Aspectos forenses das lesões ortopédicas nos atropelamentos
INTRODUÇÃO
O atropelamento tem um sentido amplo, "passar por cima de algo", ou "empurrar
violentamente alguém para abrir passagem". Em medicina legal é o impacto ou a
sobre passagem de pessoas ou animais, de que podem resultar lesões e mortes.
Normalmente, trata-se de acidente que gera ação civil ou penal contra o
condutor, mas em alguns casos pode ser de etiologia suicida ou mesmo homicida.
Classificação dos tipos de veículos atropeladores segundo Calabuig [1]
Veículos com rodas desprovidas de pneus
Veículos de tração animal: veículos primitivos utilizados nos trabalhos
agrícolas e que ainda encontramos em algumas aldeias, de interesse
traumatológico, possui baixa velocidade e uma relação inversa entre o peso e
sua velocidade, além do tipo de rodas.
Veículos de trajeto obrigatório: representados pelos comboios e elétricos, tem
como características traumatológicas, o deslizamento sobre trilhos, rodas de
ferro com superfície de apoio plana e barra lateral, grande velocidade e peso.
A diferença entre o comboio e o elétrico é notória. O primeiro é composto por
múltiplas carruagens e acabam por produzir sucessivas lesões.
Veículos com pneus
Bicicletas: como agente material de atropelamento, caracteriza-se pela sua
instabilidade, reduzido peso e baixa velocidade.
Motocicletas: veículos dotados de motor que podem atingir grandes velocidades e
provocar atropelamentos de maior gravidade e com maior peso que as bicicletas.
Automóvel: como características resumidas destaca-se o peso, a velocidade e a
manobrabilidade.
Veículos de grande tonelagem: caminhões, autocarros ou veículos semelhantes,
que podem atingir grandes velocidades e com potencial muito mais lesivo face a
sua grande massa, peso e difícil manobrabilidade.
Fatores que mais influenciam o potencial lesivo dos veículos atropelantes
* Massa.
* Velocidade (as duas juntas condicionam a energia cinética conforme a fórmula
* Tipo de rodas.
* Estabilidade.
* Manobrabilidade.
A presença de partes salientes do veículo podem ainda imprimir lesões
particulares nas vítimas, típicas de alguns mecanismos de atropelamento, tais
como a marca em estrela da Mercedes Benz ou queimaduras pelas grades do
radiador e lacerações por pára-choques2,3.
Lesões por atropelamento
O atropelamento é considerado um traumatismo complexo. As lesões podem ter
diversas ações (contundentes, cortantes, perfurantes e térmicas) e atuar de
forma isolada ou associada dependendo das fases. Cada fase do traumatismo
imprime determinado padrão de lesão com enorme interesse na abordagem do
politraumatizado, que permite avaliar a magnitude da energia, reconstruir o
acidente e valorizar as sequelas no dano corporal pós traumático.
Fases do atropelamento
Regra geral, o atropelamento segue determinada sequência com 4 fases. Nem
sempre essas fases se encontram totalmente presentes, o que nos permite
distinguir algumas variedades como sendo típico completo ou incompleto2,3,4,5.
O atropelamento típico completo, desenvolve-se sequencialmente nas seguintes
fases: colisão, queda, esmagamento e arrastamento.
Colisão: É caracterizada pelo contato mais ou menos violento do veículo com a
vítima. O embate pode ser único ou múltiplo num breve espaço de tempo, por
traumatismos sucessivos contra diferentes partes do veículo. A localização das
lesões depende da relação entre as regiões do veículo que entram em contato com
a vítima e a sua posição. São basicamente feridas de ação contundente, tais
como escoriações, contusões e lacerações, que podem estar associadas com
diferentes fraturas.
