Doença de Scheuermann: Fixação transpedicular e osteotomias apicais no
tratamento exclusivo por via posterior
INTRODUÇÃO
Na adolescência a maioria das situações de hipercifose - cifose superior a 40º/
45º - são fisiológicas e corrigem com a hiperextensão do tronco. A Doença de
Scheuermann apresenta uma prevalência estimada 0,4 a 10 %. Devemos só incluir
na doença as hipercifoses com presença dos critérios de Sorensen - um
acunhamento superior a 5º de 3 vértebras consecutivas, irregularidades das
plataformas vertebrais, presença de nódulos de Schmorl´s. Durante a fase de
crescimento apresenta uma boa resposta ao tratamento conservador[1,2]. No
entanto quando existe progressão ou dor na presença de um tratamento correto ou
quando lidamos com uma deformidade cifótica maior 70º num adolescente com
maturidade esquelética é necessário intervir cirurgicamente para obter um bom
equilíbrio sagital[3,4].
Os doentes com maior deformidade no início do tratamento conservador com
ortótese, têm maior tendência a perda da correção obtida após suspender o uso
de colete. Os doentes com deformidades marcadas não são os candidatos ideais
para o tratamento conservador, contrapondo com aqueles que têm deformidades
menos acentuadas e que apresentam uma boa resposta ao tratamento[2].
MATERIAL E MÉTODOS
Doentes com doença de Scheuermann portadores de uma das seguintes indicações:
cifose maior que 70º; agravamento da cifose apesar da adesão ao tratamento
conservador; dor refratária; deformidade marcada.
Submetidos a tratamento cirúrgico por via posterior isolada entre o período de
1 Janeiro de 2004 e 30 Junho de 2010.
Cirurgia por via posterior isolado com instrumentação transpedicular, segundo a
técnica de mãos livres e com realização de osteotomias peri-apicais tipo Smith
Petersen (3 a 5 níveis). A cirurgia decorre com recurso a fluoroscopia, para
marcação de nível e sempre que necessário para confirmação do posicionamento
dos implantes, sendo a extensão da instrumentação de D3 à 1ª vértebra
dorsolombar lordótica com abertura anterior do espaço suprajacente. Colocação
de dois cross links - proximal e distal - e uso de enxerto autólogo colhido dos
elementos posteriores. Profilaxia antibioterapia com Cefazolina.
Todos os doentes foram submetidos a avaliação imagiológica simples em chassis
longo da coluna vertebral F + P com medição da cifose (T2 - T12; T5
- T12, T10 - L2), lordose lombar (T12 - S1), equilíbrio
sagital (C7 - S1), vértebra sagital estável (primeira vértebra lombar ou
dorsolombar intersectada pela linha vertical posterior sagrada), primeiro disco
lordótico (primeiro disco dorsolombar ou lombar com abertura anterior maior que
5º), translação lateral apical cifose (distância horizontal da vértebra apical
da cifose para a linha vertical paralela ao canto póstero superior do sacro) no
pré operatório, no pós-operatório após 4 semanas e aos 12 meses (Figura_1). TAC
para avaliação complementar quando justificado[5].
RESULTADOS
Amostra de catorze doentes, com média de idades de 17 anos (15 - 18), e
predomínio do sexo masculino, 8 casos. Deformidades Tipo I Scheuermann 12
casos. Risser 4 em 11 casos e Risser 3 em 3 casos. (Quadro_I)
Quadro_I
A média pré-operatória da cifose (ângulo de Cobb T2 - T12) foi de 84,15º
(74,5 - 96,5º) a de T5 - T10 foi de 76,7º (64,7 - 84º), T10
- L2 de 16,8º (2,8 - 35º). A média pré operatória de lordose
(ângulo de Cobb T12 - S1) foi de 65,2º (30 - 83º). O equilíbrio
sagital pré operatoriamente é negativo em 10 doentes e a distância ápice da
curva à linha vertical paralela ao canto posterosuperior de S1 apresentou
valores médios de 92,4 mm (Quadro_II).
