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EuPTCVHe1646-21222014000200003

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variedadeEu
ano2014
fonteScielo

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Aspectos forenses das lesões ortopédicas nos atropelamentos

INTRODUÇÃO O atropelamento tem um sentido amplo, "passar por cima de algo", ou "empurrar violentamente alguém para abrir passagem". Em medicina legal é o impacto ou a sobre passagem de pessoas ou animais, de que podem resultar lesões e mortes.

Normalmente, trata-se de acidente que gera ação civil ou penal contra o condutor, mas em alguns casos pode ser de etiologia suicida ou mesmo homicida.

Classificação dos tipos de veículos atropeladores segundo Calabuig [1] Veículos com rodas desprovidas de pneus Veículos de tração animal: veículos primitivos utilizados nos trabalhos agrícolas e que ainda encontramos em algumas aldeias, de interesse traumatológico, possui baixa velocidade e uma relação inversa entre o peso e sua velocidade, além do tipo de rodas.

Veículos de trajeto obrigatório: representados pelos comboios e elétricos, tem como características traumatológicas, o deslizamento sobre trilhos, rodas de ferro com superfície de apoio plana e barra lateral, grande velocidade e peso.

A diferença entre o comboio e o elétrico é notória. O primeiro é composto por múltiplas carruagens e acabam por produzir sucessivas lesões.

Veículos com pneus Bicicletas: como agente material de atropelamento, caracteriza-se pela sua instabilidade, reduzido peso e baixa velocidade.

Motocicletas: veículos dotados de motor que podem atingir grandes velocidades e provocar atropelamentos de maior gravidade e com maior peso que as bicicletas.

Automóvel: como características resumidas destaca-se o peso, a velocidade e a manobrabilidade.

Veículos de grande tonelagem: caminhões, autocarros ou veículos semelhantes, que podem atingir grandes velocidades e com potencial muito mais lesivo face a sua grande massa, peso e difícil manobrabilidade.

Fatores que mais influenciam o potencial lesivo dos veículos atropelantes

* Massa.

* Velocidade (as duas juntas condicionam a energia cinética conforme a fórmula * Tipo de rodas.

* Estabilidade.

* Manobrabilidade.

A presença de partes salientes do veículo podem ainda imprimir lesões particulares nas vítimas, típicas de alguns mecanismos de atropelamento, tais como a marca em estrela da Mercedes Benz ou queimaduras pelas grades do radiador e lacerações por pára-choques2,3.

Lesões por atropelamento O atropelamento é considerado um traumatismo complexo. As lesões podem ter diversas ações (contundentes, cortantes, perfurantes e térmicas) e atuar de forma isolada ou associada dependendo das fases. Cada fase do traumatismo imprime determinado padrão de lesão com enorme interesse na abordagem do politraumatizado, que permite avaliar a magnitude da energia, reconstruir o acidente e valorizar as sequelas no dano corporal pós traumático.

Fases do atropelamento Regra geral, o atropelamento segue determinada sequência com 4 fases. Nem sempre essas fases se encontram totalmente presentes, o que nos permite distinguir algumas variedades como sendo típico completo ou incompleto2,3,4,5.

O atropelamento típico completo, desenvolve-se sequencialmente nas seguintes fases: colisão, queda, esmagamento e arrastamento.

Colisão: É caracterizada pelo contato mais ou menos violento do veículo com a vítima. O embate pode ser único ou múltiplo num breve espaço de tempo, por traumatismos sucessivos contra diferentes partes do veículo. A localização das lesões depende da relação entre as regiões do veículo que entram em contato com a vítima e a sua posição. São basicamente feridas de ação contundente, tais como escoriações, contusões e lacerações, que podem estar associadas com diferentes fraturas.

Pode ser subdividido em uma fase de impacto primário e secundário5: Impacto primário: corresponde ao traumatismo inicial que o veículo provoca no peão, geralmente nos membros inferiores. As lesões típicas são as produzidas pelo para-choque nos ossos da perna "bumper fracture"e tem- se modificado ao longo do tempo. Os pára-choques modernos deformam mais, fragmentando-se e dissipando energia, um conceito oposto aos dos pára-choques de outrora, mais resistentes e quase sempre de metal. No entanto, a maior distribuição das forças do impacto, embora produza fraturas de menor gravidade na diáfise da tíbia, aumenta o risco de lesões ligamentares e meniscais associadas.

A ausência de "bumper fracture" é comum quando a vítima é colhida pela região lateral do veículo, tal como acontece quando o sinistrado está no meio de dois veículos estacionados e projeta a cabeça antes da marcha. Nestas circunstâncias as lesões ocorrem diretamente na cabeça, com posterior queda para trás2.