Pode ser subdividido em uma fase de impacto primário e secundário5:
Impacto primário: corresponde ao traumatismo inicial que o veículo provoca no
peão, geralmente nos membros inferiores. As lesões típicas são as produzidas
pelo para-choque nos ossos da perna "bumper fracture"e tem- se
modificado ao longo do tempo. Os pára-choques modernos deformam mais,
fragmentando-se e dissipando energia, um conceito oposto aos dos pára-choques
de outrora, mais resistentes e quase sempre de metal. No entanto, a maior
distribuição das forças do impacto, embora produza fraturas de menor gravidade
na diáfise da tíbia, aumenta o risco de lesões ligamentares e meniscais
associadas.
A ausência de "bumper fracture" é comum quando a vítima é colhida pela região
lateral do veículo, tal como acontece quando o sinistrado está no meio de dois
veículos estacionados e projeta a cabeça antes da marcha. Nestas circunstâncias
as lesões ocorrem diretamente na cabeça, com posterior queda para trás2.
A tíbia e o perónio são os ossos mais atingidos durante o atropelamento.
Burgess et al. salientaram a gravidade das fraturas da tíbia sofridas por peões
e demonstraram que 93% deste tipo de lesões são causadas por impactos de alta
energia, 30% são bilaterais e 65% são fracturas expostas tipo III deGustilo. Os
acidentes graves contribuem com 33% do casos e nestas circunstâncias os
sinistrados sofrem lesões multi-sistêmicas (43% apresentam lesões cranianas ou
pélvicas6). Fraturas semelhantes são produzidas em idosos com osteoporose7 por
mecanismos de baixa energia.
Geralmente o ponto do impacto naperna é mais baixo que a altura do para-choque,
por vezes com fraturas logo acima do tornozelo, o que indica uma tentativa de
travagem, isto porque durante a travagem a frente do veículo tende a aproximar-
se mais do solo2,3,8. Traumatismos em diferentes níveis de ambas as pernas,
podem indicar que a vítima foi atingida enquanto caminhava ou corria, e neste
caso, a perna com maior fratura costuma ser a que sustentava o peso do corpo
durante o embate, apresentando quase sempre uma fratura cominutiva, segmentar,
ou em espiral, pela acção de várias forças2,3,8,9.
As fraturas da tíbia e do perónio resultantes de um traumatismo direto
encontram-se ao mesmo nível e normalmente são de traço transverso ou com
fragmento em asa de borboleta, com o ápice do triângulo apontando a direção em
que o veículo viajava e a base do triângulo, para o lado do impacto2,8,9,10.
Conhecida como "Messerer fracture",11. A sua interpretação tem sido
questionada.
A fratura diafisária da tíbia, habitualmente no terço médio, face a pouca
cobertura de tecidos moles, tende a ser exposta, geralmente com a ferida no
lado oposto ao traumatismo. As fraturas dos pratos tibiais também são
frequentes e resultam de mecanismos varo/valgo, com dissociação metafiso-
diafisária (tipo VI de Schatzker). As fracturas mais graves, são frequentes nos
acidentes de alta energia.12 (Figuras_1_a_3)
Figura_1
Figura_2
Figura_3
Impacto secundário: É o traumatismo do peão com o veículo, ocorre quando a
velocidade do veículo é superior aos 20km/h, tal embate pode ocorrer no para
lamas, nas lanternas dianteiras, no capô ou na moldura do pára-brisa. 2,3,4,5
As lesões no peão costumam atingir a metade superior do corpo (fraturas da
pelve, dorso, cabeça, coluna cervical). O impacto sobre as luzes dianteiras
provoca lesões nas nádegas, face lateral das coxas, gerando um descolamento
entre a camada mais densa do tecido adiposo e a mais frouxa, dando origem a uma
nova cavidade com hematoma associado, conhecido como "descolamento traumático
de Morell Lavallé", muitas vezes não diagnosticado na abordagem inicial13.
