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EuPTCVHe1646-69182013000200008

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variedadeEu
ano2013
fonteScielo

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A Cirurgia Geral e os Cirurgiões do Hospital de São José, em Lisboa no início do Século XX

INTRODUÇÃO O "Hospital de S. José e Annexos" e, mais tarde (1913), os Hospitais Civis de Lisboa, foram os grandes herdeiros da tradição cirúrgica da capital, que remontava aos tempos do Hospital de Todos-os-Santos, fundado por D. João II nos finais do Século XV. Embora com algum atraso em relação aos grandes centros cirúrgicos europeus, a cirurgia portuguesa foi acompanhando pari passuo que se fazia no estrangeiro.

No início do século XX estavam estabelecidas a anestesia, a anti-sépsia e a assépsia, o que permitiu aos cirurgiões a abordagem das grandes cavidades: - o abdómen, o tórax e o crânio, - mas, numa época em que ainda se estava longe do advento dos antibióticos, a morbilidade e a mortalidade eram muito altas. Por outro lado as técnicas de reanimação ou de simples equilíbrio fisiológico e metabólico (soros, sangue, etc.) eram praticamente desconhecidas e o choque post-operatório nas grandes intervenções tornava-as temidas pelos cirurgiões e pelos doentes.

Na primeira década do século um cirurgião que, com mão de ferro e a consequente eficácia, dirige o grupo hospitalar "S. José e Annexos": o Prof. Curry Cabral (fig.1). Nomeado Enfermeiro-Mor em 1900, é deposto com o 5 de Outubro de 1910. Para trás deixara um novo e importante Regulamento Geral da Administraçãoe uma notável obra de reforma hospitalar.

Note-se que, apesar do trabalho e da responsabilidade inerentes à administração do Hospital de S. José e Annexos, Curry Cabral continuou sempre a operar durante esse período, pelo menos, até 1914.

Uma das suas primeiras preocupações foi a criação de uma Repartição de Estatística Médica, que produziu trabalho cujos resultados, no que diz respeito às intervenções cirúrgicas, foram pormenorizadamente registados entre meados de 1902 e meados de 1915.

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Os quadros eram publicados quinzenalmente, e para cada acto cirúrgico eram considerados os seguintes dados: número do boletim clínico, moléstia, método e processo operatório, anestesia, sexo, idade (5 grupos etários), resultado (cura, melhora, mesmo estado, peora ou morte), as datas da operação e da saída (por alta ou morte) e o nome do operador.

A base do trabalho que agora apresentamos é precisamente esse enorme ficheiro estatístico, registado no "Boletim do Hospital de S. José e Annexos - Clínica, Estatística e Administração", cujo primeiro número foi publicado em 1903, com dados referentes a 1902. Este primeiro número, de que nos foi oferecida uma fotocópia pelo nosso colega e amigo Jorge Penedo, levou- nos a procurar os restantes na Biblioteca do Hospital de S. José, um espaço mítico e um arquivo histórico riquíssimo (actualmente sob a direcção da Dra.

Ana Quininha), onde recolhemos os dados entre Janeiro de 1903 e Dezembro de 1914 (os números de 1902 e 1915 estão incompletos).

O primeiro director do "Boletim" foi o Prof. José António Serrano (1851-1904), o grande anatomista, autor de uma densa "Osteologia" e, também ele, cirurgião, tendo sido em Portugal o primeiro a executar uma histerectomia abdominal.

Seguiram-se-lhe, até 1914, Eduardo Motta, A. Schultz, Manuel Bordallo Pinheiro e Moraes Sarmento.

OS CIRURGIÕES No período abarcado pelo nosso trabalho, quem são os principais cirurgiões e que cirurgia praticam? Antes de mais, vejamos como estava estruturada então a carreira hospitalar de Cirurgia Geral.

Os alunos do ano da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa estavam autorizados a frequentar os serviços hospitalares. Eram os "externos". De entre os do ano, os "internos", (assim designados, embora nunca tivesse havido um verdadeiro regime de internato), eram escolhidos os melhores para o primeiro lugar da carreira, o de cirurgião substituto do Banco. Esta fase inicial era muito rápida e ao fim de um ou dois anos executavam a cirurgia corrente.

Quando havia vaga no quadro dos cirurgiões do Banco era aberto um concurso de provas práticas e assim se atingia este lugar, havendo uma escala de antiguidade que determinava a progressão na carreira.

