No pós-operatório imediato as queixas álgicas
cervicais melhoraram e resolveram por completo em aproximadamente três meses.
Aos seis meses de pós-operatório existia evidência imagiológica de fusão óssea
consolidada (Figura_4).O recuo máximo obtido atingiu os 20 meses sem
desenvolvimento de falência de material ou instabilidade.
Figura_4
DISCUSSÃO
As técnicas de fixação aparafusada da coluna cervical posterior tendencialmente
atingem níveis de fusão mais elevados que os métodos de aramagem posterior e
não necessitam de imobilização externa rígida [7].
Em 1992, Jeanneret e Magerl descreveram a técnica de fixação aparafusada trans
articular para fixação de fracturas da apófise odontoide com instabilidade
atlanto-axial. Esta técnica imobiliza totalmente o movimento rotacional da
articulação atlanto-axial. Tem uma longa curva aprendizagem por possibilidade
de lesão artéria vertebral, nervo hipoglosso e a medula espinhal [8].Fatores
tais como a obesidade e variações anatómicas da artéria vertebral que podem
atingir valores de 20 % muitas vezes impossibilitam a sua utilização.
A fixação ao nível do pars interarticularis é técnicamente semelhante à fixação
trans articular com um trajecto através do istmo embora com parafusos de
tamanho inferior. Nesta técnica existe igualmente possibilidade de lesar a
artéria vertebral.
Em 1994, Goel e Laheri descreveram a instrumentação C1-C2 utilizando fixação
aparafusada às massas laterais de C1 e fixação aos pedículos de C2
estabilizados por uma placa. Em 2001, Harms e Melcher modificaram a técnica
através da uilização de parafusos poliaxiais associados a barras laterais [8].
A análise biomecânica desta estrutura revelou ser a mais robusta no que refere
ao momento de torção de inserção assim como à resistência à força de extracção
quando comparada com os parafusos trans laminares ou os parafusos à pars
interarticulares.
Em 2004, Wright descreveu a colocação de parafusos às massas laterais de C1 e
trans laminares cruzados em C2 como procedimento de estabilização do complexo
C1-C2 minimizando o risco de lesão das artérias vertebrais[8].
A sua utilização tem se vindo a generalizar por menor risco de lesão vascular e
por ser técnicamente menos exigente quando comparada com a colocação de
parafusos pediculares ou trans articulares.
A sua indicação é reforçada em pacientes com oclusão da artéria vertebral
unilateral.
A fixação translaminar quando comparada com a fixação pedicular, admitindo uma
exatidão inicial da introdução dos parafusos laminares ou pediculares sem
portanto violação das respectivas corticais, está associada a médio prazo a
resultados imagiológicos melhores na fixação trans laminar (1, 3 % de violoação
canal vertebral ) relativamente aos resultados obtidos através da fixação
pedicular ( 7 % violação canal vertebral)[9].
A taxa de fusão atingida com a fixação trans laminar é tendencionalmente
completa aos 19 meses de pós operatório (97,6%)[ 9].Em termos comparativos
biomecânicos os parafusos intra laminares permitem a mais ampla rotação axial,
desde que integros os ligamentos antlanto axiais relativamente às técnicas de
fixação trans articulares e intra pediculares. No referente à estabilidade
quando testada através da inclinção cervical lateral a fixação pedicular
garante maiores níveis de redução em segmentos C1-C2 instáveis [10].No caso
clínico em estudo comprovou-se uma melhoria objectiva do arco rotacional
atlanto-axial associado a uma diminuição das cervicalgias.
O resultado apresentado vem confirmar a literatura no que respeita à utilização
de parafusos translaminares como uma técnica de baixo risco cirúrgico sendo o
único procedimento em que extensão total dos parafusos de C2 se encontram
dentro do campo operatório e na qual se obtêm elevadas taxas de fusão C1-C2
como demonstrado em tomografias computorizadas de follow up pós-cirúrgicas[8].
CONCLUSÃO
A seleção do método cirúrgico para a estabilização C1-C2 requer a ponderação de
vários factores tais como: dimensões anatómicas, características biomecânicas,
complexidade da técnica e risco de lesão das estruturas neurovasculares.
A instrumentação aparafusada trans laminar é um método anatómicamente execuível
na maioria dos pacientes com os odontoideum distópico sendo contudo sempre
necessária a avaliação laminar pré-operatória através de tomografia
computorizada.
Na análise biomecânica os parafusos trans pediculares são o procedimnto mais
robusto em termos de falência de material mas esta técnica terá sempre de ser
comparada com as vantagens dos parafusos translaminares das quais se destacam:
facilidade técnica, um arco de movimento axial pós-operatório amplo, baixo
risco de lesões neuro-vasculares e taxas de fusão óssea da ordem dos 97 %[9].