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EuPTCVHe1646-69182013000400005

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variedadeEu
ano2013
fonteScielo

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O diabético com infecção aguda: tratamento no Serviço de Urgência em Portugal

ABREVIATURAS OMS Organização Mundial de Saúde; TAC Tomografia axial computorizada, RMN Ressonância magnética nuclear; CMUP Consulta Multidisciplinar de Úlcera de Perna.

INTRODUÇÃO A diabetes é uma doença em expansão mundial que cresce a um ritmo de nove milhões de novos casos/ano. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que em 2030 existam 552 milhões de diabéticos, com uma taxa de prevalência de 9.9% na população adulta. Se tomarmos em consideração os efeitos devastadores da doença, pela morbilidade e mortalidade associadas à sua evolução, podemos dizer que estamos perante uma verdadeira pandemia.

Em Portugal o panorama é semelhante. De acordo com o Relatório Anual de 2012 do Observatório Nacional da Diabetes1, o número de novos casos anuais diagnosticados oscila entre os 600 e 700 por 100 000 habitantes, sendo que a prevalência na população adulta entre os 20 e 79 anos é de 12,7%. Esta taxa sobe para 27,1% se considerada apenas a população entre os 60 e os 79 anos de idade1. Ainda de acordo com o mesmo relatório, a taxa de pré-diabetes na população entre os 20 e os 79 anos cifra-se em 26,5%, o que significa que mais de um terço dos portugueses são diabéticos ou pré-diabéticos .

O mau controlo da glicemia e o tempo de evolução da doença estão directamente relacionados com diversas complicações sistémicas da Diabetes mellitus, sendo o diabético uma das mais importantes, quer pelas repercussões que tem na vida do doente, quer pelos custos socio-económicos que lhe estão associados.

De acordo com a OMS o diabético define-se como uma síndrome caracterizada por uma úlcera no , localizada abaixo do maléolo, acompanhada de neuropatia e diferentes graus de isquemia e infecção.

Em 2011, o International Working Group on the Diabetic Foot, apresentou os seguintes factos sobre o diabético no 6th International Symposium on the Diabetic Foot2: ⏠A cada 20 segundos um membro é amputado em alguma parte do Mundo devido à Diabetes mellitus.

⏠Mais de 70% de todas as amputações do membro inferior são efectuadas em diabéticos.

⏠Mais de 70% dos amputados major do membro inferior morrem em 5 anos.

⏠Em cada ano, cerca de 4 milhões de pessoas de-senvolverão uma nova úlcera de diabético.

⏠Nos países desenvolvidos, mais de 4% das pessoas com diabetes têm diabético, gastando 12-15% do orçamento da saúde destinado ao tratamento daquela entidade nosológica. Nos países em desenvolvimento o diabético consome 40% do orçamento destinado para tratamento da diabetes.

⏠Mais de 85% das amputações são precedidas de uma úlcera que pode ser prevenida.

⏠O diabético é a principal causa de internamento das pessoas com diabetes e é a principal causa de internamento prolongado.

O diabético constitui assim um problema com um elevado peso social e económico que põe em risco a sustentabilidade dos sistemas de Saúde e Segurança Social de qualquer país, mas sobretudo dos países em desenvolvimento, onde a pandemia da diabetes assume maior relevo3.

FISIOPATOLOGIA DO DIABÉTICO A fisiopatologia das alterações que surgem nos pés dos diabéticos é complexa e envolve múltiplos processos4,5. A sua explanação pormenorizada não cabe no âmbito desta exposição, realçando-se alguns pontos que se consideram da máxima importância.

A hiperglicemia prolongada é o elo comum que une os três pilares responsáveis pela formação da úlcera no dos diabéticos: neuropatia, isquemia e infecção6 (Figura_1).

A exposição permanente e prolongada à hiperglicemia provoca alterações degenerativas nos axónios de todas as fibras nervosas. Primeiro são atingidas as fibras autonómicas simpáticas, seguindo-se as fibras sensitivas e motoras.

A neuropatia simpática é responsável pelo bloqueio da sudorese e pela abertura dos shuntspré-capilares, proporcionando o aquecimento e edema do e a desidratação da pele, o que favorece a formação de fissuras, possíveis "portas de entrada" para bactérias.