A tíbia e o perónio são os ossos mais atingidos durante o atropelamento.

Burgess et al. salientaram a gravidade das fraturas da tíbia sofridas por peões e demonstraram que 93% deste tipo de lesões são causadas por impactos de alta energia, 30% são bilaterais e 65% são fracturas expostas tipo III deGustilo. Os acidentes graves contribuem com 33% do casos e nestas circunstâncias os sinistrados sofrem lesões multi-sistêmicas (43% apresentam lesões cranianas ou pélvicas6). Fraturas semelhantes são produzidas em idosos com osteoporose7 por mecanismos de baixa energia.

Geralmente o ponto do impacto naperna é mais baixo que a altura do para-choque, por vezes com fraturas logo acima do tornozelo, o que indica uma tentativa de travagem, isto porque durante a travagem a frente do veículo tende a aproximar- se mais do solo2,3,8. Traumatismos em diferentes níveis de ambas as pernas, podem indicar que a vítima foi atingida enquanto caminhava ou corria, e neste caso, a perna com maior fratura costuma ser a que sustentava o peso do corpo durante o embate, apresentando quase sempre uma fratura cominutiva, segmentar, ou em espiral, pela acção de várias forças2,3,8,9.

As fraturas da tíbia e do perónio resultantes de um traumatismo direto encontram-se ao mesmo nível e normalmente são de traço transverso ou com fragmento em asa de borboleta,  com o ápice do triângulo apontando a direção em que o veículo viajava e a base do triângulo, para o lado do impacto2,8,9,10.

Conhecida como "Messerer fracture",11. A sua interpretação tem sido questionada.

A fratura diafisária da tíbia, habitualmente no terço médio, face a pouca cobertura de tecidos moles, tende a ser exposta, geralmente com a ferida no lado oposto ao traumatismo. As fraturas dos pratos tibiais também são frequentes e resultam de mecanismos varo/valgo, com dissociação metafiso- diafisária (tipo VI de Schatzker). As fracturas mais graves, são frequentes nos acidentes de alta energia.12 (Figuras_1_a_3)

Figura_1

Figura_2

Figura_3

Impacto secundário: É o traumatismo do peão com o veículo, ocorre quando a velocidade do veículo é superior aos 20km/h, tal embate pode ocorrer no para lamas, nas lanternas dianteiras, no capô ou na moldura do pára-brisa. 2,3,4,5 As lesões no peão costumam atingir a metade superior do corpo (fraturas da pelve, dorso, cabeça, coluna cervical). O impacto sobre as luzes dianteiras provoca lesões nas nádegas, face lateral das coxas, gerando um descolamento entre a camada mais densa do tecido adiposo e a mais frouxa, dando origem a uma nova cavidade com hematoma associado, conhecido como "descolamento traumático de Morell Lavallé", muitas vezes não diagnosticado na abordagem inicial13.

Queda: Quando a velocidade do veículo é de 40 a 50km/h e o impacto primário se produz abaixo do centro de gravidade da vítima, esta escorrega pelo capô e cai ao solo. A lesão característica que ocorre na cabeça é do tipo "golpe e contra golpe" e nos membros superiores, são fraturas do punho, cotovelo ou úmero (Figura_4). Pode o peão cair sentado com traumatismo na região sacroilíaca.

Outras vezes, a hiperextensão do pescoço, pela aceleração/desaceleração pode produzir luxações ou fraturas, como a do processo odontóide13.

Figura_4

Esmagamento: Nos casos típicos, essa fase decorre em dois tempos.

a) O veículo avança sobre a vítima, que está no solo, atingindo-a e passando por cima, ou afastando-a para o lado.

b) Quando ocorre passagem por cima, o corpo da vítima é comprimido contra o solo pelas rodas ou outras partes do veículo, esmagando-o. (Figura_5) O descolamento traumático, pode assumir grandes proporções com exposição dos planos mais profundos nos indivíduos mais obesos. Com a travagem, as rodas permanecem bloqueadas, propiciando lesões mistas de esmagamento e de arrasto9,13, facilmente identificáveis por um perito experiente, informação importante para a reconstrução da dinâmica do evento. Não raro, marcas do pneu podem ficar impressas na pele ou roupa da vítima (estrias pneumáticas de Simonin).