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Os cirurgiões do Banco, por nomeação régia, passavam a Assistentes de Enfermaria, equivalente aos actuais Chefes de Serviço e, finalmente, também por nomeação régia, atingia-se o lugar de Director de Enfermaria, correspondente ao que até pouco tempo se denominou Director de Serviço e, actualmente, é conhecido por Responsável (oficialmente com maiúscula?) pelo Serviço Lembremos que estamos na época em que a cirurgia era definida pela frase latina cito, tuto et jucunde, isto é, tratava-se de cirurgiões rápidos, que tudo operavam e faziam-no sem hesitações.

A figura do cirurgião era altamente prestigiada na sociedade e os concursos da carreira hospitalar eram notícia na imprensa de então como se pode comprovar por um suplemento de "O Século" de 10.2.1910 cuja primeira página traz o retrato do Dr. Fernando Pinto Coelho, classificado em primeiro lugar, e as páginas interiores as dos cirurgiões que, após concurso, tinham ocupado vaga: João Paes de Vasconcellos, Weiss d'Oliveira, Martinho Rosado, Guilherme Arriaga, Alberto de Mendonça, Reynaldo dos Santos, Hermano de Medeiros, Futscher de Magalhães, Marçal da Silva, Silva Araújo, Artur Ricardo Jorge e Senna Pereira.

A imprensa lisboeta manteve esta prática de dar notícia, com direito a retrato, dos cirurgiões que ocupavam vaga, até ao início dos anos 70 do século XX.

As gerações dos cirurgiões - como as dos seres humanos - sucedem-se umas às outras, mas não têm fronteiras definidas, havendo no tempo períodos de sobreposição. É assim, que, quando operavam Custódio Cabeça, Augusto Monjardino, João Paes de Vasconcellos e outros, vemos ainda em actividade, por exemplo, Gregório Fernandes e Alfredo da Costa, até 1904, Sabino Coelho, até 1905 e Oliveira Feijão até 1912.

Celestino da Costa designa por "Geração da transição do século" o grupo a seguir apresentado: Magalhães Coutinho (1815-1895) Alves Branco (1822-1885) Manuel Bento de Sousa (1835-1899) Curry Cabral (1844-1920)* Gregório Fernandes (1849-1906)* Manuel Bordallo Pinheiro (1850-1925)* Oliveira Feijão (1850-1918)* Abílio Mascarenhas (1851-1898) José António Serrano (1851-1904) Sabino Coelho (1857-1938)* Alfredo da Costa (1859-1910)* (* Ainda com actividade cirúrgica no período estudado) A geração seguinte - "Geração da primeira metade do século", segundo Celestino da Costa - tem como principais representantes: Custódio Cabeça (1866-1936) Manuel António Moreira Júnior (1866-1953) Augusto de Vasconcellos (1867-1921) José Gentil (1870-1941) Jaime Salazar de Sousa (1871-1940) Augusto Monjardino (1871-1941) Artur Ravara (1873-1937) - Urologista Henrique Bastos (1874-1937) - Urologista João Paes de Vasconcellos (1877-1958) Francisco Gentil (1878-1964) Reynaldo dos Santos (1880-1970) Alberto Mac-Bride (1886-1958) aos quais nos parece de elementar justiça, uma vez que estamos a falar de cirurgiões do Hospital de São José, acrescentar: J. M. Damas Móra (1873-1942) Balbino Rêgo (1875-1937) Feyo e Castro (1877-1937) Joaquim Silva Araújo Francisco Stromp Azevedo Gomes Torres Pereira Craveiro Lopes 1

FIGURA_5

Nenhum destes últimos seguiu a carreira académica, é certo, mas dedicaram a sua vida profissional ao Hospital de São José e Annexos e aos Hospitais Civis de Lisboa, incarnando o verdadeiro "espírito dos HCL", e atingiram todos o lugar de Director de Serviço ("Enfermaria"). Feyo e Castro é um caso singular, pois sendo um cirurgião altamente diferenciado (a segunda colecistectomia registada no período em estudo é por si executada, em 1905, muito antes da maioria dos consagrados) é nomeado, em 1904, Director do Gabinete de Radiologia, sendo mais tarde convidado por Francisco Gentil para o Hospital Escolar de Santa Marta onde foi organizar e dirigir o mesmo serviço, tendo morrido vítima das radiações.

Damas Móra, que se dedicou muito particularmente à Ginecologia e à Senologia (não considerada, então, como disciplina autónoma), nos últimos 8 anos da sua vida (1934-1942) acumulou o lugar de Director da Enfermaria de Santa Joana com o de Director do Banco, lugar de prestígio em que foi antecedido por José Gentil e sucedido por Armando Luzes.