A neuropatia motora provoca atrofia dos músculos intrínsecos do dando origem a alterações estruturais da arquitectura do , responsáveis pelo desenvolvimento de áreas de hiperpressão intrínseca, locais potenciais para a formação de úlceras.

Por último, a neuropatia sensitiva que impede o doente de se defender das agressões intrínsecas ou extrínsecas, permitindo o desenvolvimento de lesões graves (Figuras 2 e 3). Esta complexa polineuropatia periférica faz com que os doentes se "esqueçam" de que têm pés, tornando-os permeáveis a situações aberrantes, mas bastante frequentes, como andar um dia inteiro com uma pedra (ou outros objectos) no sapato.

No que concerne à isquemia arterial, a Diabetes mellitus, por múltiplas vias, constitui um factor de risco independente para a aterosclerose e potencia outros factores de risco, como o tabagismo. A aterosclerose nos diabéticos surge mais precocemente, atinge preferencialmente os vasos de médio/pequeno calibre do sector femoro-popliteu e tende a ser bilateral.

Relativamente ao pilar da infecção, os diabéticos, sobretudo aqueles com mau controlo metabólico, têm uma maior susceptibilidade a desenvolverem-na por apresentarem a sua imunidade inata reduzida.

A úlcera do diabético tende a evoluir para a cronicidade, seja pela sua localização, pela diminuição da acuidade visual secundária à retinopatia diabética, ou pelo simples facto de ser indolor, pelo que frequentemente não é valorizada ou reconhecida pelo doente (Figura_4). Apenas dois terços das úlceras cicatrizam, mesmo sob cuidados médicos adequados, apresentando um tempo médio de cicatrização de aproximadamente seis meses.

O DIABÉTICO INFECTADO Factores como a cronicidade, a ausência de cuidados gerais pelo próprio doente e, principalmente, a diminuição da eficácia dos mecanismos de defesa da imunidade, determinam que 40 a 80% das úlcera do diabético progridam para a infecção embora em grau de gravidade variável6.

De acordo com a Infectious Diseases Society of America, a infecção das úlceras pode ser classificada em três graus de gravidade7: ⏠Infecção ligeira: exsudado purulento associado a dois ou mais sinais de inflamação, eritema peri-úlcera < 2 cm, limitado à pele ou tecido celular subcutâneo.

⏠Infecção moderada: infecção de grau ligeiro associada a eritema peri-úlcera > 2 cm, linfangite, gangrena, abcesso profundo, extensão abaixo da fascia superficial ou atingimento de músculo, tendão, osso ou articulação.

⏠Infecção grave: infecção de grau ligeiro ou moderado, associada a sinais de toxicidade sistémica ou instabilidade metabólica.

Esta estratificação da gravidade da infecção é importante porque, se uma infecção moderada pode colocar em risco o membro, uma infecção grave coloca a vida do doente em risco. É com base nesta estratificação do grau de infecção que se deve estabelecer o plano de tratamento destes doentes, desde o tipo e via de administração do antibiótico até ao local de tratamento (em ambulatório ou em internamento).

Em regra os doentes com infecção moderada ou grave recorrem ao médico e ao serviço de urgência porque têm dor no quando fazem apoio, independentemente de apresentarem ou não sinais inflamatórios visíveis. Na actual estrutura dos serviços de urgência hospitalar são os cirurgiões gerais que assumem a abordagem inicial e o tratamento destes doentes. com frequência uma subavaliação da gravidade da situação clínica, mas refira-se que a mortalidade aos cinco anos do diabético que sofre uma amputação majoré superior a muitas formas de cancro8.

As infecções moderadas e graves requerem tratamento urgente. Estes doentes devem ser internados para início de antibioterapia e tratamento cirúrgico urgente, com colheita de material para microbiologia. O tratamento na urgência tem como objectivos controlar o foco séptico e minimizar o efeito altamente destrutivo da infecção em compartimento fechado. Adiar o tratamento cirúrgico além de pôr em risco o membro é responsável pelo prolongamento dos internamentos.

ANATOMIA DO E SUAS IMPLICAÇÕES NA EVOLUÇÃO DA DOENÇA Quem trata os doentes com diabético deve ter bem presente a anatomia cirúrgica do , não para melhor compreender o quadro clínico e o processo fisiopatológico subjacente, mas sobretudo para escolher e proceder a adequado tratamento cirúrgico.