Figura_5

As lesões variam segundo a natureza, gravidade e tipo de veículo. A intensidade do impacto, pode provocar lesões ósseas e articulares, de localização variável, dependendo da região esmagada e pode mesmo triturar. As lesões cutâneas podem ser de pouca gravidade mas de grande valor pericial para a identificação do veículo. A gravidade do atropelamento pode ainda causar lesões viscerais, rotura de vísceras ocas e lacerações em órgãos maciços2,3.

Como forma de minimizar estas lesões, determinados veículos de trajeto obrigatório, possuem dispositivos dianteiros de forma a empurrar a vítima para fora do seu trajeto, produzindo algumas escoriações típicas4.

Arrastamento:No seguimento das fases anteriores a vítima pode permanecer presa ao veículo sendo arrastada por este. Relaciona-se com o impulso que o veículo lhe transmite durante a fase do choque. As lesões são características nas faces expostas ao atrito com o solo, podendo alternar com áreas protegidas pelas vestes, conhecidas como escoriações em saltos. São escoriações tipo placas de arrasto de aspecto apergaminhado quando desidratadas pelo fenómeno post mortem.14,15 (Figura_6)

Figura_6

Atropelamento incompleto As fases descritas, que compõem o atropelamento típico são encontradas quando o peão se encontra de . Existem situações que faltam algumas fases, sendo assim um atropelamento incompleto, as variedades mais frequentes são: Quando a vítima está no chão (suicídios, homicídios, mal súbito). As fases de choque e queda estão ausentes, iniciando o complexo lesional pelo esmagamento.

Nos casos em que a vítima esta de no momento do embate inicial, este pode ser reduzido ao choque e queda apenas, faltando as duas últimas fases, devido a massa leve do veículo, ou a alta velocidade, que projeta a vítima a distância, afastando-a do seu caminho.

O arrastamento é aleatório, pois depende da existência de uma parte que sobressai do veículo e arraste a vítima, ou de que a roupa da vítima fique presa a alguma peça do veículo.

Alguns atropelamentos podem apresentar somente uma fase isolada dificultando a interpretação.

Trajetórias típicas do atropelado As trajetórias de acordo com o segundo impacto, acima ou abaixo do centro de gravidade do peão podem ser agrupadas de acordo com Ravine em cinco trajetórias básicas, "wrap, forward projection, fender vault, roof vault e somersault" (Tabela_1, Figura_7). Becker, acrescenta mais uma modalidade, "dragging"4.

Figura_7

Projeção frontal - forward projection. Com o segundo impacto acima do centro de gravidade, o peão é projetado para a frente. Ocorre com as crianças atropeladas por automóveis ou por adultos atingidos por veículos de frente alta. Numa segunda fase o veículo tende a passar sobre o peão.

Montagem sobre o capô - wrap: É a mais comum das trajetórias e ocorre com o veículo, normalmente em desaceleração. Quando o segundo impacto do veículo com o peão ocorre em ponto acima do ponto inicial e abaixo do centro de gravidade, aumentando a velocidade de rotação no sentido anti-horário imposta pelo primeiro contato, determinando o pivoteamento do corpo ao redor da zona do segundo contato, comumente o extremo superior dianteiro do veículo, fazendo com que a parte superior do corpo atinja o capô, contra o qual se amolda momentaneamente, como se o abraçasse, daí o nome em inglês wrap. O sentido anti-horário da rotação, portanto contrário à trajetória do veículo intensifica o choque, fazendo com que a parte superior do corpo permaneça em grande contacto com o capô, até que se separa do veículo devido a desaceleração deste, seguindo-se a projeção para a frente.

Passagem pelo pára-lama (fender vault): O peão atropelado projeta-se sobre o pára-lama, caindo lateralmente na trajetória do veículo. Normalmente ocorre quando a pessoa é atingida pelas extremidades da parte frontal, impactos parciais ou quando dotada de alguma velocidade, atravessando a via, andando apressadamente ou conjugada com a velocidade do veículo, determinando um movimento lateral secundário.

Passagem sobre o teto -roof vault: é encontrada quando o veículo tem a frente rebaixada, e o centro de gravidade do peão fica um pouco mais elevado, quer esteja em aceleração ou desaceleração e, ainda, quando o veículo desenvolve maiores velocidades. No caso, o primeiro contato por baixo do centro de gravidade maximiza a velocidade de rotação no sentido anti-horário. Assim o peão é projetado para trás, sobre o teto ou mesmo sobre a parte traseira do veículo.

Salto mortal - sommersault: É uma variação do wrap. Ocorre com velocidades mais elevadas ou com impacto de veículo com frente rebaixada contra os membros inferiores, produzindo a descrição de uma trajetória circular no ar.