TABELA_1

ALGUNS FACTOS DISPERSOS Podemos considerar que havia uma cirurgia específica da época em estudo, quer pelo tipo de patologia então frequente (osteomielites, tuberculose óssea ou articular, fibromiomas ou tumores do ovário de grandes dimensões, etc.), quer pelos conceitos fisiopatológicos correntes (por exemplo, tratamento das nefrites crónicas por capsulectomia renal ou das úlceras gástricas por gastro- enterostomia).

A cirurgia ginecológica precedeu a restante cirurgia abdominal, e quase todos os cirurgiões desta época são, simultaneamente, ginecologistas.

Mas se, em 1903, 66% das laparotomias são para acesso a intervenções ginecológicas, esta percentagem baixa para 55% em 1954, porque se alargou o espectro a outros campos da cirurgia.

A tuberculose é causa de muitas "doenças cirúrgicas": osteítes, artrites, peritonites, etc., embora tenha havido uma baixa de intervenções cirúrgicas por patologia tuberculosa de 7% em 1903 para 4% em 1914, por razões que se nos escapam.

Outro conceito que hoje nos parece enigmático é o das ptoses orgânicas.

Atravessámos toda a nossa vida cirúrgica sem ter visto operar uma ptose de órgão. Mas, no período considerado, e muito para além dele, fixações de rim, de baço (!) e até de fígado em casos de cirrose hepática.

Outra entidade que desapareceu (se é que alguma vez teve existência real!) foi a apendicite crónica, que, nos anos 60 ainda "existia". Foi um dos básicos conceitos que nos transmitiu o nosso primeiro director, Dr. Jorge Silva Araújo (filho de Joaquim Silva Araújo, que é quem figura nos nossos quadros estatísticos): "Não apendicites crónicas!".

Tudo isto é curioso, mas não é risível, pois que os homens que executavam estas operações eram profundamente inteligentes, cultos e informados. Os paradigmas da ciência é que mudam.

Antes de apresentarmos a casuística dos anos 1903 a 1914, que é o verdadeiro núcleo deste trabalho, alguns apontamentos sobre os dias de internamento.

Aqui, mais do que nós, são os gestores actuais que vão ficar chocados Os doentes com a mais simples patologia ficavam internados 10 ou mais dias, e em muitos casos o internamento prolongava-se por semanas, meses ou, mesmo, anos

NO BLOCO OPERATÓRIO Por muita importância que tenham os cargos que um cirurgião desempenha, os seus pares avaliam-no principalmente pelo trabalho que realiza das portas do Bloco Operatório para dentro.

Nesta grande "fábrica" que é um hospital, as personalidades marcantes com obra médica ou de outra índole - Francisco Gentil, criador dos IPO, Augusto Monjardino, o "pai" da Maternidade Alfredo da Costa, Augusto Vasconcellos, ministro e representante de Portugal na Sociedade das Nações, Alberto Mac-Bride, historiador da Medicina e coleccionador de Arte, Reynaldo dos Santos, investigador e historiador de Arte, ainda hoje respeitado no meio, e outros - foram apenas grandes líderes, condutores de homens, ou foram, também, "operários", digamos, especializados? Pois bem, como veremos, todos eles foram eminentes cirurgiões e praticaram, entre nós, a mais diferenciada cirurgia da época. Por exemplo Salazar de Sousa, de que temos memória como cirurgião pediatra, foi quem, em 1902, fez a primeira amputação abdomino-perineal do recto. Francisco Gentil, em 1909, tratou, pela primeira vez com êxito, uma ferida do coração, José Gentil fez, em 1902, uma gastrectomia total, etc.

Deixem-nos destacar Custódio Cabeça, mestre de muitos cirurgiões, que se notabilizou pela cirurgia "pesada" que praticava e pela grande capacidade de trabalho. Num "ranking" (passe o termo!) que ensaiámos, e de que desistimos porque, ao contrário do que muitos hoje pensam, quantidade em cirurgia não é o mesmo que qualidade, Custódio Cabeça, em 1903, com 37 anos, estava à frente de todos os cirurgiões com 218 intervenções, e, em 1914, aos 51 anos, mantinha a mesma posição, com 191 intervenções. Entre outros campos em que adquirira vasta experiência, operou 84 doentes por quistos hidáticos do fígado.