O é um órgão altamente especializado que suporta o peso de todo o corpo e desempenha um papel fulcral na locomoção. Tem como centro a arcada óssea que é revestida por músculos, tendões, aponevroses, tecido celular e pele, dispostos em igual número de camadas na face plantar e dorsal, mas de forma assimétrica (Figura_5).

Enquanto a pele, o tecido celular subcutâneo e a fascia superficial da face plantar são espessas e fixas, na face dorsal essas mesmas estruturas são finas e móveis. No plano muscular, a face plantar tem uma camada muscular espessa e complexa, disposta em três grupos (interno, médio e externo), separados por dois septos fibrosos com origem na fascia plantar superficial e que se inserem na arcada óssea. Pelo contrário, na face dorsal a camada muscular é constituída por um único músculo curto e estreito, o pedioso, apenas mais espesso na parte posterior, e recoberto pelos tendões dos longos extensores dos dedos.

A fascia superficial plantar, também designada por aponevrose plantar, ao contrário da sua similar dorsal, é uma estrutura fibrosa densa que desempenha um papel muito importante na marcha. Tem origem no calcâneo e dirige-se para a cabeça dos metatarsos em forma de leque, formando conjuntamente com a arcada óssea um compartimento relativamente estanque que contém os feixes vásculo- nervosos, os músculos e os tendões dos flexores dos dedos. A aponevrose plantar emite dois septos em direcção à arcada plantar que se vão fixar, respectivamente, no e metatarsos, dividindo o compartimento plantar em três locas: interna, mediana e externa (Figura_5), facto que tem grande importância no diagnóstico e evolução clínica da infecção na face plantar.

Convém salientar que os tendões dos músculos flexores dos dedos são revestidos por bainha tendinosa até às falanges distais, (Figura_6B) e que esta é a via de eleição para a disseminação da infecção às estruturas mais profundas. Pelo contrário, os tendões dos extensores dos dedos são apenas revestidos por bainha tendinosa na sua porção conjunta, (Figura_6A), na zona do tarso. Esta assimetria de revestimento dos tendões flexores e extensores dos dedos tem repercussão na forma de apresentação clínica da infecção nas faces plantar e dorsal do .

O é irrigado pelas artérias tibial anterior e tibial posterior (Figura_7). A artéria tibial posterior é a principal e atinge a face plantar após passar atrás do maléolo interno, onde se divide em dois ramos: o marginal interno que termina na cabeça do metatarso e o marginal externo que, na base do metatarso, inflecte para dentro dando origem à arcada marginal que se anastomosa com a artéria perfurante dorsal, ramo da pediosa. Desta arcada partem quatro ramos que depois se dividem em dois terminais que vão irrigar os dedos.

A disseminação dos microrganismos pelas bainhas tendinosas aos planos profundos desencadeia um processo inflamatório com edema dos tecidos atingidos. Como estas estruturas se encontram num compartimento relativamente estanque ficam sujeitas a um aumento de tensão. Na fase inicial da infecção o doente refere dor quando faz carga no , por aumento da tensão sobre os tecidos e numa fase mais tardia, pode ocorrer interrupção da circulação arterial e necrose transparietal dos tecidos (Figuras_8), que pode evoluir para uma fase de disrupção, uma síndrome compartimental do . Convém contudo referir que a interrupção da circulação também pode ser causada por oclusão do eixo arterial secundária a arterite causada pela própria infecção.

APRESENTAÇÃO CLÍNICA O quadro clínico da infecção aguda do diabético na face dorsal é dominado por uma celulite/fleimão, geralmente exuberante, dependendo do tempo de evolução (Figura_9). Na face dorsal a propagação da infecção é por contiguidade, devido à ausência das bainhas tendinosas dos extensores na sua porção inicial.

