Que técnica paliativa para as sequelas gleno-umerais das lesões obstétricas do
plexo braquial?
INTRODUÇÃO
Estima-se que a prevalência internacional de lesão obstétrica do plexo braquial
(LOPP) seja de 1-4/1,000 nados vivos[1-4], tendo-se verificado uma tendência
para o aumento da frequência nos últimos anos. Até à data não existem estudos
publicados que nos permitam conhecer a frequência desta patologia em Portugal.
O espectro de lesão nervosa pode variar desde neuropraxia até axonotemese ou
avulsão da raiz nervosa. Embora a maior partes dos casos apresente recuperação
completa, 5-19% dos casos vão apresentar alguma sequela[5]. Estão descritos
padrões mais frequentes de lesão, sendo que 75% dos casos correspondem a lesões
dos troncos superiores, C5-C6±C7 (paralisia de Erb)[6]. A classificação de
Narakas[7] é a que melhor relaciona o tipo de lesão com a história natural:
tipo I - lesão das raízes de C5-C6; tipo II - lesão das raízes de
C5-C6-C7 (paralisia de Erb); tipo III - lesão completa de todo o plexo
braquial, sem Síndrome de Horner; e tipo IV - lesão completa de todo o
plexo braquial com Síndrome de Horner associado.
O tratamento inicial é de suporte, com preservação da mobilidade através da
fisioterapia ou com uso de talas.
O timing para a intervenção primária, que consiste na tentativa de reparação
nervosa através de diversas técnicas (neurólise, enxerto nervoso e
neurotização, conforme o grau e tipo de lesão), ainda é controverso. Vários
estudos procuraram estabelecer marcos na recuperação motora que permitissem
identificar os doentes que beneficiariam com a cirurgia primária, baseados na
recuperação de um único músculo[8,9], em vários scores[10-12] ou na recuperação
muscular com outros fatores prognósticos[13,14]. O marco criado por Gilbert[8]
- ausência de recuperação do bicípite braquial ao 3º mês, ainda hoje é aceite
como indicação de exploração e cirurgia primária do plexo, quer por ter sido
pioneiro, quer pela simplicidade da indicação. Em relação à história natural,
verificou-se que os casos com recuperação motora antigravitacional até aos 2
meses, vão evoluir para a recuperação completa dentro de 1-2 anos. Os restantes
casos, submetidos ou não a reparação primária, cursam com o desenvolvimento de
sequelas ao nível do ombro, cotovelo e mão[15].
No ombro, a sequela mais frequente é a contractura em rotação interna e adução
(CORI), originada pela recuperação mais rápida dos músculos subescapular e
grande peitoral, que vão condicionar a recuperação do rotadores externos e
abdutores[15] (Figura_1). Frequentemente esta contractura é um fator major na
limitação funcional, impedindo a elevação da mão até à boca numa posição normal
(Figura_2) e forçando o movimento de abdução ao nível de articulação escapulo-
torácica, visível clinicamente quando está presente o sinal de Putti[15]
(Figura_3). Estas alterações são alvo de valorização na classificação funcional
proposta por Mallet (Figura_4). É o desequilíbrio das forças musculares e a
limitação da mobilidade a nível gleno-umeral que vão dar origem a deformidades
ósseo-ligamentares, que habitualmente se manifestam logo após os primeiros 5
meses de vida[16]. Em 1998, Waters et al[17] descreve e classifica estas
alterações articulares em 7 tipos (Figura_5), e propõe a orientação da cirurgia
paliativa do ombro considerando estas alterações.
Figura_5
As técnicas cirúrgicas paliativas, ou secundárias, preconizadas para o
tratamento das sequelas glenoumerais das LOPB, objeto de estudo desta revisão,
têm a sua indicação guiada pela idade do paciente, pelas mobilidades passivas e
ativas do ombro, pela força dos músculos escapulares e periescapulares e pelas
alterações ósseas encontradas. Embora não exista consenso, habitualmente
pacientes mais novos, com deformidades ósseas ligeiras são preferencialmente
tratados com procedimentos de partes moles, enquanto os procedimentos ósseos
são reservados para doentes com mais idade, deformidades marcadas ou falências
de técnicas de partes moles. A avaliação clínica das mobilidades passivas e
ativas devem guiar as libertações ligamentares e tendinosas assim como os
grupos musculares a serem transferidos e sua posição de inserção. A avaliação
da força muscular permite estabelecer a viabilidade das transferências
tendinosas.
