Indicações para a abordagem cirúrgica da instabilidade anterior do ombro
INTRODUÇÃO
O ombro é a articulação mais móvel do corpo humano, sendo que este facto advém
dum relativo sacrifício da estabilidade articular, tornando-a mais propensa a
lesões que resultam em instabilidade articular[1,2], principalmente sob a forma
de instabilidade anterior do ombro[3-5].
Após a recolha da história clínica e realização do exame físico, a
caracterização imagiológica revela-se cada vez mais importante na definição da
estratégia de reparação cirúrgica. Na maior parte dos casos, o recurso à
radiografia simples complementa a avaliação da instabilidade para
esclarecimento da direção da luxação e presença de lesões ósseas associadas
[2,4]. Recomenda-se o uso de um conjunto de pelo menos 2 incidências
(anteroposterior e lateral)[2], havendo no entanto alguns autores que sugerem
um agrupado standard de 3 incidências (anteroposterior no plano escapular,
axilar e apical oblíqua - incidência de Garth) [6]. A radiografia é
frequentemente suficiente para o diagnóstico da lesão de Hill-Sachs, (descrita
adiante). Neste caso, a incidência de Stryker é a que melhor avalia a presença,
tamanho e orientação da lesão[7].
Outros meios auxiliares de diagnóstico podem caracterizar com maior precisão as
lesões associadas, mas a sua utilização deve ser criteriosa. A Tomografia
Computadorizada (TAC) destina-se a determinar a magnitude da perda óssea8,
havendo autores que sugerem o recurso à TAC tridimensional com subtração
digital da cabeça umeral[9-11]. Essa quantificação nomeadamente no que diz
respeito à glenoide tem sido descrita de diversas formas: percentagem de
Bankart ósseo em relação á área total de glenoide[12]; da área da sua porção
inferior9; ou então simplesmente em relação ao diâmetro anteroposterior[13].
A Ressonância Magnética (RMN) é uma ferramenta útil para avaliar a integridade
da coifa dos rotadores e estruturas ligamentares[9], como descrito mais à
frente. Já o recurso a exames complementares com injeção de contraste -
artroscanner ou artro-RMN - justificam-se em caso de necessidade de
exploração adicional de determinadas variantes anatómicas ou laxidez capsular.
No entanto, ainda que tanto a RMN como a artro-RMN sejam técnicas com grande
precisão imagiológica no diagnóstico de lesões labrais e capsulares[14], a
artroscopia continua a ser um importante complemento para uma correta decisão
terapêutica[6].
LESÕES ARTICULARES ASSOCIADAS À INSTABILIDADE ANTERIOR
A presença de lesões articulares associadas à instabilidade anterior do ombro é
determinante na sua abordagem[2,4,15,16]. A lesão de Bankart - avulsão do
labrum glenoidal, normalmente anteroinferior[4,17,18] - é a sequela mais comum
[19]. Pode envolver apenas tecidos moles - Bankart "típico"
- ou comprometer também uma fratura do bordo glenoidal anteroinferior,
"arrancado" conjuntamente com a porção labral - Bankart ósseo
- levando ao aspeto de "pera invertida" [8,20]. Apesar de
ainda não haver um consenso na quantidade exata de perda óssea para uma lesão
ser considerada significante, a maioria dos especialistas sugere entre 20% a
30% 8, com base nos resultados do desenvolvimento de instabilidade recidivante
após a cirurgia de Bankart, reconstrutiva dos tecidos moles afetados. Ainda
relacionada com as lesões de perda óssea glenoideia, Boileau et al descrevem um
defeito ósseo por desgaste no rebordo glenoide anterior, que está associado a
uma maior taxa de recidiva após a reconstrução de tecidos moles com a técnica
de Bankart[21].