Na face plantar o primeiro sintoma é a dor desencadeada pela carga e reproduzida pela compressão digital à observação, no entanto em repouso o doente não tem dor. Mais tarde surge eritema da pele (Figura_10) sobre o compartimento afectado e dias depois, a área de rubor lugar a uma flictena que encobre uma placa de necrose cutânea de extensão superior. Nessa altura a infecção poderá atingir mais do que um compartimento ou até as duas faces do , situação que com frequência compromete a viabilidade deste (Figura 11 e 12). Nas fases tardias o doente pode apresentar sinais sistémicos de infecção como hiperglicemia de difícil controlo, febre, náuseas, vómitos e confusão mental, bem como instabilidade hemodinâmica e metabólica.

Nas úlceras do bordo interno, face plantar e grande halluxa infecção tende a propagar-se para a loca interna, seguindo a bainha do flexor próprio do dedo ou do tendão do adutor (Figura_13A). Por este motivo, é neste compartimento que devemos pesquisar a existência de dor e eventuais sinais inflamatórios locais.

Nas úlceras plantares dos , , dedos e respectivas pregas interdigitais, os sinais de infecção difundem-se para a loca média (Figura_13B,C), seguindo o trajecto dos tendões longo flexores dos respectivos dedos. Nas úlceras do dedo e pequeno halluxos sinais de infecção propagam-se para a loca externa (Figura_16A).

FIGURA_14

Assim, a localização da dor e dos sinais inflamatórios estão intimamente relacionados com a localização da úlcera devido a esta propagação selectiva através das bainhas tendinosas dos flexores.

Analiticamente, na fase precoce apenas está presente uma elevação da PCR, em regra significativa. Nas fases mais avançadas poderemos encontrar: PCR muito elevada, leucocitose com neutrofilia, hiperglicemia e, por vezes, retenção azotada e insuficiência renal, dado que estes doentes têm habitualmente associado algum grau de nefropatia diabética.

TRATAMENTO Genericamente, os doentes com infecção aguda profunda moderada ou grave devem ser internados, não porque necessitam de antibioterapia sistémica, muitas vezes de uso exclusivo hospitalar, mas também porque a maioria carece de tratamento cirúrgico urgente. Por outro lado numa fase ulterior, em internamento, vão requerer cuidados médicos e de enfermagem diferenciados, bem como evitar a carga sobre o afectado. A abordagem sistemática destes doentes, depois da urgência, deverá ser feita por uma equipa multidisciplinar.

O tratamento destes doentes assenta em três vertentes: intervenção cirúrgica, antibioterapia e apósito local.

A vertente cirúrgica consiste em proceder à drenagem do fleimão com uma incisão ampla e alinhada pela úlcera que lhe deu origem, passando pela área mais tensa do eritema, e suficientemente profunda para atingir a aponevrose superficial de forma a prevenir e/ou tratar a síndrome compartimental que compromete a irrigação sanguínea dos tecidos e inviabiliza a chegada dos antibióticos ao local da infecção. Não deve ser esquecida a colheita simultânea de produto para exame bacteriológico e respectivo teste de sensibilidade aos antimicrobianos (TSA). Esta vertente é a mais importante, porque dela dependem a capacidade de acção das outras duas e, por este motivo, deve ser realizada o mais precocemente possível.

A segunda vertente é a antibioterapia, que se pretende de amplo espectro, tendo em consideração que a infecção no diabético é em regra polimicrobiana e que, por isso, deve incluir cobertura para Grampositivos e Gramnegativos, tendo em consideração anteriores ciclos de tratamento antibiótico e a duração prévia da úlcera. Tendo em conta estes últimos factores, a existência de episódio anterior de infecção por Staphylococcus aureusresistente à meticilina (MRSA) e ainda se a proveniência do doente for de área com elevada incidência deste agente, deve ser ponderada a cobertura para MRSA9. Deste modo, é importante proceder-se de forma sistemática à colheita de amostras de material infectado (exsudado e biópsia de tecidos mais profundos) para exame bacteriológico10, de forma a dirigir-se a antibioterapia, o mais cedo possível.

A terceira vertente diz respeito ao apósito/penso local. A este propósito refira-se que não existe nenhum penso ideal. No entanto alguns princípios básicos a ter em conta. O primeiro princípio é que o penso não deve ser compressivo, nem nas compressas locais nem na ligadura de suporte, pois para além da infecção todo o diabético é um potencial isquémico e, como tal, a compressão, mesmo que mínima, pode comprometer a irrigação dos tecidos. Outro princípio importante é que a cura em meio húmido é melhor que em meio seco.