Objetivos
Avaliamos de modo sistematizado os resultados dos procedimentos paliativos para
as sequelas glenoumerais das LOPB com o objetivo de responder às questões:
1) Quais as intervenções que obtêm melhores resultados funcionais? Estes
resultados mantêm-se a longo prazo?
2) Que fatores influenciam o resultado funcional? Idade, grau da lesão,
cirurgia primária, alterações morfológicas ou da estabilidade glenoumeral?
Um objetivo secundário foi determinar o impacto das intervenções na remodelação
glenóideia.
MÉTODO DE REVISÃO
Critérios de Inclusão
Tipos de Estudo
Selecionamos todos os estudos com avaliações da mobilidade e/ou função após
técnicas paliativas para sequelas gleno-umerais das LOPB. Poderiam ser
incluídos ensaios clínicos randomizados, estudos comparativos prospetivos ou
retrospetivos ou séries de casos. Não se incluíram casos clínicos pelos viéses
a que estão sujeitos[18]. Limitamos a inclusão a publicações redigidas em
Inglês, Italiano, Espanhol ou Português, publicadas nos últimos 10 anos (de 1
de janeiro de 2003 até 31 de dezembro de 2012).
Tipos de Paciente
Incluímos bebés, crianças e adolescentes até aos 20 anos de idade, na data do
último procedimento paliativo gleno-umeral, sujeitos ou não a reparação nervosa
primária.
Tipos de Intervenção
As intervenções paliativas para sequelas glenoumerais de LOPB incluem
procedimentos de partes moles: libertações capsulares por via aberta ou
artroscópica, secção, alongamento ou transferências tendinosas; ou
procedimentos ósseos: osteotomias de desrotação umeral externa (OTM desrot.) e
interna (OTM RI), glenoplastias e osteotomias com rotação escapular (tilt
triangular). Poderiam ser incluídos na revisão estudos que avaliassem e
documentassem o efeito de qualquer destas intervenções cirúrgicas, isolada ou
utilizada em combinação.
Tipos de Medida de Outcome
Os outcomes primários foram as alterações nas mobilidades ativas, na escala de
Mallet global[19] e/ou dos seus parâmetros de rotação externa (RE) e rotação
interna (RI). As medidas de outcome secundárias foram as alterações do ângulo
de retroversão glenoide (RG) e percentagem de cobertura da cabeça umeral
(PHHA), do tipo de deformidade glenoide e/ou congruência da articulação gleno-
umeral, descritiva ou através da utilização da classificação de Waters ou
Glenoid Deformity Scale (GDS)[20].
Estratégia de Pesquisa
Pesquisamos cinco bases de dados: Cochrane Review Library, TRIP, Pubmed, Web of
Knowledge e Science Direct.
A estratégia de pesquisa consistiu na introdução dos termos: "Obstetric
Brachial Plexus Palsy Shoulder". Em todas as bases de dados, exceto na Cochrane
Review Library, limitamos os resultados aos estudos publicados nos últimos 10
anos.
A seleção inicial, de acordo com os critérios de inclusão (Quadro_I), foi
realizada através do título e resumo. Quando não foi possível obter todos os
dados para inclusão através do resumo, obtivemos o texto integral para
avaliação. Realizamos ainda uma pesquisa secundária, através da revisão das
referências dos artigos incluídos.
Avaliação da Qualidade Metodológica
Os estudos resultantes da pesquisa foram avaliados e selecionados
independentemente por dois autores: JV e DG. Quando todos os critérios de
inclusão foram cumpridos, o texto completo foi obtido.
Introduzimos todas as referências numa folha de cálculo do Microsoft® Excel
para Mac 2011, v. 14.1.
Para cada estudo determinamos:
- O Nível de Evidência da NHMRC[18];
- A qualidade metodológica, através de um formulário de revisão crítica para
estudos quantitativos por Law et al[21]. Esta ferramenta avalia a validade
interna e externa de um estudo e os seus achados através da avaliação
sistematizada dos seus items. Nas questões fechadas do formulário é atribuída a
pontuação de 1 ponto, quando o critério é satisfeito, ou 0, quando o critério
não é completamente satisfeito. Assim, a pontuação máxima de 16 pontos indica
um estudo de excelente qualidade.
