Aplicação de fatores de crescimento no tratamento de lesões musculotendinosas:
Solução ou Ilusão?
INTRODUÇÃO
As lesões tendinosas são frequentes em adultos jovens e de meia-idade[1].
Segundo a literatura, tendinopatia é o termo usado para designar a tríade de
dor, edema e disfunção[2-4], incluindo: tendinites, tendinoses e ruturas[5]. As
tendinoses são muito frequentes nos desportistas recreativos[6, 7]; já as
ruturas são comuns na alta competição, ocorrendo por traumatismo agudo ou em
tendões cronicamente lesados[5, 8]. A hipovascularização dos tendões condiciona
a sua lenta cicatrização[3, 7, 9, 10], dificultando o tratamento conservador.
As lesões musculares também são comuns em atletas[11, 12], podendo ser causadas
por contusão, estiramento ou laceração[5, 13], sendo as duas primeiras as mais
frequentes[12, 13]. A maioria é tratada conservadoramente[14] e recorrendo a
anti-inflamatórios não esteroides após a fase aguda, embora estes fármacos
possam prejudicar a cicatrização muscular[5, 13].
Da procura de novas opções de tratamento, que permitam um retorno precoce à
atividade com menores taxas de recidiva, surgiu o interesse pela aplicação das
terapias com fatores de crescimento[2, 4]. O Plasma Rico em Plaquetas (PRP)
define-se como "uma fração do sangue autólogo, que possui uma
concentração de plaquetas acima do valor normal"[4]. A maioria dos
autores admite um valor de 1,000,000 plaquetas/µL como definição,
correspondendo a uma concentração 2,5 a 8 vezes superior à fisiológica[6, 10,
12].
As primeiras descrições desta terapia remontam aos anos 90[4, 9, 15], sendo
aplicada na Medicina Desportiva desde 2003[16].
Nas fases iniciais, a introdução de fatores de crescimento pode estimular a
cicatrização fisiológica [9]. É bem conhecido o papel das plaquetas, através da
libertação de grânulos alfa que contêm fatores de crescimento[17, 18]. Estas
preparações são vantajosas por conterem moléculas com diferentes ações e em
concentrações fisiológicas, mimetizando ao máximo a secreção normal[18-20]. As
principais moléculas presentes no PRP e envolvidas na cicatrização são
referidas na Quadro_I.
A técnica de preparação do PRP implica a aspiração de sangue periférico,
seguida de centrifugação[4, 9, 21]. Estão descritos diversos protocolos com
diferenças na concentração de plaquetas[22], tipo de anticoagulantes[19],
percentagem de leucócitos[9] e modo de ativação (com trombina, cálcio ou
colagénio solúvel)[4, 19]. Após preparação, o PRP pode ser aplicado nas 8 horas
seguintes[19]. A dose[19, 23], a duração da aplicação[19] e a idade[24, 25]
podem influenciar o efeito terapêutico.
Na literatura surgem diferentes designações consoante o protocolo usado,
contudo o produto final encaixa-se geralmente em um destes tipos: plasma rico
em plaquetas, puro ou com leucócitos; fibrina rica em plaquetas, pura ou com
leucócitos[12, 26, 27]. As matrizes de fibrina formam-se por polimerização do
PRP, permitindo a libertação gradual dos fatores de crescimento[4, 7, 28] e a
ancoragem de células[4].
O PRP pode ser aplicado por injeção ou como adjuvante à cirurgia[4, 21]. De
acordo com as Guidelines da Associação Americana de Cirurgiões Ortopédicos[29],
deve evitar-se o uso de anti-inflamatórios não esteroides 1-2 semanas antes e
até 2 semanas após o tratamento[12, 21, 29]; e estão contraindicados os
corticosteroides nas 2-3 semanas e os anticoagulantes nos 5 dias que precedem a
injeção[29]. A maioria dos autores aconselha a injeção guiada por ecografia[4,
21, 29], na região intra ou peri-lesional[4]. Após a intervenção, recomenda-se
repouso, gelo, compressão e elevação, por 48 horas[4]; com início precoce de
fisioterapia[12]. Caso existam sinais de inflamação local, história de
neoplasias, alterações hematológicas, septicémia ou febre, o PRP está
contraindicado[12, 21, 29].
Estão descritos os efeitos angiogénicos[4], mitogénicos[4], analgésicos[9],
anti-inflamatórios, antibacterianos[4, 9, 20] e hemostáticos[9] do PRP. Também
é reconhecido o seu papel na cicatrização de feridas[9]. Alguns dados sugerem
também um efeito protetor sobre condrócitos[9, 25] e tenócitos[30]. Na
Ortopedia é usado no tratamento de várias lesões musculosqueléticas[4, 20].