Numa recolha de dados tão extensa, com tantas variáveis, escolher um tema é um problema de imaginação (Aspectos cirúrgicos da tuberculose, Feridas por bala e sua relação com os períodos revolucionários, Casuística de Abdómen Agudo, etc.), em todo o caso subordinada ao interesse profissional, histórico ou social que o assunto possa ter.

Um pouco arbitrariamente vamos analisar: A anestesia As hérnias inguinais As gastrectomias ●O cancro do recto Mortalidade

A ANESTESIA No dealbar do século XX a anestesia tinha pouco mais de 50 anos: em 1844 Horace Wells tinha descoberto o efeito anestésico do protóxido de azoto. Dois anos mais tarde, William Morton aplicava com êxito o éter e, em 1847, o obstetra escocês Young Simpson anestesiava pela primeira vez com clorofórmio. Entre nós foram pioneiros, Bernardino António Gomes (filho) com o clorofórmio, em 1848, e, pela mesma época, o grande cirurgião do Hospital de São José, António Maria Barbosa, que, ainda estudante de Medicina, se auto-anestesiou com éter.

Durante mais de um século estas duas substâncias foram os anestésicos mais utilizados, mas, entre 1903 e 1914, a sua frequência relativa foi-se alterando como é bem evidente.

A razão desta alteração é a maior toxicidade (em especial hepatotoxicidade) e frequência de acidentes cardíacos do clorofórmio relativamente ao éter, para além de, com este, se obter uma melhor relaxação muscular.

Jaime Salazar de Sousa foi adepto do éter desde os primeiros tempos. Outros, neste campo mais conservadores, como Custódio Cabeça, mantiveram a sua preferência pelo clorofórmio, pelo menos no período em análise. Este anestésico era tão preponderante que os anestesistas (em geral cirurgiões) eram também conhecidos por "chlorofomisadores-ajudantes".

O éter inicialmente era utilizado com máscara aberta pela técnica de gota-a- gota (do que resultava, por vezes, o próprio anestesista adormecer), mas, mais tarde, Francisco Gentil introduz o aparelho de Ombrédanne neste tipo de anestesia.

Alberto Mac Bride foi o maior impulsionador da raqui-anestesia, também denominada raqui-novocainização ou raqui-estovainização.

No que diz respeito à anestesia local, em 1914 atingia uma percentagem considerável (8,6%) e, por exemplo, as hérnias eram na sua maioria operadas com esta técnica. Usava-se a novocaína ou a estovaína, com ou sem associação à adrenalina.

Damos alguns exemplos.

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Como podemos verificar o internamento não se tornava mais curto pelo facto de se utilizar a anestesia local.

O que nos é difícil de entender é o grupo de operações sem anestesia, mesmo invocando o velho argumento (um pouco cínico) da alteração da sensibilidade à dor com a evolução cultural. Por nos parecer quase inacreditável reproduzimos quatro exemplos a partir do original:

AS HÉRNIAS INGUINAIS O caso das hérnias inguinais é curioso. Compreende-se facilmente que médicos mais competentes e doentes mais bem informados levem a um encaminhamento mais precoce destes últimos para a cirurgia. A relação numérica entre hérnias inguinais simples e estranguladas pode, assim, traduzir um fenómeno social.

Em 1903 foram operadas 30 hérnias inguinais simples e 35 estranguladas e, em 1914, ao lado das 30 últimas hérnias inguinais simples operadas aparece apenas 1 estrangulada! Mentes mais politizadas e inclinadas a interpretar o progresso dos fenómenos como uma consequência da "ética republicana" veriam aqui a evidência da sua convicção, mas os números revelam que esta tendência para a diminuição dos casos de estrangulamento herniário vinha de trás, pois às últimas 30 hérnias simples operadas antes do 5 de Outubro de 1910 corresponderam apenas 7 hérnias estranguladas, número muito distante das 35 do período inicial.

No que diz respeito aos dias de internamento em casos de hérnia inguinal, em 1903, a média atingia 20,2 dias (Máx.: 50; Min.: 4) e em 1914, 19,9 dias (Máx.: 53; Min.: 5). Não tinha havido, pois, neste campo qualquer progresso.

Recordamos que quando dávamos os primeiros passos na carreira cirúrgica (anos 60 do século XX) os doentes submetidos a herniorrafia inguinal ficavam, ainda então, 10 dias (sagrados!) sem se poderem levantar.