Quadro_II
Média pós operatória às 4 semanas (ângulo de Cobb T2 - T12) de 55,75º (49
- 60º) de T5 - T10 de 42,9 (26 - 56º), T10 - L2 de 10,9
(4 - 31º) e a de lordose (ângulo de Cobb T12 - S1 ) 52,9º (30
- 74º). O equilíbrio sagital pós-operatório é negativo em 13 doentes e a
distância ápice curva à linha vertical paralela ao canto posterosuperior de S1
apresenta valores médios de 56,2 mm (Quadro_III).
Quadro_III
Média pós operatória da cifose aos 12 meses T2 - T12 foi de 59,4º (50
- 78º) de T5 - T12 44,6º (26,9 - 61º) T10 - L2 10,8º (2
- 33º). Média pós operatória de lordose T12 - S1 55,75º (29 -
76,5º). A distância ápice curva à linha vertical paralela ao canto
posterosuperior de S1 apresenta valores médios pós operatórios de 58,4 mm
(Quadro_IV).
Quadro_IV
Em termos de complicações registo para um caso de cifose juncional proximal, um
de cifose juncional distal, um seroma.
DISCUSSÃO
Durante anos - e de acordo com os princípios biomecânicos - o tratamento
cirúrgico da hipercifose englobava o alongamento da coluna anterior, com
libertação do ligamento vertebral comum anterior e colocação de enxerto
intersomático, providenciando algum suporte à coluna anterior, com encurtamento
da coluna posterior. A utilidade da abordagem anterior foi colocada em questão
com os resultados obtidos através do uso exclusivo da via posterior com os
novos sistemas de fixação[3].
Lee SS publicou, em 2006, os resultados de dois subgrupos de doentes, um
submetido exclusivamente a instrumentação por via posterior e outro submetido a
fusão anterior e posterior. As perdas hemáticas e o tempo cirúrgico foram
menores no subgrupo da via posterior exclusiva. A percentagem de correção foi
bastante superior no subgrupo da via posterior isolada, atingindo valores de
54,2 % no imediato e de 51,8 % aos dois anos, comparados com, no subgrupo da
fusão dupla, os 41,2 % imediatos e 38, % aos 2 anos[4].
Os autores apresentam uma séria de doentes com uma percentagem de correção de
33,8% com melhoria dos valores médios de cifose (T2 - T 12) de 84º para
55,75º. Vários outros autores apresentam resultados com subgrupos onde incluem
doentes tratados exclusivamente com instrumentação transpedicular, com
resultados superiores em percentagem de correção, com casuísticas maiores
[6].Quer a eficácia quer o potencial de complicação da dupla abordagem está bem
documentado na literatura. Desde hemotórax, pneumotorax, derrame pleural,
infeção ferida operatória e paraplegia, todos estão documentados com a via
anterior. A função pulmonar é afetada negativamente até aos dois anos após a
abordagem anterior. Assim a necessidade da libertação anterior periapical, como
forma de minimizar a perda de correção, tem vindo a ser colocada de parte no
tratamento das deformidades, e cada vez mais, dado a implementação dos sistemas
de fixação de última geração[3]. A análise dos casos inicias descritos por
Bradford de perda de correção nos doentes submetidos a tempo posteriores
isolados, permite analisar três aspetos que contribuem para a perda: uso de
barras com menor resistência, a fratura das barras e a luxação de ganchos
laminares lombares. Estes factores foram ultrapassados com o recurso a barras
de maior diâmetro e à instrumentação pedicular[3,7].
Ao encurtar a coluna posterior com as osteotomias, com resseção das facetas e
das lâminas na região apical, o ápice da deformidade é deslocado anteriormente
à medida que a coluna posterior é encurtada, corrigindo a hipercifose sem
desestabilizar a coluna anterior. Se, realizando este gesto, os discos não são
lesados, não há necessidade de prevenir qualquer colapso discal futuro que pode
ocorrer com o alongamento indirecto da coluna anterior[3].
O equilíbrio sagital medido pela plumbline evidencia um desvio posterior para
trás do sacro na maioria dos doentes. De facto a análise de várias séries de
doentes vem identificar casos de doentes com cifose juncional próximal, que se
encontram equilibrados, dado a presença de um equilíbrio sagital negativo.