É consensual que o PRP é uma terapia segura, nunca tendo sido descritos efeitos
sistémicos[4, 18, 31, 32]. Entre os efeitos adversos potenciais incluem-se
fibrose, infeção e carcinogénese[4, 18]. A hemorragia, lesão dos tecidos e dor
são complicações frequentes[12].
O estudo da aplicação clínica do PRP nas lesões musculares é ainda muito pouco
desenvolvido. Nas lesões tendinosas a literatura é vasta em estudos animais e
científicos, sendo questionável a sua extrapolação para os humanos[4, 18]. As
lesões mais estudadas neste contexto são as tendinopatias rotulianas,
aquilianas, da coifa dos rotadores e do cotovelo.
O objetivo desta revisão é avaliar a repercussão clínica e/ou imagiológica da
aplicação de preparações ricas em fatores de crescimento no tratamento das
tendinopatias mais estudadas nesta área, abordando também a sua aplicação nas
lesões musculares. Adicionalmente pretendemos analisar os efeitos adversos e a
influência de fatores externos, de modo a poder inferir sobre a eficácia deste
método.
MÉTODOS
Procedeu-se à pesquisa de artigos utilizando a base de dados MEDLINE, via
PubMed, usando como palavra-chave "platelet-rich plasma"
isoladamente e em combinação com os termos "tendinopathies" e
"muscle injuries". Numa segunda fase, as listas bibliográficas de
todos os estudos incluídos foram manualmente revistas, sendo adicionados mais
seis artigos. A pesquisa foi restrita a artigos em inglês, português e
espanhol; e limitada entre 2006 e 2012, tendo-se incluído um artigo de 2004
pela sua relevância.
Foram encontrados 75 artigos sobre plasma rico em plaquetas ou sobre a sua
aplicação nas lesões musculares e/ou tendinosas, dos quais (após leitura
integral) apenas 62 foram incluídos.
RESULTADOS
Na maioria dos estudos, a análise dos resultados foi feita através de
questionários de avaliação funcional e da imagiologia.
Lesões musculares
Foram incluídos quatro estudos de aplicação do PRP nas lesões musculares.
Um estudo piloto comparou a aplicação de múltiplas injeções (média de 5.4) de
soro condicionado autólogo com injeções de Traumeel®+Actovegin® (média de 8.3),
no tratamento de distensões musculares do membro inferior[13]. Os resultados
favoreceram o grupo submetido ao soro condicionado autólogo, com um tempo de
retorno à competição significativamente inferior (16.6 dias versus 22.3 dias no
grupo controlo) e resolução imagiológica precoce do edema/hemorragia[13].
O tratamento da rotura aguda do adutor longo com três injeções semanais de PRP
obteve alívio da dor, resolução imagiológica e retorno à competição sete dias
após o final do tratamento [24]. O tratamento da distensão aguda do
semimembranoso com uma injeção de PRP também se associou a bons resultados
clínicos, funcionais e imagiológicos, após 17 dias[33].
Sánchez et al relataram a aplicação de PRP em futebolistas profissionais com
lesões musculares, resultando em melhoria clínica e funcional em metade do
tempo esperado, com resolução imagiológica total[34]. As roturas pequenas
tiveram uma evolução favorável com uma única injeção; já nas roturas de média
ou grande dimensão foram necessários dois ou três tratamentos semanais[34].
Lesões tendinosas
O estudo da aplicação de PRP nas lesões tendinosas está bem documentado, tendo-
se incluído 26 artigos.
Tendinopatias do Cotovelo
Foram encontrados seis estudos relativos à aplicação de PRP nas tendinopatias
do cotovelo, todas elas de evolução crónica[35-40] (Quadro_II).
Quadro_II
Um estudo avaliou a capacidade angiogénica do PRP aos seis meses, revelando uma
melhoria da morfologia do tendão e aumento da vascularização na região
miotendinosa, embora não significativos[39].
Tendinopatias dos Rotadores da Coifa
Incluíram-se seis artigos relativamente à aplicação de PRP nas tendinopatias
dos rotadores da coifa[41-46], sendo os resultados muito divergentes (Quadro
III).
Quadro_III
Existem também relatos de sucesso na aplicação de membranas de fibrina durante
a reparação artroscópica de uma rotura do supraespinhoso[47] e na tendinite
calcificante desse mesmo tendão[48].
Tendinopatias Aquilianas
Um total de seis estudos foram incluídos nos quais se aplicou PRP nas
tendinopatias Aquilianas[49-54] (Quadro_IV).