Queda: Quando a velocidade do veículo é de 40 a 50km/h e o impacto primário se
produz abaixo do centro de gravidade da vítima, esta escorrega pelo capô e cai
ao solo. A lesão característica que ocorre na cabeça é do tipo "golpe e contra
golpe" e nos membros superiores, são fraturas do punho, cotovelo ou úmero
(Figura_4). Pode o peão cair sentado com traumatismo na região sacroilíaca.
Outras vezes, a hiperextensão do pescoço, pela aceleração/desaceleração pode
produzir luxações ou fraturas, como a do processo odontóide13.
Figura_4
Esmagamento: Nos casos típicos, essa fase decorre em dois tempos.
a) O veículo avança sobre a vítima, que está no solo, atingindo-a e passando
por cima, ou afastando-a para o lado.
b) Quando ocorre passagem por cima, o corpo da vítima é comprimido contra o
solo pelas rodas ou outras partes do veículo, esmagando-o. (Figura_5) O
descolamento traumático, pode assumir grandes proporções com exposição dos
planos mais profundos nos indivíduos mais obesos. Com a travagem, as rodas
permanecem bloqueadas, propiciando lesões mistas de esmagamento e de
arrasto9,13, facilmente identificáveis por um perito experiente, informação
importante para a reconstrução da dinâmica do evento. Não raro, marcas do pneu
podem ficar impressas na pele ou roupa da vítima (estrias pneumáticas de
Simonin).
Figura_5
As lesões variam segundo a natureza, gravidade e tipo de veículo. A intensidade
do impacto, pode provocar lesões ósseas e articulares, de localização variável,
dependendo da região esmagada e pode mesmo triturar. As lesões cutâneas podem
ser de pouca gravidade mas de grande valor pericial para a identificação do
veículo. A gravidade do atropelamento pode ainda causar lesões viscerais,
rotura de vísceras ocas e lacerações em órgãos maciços2,3.
Como forma de minimizar estas lesões, determinados veículos de trajeto
obrigatório, possuem dispositivos dianteiros de forma a empurrar a vítima para
fora do seu trajeto, produzindo algumas escoriações típicas4.
Arrastamento:No seguimento das fases anteriores a vítima pode permanecer presa
ao veículo sendo arrastada por este. Relaciona-se com o impulso que o veículo
lhe transmite durante a fase do choque. As lesões são características nas faces
expostas ao atrito com o solo, podendo alternar com áreas protegidas pelas
vestes, conhecidas como escoriações em saltos. São escoriações tipo placas de
arrasto de aspecto apergaminhado quando desidratadas pelo fenómeno post
mortem.14,15 (Figura_6)
Figura_6
Atropelamento incompleto
As fases descritas, que compõem o atropelamento típico só são encontradas
quando o peão se encontra de pé. Existem situações que faltam algumas fases,
sendo assim um atropelamento incompleto, as variedades mais frequentes são:
Quando a vítima já está no chão (suicídios, homicídios, mal súbito). As fases
de choque e queda estão ausentes, iniciando o complexo lesional pelo
esmagamento.
Nos casos em que a vítima esta de pé no momento do embate inicial, este pode
ser reduzido ao choque e queda apenas, faltando as duas últimas fases, devido a
massa leve do veículo, ou a alta velocidade, que projeta a vítima a distância,
afastando-a do seu caminho.
O arrastamento é aleatório, pois depende da existência de uma parte que
sobressai do veículo e arraste a vítima, ou de que a roupa da vítima fique
presa a alguma peça do veículo.
Alguns atropelamentos podem apresentar somente uma fase isolada dificultando a
interpretação.
Trajetórias típicas do atropelado
As trajetórias de acordo com o segundo impacto, acima ou abaixo do centro de
gravidade do peão podem ser agrupadas de acordo com Ravine em cinco trajetórias
básicas, "wrap, forward projection, fender vault, roof vault e
somersault" (Tabela_1, Figura_7). Becker, acrescenta mais uma modalidade,
"dragging"4.