Se ocorrer a avulsão da bainha periosteal do labrum anterior, ficamos perante
uma variante da lesão de Bankart (lesão ALPSA), que condiciona um deslocamento
inferomedial do labrum, com diminuição da restrição ao movimento de translação
anterior da cabeça umeral e consequente luxação recidivante[16,20]. Esta última
lesão pode ser eficazmente corrigida utilizando uma técnica artroscópica de
mobilização de tecido do colo glenoidal, convertendo-a em lesão de Bankart
"clássica", com reparação e capsulorrafias subsequentes[16].
Por outro lado, a lesão de Bankart pode envolver estruturas mais superiores,
acometendo a rutura do ligamento glenoumeral médio, o que resulta numa
cicatrização mais frágil das estruturas, condicionando luxações recidivantes
[4].
A lesão de Hill-Sachs[4,8,20] é a segunda lesão mais comum associada à
instabilidade anterior do ombro [20], cuja extensão tem igualmente implicações
prognósticas e na abordagem cirúrgica: lesões que afetem menos de 20% da
curvatura da cabeça umeral não são normalmente causa significativa de
instabilidade após técnica de reparação anatómica de tecidos moles[22, 23];
lesões com perda óssea superior a 40% estão diretamente relacionadas com
instabilidade recidivante[21, 22]. A lesão de Hill-Sachs com 20% a 40% de perda
óssea que cuja localização, orientação e "encaixe" da lesão no
bordo glenoidal anteroinferior leve ao bloqueio da cabeça umeral na glenoide,
conduz a instabilidade recidivante, e foi demonstrada uma alta taxa de
falências após a reconstrução cirúrgica envolvendo apenas os tecidos moles
anteriores[24].
Na avaliação da instabilidade anterior do ombro é também frequente encontrar
algum grau de hiperlaxidez capsular, tanto anterior como posterior, resultante
do movimento de translação excessivo que ocorre no evento inicial traumático, e
sempre que as fibras constituintes não consigam retomar a tensão inicial
[25,26].
A avulsão umeral dos ligamentos glenoumerais (HAGL) é outra lesão encontrada na
instabilidade anterior e, caso presente, pode condicionar uma abordagem
terapêutica especifica[27].
Para além do labrum inferior, também o labrum superior pode ser comprometido
numa luxação anterior do ombro - a lesão SLAP (rutura do labrum superior
anterior e posterior) [1]. O diagnóstico clínico desta lesão é ainda
controverso. Apesar de haver alguma evidência que suporta que os testes de
"Biceps Load I e II" [28], O´Brien e outros apresentam elevada
especificidade e sensibilidade para esta lesão, outra revisão recente considera
que apenas a combinação de vários destes testes permite a melhor acuidade deste
diagnóstico[29].
TRATAMENTO CIRÚRGICO DA INSTABILIDADE ANTERIOR DO OMBRO
A abordagem cirúrgica da instabilidade anterior do ombro é feita,
essencialmente, através de técnicas de reconstrução anatómica de tecidos moles,
ou recorrendo a técnicas de batente ósseo.
O procedimento de Bankart é um dos mais antigos na terapêutica desta patologia,
consistindo na reconstituição anatómica do complexo capsulolabral[29,30]. A
abordagem por cirurgia aberta com recurso a esta técnica foi considerada
durante muitos anos o "gold-standard" para a correção cirúrgica da
instabilidade glenoumeral, mas a sua adaptação para a via artroscópica e
posterior desenvolvimento levaram à disseminação do uso da artroscopia nesta
patologia[31,32]. Este procedimento permite também diminuir a laxidez capsular
excessiva causada pela instabilidade recidivante adicionando uma capsulorrafia
descrita por Neer[33]. A plicatura capsular posterior pode ser associada ao
procedimento de Bankart, de forma a diminuir a laxidez do complexo capsulo-
labral inferior, uma vez que também o feixe posterior do ligamento gleoumeral
inferior é lesado no evento que leva à instabilidade anterior, com resultante
redundância capsular[34]. Tenta-se assim obter um correto balanço ligamentar
das estruturas não só anteriores como da região posterior.