Avaliação dos Estudos
Realizamos uma descrição dos estudos incluídos, apresentando os dados através
da percentagem dos estudos, da apresentação dos mínimos e máximos, ou do
cálculo das médias ponderadas (considerando o número de participantes em cada
estudo), em relação
a diversos parâmetros:
- Número, idade, cirurgias prévias, diagnósticos, classificação de Narakas,
alterações gleno-umerais prévias, utilização de outras classificações e tempo
de follow-up;
- Descrição das cirurgias e resultados principais: efeito na mobilidade
(rotação externa e abdução), função (alteração na classificação de Mallet) e na
remodelação óssea (quando aplicável);
- Complicações decorrentes do uso das técnicas cirúrgicas;
- Conclusões principais.
RESULTADOS
Descrição dos Estudos
Da estratégia de pesquisa resultaram um total de 941 estudos das cinco bases de
dados pesquisadas, dos quais 75 foram selecionados para elegibilidade. Destes,
34 foram excluídos por não cumprirem todos os critérios de inclusão. Da
pesquisa secundária dos artigos selecionados resultou a inclusão de 1 novo
artigo[58]. Assim, esta revisão é uma síntese de 42 estudos que decorreram em 6
regiões: África (Egito), América do Norte (EUA, Canadá), América do Sul
(Brasil), Ásia (Índia, Japão), Europa (França, Grécia, Holanda, Polónia, Reino
Unido, Turquia) e Médio Oriente (Arabia Saudita, Irão). Incluímos estudos
diferentes do mesmo grupo de investigação (Aydin, Kozin, Nath, Waters e Zoppi
filho) em que não houve sobreposição de resultados. Houve concordância de 100%
nos estudos incluídos.
Avaliação Crítica
Nível de Evidência
Cinco dos 42 estudos (12%) são comparativos, e apenas 2 comparam resultados de
diferentes técnicas cirúrgicas: Abdel-Ghani et al[22] compara a transferência
do grande dorsal (GD) com a do GD em conjunto com o redondo maior (RM);
enquanto Abdelaziz et al[23] comparou a transferência do RM com a transferência
do trapézio em conjunto com o RM. Como não houve randomização à atribuição dos
grupos, ambos os estudos foram classificados como III-b (nível de evidência
NHMRC). Os restantes 37 estudos são séries de casos, com avaliação pré e
pósoperatória dos resultados. Todos os estudos contém um número considerável de
viéses, pelo que os resultados devem ser interpretados com precaução.
Qualidade Metodológica
A qualidade dos estudos foi razoável, sendo o score médio 10,6 (IC95 10,1
- 11,1) em 16 pontos. O estudo com maior qualidade metodológica, score
13, foi de Dodwell et al[33] em 2012. Os estudo com menor qualidade, score 7,
foram os de Abid et al[24] e Al Qattan et al[26] em 2012 e 2003,
respetivamente.
Os critérios de qualidade cumpridos foram variáveis. Em 10 destes a maioria dos
estudos cumpriu: declaração do objetivo dos estudo, revisão da literatura
relevante, desenho do estudo apropriado ao objetivo, descrição da amostra
estudada e intervenção realizada em detalhe, medidas de outcome válidas e
confiáveis, análise apropriada dos resultados e a sua implicação na atividade
clínica. Dois critérios foram cumpridos em cerca de 50% dos estudos: reportagem
do significado estatístico e limitações do estudo. Os critérios que poucos ou
nenhuns estudos cumpriram foram 4: ausência de viéses, escolha justificada do
tamanho da amostra, declaração de preenchimento do consentimento informado e a
importância clínica das diferenças encontradas. Foram encontradis vários tipos
de viéses: de seleção, de performance, de deteção e de relato.
Resultados da Pesquisa
Participantes
Foram incluídos um total de 1873 doentes, de estudos com amostras entre 6 e 203
doentes. A maioria incluiu pequenas amostras (57% com amostras = 30 doentes),
enquanto seis estudos apresentaram resultados de grandes amostras
[29,34,36,45,52,56].