Figura_7
Projeção frontal - forward projection. Com o segundo impacto acima do centro de
gravidade, o peão é projetado para a frente. Ocorre com as crianças atropeladas
por automóveis ou por adultos atingidos por veículos de frente alta. Numa
segunda fase o veículo tende a passar sobre o peão.
Montagem sobre o capô - wrap: É a mais comum das trajetórias e ocorre com
o veículo, normalmente em desaceleração. Quando o segundo impacto do veículo
com o peão ocorre em ponto acima do ponto inicial e abaixo do centro de
gravidade, aumentando a velocidade de rotação no sentido anti-horário imposta
pelo primeiro contato, determinando o pivoteamento do corpo ao redor da zona do
segundo contato, comumente o extremo superior dianteiro do veículo, fazendo com
que a parte superior do corpo atinja o capô, contra o qual se amolda
momentaneamente, como se o abraçasse, daí o nome em inglês wrap. O sentido
anti-horário da rotação, portanto contrário à trajetória do veículo intensifica
o choque, fazendo com que a parte superior do corpo permaneça em grande
contacto com o capô, até que se separa do veículo devido a desaceleração deste,
seguindo-se a projeção para a frente.
Passagem pelo pára-lama (fender vault): O peão atropelado projeta-se sobre o
pára-lama, caindo lateralmente na trajetória do veículo. Normalmente ocorre
quando a pessoa é atingida pelas extremidades da parte frontal, impactos
parciais ou quando dotada de alguma velocidade, atravessando a via, andando
apressadamente ou conjugada com a velocidade do veículo, determinando um
movimento lateral secundário.
Passagem sobre o teto -roof vault: é encontrada quando o veículo tem a
frente rebaixada, e o centro de gravidade do peão fica um pouco mais elevado,
quer esteja em aceleração ou desaceleração e, ainda, quando o veículo
desenvolve maiores velocidades. No caso, o primeiro contato por baixo do centro
de gravidade maximiza a velocidade de rotação no sentido anti-horário. Assim o
peão é projetado para trás, sobre o teto ou mesmo sobre a parte traseira do
veículo.
Salto mortal - sommersault: É uma variação do wrap. Ocorre com velocidades mais
elevadas ou com impacto de veículo com frente rebaixada contra os membros
inferiores, produzindo a descrição de uma trajetória circular no ar.
Vestígios de atropelamento
A reconstrução de um acidente de viação é feita pela observação de alguns
elementos fundamentais. As leis de Newton constituem uma base para a
compreensão dos comportamentos estáticos e dinâmicos dos corpos materiais. Na
terceira lei, Newton mostra nos que em toda a ação, há sempre uma reação oposta
e de igual intensidade Se o automóvel colide com uma vítima, esta colide contra
o automóvel com a mesma velocidade, deixando nele a sua marca. Todo o contato
deixa uma marca. Este é o pilar de toda a ciência forense. Esta é a teoria do
médico, discípulo de Lacassagne e pioneiro na criminalística e de Edmond
Locard, baseada no princípio da transferência.
O local onde se estabelece o embate pode esclarecer algumas causas, como
características da via, condições climatéricas, falhas estruturais, presença de
animais, ausência de sinalização. Marcas de travagem, fragmentos de vidro ou
partes do automóvel, além das manchas de sangue e os pontos de repouso do
veículo e da vítima, são elementos importantes a serem observados no local e
que ajudam a esclarecer, por exemplo, se a vítima foi arrastada ou projetada.
Razão pela qual o local deve ser, sempre que possível, preservado2,4,9.