As técnicas de Latarjet e Bristow, dantes tipicamente usadas por via aberta
através duma incisão deltopeitoral, assemelham-se na medida em que ambas
recorrem à osteotomia e transferência da ponta da apófise coracoide e tendões
nela inseridos, para a superfície anterior do colo glenoidal, através do
recurso a parafusos. A diferença entre ambas situa-se na posição do enxerto
coracoide, uma vez que a técnica de Bristow posiciona o maior eixo do enxerto
perpendicularmente[35], enquanto a de Latarjet o posiciona paralelamente à
glenoide[36]. Atualmente é já possível efetuar artroscopicamente estas técnicas
de enxerto ósseo[36, 37]. No entanto, mantém ainda elevada dificuldade técnica,
mesmo com recurso a instrumentais especificos, e carecem de resultados a médio
e longo prazo. Não obstante, é aguardado com expectativa o desenvolvimento da
experiência e adequação do hardware, existindo possibilidades para a
generalização do seu uso num futuro próximo[36].
Em casos de lesões de Hill-Sachs com perda óssea significativa e consequente
"encaixe", foi recentemente desenvolvida uma técnica denominada de
"remplissage" [6], que consiste no preenchimento do defeito da
cabeça umeral por cápsula posterior e "tenodesis" do
infraespinhoso, por via artroscópica[38].
O procedimento de Putti-Platt e a técnica de Magnuson-Stack estiveram
associadas a taxas de complicações e recidiva elevadas que conduziram ao seu
abandono[39-43].
Até ao momento, continua a existir muita controvérsia em relação a qual o
melhor procedimento para a abordagem cirúrgica da instabilidade anterior do
ombro - reconstrução anatómica ou uso de batente ósseo - assim como
o momento em que este deve ser considerado.
Em relação ao momento da cirurgia, alguns autores recomendam a intervenção
precoce em pacientes jovens e ativos (após o 1º episódio de luxação), devido à
elevada taxa de reincidências neste grupo, ao maior desgaste das estruturas
ligamentares, e à eventual presença de lesões de Hill-Sachs com o decorrer do
tempo[4,44,45]. No entanto, dois argumentos contra esta abordagem parecem
ganhar maior consenso entre os clínicos. O primeiro consiste na interpretação
das taxas de recidiva, sem tratamento cirúrgico, após o evento inicial: cerca
de 50-60%. Isto significa que seriam operados metade dos pacientes sem que
estes fossem desenvolver instabilidade recidivante no futuro, aumentando o
risco iatrogénico[46]. O segundo argumento prende-se com a possibilidade de
ocorrência de complicações cirúrgicas tardias, como a perda de amplitude de
movimentos, que condicionam e exigem ponderação na decisão de avançar com a
cirurgia[2].
RECONSTRUÇÃO ANATÓMICA vs BATENTE ÓSSEO
A cirurgia de Bankart, atualmente realizada quase exclusivamente por
artroscopia, reúne as vantagens desta abordagem, como a sua natureza
relativamente atraumática que dispensa a incisão do subscapular,; tempo de
internamento e recuperação mais curtos, com retorno mais rápido ao trabalho e à
atividade física; incisões menores com melhor resultado cosmético; menor dor; e
melhor recuperação da amplitude de movimento e função[2,32,47,48].
As desvantagens apontadas a este procedimento são taxas de recidiva
possivelmente superiores às das cirurgias de batente ósseo[2], justificadas por
uma curva de aprendizagem morosa e indicações erradas, como sejam a
incapacidade de reconhecer a presença de lesões ósseas significativas[48].