Deve-se portanto obter uma correção da cifose dentro dos limites fisiológicos
dos 40º e evitar ao máximo a hipercorreção. Também descrito e consensual é a
correção da hiperlordose compensatória destes doentes após a correção da
hipercifose. De facto após obtenção da correção da hipercifose os segmentos
lombares mais proximais compensam e dá-se a diminuição da hiperlordose,
concordante com o apresentado pela nossa amostra com diminuição dos valores de
hiperlordose de 65,2º para 52,9 e posteriormente aos 12 meses para 55,75º [8-
10].
Na nossa casuística apresentamos 3 complicações o que traduzem uma taxa de
complicações de 21,4 %. A Scoliosis Research Society, em 2010, na Spine,
apresenta as complicações encontradas numa série de 683 procedimentos no
tratamento da hipercifose. A taxa de complicações é maior no adulto do que no
adolescente e atingiu valores de 14,8 %. A mais frequente foi a infeção da
ferida operatória, não encontrada nos casos por nós operados, apesar da
necessidade da drenagem de um seroma subcutâneo com desbridamento, sutura e
colocação de dreno [11].
A cifose juncional proximal, entendida como a existência de uma angulação em
cifose maior que 10º num segmento cefálico ao último nível de fusão, ocorreu em
um doente. Recomenda-se, para evitar tal complicação, que a correção atinja no
máximo 40º de cifose e que inclua todas as vértebras com acunhamento maior que
5º, mesmo que a mesma seja cefálica ao calculado como vértebra proximal mais
estável. Lowe recomenda que se evite uma correção superior a 50 % da
deformidade quer para evitar complicações neurológicas quer o aparecimento do
síndrome juncional[12,13].
No caso em que se deu o aparecimento da cifose juncional distal, a progressão
com perda de correção obtida originalmente, deveu-se à perda de fixação distal.
A análise mostrou que a instrumentação terminou num nível proximal à primeira
vértebra lordótica o que provocou um aumento das forças de stress na
extremidade distal da instrumentação. Num artigo de revisão com 78 doentes a
percentagem de doentes com cifose juncional distal atingiu os 5,1 %. Lonner
aconselha a não terminar a instrumentação antes da primeira vértebra lordótica.
O conceito da vértebra sagital estável deve ser sempre aplicado, isto é,
devemos terminar a instrumentação distalmente na vértebra que é intersectada
(bisectriz) pela linha sagrada posterior, ou então na vértebra proximal a esta,
quando o disco suprajacente tem uma abertura lordótica e nunca, quando se
comporta como neutro ou ci fótico[8].
Na nossa casuística não se verifica qualquer caso de lesão neurológica. No
entanto é de realçar que a taxa de complicação neurológica geral cifra-se em
torno dos 1,9 %. Em geral contribui a hipoperfusão medular resultante da
correção da cifose e pode ser tratada com o aumento da pressão arterial ou
diminuição da percentagem da correção. Não nos devemos esquecer da
possibilidade de ocorrência de uma hérnia discal dorsal no contexto das forças
que se aplicam com a realização da "manobra do guindaste" e que
podem levar à expulsão do núcleo pulposo para dentro do canal. Deve-se realizar
um estudo por Ressonância Magnética nos casos de hipercifose rapidamente
progressiva, apresentação atípica ou nos casos de presença de sintomas ou
sinais neurológicos. Estão descritos casos de lesão neurológica, incluindo
paraparésia, associados com estenose dorsal severa[14,15].
A perda típica de cerca de 5º de cifose ou menos confirma que, quando se obtém
uma correção para um intervalo cifose residual de 40º- 45º, não se torna
necessário proceder a abordagem anterior. Na nossa amostra e na revisão ao ano
evidenciou-se um agravamento de 3,5º de cifose, o que vem de acordo com o
descrito na literatura. Devemos, no entanto, ressalvar que numa cifose
estruturada, com curva de grande amplitude num indivíduo com maturidade
esquelética, a libertação anterior com fusão periapical é aconselhável para
permitir uma correção harmoniosa com instrumentação posterior[9,10,16].
CONCLUSÕES
A instrumentação transpedicular associada com as osteotomias periapicais
permite obter a mesma correção que se obtém nas situações em que se procede à
via anterior, sem as complicações inerentes à via anterior. A seleção
apropriada dos níveis de fusão, evitando a lesão dos elementos vertebrais de
tensão no segmento proxímal e uma correção excessiva, ajuda a prevenir o
aparecimento das complicações referidas.