Luxação volar do trapezóide
INTRODUÇÃO
As luxações do trapezoide, nomeadamente as luxações volares, são lesões
extremamente raras[1] e, como a grande maioria das luxações do carpo, resultam
de traumatismos de grande energia[2].
Os autores descrevem o caso clínico de um doente com luxação volar do
trapezoide, associada a fratura-luxação trapézio-metacarpiana, fratura do
unciforme e fratura do grande osso.
CASO CLÍNICO
Um homem, dextro, de vinte e cinco anos, previamente saudável e mecânico, é
transferido para a nossa unidade hospitalar no contexto de politraumatismo após
acidente em veículo de duas rodas.
Na observação inicial, na sala de emergência, apresentava na mão direita edema
marcado e crepitação à palpação, não tendo sido possível fazer-se a pesquisa
sensitiva ou motora do membro superior por o doente se encontrar entubado e
sedado. Nas radiografias da mão efetuadas verificou-se um vazio no local
normalmente ocupado pelo trapezóide (Figura_1A) e, na incidência oblíqua, uma
luxação volar do trapezóide (Figura_1B). O Rx também permitiu diagnosticar uma
luxação trapézio-metacarpiana e levantar a suspeita de outras fraturas do
carpo.
Além das lesões descritas anteriormente o doente apresentava uma fratura
exposta (grau I de Gustillo-Anderson) dos ossos da perna, fratura do acetábulo
direito e fratura dos ossos do antebraço esquerdo.
Devido à instabilidade hemodinâmica do doente, o membro superior direito foi
imobilizado com uma tala antebraquio-palmar dorsal e a cirurgia ao carpo foi
diferida.
Foi pedida uma tomografia computorizada para melhor caracterizar as lesões do
carpo o que permitiu diagnosticar para além da luxação do trapezoide, luxação
da articulação carpo-metacarpiana do primeiro raio associada a fratura marginal
do corpo do trapézio, fratura do corpo do grande osso e fratura do corpo do
ganchoso (Figura_1C).
A cirurgia da mão direita foi diferida para os 10 dias pós-trauma aquando da
estabilização do doente. Para a redução da luxação trapézio-metacarpiana foi
feita uma abordagem dorsal longitudinal na base do primeiro metacarpo (Figura
2A), procedendo-se de seguida à sua fixação com fios de Kirschner. Uma
abordagem dorsal longitudinal na base do segundo metacarpo (figura_2B) permitiu
reduzir a luxação do trapezoide, com ajuda de tração longitudinal nos 2º e 3º
dedos e de um dissector que serviu de palanca, sendo posteriormente fixado com
2 fios de Kirschner. A osteossíntese das fraturas do ganchoso e grande osso foi
também levada a cabo através de uma incisão dorsal longitudinal no quarto
espaço interdigital (Figura_2C) e com recurso a parafusos de mini-fragmentos.
Figura_2
No pós-operatório imediato o doente foi imobilizado com uma tala antebraquio-
palmar dorsal. Nas consultas de seguimento não referiu qualquer défice
sensitivo da mão. Às cinco semanas de pós-operatório foi retirada a
imobilização e os fios de Kirschner, e o doente iniciou um plano de
reabilitação.
Aos 30 meses de seguimento, o doente apresentava uma boa mobilidade do punho
com 65º de flexão, 60º de extensão, 19º de desvio cubital e 20º de desvio
radial (Figura_3). Não tinha limitação da amplitude ou queixas álgicas à prono-
supinação ou com a execução do "dart-throwing motion", e a
oponência era completa. A radiografia não revelava sinais de osteonecrose do
trapezoide ou de qualquer outro osso do carpo (Figura_4).
Figura_3
DISCUSSÃO
Os relatos de luxações volares do trapezoide são raras na literatura científica
[2], porque as características anatómicas favorecem a luxação dorsal. De facto,
a forma em cunha do trapezoide[3] (a superfície dorsal tem cerca de duas vezes
o comprimento da superfície volar)[1], torna-o mais suscetível, embora também
raramente, à luxação dorsal. A raridade destas lesões advém da elevada
resistência das estruturas ligamentares que unem o trapezoide aos ossos que o
rodeiam[4, 5], e classicamente estão associadas a traumatismos de grande
energia em indivíduos jovens, com outras lesões associadas[2, 4, 6, 7]. O
mecanismo que leva à lesão não é conhecido[8].
O diagnóstico de um trapezoide luxado exige uma observação cuidada dos exames
radiográficos. No caso que se descreve, embora fosse possível identificar a
luxação no perfil, e a incidência antero-posterior revelasse um vazio ósseo no
local reservado ao trapezoide, a incidência oblíqua em pronação permitiu a
melhor visualização da lesão pela sobreposição mínima das restantes estruturas
do carpo[2]. Com o recurso à tomografia computorizada, foi possível
caracterizar todas as lesões ósseas do carpo e este exame de imagem assume suma
importância, devendo ser, na opinião dos autores, efetuada sempre no contexto
de uma luxação do trapezoide, uma vez que a maioria das luxações é acompanhada
de fraturas dos ossos do carpo e dos metacarpos adjacentes. Há relatos de
várias opções de tratamento na literatura, com bons resultados[8], excetuando o
tratamento conservador sem redução[9] e a excisão[5] que resultam na migração
proximal do segundo metacarpo, podendo originar alterações degenerativas da
articulação mediocárpica[10]. A redução requer uma abordagem dorsal[2, 1, 6,
8], e os autores não encontraram relatos de reduções fechadas de luxações
volares do trapezoide na literatura. No caso descrito o movimento combinado de
tração do segundo e terceiro metacarpos e o uso de um dissector utilizado como
alavanca permitiu a redução do trapezoide.
A vascularização do trapezoide faz-se por vasos dorsais (70%) e volares (30%)
que entram no osso pelas superfícies não-articulares, onde se inserem os
ligamentos[11]. Por este motivo, alguns autores[2] incentivam à preservação dos
tecidos moles ligados ao trapezoide, no momento da abordagem cirúrgica para a
redução, no sentido de maximizar a possibilidade de manter-se a irrigação e
diminuir a possibilidade de osteonecrose.
A redução e fixação anatómicas das várias fraturas e luxações dos ossos do
carpo permitiu um bom resultado clínico com uma excelente amplitude de
movimentos, regressando o doente à atividade profissional desempenhada antes do
acidente. É de salientar a capacidade de execução do "dart throwing
motion" de forma indolor, sendo que este é o movimento da mão mais
utilizado nas atividades do dia a dia[12].