Vestígios de atropelamento A reconstrução de um acidente de viação é feita pela observação de alguns elementos fundamentais. As leis de Newton constituem uma base para a compreensão dos comportamentos estáticos e dinâmicos dos corpos materiais. Na terceira lei, Newton mostra nos que em toda a ação, sempre uma reação oposta e de igual intensidade Se o automóvel colide com uma vítima, esta colide contra o automóvel com a mesma velocidade, deixando nele a sua marca. Todo o contato deixa uma marca. Este é o pilar de toda a ciência forense. Esta é a teoria do médico, discípulo de Lacassagne e pioneiro na criminalística e de Edmond Locard, baseada no princípio da transferência.

O local onde se estabelece o embate pode esclarecer algumas causas, como características da via, condições climatéricas, falhas estruturais, presença de animais, ausência de sinalização. Marcas de travagem, fragmentos de vidro ou partes do automóvel, além das manchas de sangue e os pontos de repouso do veículo e da vítima, são elementos importantes a serem observados no local e que ajudam a esclarecer, por exemplo, se a vítima foi arrastada ou projetada.

Razão pela qual o local deve ser, sempre que possível, preservado2,4,9.

A observação do veículo, além das buscas por avarias que justifiquem uma falha mecânica, pode apresentar elementos da vítima como cabelos, sangue, osso e fragmentos da roupa, que determinam o encontro deste com a vítima, passo essencial no casos de Hit and run.As deformações do veículo podem estabelecer uma estimativa da velocidade deste, mas é preciso ter em mente que nem todos os danos são evidentes, principalmente quando existe tamanha desproporcionalidade entre  veículos pesados e a vítima. É  um tema exaustivamente estudado pela física dos acidentes em engenharia forense, que tem ganho cada vez mais protagonismo e que para um completo exame, as descrições na vítima são fundamentais. (Figura_8)

Figura_8

Descrições das lesões nas vítimas de atropelamento Quando um peão é atingido por um automóvel, a gravidade e suas lesões, variam de acordo com vários fatores, dentre eles se destacam: a velocidade do veículo; se ocorrem ou não travagens; características físicas do veículo e da vítima, independentemente de se tratar uma criança, um adulto ou um idoso3.

Relação entre a velocidade do impacto e as lesões A velocidade do veículo é provavelmente o fator mais determinante nas lesões.

Entre os 20km/h a 40km/h, a natureza das lesões começa a agravar-se3. O que não quer dizer que lesões muito graves não possam ocorrer a baixa velocidade.

Observações em vítimas fatais de atropelamentos permitem identificar alguns tipos de lesões relacionadas a velocidade do impacto:

* Traumatismos crânio encefálicos * Fraturas da coluna * Rupturas da aorta * Lesão cutânea da região inguinal com ou sem fraturas da bacia * Amputações e fraturas dos membros

O traumatismo craniano é a principal causa de morte nos acidentes de viação.

Traumatismos de alta energia podem produzir fraturas do crânio, sendo a fratura da base do crânio, em "fratura em dobradiça", a mais comum nos impactos laterais2,3. Mas é importante lembrar que grande parte das hemorragias encefálicas não está associada a fraturas, principalmente na população mais idosa.

As fraturas da coluna são na grande maioria fraturas cervicais, por aceleração e desaceleração súbitas, gerando movimentos de hiperextensão ou hiperflexão. A fratura da apófise odontóide com lesão medular assim como a dissociação atlântooccipital são frequentes achados necroscópicos (Figura_9). Di Maio descreveu que surgem lesões cervicais a partir dos 27,5km/h, sendo comum acima dos 45km/h e quase sempre presentes acima dos 67,5km/h2. Sanchez Vera descreve lesões medulares a partir dos 120 a 140km/h.5  Huelke e Gikas, estabeleceram uma relação entre o perímetro torácico e fraturas nesta área, apontando o aumento do perímetro torácico como uma ligeira proteção deste16.

Figura_9

Em todas as situações em que o sentido do trauma não é estritamente antero- posterior, pode ocorrer um mecanismo rotacional na coluna cervical, na medida que o centro de gravidade da cabeça não coincide com a articulação atlanto occipital. Quanto mais lateralmente o trauma atingir a vítima, maior a torção sobre a coluna cervical, motivada pelo movimento oscilatório para o lado em que atua a força. Razão que torna o traumatismo lateral mais grave que os ântero- posteriores17.