Estudos recentes mostram taxas de recidiva significativamente baixas, após
aplicarem critérios de seleção para incluir os pacientes numa intervenção
artroscópica de reparação anatómica[15]. Thomazeau et al obtiveram um resultado
de 3.2% de recidivas, ao fim de 18 meses[15]. Porcellini, com um follow-up
médio de 3 anos, não encontrou nenhum caso de recidiva, após ter utilizado a
artroscopia apenas em pacientes com Bankart ósseo inferior a 25%[49], o que
reforça as conclusões de Mologne et al e Burkhartt et al. No primeiro, a taxa
de recidiva de 14,3% encontrada após artroscopia pôde ser reduzida a 0% caso se
considerassem apenas os casos em que o fragmento ósseo foi incorporado na
reparação[50]. No segundo, a taxa de recidiva após artroscopia variou entre
67%, em pacientes com perda óssea significativa, e 4%, em pacientes com
diminuta lesão óssea glenoidal[24]. A meta-análise recente de Petrera é cabal
neste aspeto: a taxa de recidiva diminui de um total de 4.7% - considerando
todos os estudos analisados- para 2.9% na artroscopia se atentarmos apenas aos
estudos com data posterior a 2002 (que incluem já algumas indicações para cada
procedimento) [48].
Em relação aos índices de satisfação do paciente, averiguados por diferentes
escalas (Rowe, Walch-Duplay, escala de dor VAS), a análise da literatura
permite concluir que o Bankart artroscópico apresenta scores equivalentes ou
superiores às técnicas de cirurgia aberta (de Bankart ou batente ósseo)
[15,32,51]. Ressalva-se, no entanto, que as diferentes escalas utilizadas nos
vários artigos dificultam a comparação do grau de satisfação dos pacientes após
a cirurgia[48]. Complementarmente, o estudo de Porcellini demonstrou um
regresso de 92% dos pacientes ao mesmo nível de competição prévio à intervenção
artroscópica, em atletas com Bankart ósseo inferior a 25%[49].
A cirurgia de batente ósseo tem como vantagens uma taxa de recidivas
reconhecidamente baixa[4], mas apresenta-se com uma maior taxa de complicações
pós-operatórias, nas quais se inclui alguma perda de amplitude de movimentos
[6,20,48], maior tempo de internamento e recuperação[20], e incidência superior
de artrose glenoumeral[6]. Isto foi descrito para procedimentos realizados pela
via aberta convencional, aguardando-se com expectativa os resultados a longo
prazo dos estudos efetuados em pacientes sujeitos a esta intervenção por
artroscopia[36, 37].
As técnicas não-anatómicas de correção de instabilidade (Bristow-Latarjet)
apresentam baixas taxas de recidiva, mesmo em estudos com longos períodos de
seguimento. Young et al demonstraram menos de 1% de recidivas em mais de 2000
procedimentos[52], e o estudo randomizado de Fabricciani não encontrou
recidivas após 2 anos[53]. Com maior período de seguimento, destacam-se os
valores de 13,6% aos 15 anos, com apenas um caso que necessitou de cirurgia de
revisão[54], 5% após 6 anos, em pacientes com perda óssea glenoidal
significativa[55], e de 0% após uma média de 14,3 anos de follow-up, em que 96%
dos ombros tinham lesão óssea significativa[56].
As escalas de subjetividade analisadas demonstram resultados semelhantes ou
inferiores à cirurgia artroscópica, com resultados bons ou excelentes de 70-
98%, dependendo também da escala utilizada[52,53,56,57].
Em relação às complicações, verificou-se uma alta incidência de artrose (40-
60%) em alguns estudos que avaliaram os resultados das técnicas de Bristow-
Latarjet[54, 56, 67,69], mas outros mais recentes demonstraram uma incidência
desta semelhante à da reconstrução anatómica por via aberta[65]. Ambas as
técnicas estão associadas à perda de algum grau de amplitude de movimentos do
ombro, principalmente da rotação externa (entre 5-11º) [68,69,71].
O regresso ao mesmo nível competitivo prévio à cirurgia foi verificado em 83%
dos casos, segundo a revisão de Young et al[52].