A idade média ponderada na altura na data da cirurgia foi 4,3 anos (entre 0,3 e
19,8 anos). A maioria dos estudos avaliou os resultados de uma técnica
cirúrgica em doentes com um espectro de idades alargado.
Os diagnósticos mais frequentes foram a CORI, défice de abdução e/ou rotação
externa e, por último, instabilidade/incongruência gleno-umeral (66,7%, 23,8% e
9,5%, respetivamente).
Em 76% dos estudos foi avaliada a gravidade da lesão segundo a classificação de
Narakas: 8 estudos[27,34,38,39,50,53,63,59] não incluíram doentes com parésias
completas (GIII ou IV de Narakas) e num estudo[22] apenas se incluíram doentes
parésias completas.
A avaliação das alterações da morfologia da glenoide e congruência articular
foi realizada de vários modos: em 12 estudos[2,7,11,12,20,21,29,30,39,40,41,43]
foi utilizada a classificação de Waters; a descrição em congruente/não
congruente foi realizada em 10 estudos[26,31,36,40,43,49,52,53,54,59]; a
descrição morfológica foi realizada em 10 estudos
[24,31,35,37,40,44,48,49,57,58]; e dois estudos[38,39] fizeram a avaliação
segundo a GDS. Seis estudos incluíram doentes sem alterações ou com alterações
morfológicas ligeiras e ombros estáveis[26,28,35,37,52,63] (todos utilizaram
técnicas de partes moles) enquanto 9 estudos incluíram doentes com alterações
moderadas a graves da morfologia e/ou instabilidade gleno-umeral (2 com
técnicas de partes moles[45,49], 6 com técnicas ósseas[42,43,48,59,61,58] e um
[33] com combinação de transferências tendinosas com glenoplastia). Os
restantes estudos incluíram doentes com vários tipos de displasia e
instabilidade gleno-umeral.
Outras avaliações foram utilizadas - classificação de Gilbert[22,52], MRC
[23,30,37,50,51,55,63], AMS[33,60], avaliação da morfologia da cintura
escapular[43] e distância coracoumeral[47]; que apesar de serem instrumentos
válidos, são pouco utilizados, o que limita o valor comparativo da sua
utilização.
Em relação à inclusão de doentes submetidos a reparação primária prévia, 50%
dos estudos não refere se incluiu ou excluiu estes doentes. Sete estudos
[22,34,35,37,49,50,63] não incluíram doentes submetidos a qualquer tipo de
cirurgia de reparação primária do plexo braquial, enquanto 14 estudos
[24,27,29,33,36,38,39,42,44,45,48,52,55,56] incluíram.
O tempo médio de follow-up foi 3,9 meses (1,1[39]-30[37]).
Tipos de Intervenções
As cirurgias paliativas do ombro nas LOPB incluídas nesta revisão foram
classificadas em 3 grupos: procedimentos de partes moles - 27 estudos (1266
doentes); procedimentos ósseos - 12 estudos (482 doentes); procedimentos
ósseos e transferências musculares associadas - 3 estudos (125 doentes)
(Quadro_II).
Quadro_II
Eficácia das Intervenções
Mobilidades
Todos os estudos mostraram melhoria na rotação externa, sendo o ganho médio
ponderado de 58,4º (26,8[58] - 104º[22]). A média da rotação externa final foi
de 65,1º. Apenas um estudo não apresentou melhoria na abdução[25], sendo que o
ganho na abdução foi de 60,8º (-7º[25] - 117º[45]). A média da abdução
final nos estudos foi de 137,8º.
Relativamente à rotação externa final, as cirurgias de partes moles
apresentaram 69,3º (ganho 56,5º), as cirurgias ósseas 55,5º (ganho 55,5º) e as
cirurgias combinadas 45º (ganho 78,8º). As mobilidades por técnica cirúrgica
estão representadas na figura_6.
Figura_6
Na abdução final, as cirurgias de partes moles apresentaram 140,4º (ganho
61,0º), as cirurgias ósseas 124,2º (ganho 62,8º) e as cirurgias combinadas
123,6º (ganho 54,9º). As mobilidades por técnica cirúrgica estão representadas
na figura_7.