A observação do veículo, além das buscas por avarias que justifiquem uma falha
mecânica, pode apresentar elementos da vítima como cabelos, sangue, osso e
fragmentos da roupa, que determinam o encontro deste com a vítima, passo
essencial no casos de Hit and run.As deformações do veículo podem estabelecer
uma estimativa da velocidade deste, mas é preciso ter em mente que nem todos os
danos são evidentes, principalmente quando existe tamanha desproporcionalidade
entre veículos pesados e a vítima. É um tema exaustivamente estudado pela
física dos acidentes em engenharia forense, que tem ganho cada vez mais
protagonismo e que para um completo exame, as descrições na vítima são
fundamentais. (Figura_8)
Figura_8
Descrições das lesões nas vítimas de atropelamento
Quando um peão é atingido por um automóvel, a gravidade e suas lesões, variam
de acordo com vários fatores, dentre eles se destacam: a velocidade do veículo;
se ocorrem ou não travagens; características físicas do veículo e da vítima,
independentemente de se tratar uma criança, um adulto ou um idoso3.
Relação entre a velocidade do impacto e as lesões
A velocidade do veículo é provavelmente o fator mais determinante nas lesões.
Entre os 20km/h a 40km/h, a natureza das lesões começa a agravar-se3. O que não
quer dizer que lesões muito graves não possam ocorrer a baixa velocidade.
Observações em vítimas fatais de atropelamentos permitem identificar alguns
tipos de lesões relacionadas a velocidade do impacto:
* Traumatismos crânio encefálicos
* Fraturas da coluna
* Rupturas da aorta
* Lesão cutânea da região inguinal com ou sem fraturas da bacia
* Amputações e fraturas dos membros
O traumatismo craniano é a principal causa de morte nos acidentes de viação.
Traumatismos de alta energia podem produzir fraturas do crânio, sendo a fratura
da base do crânio, em "fratura em dobradiça", a mais comum nos impactos
laterais2,3. Mas é importante lembrar que grande parte das hemorragias
encefálicas não está associada a fraturas, principalmente na população mais
idosa.
As fraturas da coluna são na grande maioria fraturas cervicais, por aceleração
e desaceleração súbitas, gerando movimentos de hiperextensão ou hiperflexão. A
fratura da apófise odontóide com lesão medular assim como a dissociação
atlântooccipital são frequentes achados necroscópicos (Figura_9). Di Maio
descreveu que surgem lesões cervicais a partir dos 27,5km/h, sendo comum acima
dos 45km/h e quase sempre presentes acima dos 67,5km/h2. Sanchez Vera descreve
lesões medulares a partir dos 120 a 140km/h.5 Huelke e Gikas, estabeleceram
uma relação entre o perímetro torácico e fraturas nesta área, apontando o
aumento do perímetro torácico como uma ligeira proteção deste16.
Figura_9
Em todas as situações em que o sentido do trauma não é estritamente antero-
posterior, pode ocorrer um mecanismo rotacional na coluna cervical, na medida
que o centro de gravidade da cabeça não coincide com a articulação atlanto
occipital. Quanto mais lateralmente o trauma atingir a vítima, maior a torção
sobre a coluna cervical, motivada pelo movimento oscilatório para o lado em que
atua a força. Razão que torna o traumatismo lateral mais grave que os ântero-
posteriores17.
Nos acidentes de alta energia são frequentes fraturas vertebrais em vários
segmentos, sendo as regiões da transição toraco-lombar e cervico-torácica
vulneráveis. Os arcos costais são mais resistentes nos traumatismos antero-
posteriores do que nos traumatismo laterais, dissipando energia e protegendo os
corpos vertebrais articulados a grade costal. Fraturas múltiplas de arcos
costais podem constituir "volet costal" e merecem especial atenção
aquando da sua observação.
O traumatismo torácico por aceleração súbita, produz uma lesão por secção da
aorta após a sua curvatura, quando o coração é livremente projetado para
frente, sendo contido por um ponto fixo da aorta. Quando a lesão é total a
morte é imediata mas nas secções parciais pode surgir um aneurisma periaórtico,
facilmente reconhecido no Rx. Nestes casos, a vítima poderá ser salva se for
prontamente diagnosticada e intervencionada18,19.