Por estas razões torna-se importante definir com maior exatidão os critérios e
situações nas quais a reconstrução anatómica pode ser maximizada, e aquelas
onde esta é insuficiente para assegurar a estabilidade articular, devido à
presença de outras lesões associadas.
INDICAÇÕES PARA REPARAÇÃO DA INSTABILIDADE ANTERIOR DO OMBRO
A intervenção cirúrgica deve ser recomendada, em geral, a pacientes com
instabilidade recidivante, dor, ou limitações da atividade (desportiva ou
ocupacional), após um período de tratamento conservador que se revelou incapaz
de debelar estas condicionantes[2].
Com o objetivo de apresentar indicações específicas para a escolha da técnica
de Bankart artroscópica, foram estabelecidos os critérios ISIS (Instability
Severity Index Score) [58], que se revelaram fiáveis nos seus resultados
iniciais, uma vez que a sua aplicação revelou uma baixa recidiva (3,2%) nos
pacientes selecionados para a reparação de Bankart artroscópica, assim como
elevados valores de satisfação subjetiva do paciente, como avaliado pelas
escalas de Rowe e Walch-Duplay[15].
Os critérios ISIS consistem num sistema de pontuação com um valor máximo de 10
pontos, conferidos pela presença de determinados fatores. Os dados da história
e exame físico consistem em: idade na altura da cirurgia, nível de atividade
física, tipo de desporto praticado antes da cirurgia e hiperlaxidez do ombro
(definida pela rotação externa superior a 85º com o cotovelo encostado ao corpo
e/ ou teste de hiperabdução maior que 90º). Os achados imagiológicos relevantes
são a presença de lesão de Hill-Sachs no RX e perda do contorno ósseo
subcondral (Quadro_I) [58]. Inicialmente, a atribuição de um score superior a 6
valores recomendava a opção por uma técnica de reconstrução não-anatómica,
nomeadamente a transferência de coracoide de Bristow-Latarjet, uma vez que,
nestes casos, a simples reconstrução dos tecidos moles parece insuficiente para
assegurar a estabilidade articular sem recidivas. Esta indicação foi
posteriormente adaptada e o estudo de Thomazeau et al, publicado em 2010
demonstrou excelentes resultados ao atribuir a via artroscópica a pacientes com
ISIS ≤ 4 e a técnica de Bristow-Latarjet nos restantes[15].
No entanto, fazendo uma análise atenta da literatura, parece ser possível
identificar algum consenso entre os artigos de revisão, permitindo reunir
indicações complementares àquelas dos critérios ISIS, e que estão resumidas no
Quadro_II. Assim, a reconstrução de Bankart artroscópica deve ser utilizada em
pacientes que apresentem instabilidade oculta do ombro (vide-supra) [4], lesões
de Hill-Sachs com perda óssea quantificada como inferior a 20%[21,24,59-61] e
lesões de Bankart ósseas com perda óssea inferior a 25% da largura glenoidal,
sendo que neste caso, é necessária a reintegração do fragmento ósseo original.
Caso contrário a reconstrução não-anatómica é a mais recomendada[6].
Existem outras situações onde a reconstrução de Bankart necessita ser
complementada com uma capsulorrafia de Neer ("Neer capsular
shift"). Nestas incluem-se:
1) as lesões ALPSA (suprarreferidas), com mobilização do tecido do colo
glenoidal, convertendo a lesão num "Bankart típico", e posterior
reconstrução e capsulorrafia[16].
2) a dilaceração crónica da cápsula ou a cicatrização fibrosa do ligamento
glenoumeral inferior[4];
3) instabilidade multidirecional[2].
Como já referido neste artigo, a resolução do problema da distensão posterior
da cápsula aquando da sua luxação anterior passa pela utilização da técnica de
plicatura posterior, como complemento à técnica de Bankart, por via
artroscópica. Estudos efetuados mostram uma melhoria dos scores subjetivos
- ASES - mas carecem ainda de mais evidência que o comprovem de
forma categórica[34].