Quadro_IV
Apenas se observou um efeito benéfico do PRP em dois dos estudos: no tratamento
das roturas do Aquiles[49] e nas tendinopatias crónicas[54]. Contrariando estes
dados, há descrições da aplicação de múltiplas injeções de PRP no tratamento de
roturas agudas do Aquiles, resultando em reparação acelerada do tendão
confirmada clinica e imagiologicamente[8]. A aplicação de preparações ricas em
fatores de crescimento no tratamento de complicações pós-cirúrgicas do Aquiles
também obteve resultados funcionais satisfatórios[55].
Tendinopatias do Rotuliano
Incluíram-se quatro estudos com a aplicação do PRP nas tendinopatias
rotulianas.
Dois ensaios clínicos avaliaram a aplicação de PRP na cicatrização das áreas
dadoras de enxertos para reconstrução do ligamento cruzado anterior[56, 57].
Num deles, após seis meses, a administração de PRP resultou em menor área de
tendão não regenerada e menos dor, comparativamente aos controlos[56]. No outro
estudo, aos 12 meses apenas a avaliação funcional se mostrou significativamente
superior no grupo submetido ao PRP[57].
Dois estudos testaram o tratamento da tendinose rotuliana com três injeções
quinzenais de PRP[58, 59]. Aos seis meses, verificou-se uma melhoria
significativa do estado de saúde e da atividade física, com retorno ao desporto
dois meses após o final do tratamento[58]. Comparando a aplicação de PRP com a
fisioterapia, observou-se apenas uma vantagem significativa do PRP no nível de
atividade desportiva[59].
Complicações
Em 14 dos estudos nenhuma reação adversa foi reportada[8, 13, 24, 33, 43, 44,
46, 47, 49, 50, 52, 56, 57, 59]. Nos restantes foram apenas descritas reações
inflamatórias localizadas: dor moderada (duração entre um dia e quatro semanas)
[36, 37, 40, 42, 58]; dor associada a rigidez[58]; síndrome dolorosa regional
complexa (tardia)[54] e infeção profunda[53].
DISCUSSÃO
Com exceção das tendinopatias do cotovelo, em geral, os estudos de maior
qualidade têm resultados menos animadores. O PRP parece mais eficaz no
tratamento das epicondiloses, com resultados insatisfatórios nas tendinopatias
Aquilianas.
Alguns autores explicam estas divergências alegando que existem diferenças
entre os mecanismos de reparação dos tendões associados ao suporte do peso e
dos não sujeitos a essa carga[2, 6, 16] e entre os tendões sinoviais e
extrassinoviais[60]. A concentração de plaquetas parece também ser um fator
determinante, sendo o benefício clínico atingido com aumentos de cerca de
quatro vezes na sua concentração[10]; aumentos superiores podem ter um efeito
inibitório, enquanto as concentrações inferiores são subterapêuticas[9].
Contudo, um estudo recente reportou ausência de efeitos inibitórios com
concentrações 50 vezes superiores às fisiológicas[61], permanecendo
desconhecida a concentração ótima de plaquetas[23]. A percentagem de leucócitos
é também um tema controverso, com a maioria dos autores a favor da sua exclusão
[9, 17, 20, 21, 45], embora alguns defendam o seu papel antimicrobiano [4, 27,
28] e anti-inflamatório[25, 27]. Os anestésicos locais podem também influenciar
os resultados[4].
Na maioria das tendinopatias os fenómenos inflamatórios são mínimos ou
ausentes, nem sempre se justificando o tratamento com anti-inflamatórios[50].
Os corticosteroides (outrora o gold-standard da terapia) têm bons resultados a
curto prazo, mas a longo prazo aumentam o risco de rotura[1, 30]. A abordagem
atual passa pelos programas de treino excêntrico, obtendo-se resultados
satisfatórios[2, 50].
A aplicação do PRP foi bem-sucedida nas epicondiloses, com melhorias clínicas e
funcionais significativas a longo prazo; mostrando-se superiores aos
anestésicos locais[35] e aos corticosteroides[36, 37] e equivalentes ao sangue
autólogo[38, 40]. A superioridade dos corticosteroides manteve-se até às 12
semanas, sendo o PRP superior a longo prazo[36, 37]. Considerando a relação
custo-eficácia, é provável que a injeção de PRP não seja adequada a curto prazo
[36].
