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EuPTCVHe1646-21222014000100016

EuPTCVHe1646-21222014000100016

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1646-2122
ano2014
Issue0001
Article number00016

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Procedimento de Huntington no tratamento de grande defeito ósseo em osteomielite da tíbia

INTRODUÇÃO As grandes perdas ósseas, sobretudo quando associadas a infeção local, constituem um desafio terapêutico importante. Cirurgias múltiplas, na tentativa de obter a reconstrução osteoarticular e debelar a infeção, aumentam o risco de recidiva e resultam frequentemente em defeitos ósseos extensos, podendo levar à necessidade de amputação do membro. A transposição do perónio ipsilateral para a tíbia foi realizada com sucesso pela primeira vez em 1903, por Huntington num defeito de 12,7 cm numa criança de sete anos1. Subsequentemente, vários autores utilizaram e descreveram técnicas semelhantes.

CASO CLÍNICO Descreve-se o caso de uma criança de nove anos, do género feminino, raça negra, natural de Moçambique, drepanocítica, órfã de pais HIV-positivos, com dor referida à perna e ombro direitos com cerca de quatro semanas de evolução, a que se associaram lesões pustulosas na face antero-interna da perna. Por ter iniciado febre e drenagem espontânea, recorreu à consulta externa de ortopedia infantil. À observação apresentava tumefação e calor a nível do ombro e perna, fístulas com drenagem sero-purulenta, dor à mobilização passiva e ativa do ombro, bem como à palpação da perna.

Analiticamente apresentava anemia (Hb 6,26 g/dL), leucocitose (19.20 x 103/µL), neutrofilia (82.2%), velocidade de sedimentação de 120 mm/h. A pesquisa de plasmodium e HIV foram negativos.

A radiografia simples do ombro direito apresentava alterações sugestivas de osteomielite da extremidade proximal do úmero e dos dois terços proximais da tíbia direita.

Foi internada com o diagnóstico de artrite séptica do ombro direito e osteomielite crónica da tíbia ipsilateral. Realizou-se drenagem aspirativa de exsudado purulento do ombro direito e antibioterapia intravenosa empírica com cloxacilina e gentamicina. Registou-se melhoria clínica e laboratorial com exame microbiológico inconclusivo, pelo que teve alta hospitalar medicada com cloxacilina oral, cumprindo um total de sete semanas de antibioterapia.

Nas sucessivas consultas de seguimento verificou-se remissão total clínica e imagiológica relativa ao ombro direito, mas recorrência da dor e exsudado purulento a nível das fístulas da perna direita, com evidência de importante sequestro ósseo. Por subsequente fratura patológica (Figura_1), foi readmitida três meses após o primeiro internamento. Realizou-se limpeza cirúrgica e sequestrectomia, resultando perda de um importante segmento da diáfise da tíbia (Figura_2).

Após estabilização dos tecidos moles, com remissão da drenagem e sinais inflamatórios locais, oito semanas após o último internamento foi submetida a primeira fase do procedimento de Huntington com osteotomia proximal do perónio e fixação tíbio-peronial a este nível (Figura_3 e 4A). Dez semanas depois apresentava sinais de consolidação e procedeu-se à fixação tibio-peronial distal. Clinicamente, aos seis meses após a última cirurgia, apresenta um membro funcional, que permite carga e com alinhamento aceitável. Do ponto de vista imagiológico apresenta consolidação tibio-peronial e remodelação do perónio (Figura_4B).

DISCUSSÃO As grandes perdas ósseas a nível da tíbia constituem um desafio terapêutico.

Neste contexto, diversas técnicas utilizando o perónio como enxerto têm sido descritas. Uma dessas técnicas utiliza o perónio ipsilateral ou contralateral como enxerto estrutural não vascularizado. Por este motivo, apresenta taxas de complicações mais elevadas, nomeadamente fraturas e infeção2. Outras técnicas utilizam perónio vascularizado, dissecando, isolando e mantendo a sua vascularização, ou colhendo o enxerto e reanastomosando por microcirurgia.

Nestes casos deve ser realizado um estudo angiográfico pré-operatório3,4.

O procedimento de Huntington envolve a osteotomia do perónio ipsilateral e respetiva mobilização medial com fixação à tíbia, com dissecção mínima e mantendo a maioria das inserções musculares1. Estes aspetos permitem preservar a sua vascularização, sem necessidade de recorrer a complexas técnicas de microcirurgia, Desta forma, é promovida a consolidação, bem como a sua integração com a reconstrução do defeito tibial a ser conseguida em oito de onze doentes, num estudo de Kassab et al5.

No primeiro tempo é realizada exposição e decorticação da tíbia proximal, desperiostização de cerca de 4 cm e osteotomia proximal do perónio. O perónio é medialisado e fixado à tíbia proximal. É realizada imobilização cruropodálica durante cerca de dez a doze semanas até ser obtida a consolidação proximal. No segundo tempo é realizado um procedimento semelhante a nível da tíbia distal (Figura_4A). É mantida a imobilização até se constatar consolidação distal, após a qual se inicia carga parcial protegida com imobilização suropodálica durante cerca de 6 a 8 semanas. Modificações ao método devem ser realizadas caso a caso, em função do doente, do defeito ósseo, condições de partes moles ou presença de infeção5,6.

A fixação da reconstrução é obtida recorrendo a parafusos para fixação tíbio- peronial e imobilização gessada cruropodálica, que se encontram disponíveis em qualquer instituição onde se realize cirurgia ortopédica6.

Algumas das desvantagens desta técnica são tratar-se de um procedimento realizado em dois tempos e de, na eventualidade de não se obter consolidação, o doente ficar com uma perna flácida, por perda do efeito estabilizador do perónio intacto6.

Neste caso clínico é apresentada uma complicação da drepanocitose, uma patologia frequente na África subsariana. A apresentação tardia, comum neste contexto, tem como consequência um quadro mais exuberante que coloca um verdadeiro desafio ao ortopedista. A técnica utilizada permitiu obter um resultado muito satisfatório, com tratamento da infeção e restituição da função do membro.

Este procedimento revelou-se uma solução eficaz na abordagem de uma situação clínica complexa, sem necessidade de exames complementares de diagnóstico mais dispendiosos, ou técnicas de microcirurgia disponíveis apenas em centros mais diferenciados. Realça-se assim a sua utilidade no tratamento de grandes defeitos ósseos de uma forma generalizada, mas sobretudo num contexto de recursos limitados.


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