A importância do conhecimento da biomecânica do trauma é notória na previsão
das lesões associadas (coração e pulmões) após traumatismos na coluna que podem
incidir sobre diversas lesões com gravidade variável. Fica claro que nas lesões
mais graves com lacerações dos grandes vasos a vítima acaba por morrer no
local, mas é inaceitável que nas pequenas lacerações o doente morra por
hemorragia que tenha passado despercebida, após diversas horas dentro de uma
unidade hospitalar à espera de avaliação pelo Ortopedista, sem que se tenha
feita a adequada avaliação pela Cirurgia Geral ou outro médico responsável pela
sala de trauma.
Erros na triagem podem condicionar a diferença entre o sucesso de um
atendimento e o seu completo fracasso. Lesões potencialmente mortais devem ser
lembradas, ou melhor, jamais esquecidas. Frequentemente graves lesões
viscerais, vasculares ou encefálicas estão presentes sem aparentes lesões
externas. Um estudo comparando índices de lesões do joelho, anca e coxa com
lesões de vísceras abdominais em vítimas de acidentes de viação mostrou que as
vítimas com lesões osteoarticulares apresentavam uma probabilidade quatro vezes
menor de sofrerem lesões abdominais graves, o que é explicado pela dissipação
da energia durante a fratura20. Embora uma fratura exposta seja uma emergência
em ortopedia, esta é, sem dúvida, menos ameaçadora à vida do doente, do que uma
lesão abdominal grave, exceto claro, nas hemorragias sem controle.
Roupas resistentes, principalmente no inverno, e terrenos mais macios podem
amortecer a queda ou proteger a pele de lesões externas, mas são incapazes de
evitar lesões por aceleração e desaceleração súbita. A história do evento deve
ser sempre valorizada para a correta triagem e abordagem das vítimas nos
acidentes de viação, incluindo os atropelamentos, conforme o preconizado pelo
ATLS, no nosso país tutelado pelo Colégio Português de Cirurgia.
A clássica lesão estriada na região inguinal por tração da pele ocorre ainda
segundo Di Maio, a partir dos 66km/h e quase sempre está presente, acima dos
95km/h. Acidentes de alta energia ou com veículos de frente alta, estão
relacionados com lesões do anel pélvico, sendo a gravidade proporcional a
energia associada. Amputações ocorrem acima dos 98km/h, mas estas vão depender
essencialmente do tipo de atropelamento. Pode ocorrer esmagamento dos membros
inferiores em acidentes com baixa energia2,3.
CONCLUSÃO
Para que possamos tratar adequadamente uma patologia é necessario o
conhecimento da história natural da doença, ou seja, a sua evolução e o seu
desencadeamento desde o evento inicial até sua morbi-mortalidade, para que se
possa de forma eficaz alterar o seu desfecho letal. Não há dúvidas de que o
Trauma continua a ser a doença do século, responsável pela morte de uma
população jovem e economicamente ativa. O estudo das lesões mortais, propicia o
desenvolvimento de equipamentos de segurança mais eficazes21,22,23,24 e permite
o reconhecimento de lesões potencialmente fatais, estimulando uma intervenção
médica precoce e bem sucedida.
Tratando-se de segurança rodoviária, o papel da prevenção de novos acidentes
também inclui uma investigação médico-legal sobre eventuais responsáveis.
Nestes casos, algumas lesões poderiam ajudar nas investigações são perdidas por
mera ignorância das equipes hospitalares ou pela falta de documentação e
coordenação entre equipes médicas e forenses.
Agradecimentos: Ao Dr Rui Pinto, Director de serviço do Hospital de São João e
ao Dr Pedro Afonso, Director do Serviço do Hospital de Vila Franca de Xira,
pelo carinho com que me receberam nos Serviços que superiormente dirigem,
disponibilizando meios e recursos essenciais no estudo da traumatologia.