Resta dizer que os cirurgiões do período em estudo dispunham, para o tratamento das hérnias, de numerosas técnicas com diversos epónimos: processo de Bassini (o mais frequente), Kocher, Pilcher, Broca, Mayo, Judd, Ferrari, Wölfler, Doyen, Stenson, Delagenière, Lucas-Championnière, Berger, Duplay, Santucci, Andrews, Schwartz, etc., e que, apesar desta variedade que revelava a insuficiência de qualquer das técnicas, com grande optimismo antepunham quase sempre a este epónimo o termo "Cura radical".

AS GASTRECTOMIAS A operação padrão no tratamento da úlcera ou do carcinoma do estômago era a gastro-enterostomia posterior transmesocólica na grande maioria dos casos pelo processo de Von Hacker (anastomose laterolateral), mas por vezes pelo de Roux, com uma ansa em Y.

apenas 12 gastrectomias efectuadas no período 1903-1914. Onze por carcinoma gástrico e 1 por úlcera da pequena curvatura do estômago, com a seguinte distribuição: Francisco Gentil - 4 Custódio Cabeça - 2 José Gentil - 2 Reynaldo dos Santos -1 Craveiro Lopes - 1 João Paes de Vasconcellos - 1 Jaime Salazar de Sousa - 1 Morreram 7 doentes, 4 no pós-operatório imediato (33%) e 3 provavelmente pela evolução natural da doença.

Note-se que, em 1902, antes do período em análise, Augusto de Vasconcellos tinha feito uma gastrectomia sub-total e José Gentil uma gastrectomia total (a primeira realizada em Portugal?), ambas por cancro do estômago e ambas seguidas da morte do doente no pós-operatório imediato.

O CANCRO DO RECTO Dos 22.560 doentes operados no Hospital de S. José entre 1903 e 1914, 34 eram portadores de cancro do recto (CR), o que uma percentagem de 0,15%.

O tratamento cirúrgico do CR era na altura acompanhado de grande mortalidade.

No período em estudo, no Hospital de São José, dos 34 doentes operados 8 morreram, ou seja 23,5%.

Curiosamente nos 17 casos de ressecção 3 mortes e nos restantes 17 casos em que se recorreu a uma ostomia ("ânus ilíaco" na terminologia da época), morrem 8 doentes, isto, provavelmente, porque nos casos em que se recorria à colostomia se tratava de lesões mais avançadas ou de doentes em pior estado de saúde.

O ano em que se operam mais casos é 1908 (8 casos) e os cirurgiões mais activos neste campo, nos doze anos em estudo, são: Custódio Cabeça - 8 casos Jaime Salazar de Sousa - 6 casos Francisco Gentil - 5 casos e Augusto Vasconcellos - 4 casos Note-se que Jaime Salazar de Sousa, que passou para a posteridade como cirurgião pediatra, era, na cirurgia dos adultos, um dos mais diferenciados, sendo o único que executou uma amputação abdomino-perineal.

Como curiosidade registe-se que um dos casos de colostomia foi um "ânus cecal" (Custódio Cabeça), e que o primeiro caso de 1903, um carcinoma do recto com fístula rectal, foi tratado por Gregório Fernandes, um cirurgião da geração anterior (pai de Alberto e Eugénio Mac Bride), com dilatação forçada do ânus. Mas, cura, aqui, não tem o significado que se lhe habitualmente. Como diz Custódio Cabeça a propósito de um dos seus casos: "cura da operação, mas não da moléstia".

Nos registos de 1902, incompletos, (e por isso, não integrando o nosso período) a primeira operação por CR é executada por Francisco Stromp, em 22.04, sendo uma extirpação parcial do recto por via vaginal, com "cura" da doente. Mas, sabe-se que a cirurgia ablativa do recto era praticada, entre nós, nos finais do século XIX, pois Magno Azedo na sua tese de licenciatura intitulada "O Methodo de Kraske", refere-se a uma ressecção do recto com excisão do cóccix (método de Kocher) executada pelo, então jovem, Custódio Cabeça. Sempre ele

MORTALIDADE Aos olhos de hoje a mortalidade operatória do período 1903-1914 parece proibitiva, mas não ia além dos números internacionais.

CASUÍSTICA OPERATÓRIA Sendo superior a 25.000 o número de operações no período estudado, após excluir a casuística de Urologia (Drs. Artur Ravara, Henrique Bastos e Elisiário Ferreira), Oftalmologia (Drs. Borges de Sousa e Xavier da Costa) e Otorrinolaringologia (Drs. Manuel Valladares, Sant'Ana Leite e Alberto Mendonça), restaram para a Cirurgia Geral 22560 operações, das quais seleccionámos as que nos pareceram mais interessantes, dando especial atenção aos anos 1903 e 1914, cuja distância temporal entre si permite tornar mais evidente o progresso alcançado. Por isso os apresentamos em primeiro lugar, seguindo-se os registos de 1904 a 1913.