Nas tendinopatias da coifa dos rotadores os resultados divergem. Como adjuvante
à artroscopia, a aplicação de PRP resultou em melhoria funcional e clínica[41,
43-47]. Contudo apenas quatro destes estudos compararam estes resultados com a
artroscopia isolada, não evidenciando diferenças na maioria dos parâmetros
avaliados[41, 43, 45, 46]. Num destes estudos, a aplicação de matrizes de
fibrina associou-se a menor taxa de recidivas de rotura[45]; noutro ensaio
clínico o PRP mostrou-se clinicamente vantajoso somente nos primeiros seis
meses, não existindo diferenças após dois anos [46]. De acordo com estes
resultados, o uso de PRP como adjuvante à artroscopia não parece ter qualquer
impacto[41, 43]. No tratamento da omalgia crónica, as injeções de PRP foram
eficazes[42].
Relativamente às tendinopatias aquilianas, a aplicação de PRP nas lesões agudas
associa-se a cicatrização acelerada com recuperação funcional precoce[8, 49].
Nas tendinopatias crónicas, a maioria dos estudos não encontrou qualquer
benefício a curto ou longo prazo[50-53]; um deles sugerindo uma diminuição
funcional após o tratamento com PRP[53]. Apenas um estudo obteve bons
resultados, porém é um estudo não comparativo[54].
Nas tendinopatias rotulianas, embora os dados da literatura sejam
insuficientes, os resultados dos estudos até agora realizados são encorajadores
[58, 59].
Apesar da escassez de informação relativamente ao uso de PRP no músculo, a sua
aplicação nas lesões agudas obteve bons resultados em todos os estudos
encontrados, com recuperação acelerada (entre 7 e 17 dias)[13, 24, 33]. A
dimensão das lesões pode determinar o protocolo de tratamento, com as roturas
maiores necessitando de múltiplas injeções[34].
O timing de injeção do PRP pode ser importante no tratamento das lesões agudas.
No músculo, a aplicação entre o primeiro e o terceiro dias pós-lesionais
traduziu-se por uma recuperação funcional acelerada[13, 33]. Nas lesões agudas
do tendão Aquiliano, a administração de PRP nos primeiros cinco dias obteve
resultados desanimadores comparativamente aos controlos[53]. Já o tratamento
nas primeiras duas semanas demonstrou um efeito muito superior ao grupo
controlo[49]; bem como a administração após os primeiros seis dias, à qual se
associou uma recuperação acelerada[8]. Continua por esclarecer se a aplicação
destas terapias é igualmente eficaz no período agudo ou se é mais vantajosa
após esta fase.
A fenestração dos tendões antes da injeção pode ter um efeito positivo na
cicatrização[12, 42], tendo sido usada por seis estudos[36, 37, 39, 44, 58,
59]. Rha et al compararam a aplicação de PRP com a microtenotomia percutânea
nas tendinopatias do supraespinhoso, verificando eficácia por parte de ambas as
técnicas, com superioridade do PRP no alívio sintomático e na recuperação
funcional[42]. Esta técnica pode ter um efeito sinergístico ao PRP e ser um
fator de confusão na avaliação dos resultados.
Sabe-se que a estimulação mecânica também potencia a reparação tendinosa[62].
Segundo Virchenko et al, a carga mecânica e o PRP aceleram a cicatrização,
atuando de modo independente[62]. Assim, os fatores de crescimento atuam numa
fase inicial, sendo posteriormente necessário o aumento da carga mecânica para
a recuperação total[62].
O PRP pode ser uma opção nas lesões refratárias aos tratamentos conservadores,
evitando-se procedimentos mais invasivos[60]. Devido aos resultados divergentes
não existem recomendações específicas sobre a sua aplicação. O Comité Olímpico
Internacional aconselha a sua utilização cautelosa, até que surjam novas
evidências[15].
CONCLUSÃO
É possível que os diferentes resultados observados se devam à não uniformização
dos protocolos de preparação e aplicação. Em estudos futuros é necessário
padronizar alguns parâmetros: o volume, o tipo de preparação, o número de
injeções, o timing e duração do tratamento e os protocolos pós-injeção, de modo
a maximizar o seu efeito.
Segundo as evidências atuais, a aplicação de PRP é eficaz nas epicondiloses;
sem benefício nas tendinopatias aquilianas crónicas. Nas tendinopatias da coifa
dos rotadores os resultados divergem. Relativamente às lesões musculares e
rotulianas, apesar da literatura ser insuficiente, parece existir um efeito
clínico e imagiológico positivo do PRP.
Os fatores de crescimento constituem uma família heterogénea possuindo diversas
funções, algumas das quais antagónicas. No futuro poderá ponderar-se a terapia
dirigida à lesão, escolhendo, purificando e conjugando os fatores de
crescimento, de acordo com as funções que pretendemos potencializar face às
necessidades dos
tecidos alvo.