Figura_7
Escala de Mallet
Todos os estudos mostraram melhoria no classificação de Mallet total, sendo o
ganho médio ponderado de 5,0 (1,639 - 8,0[56,60]). O Mallet total final
médio foi 16,3 (12,0[40] - 20,7[55]). O parâmetro da rotação externa do
Mallet melhorou 1,5 (0,6[39] - 2,0[26,56,59-61]), sendo a média ponderada
final de 3,6 (2,1[33] - 4,0[26,56,59-61]). O parâmetro da rotação interna
teve um ganho médio de 0,2 (-2,1[31] - 1,0[48,60]), sendo a média final
2,5 (2,0[60] - 3,3[44]).
Relativamente ao Mallet final, as cirurgias de partes moles apresentaram 16,3
(ganho 5,1), as cirurgias ósseas 15,7 (ganho 4,5) e as cirurgias combinadas
18,7 (ganho 6,6). O Mallet final por técnica cirúrgica está representado na
figura_8.
Figura_8
Relativamente aos parâmetros de rotação externa e interna da classificação de
Mallet, as cirurgias de partes moles apresentaram 3,8 (ganho 1,6) e 2,4 (ganho
0,1), as cirurgias ósseas 3,5 (ganho 1,2) e as cirurgias combinadas 2,1 (ganho
1,8) e 2,1 (ganho -0,8), respetivamente. Os parâmetros de rotação externa e
interna por técnica cirúrgica estão representados na figura_9.
Figura_9
Remodelação da glenoide
Apesar de 76% dos estudos realizarem avaliação da deformidade pré-operatória,
apenas 48% consideram o grau de alteração morfológica nas indicações cirúrgicas
e apenas 41% avaliam o efeito destas na remodelação gleno-umeral. Quer as
técnicas em partes moles, quer os procedimentos ósseos têm evidência a favor e
contra a capacidade remodelativa destas técnicas. Nas primeiras, Kozin et al
[39] num estudo com 23 crianças com 5,1 anos de idade média, com followup de um
ano, mostra melhoria clínica e funcional, embora sem alterações da morfologia e
estabilidade gleno-umeral, enquanto Waters et al[62], refere que estas técnicas
têm a capacidade de parar a evolução das alterações, e observou uma melhoria
marginal, que atribuiu a um possível resultado do crescimento normal. A
evidência restante[24,31,32,38,41,50,53,57,60] apoia a capacidade de
remodelação óssea, com melhoria da versão glenóideia entre 9 e 21º e a PHHA
entre 4 e 25%. Nos procedimentos ósseos, Waters e Bae[61] num estudo com OTM de
desrotação umeral, demonstrou que esta técnica não tem capacidade de remodelar
a morfologia óssea. No entanto, as técnicas - tilt triangular[43], glenoplastia
[33] e OTM de rotação interna[58,59], parecem ter um efeito benéfico na
estabilidade e morfologia da articulação gleno-umeral (Quadro_III).
Quadro_III
Complicações
Apenas 23 estudos (54,8%) reportaram as complicações. Em 2 estudos[24,27] não
ocorreram complicações. A complicação mais frequentemente reportada, e que por
vezes necessitou de correção cirúrgica, foi a contractura em rotação externa
(CORE) / limitação da rotação externa, presente em 10 estudos
[22,30,32,33,40,41,49,53,54,57] (em 4[22,30,49,54] estudos verificou-se em mais
de 50% dos pacientes). Em 8 estudos ocorreram casos de falência do tratamento:
4 estudos com técnicas de partes moles[26,31,34,52 e 4] estudos com
procedimentos ósseos[25,36,59,58]. Outras complicações reportadas foram
neuropraxias transitórias[25], secção nervosa[33], e problemas relacionados com
a incisão como seromas[26], queloides[34] e deiscência de sutura[63].
DISCUSSÃO
A nossa estratégia de pesquisa foi minuciosa e sistemática, o que permite a sua
replicação posterior. Foi realizada uma pesquisa abrangente em várias bases de
dados, com pesquisa secundária através das referências de cada artigo
selecionado. Embora a exclusão de artigos escritos em Francês e os limites da
pesquisa até 10 anos possam representar a exclusão de alguns artigos
importantes, estamos confiantes que a maioria da evidência relevante sobre este
tópico foi incluída. Outra limitação da nossa revisão foi a ausência de
ocultação do autor e fonte do artigo.