Não obstante um alargado leque de recomendações que aconselham quais os
pacientes a incluir numa reparação anatómica, as técnicas de "batente
ósseo" - Bristow e Latarjet - são também bastante relevantes.
O ISIS aponta o recurso a estas técnicas caso se verifique um score superior a
4[15]. Complementarmente, as revisões efetuadas neste âmbito quantificam as
perdas ósseas que justifiquem esta intervenção e acrescentam algumas
indicações:
1) perda óssea glenoidal superior a 25% (aspeto da "pera invertida) [8];
2) lesões de Hill-Sachs com perda óssea entre 20- 40% ou "engaging"
[8, 52];
3) lesões ósseas glenoidais e umerais conjuntas[52]; 4) recidiva da
instabilidade, mesmo após cirurgia artroscópica[20].
Relativamente às lesões de Hill-Sachs, a literatura mais recente aconselha que
nas situações em que se verifique uma perda óssea de 20-40% se complemente a
técnica de Bristow-Latarjet com uma "remplissage" efetuada
artroscopicamente, ou através do preenchimento da lesão com auto ou aloenxertos
[8,10,38,62,63]. As perdas ósseas superiores a 40%, são de difícil solução,
podendo ser ponderada a realização de uma hemi-artroplastia[6,8].
CONCLUSÃO
A Instabilidade Anterior Recorrente do Ombro é um problema comum e alvo de
grande investigação. De facto, a sua abordagem cirúrgica é um tema vasto e
controverso, existindo um sem número de estudos sobre o assunto. No entanto, da
análise objetiva destas publicações resulta que a maior parte destas se tratam
de estudos retrospetivos com muitas falhas metodológicas, que tornam difícil a
sua comparação e extrapolação de resultados.
Desta forma, a pesquisa bibliográfica teve de ser efetuada criteriosamente,
atentando aos métodos utilizados e analisando criticamente as conclusões
apresentadas.
A mais-valia desta revisão é a compilação num só artigo de informação recente
no que concerne às indicações para a abordagem cirúrgica da instabilidade
anterior do ombro. De facto, existem já evidências que recomendam a cirurgia de
Bankart artroscópica para determinados subgrupos de doentes, com resultados
iguais ou superiores à cirurgia com recurso a batente ósseo, aos quais se
juntam as vantagens da abordagem mini-invasiva da artroscopia. Para além disso,
neste artigo também se concluíram quais as lesões que devem ser encaminhadas
diretamente para uma intervenção de reconstrução não-anatómica - Bristow-
Latarjet - esclarecendo assim o papel de ambas as abordagens para a obtenção
dos melhores resultados, suportados pelas evidências científicas. Percebe-se
assim a importância da correta avaliação préoperatória na definição do tipo de
abordagem a efetuar. Com o aprimoramento dos sistemas de classificação como o
ISIS, poderemos assistir a uma melhoria ainda maior dos resultados dos
procedimentos artroscópicos, como se depreende dos estudos efetuados para
definir estes valores de "cut-off", e assim potenciar as vantagens
da cirurgia artroscópica com um menor número de recidivas - escolher o
procedimento certo, para o paciente certo. Desta forma, assistimos a uma
mudança do paradigma de controvérsia de cirurgia aberta ou artroscópica, para
uma dicotomia entre reconstrução anatómica ou de batente ósseo, com o eventual
recurso, em ambas, à abordagem artroscópica.
Em suma, é atualmente possível identificar critérios clínicos e imagiológicos
objetivos que permitam selecionar uma abordagem cirúrgica para cada situação de
instabilidade anterior recorrente do ombro, no sentido de maximizar os
resultados e satisfação dos pacientes.
Importa salientar que é ainda necessária uma maior uniformização no desenho dos
estudos neste campo, para que da sua comparação seja possível extrair níveis
máximos de evidência.