Os quadros que se seguem são uma selecção dessas 22.560 operações tendo como critério a curiosidade (por vezes o insólito!) e a complexidade de cada uma delas. Por esta última razão, a mortalidade registada nestes casos seleccionados é muito mais alta do que a real.

Note-se, mais uma vez, que o termo cura significa muitas vezes cura da operação e não da doença ou moléstia.

Abramos agora as portas do Bloco Operatório do Hospital de São José e participemos em algumas das operações que ali se realizaram entre 1903 e 1914, mas, antes de o fazer, é bom ter uma noção das condições em que os cirurgiões do princípio do século XX trabalhavam.

Recentemente o nosso colega urologista Dr. Manuel Mendes Silva organizou na Ordem dos Médicos uma exposição de fotografias de seu avô, o Dr. Jorge Marçal da Silva, também ele cirurgião do Hospital de São José no início do século XX, em que uma delas, tirada em 1908, mostra o que era o Bloco Operatório do Banco: uma pequena sala com uma porta de madeira ao fundo, paredes sujas, um lustre com quatro lâmpadas com "abat-jour", talvez uma bala de oxigénio no canto esquerdo, um lavatório vulgar e, ao meio, uma marquesa de ferro pintada de branco, semelhante às que existiam em qualquer consultório, coberta por uma manta alentejana E era ali que se operava! É, provavelmente, essa mesma manta, o cobertor térmico da época, que, na fotografia cobre o Prof. Miguel Bombarda antes de ser operado no Banco do Hospital de São José em 4 de Outubro de 1910 depois de ter sido atingido a tiro por um doente. E era assim que se operava!

Para quem não é cirurgião a leitura com pormenor dos quadros que se seguem pode ser penosa, mas temos a convicção de que os cirurgiões vão ali encontrar factos extremamente curiosos e que darão por bem empregue o tempo gasto.

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TABELA_6

CONSIDERAÇÕES FINAIS Pensamos com esta pesquisa ter ajudado a conhecer o tipo de cirurgia que se praticava entre nós no início do século XX e a objectivar a qualidade dos cirurgiões do Hospital de São José e Annexos e dos Hospitais Civis de Lisboa no mesmo período, à maioria dos quais o termo Cirurgião Geral se aplicava com justeza, percebendo, assim, a razão de os seus nomes se terem projectado ao longo de 100 anos, chegando sonantes aos dias de hoje.

Julgamos que Lisboa era, então, o principal centro cirúrgico do país, mas não temos dados que nos permitam fazer a comparação com os hospitais do Porto e de Coimbra.

A mortalidade era alta (numa das datas, ao mesmo cirurgião morreram-lhe dois doentes), o que se deve a várias razões: os doentes (que ainda não eram chamados utentes) apresentavam-se muitas vezes com doenças em estado avançado, a anestesia não tinha a segurança que tem actualmente (ainda hoje persiste a ideia: "eu tenho medo é da anestesia"), a reanimação era praticamente inexistente e para se combater a infecção se podia contar com as defesas naturais do organismo, em doentes muitas vezes subnutridos.

Para anular ou atenuar estes factores o cirurgião tinha que ser decidido no carácter e rápido na execução, e assim se criava o conjunto de atributos que enformavam a "personalidade do cirurgião", a que não era alheia uma certa rudeza.

Em todas as gerações (e a nossa não foge à regra!) um grupo de cirurgiões que se distinguem, ou pelas suas qualidades de trabalho ou pelo seu espírito inovador. Não fazendo referência aos da "Geração da Transição do Século", porque no período em análise estavam em fim de carreira, e não é possível fazer juízos de valor com fundamento em dados escassos, na "Geração do Início do Século XX" é justo salientar: Custódio Cabeça, Augusto de Vasconcellos, os irmãos José e Francisco Gentil, Jaime Salazar de Sousa, Augusto Monjardino, João Paes de Vasconcellos, Reynaldo dos Santos e Alberto Mac Bride, isto sem esquecer todos os outros mencionados neste trabalho a quem milhares de doentes ficaram a dever a saúde e, muitas vezes, a vida, e que muito ilustraram a instituição a que pertenceram: os Hospitais Civis de Lisboa.


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