Um achado importante deste artigo é que os estudos que avaliam os resultados
das técnicas paliativas nas sequelas gleno-umerais de LOPB são de natureza
heterogénea e diferem em variados parâmetros como a idade na data da cirurgia,
a extensão das lesões pré-operatórias, o tempo de seguimento, entre outros.
Esta heterogeneidade deve-se em parte à ausência de consenso nas indicações e
timing destas técnicas. Procuramos realizar uma análise post-hoc simples destas
variáveis, para observar eventuais diferenças de resultados. Assim, os
resultados desta revisão devem de ser interpretados com cautela pois, embora a
qualidade metodológica dos estudo incluídos seja aceitável, o nível de
evidência é baixo, estão presentes vários viéses e as populações têm muita
heterogeneidade intra e interestudos.
Mobilidade e Função:
As técnicas de partes moles e ósseas apresentam ganhos na RE ativa na ordem dos
55º. Os procedimentos combinados, embora com poucos estudos disponíveis,
parecem obter ganhos de quase 80º, o que aponta para um eventual benefício
cumulativo das intervenções. Na abdução, observouse melhoria perto dos 60º para
qualquer grupo de técnicas. As cirurgias de partes moles genericamente
apresentam os maiores valores de mobilidades finais, porque são estes doentes
que têm maior mobilidade prévia à intervenção. A recuperação funcional,
avaliada pela classificação de Mallet, é menor com procedimentos ósseos,
observando-se um ganho médio de 4,5 pontos, enquanto as cirurgias de partes
moles e combinadas obtêm 5,1 e 6,6, respetivamente.
Considerando as cirurgias de partes moles, há autores que defendem a utilização
sistemática de transferências tendinosas com as libertações articulares, por
garantirem ganhos superiores na rotação externa, abdução, função e capacidade
de manutenção da redução articular, em oposição aos que defendem procedimentos
faseados, para evitarem perda de força da RI e contracturas em RE. No entanto,
em alguns estudos com transferências, há menor limitação funcional na rotação
interna, em comparação a libertações articulares: Waters e Bae[60] mostra um
ganho médio de 1 ponto no parâmetro de rotação interna da classificação de
Mallet enquanto Van Slujis et al[57] e Breton et al[31] mostram limitação entre
0,6 e 2,1, respetivamente. Para tal pode justificar o recurso a libertações
excessivas nos casos mais severos numa tentativa de estabilização gleno-umeral,
sem recurso a transferência tendinosas para reequilíbrio muscular.
Embora não tenha sido realizado nenhum estudo comparativo entre a transferência
do trapézio e do GD±RM, o último é capaz de aumentar a abdução, por aumentar a
força de acoplagem, que permite maior eficácia do deltoide[29,34,51], e a
rotação externa é inferior com a transferência do trapézio.
Os resultados desta revisão mostram vantagem na utilização de transferências,
em particular do GD±RM, para aumentar as libertações articulares, com
resultados consistentemente superiores na mobilidade e função, e com perdas
mínimas na RI que, na maioria das situações, não influenciam as AVDs[22,53,57].
A libertação articular isolada deve ser ponderada precocemente na criança sem
alterações ósseas, que inicia o desenvolvimento da CORI.
Com procedimentos ósseos, os resultados são muito variáveis: a OTM de RI para
recentragem da cabeça umeral, embora com recuperações modestas na mobilidade
articular (RE +26,8º e Abd +46,8º), permite um ganho funcional excelente (+5,2
na escala de Mallet); a Osteotomia de desrotação umeral permite colocar o
membro superior na posição ideal, apresentando assim bons resultados na
melhoria da mobilidade (RE +58º e Abd +64,1º) e função (+3,6 pontos); a
Glenoplastia permitiu obter os ganhos mais elevados de RE (+72º), mas com
discreta melhoria da abdução (+25º); o Tilt Triangular é uma técnica com
resultados apenas descritos pelo seu autor - R. Nath, e embora sem resultados
publicados para a mobilidade, tem uma excelente recuperação funcional, com
ganho de 5,4 pontos no Mallet global.