Nos acidentes de alta energia são frequentes fraturas vertebrais em vários segmentos, sendo as regiões da transição toraco-lombar e cervico-torácica vulneráveis. Os arcos costais são mais resistentes nos traumatismos antero- posteriores do que nos traumatismo laterais, dissipando energia e protegendo os corpos vertebrais articulados a grade costal. Fraturas múltiplas de arcos costais podem constituir "volet costal" e merecem especial atenção aquando da sua observação.

O traumatismo torácico por aceleração súbita, produz uma lesão por secção da aorta após a sua curvatura, quando o coração é livremente projetado para frente, sendo contido por um ponto fixo da aorta. Quando a lesão é total a morte é imediata mas nas secções parciais pode surgir um aneurisma periaórtico, facilmente reconhecido no Rx. Nestes casos, a vítima poderá ser salva se for prontamente diagnosticada e intervencionada18,19.

A importância do conhecimento da biomecânica do trauma é notória na previsão das lesões associadas (coração e pulmões) após traumatismos na coluna que podem incidir sobre diversas lesões com gravidade variável. Fica claro que nas lesões mais graves com lacerações dos grandes vasos a vítima acaba por morrer no local, mas é inaceitável que nas pequenas lacerações o doente morra por hemorragia que tenha passado despercebida, após diversas horas dentro de uma unidade hospitalar à espera de avaliação pelo Ortopedista, sem que se tenha feita a adequada avaliação pela Cirurgia Geral ou outro médico responsável pela sala de trauma.

Erros na triagem podem condicionar a diferença entre o sucesso de um atendimento e o seu completo fracasso. Lesões potencialmente mortais devem ser lembradas, ou melhor, jamais esquecidas. Frequentemente graves lesões viscerais, vasculares ou encefálicas estão presentes sem aparentes lesões externas. Um estudo comparando índices de lesões do joelho, anca e coxa com lesões de vísceras abdominais em vítimas de acidentes de viação mostrou que as vítimas com lesões osteoarticulares apresentavam uma probabilidade quatro vezes menor de sofrerem lesões abdominais graves, o que é explicado pela dissipação da energia durante a fratura20. Embora uma fratura exposta seja uma emergência em ortopedia, esta é, sem dúvida, menos ameaçadora à vida do doente, do que uma lesão abdominal grave, exceto claro, nas hemorragias sem controle.

Roupas resistentes, principalmente no inverno, e terrenos mais macios podem amortecer a queda ou proteger a pele de lesões externas, mas são incapazes de evitar lesões por aceleração e desaceleração súbita. A história do evento deve ser sempre valorizada para a correta triagem e abordagem das vítimas nos acidentes de viação, incluindo os atropelamentos, conforme o preconizado pelo ATLS, no nosso país tutelado pelo Colégio Português de Cirurgia.

A clássica lesão estriada na região inguinal por tração da pele ocorre ainda segundo Di Maio, a partir dos 66km/h e quase sempre está presente, acima dos 95km/h. Acidentes de alta energia ou com veículos de frente alta, estão relacionados com lesões do anel pélvico, sendo a gravidade proporcional a energia associada. Amputações ocorrem acima dos 98km/h, mas estas vão depender essencialmente do tipo de atropelamento. Pode ocorrer esmagamento dos membros inferiores em acidentes com baixa energia2,3.

CONCLUSÃO Para que possamos tratar adequadamente uma patologia é necessario o conhecimento da história natural da doença, ou seja, a sua evolução e o seu desencadeamento desde o evento inicial até sua morbi-mortalidade, para que se possa de forma eficaz alterar o seu desfecho letal. Não dúvidas de que o Trauma continua a ser a doença do século, responsável pela morte de uma população jovem e economicamente ativa. O estudo das lesões mortais, propicia o desenvolvimento de equipamentos de segurança mais eficazes21,22,23,24 e permite o reconhecimento de lesões potencialmente fatais, estimulando uma intervenção médica precoce e bem sucedida.

Tratando-se de segurança rodoviária, o papel da prevenção de novos acidentes também inclui uma investigação médico-legal sobre eventuais responsáveis.

Nestes casos, algumas lesões poderiam ajudar nas investigações são perdidas por mera ignorância das equipes hospitalares ou pela falta de documentação e coordenação entre equipes médicas e forenses.

Agradecimentos: Ao Dr Rui Pinto, Director de serviço do Hospital de São João e ao Dr Pedro Afonso, Director do Serviço do Hospital de Vila Franca de Xira, pelo carinho com que me receberam nos Serviços que superiormente dirigem, disponibilizando meios e recursos essenciais no estudo da traumatologia.


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