Genericamente todas as técnicas têm bons resultados, quer na mobilidade ativa,
quer na classificação funcional de Mallet. Embora não exista consenso em
relação às indicações de cada técnica, a idade não parece representar um limite
para as técnicas de partes moles: pacientes mais velhos podem ter resultados
inferiores[34,50,55], mas verificase sempre benefício. Não se demonstrou um
limite de deformidade óssea para o qual as técnicas de partes moles deixem de
ter benefício, mas nas situações graves (= Waters V), é preferida a utilização
de procedimentos ósseos. A técnica mais citada é a OTM de desrotação umeral
externa, que apenas coloca o membro numa posição mais funcional, mas faltam
estudos que esclareçam quais as melhores indicações de cada técnica: as OTM de
RI, bem como o Tilt Triangular, parecem ter mais eficácia em doentes novos,
onde tiram partido do potencial de remodelação ósseo. São estas técnicas que
apresentam as maiores recuperações funcionais. A Glenoplastia permite bons
ganhos de RE e uma excelente estabilidade gleno-umeral, embora tecnicamente
exigente. A OTM de desrotação é uma técnica simples, que permite um ganho
significativo de mobilidade e função, independentemente da idade e alterações
ósseas. Ainda não se sabe qual a tendência destas técnicas para complicações
tardias como artrose e dor, bem como perda de benefício, além da eventual
vantagem de combinação destas técnicas com transferências tendinosas.
Remodelação Gleno-umeral:
A maior parte da evidência parece apontar para um efeito benéfico das cirurgias
de partes moles, na remodelação e estabilidade gleno-umeral: 8 estudos
[24,31,32,38,41,50,53,60] são concordantes no efeito benéfico destas técnicas,
mostrando melhoria da retroversão da glenoide entre 9 e 21º, da PHHA entre 4 e
25%, bem como da congruência e morfologia (Quadro_III). Apenas 2 estudos não
observaram capacidade de reverter deformidades ósseas: Waters e Bae[62] referem
que as cirurgias de partes moles têm, pelo menos, a capacidade de terminar as
alterações displásicas, sendo a melhoria marginal verificada o resultado
eventual da maturação esquelética normal; enquanto Kozin et al[39], num estudo
com 23 doentes de idade média na data da cirurgia de 5,1 anos e com um ano de
seguimento, não mostrou alteração da morfologia óssea. Para estes resultados
podem ter contribuído a idade avançada dos pacientes e um tempo curto de
follow-up.
Dos procedimentos ósseos apenas a OTM de desrotação umeral externa não
demonstrou capacidade para alterar a configuração óssea, uma vez que não tem
efeito a nível articular. Tanto a Glenoplastia[33], como o tilt triangular[45]
ou a OTM de RI[58,59] apresentam resultados positivos na morfologia e
congruência articular, embora sejam escassos os dados que suportam estas
afirmações.
Fatores que condicionam o prognóstico
Não há consenso sobre a influência da idade[37] nos outcomes dos pacientes: a
favor da ausência de influência da idade, Pearl[20] refere que as
transferências tendinosas podem ter benefício mesmo após os 9/10 anos na
ausência de alterações ósseas e incongruência gleno-umeral; Hui concluiu que a
idade não altera o outcome num estudo com idades médias dos pacientes de 2,5
anos; e Newman[49] não encontrou diferenças significativas na mobilidade em
grupos de diferentes idades. Outros autores apresentam diferenças de resultados
com diferentes idades: Javid[35] com transferências tendinosas e Nath[46] com
Tilt Triangular concluíram que são obtidos resultados superiores na remodelação
se as cirurgias forem realizadas em idade precoce; El Gammal[34], Ozben[50] e
Terzis[55] mostram benefícios em todas as idades, embora menores nos doentes
com idades mais avançadas. Nesta revisão a análise por idade não foi possível
devido a uma grande heterogeneidade das amostras dos estudos.
Poucos autores avaliaram a influencia do grau de lesão (Narakas) ou da
mobilidade pré-operatória. Pagnotta[52] no seu estudo com 203 doentes encontrou
melhores resultados nas lesões Narakas I e piores nos Narakas III /IV. Terzis
[55] encontrou resultados similares - Narakas III/IV apenas recuperam em RE.
Comparando os resultados dos estudos que incluíram apenas doentes com lesões
parciais, Narakas I/II, com estudos que incluíram todos o espectro de lesões
observamos resultados superiores no último grupo. No entanto, estes resultados
parecem ser enviesados por amostras menores e aplicação de técnicas que obtêm
resultados inferiores, como as libertações articulares simples, nos estudos
unicamente com pacientes Narakas I/II. Ainda, o facto de não ser possível uma
comparação direta de resultados entre lesões parciais e completas pode alterar
significativamente os resultados.
Parece haver consenso que as transferências devem ser de músculos com força =
M3 (MRC), mesmo que seja o resultado de uma cirurgia primária prévia. A maioria
dos estudos incluiu doentes com algum tipo de cirurgia de reinervação/reparação
do plexo braquial, e são estes que apresentam melhor mobilidade e Mallet
global. É assim sugerido que a utilização de cirurgias primárias nos casos
estão indicadas, poderá ser benéfica para a função final do membro.
Em relação à morfologia e estabilidade glenoumeral foram encontrados resultados
semelhantes: nos estudos onde foram incluídos apenas doentes com sem alterações
ou alterações ligeiras (equivalente a Waters 2), ou ombros estavéis,
observaram-se resultados superiores. Nenhum estudo com técnicas ósseas incluiu
apenas doentes com alterações ligeiras ou ombros estáveis.
Apenas 3 estudos[32,37,52] apresentaram resultados de seguimentos superiores a
10 anos de cirurgia. Todos utilizaram técnicas de partes moles e todos
demonstram perda dos ganhos iniciais, especialmente da abdução, sendo que os
ganhos de rotação externa se mantêm em algum grau. Entre os 5 e os 10 anos após
cirurgia é que se observam os maiores ganhos, independentemente da técnica.
Desconhece-se a razão para a perda tardia de função - Kirkos[37] refere uma
eventual relação com a degeneração do músculo devido à tensão da tenodese e
compressão pela musculatura adjacente na nova posição, enquanto Pagnotta[52]
refere que o abandono da reabilitação e desuso do membro afetado na altura da
adolescência poderão ser as causas da diminuição dos resultados.
CONCLUSÃO
Implicações para a prática clínica
As cirurgias paliativas para tratamento de sequelas de LOPB no ombro estão bem
documentadas e difundidas a nível internacional. Todas a técnicas têm
capacidade para aumentar as mobilidades ativas e a função do membro superior,
sendo a complicação mais frequente uma perda de mobilidade em RI, habitualmente
sem impacto funcional. Não há ainda um consenso claro sobre as indicações,
sendo que as libertações articulares são importantes precocemente para manter a
congruência e melhorar a morfologia articular, as transferências tendinosas têm
um benefício em quase todos os doentes, independentemente da idade e alterações
ósseas, podendo mesmo utilizarse de forma combinada com procedimentos ósseos,
embora haja evidência da perda de efeito 10 anos após a cirurgia. As cirurgias
ósseas, geralmente consideradas procedimentos de salvação em alterações
displásicas graves e idades avançadas, têm agora técnicas que parecem ser
benéficas quando aplicadas cedo, como o tilt triangular ou a OTM de RI, embora
a evidência seja muito limitada.
Implicações para a investigação futura:
Os resultados desta revisão sistemática revelam a necessidade de mais
investigação para que possam ser determinados protocolos assertivos de atuação,
em relação aos critérios e timing cirúrgicos. Para alcançar estes objetivos é
necessário a realização de estudos comparativos prospetivos, com tempos de
seguimento elevados para se concluir quais as técnicas mais eficazes e a causa
da diminuição dos ganhos. Estas considerações podem ser de difícil aplicação
pela baixa frequência e elevada heterogeneidade da população em causa. No
entanto, devem-se desenvolver diferentes subgrupos pelas variáveis que podem
influenciar o prognóstico e que aqui foram apresentadas. Os benefícios de
desenhar estudos rigorosos e de alta qualidade ultrapassam largamente as
dificuldades, pelo potencial que têm de fornecer os cuidados mais adequados às
crianças com LOPB melhorando assim a sua qualidade de vida.