Neste contexto os autores deixam colocada no local uma butterfly(Figura_14B) para instilar regularmente o líquido de opção (6/6h ou 8/8h), por forma a obter-se uma cura em verdadeiro meio húmido permanente. Uma alternativa à cura em meio húmido, que na nossa experiência tem tido genericamente bons resultados, é a aplicação de sistemas de pressão local negativa também designada de vacuoterapia. Esta técnica permite um tratamento em ambiente húmido e fechado e que pelo seu modo de funcionamento contribui para reduzir a carga bacteriana local11,12,13 sobretudo nos casos em que existe exsudado necropurulento. É uma técnica que em alguns casos, dada a localização da lesão, não é de fácil execução, em particular no pós-operatório imediato.

Enquanto que o diagnóstico da infecção aguda na face dorsal é evidente e a necessidade de tratamento cirúrgico urgente não coloca muitas dúvidas, o diagnóstico da infecção aguda na face plantar não é óbvio e requer elevado grau de suspeita. Particularmente, no doente com neuropatia periférica que refere aparecimento de dor na face plantar do , quando faz apoio, esta suspeita é forte. Se a dor é reprodutível ao comprimir com o dedo selectivamente uma área específica do e se analiticamente se acompanha com elevação da PCR, o doente deve ser internado, iniciar de imediato antibioterapia de largo espectro e fazer todas as diligências para confirmar o diagnóstico por métodos de imagem, RMN ou TAC do afectado.

O tratamento da infecção aguda profunda da face plantar constitui uma urgência médico-cirúrgica, porque quanto mais precoce for o início do tratamento menor será a destruição local dos tecidos e também menor será o risco de ter de se proceder a uma amputação major. Nas úlceras localizadas no bordo interno do dedo ou no hallux, que drenam para o compartimento interno, a incisão de drenagem deve ser feita ao longo do bordo interno do (Figura_14).

Se, pelo contrário, a infecção se propaga para o compartimento médio, como acontece nas úlceras localizadas nos , , dedos e respectivos espaços interdigitais a incisão deverá ser feita na área central seguindo a direcção da área de rubor (Figura_15).

Nas úlceras do dedo e do pequeno halluxa incisão é feita na porção mais exterior da face plantar/ bordo externo do (Figura_16).

Nas fases mais avançadas, que além da dor e PCR elevada, apresentam rubor, deve proceder-se à drenagem cirúrgica urgente do compartimento, fazendo uma incisão longitudinal ampla sobre pele, tecido celular subcutâneo e aponevrose plantar.

A incisão da aponevrose constitui a base do tratamento, porque a sua abertura vai permitir descomprimir o compartimento, aliviando a tensão sobre os músculos e as pequenas artérias, melhorando a irrigação dos tecidos e a sua penetração pelos antibióticos. Na fase em que existem flictenas e placas de necrose extensas em progressão activa, a conservação do membro é com frequência inviável (Figura_17).

Porém, nos casos de necrose limitada, deve-se tentar preservar o membro (Figura 18), procedendo-se não a incisão ampla de drenagem e descompressão, como também desbridamento dos tecidos desvitalizados, para redução da carga bacteriana local15. Aconselha-se uma incisão de drenagem generosa, mas uma atitude parcimoniosa no desbridamento cirúrgico, evitando a excisão de tecidos viáveis.

Uma alternativa relativamente recente ao desbridamento cortante é o desbridamento por hidrodissecção, que permite poupar os tecidos viáveis. Esta técnica, quando disponível, é o método ideal nos casos de desbridamentos extensos e quando estes se prevêem seriados.

Por último, uma referência à infecção profunda com osteomielite. Os locais mais frequentes são a cabeça dos metatarsos e as falanges. O diagnóstico é em regra imagiológico, por método de radiografia simples (Figura_19B) se crónica, ou por ressonância magnética na sua fase mais precoce (Figura_20). Não obstante, uma prova sonda-osso positiva (i.e. se na exploração de uma úlcera com um instrumento metálico tivermos a sensação de "grito ósseo") tem um elevado valor preditivo positivo16 (Figura_19A).

O seu tratamento passa pela excisão cirúrgica dos sequestros ósseos, alargando a úlcera que lhe está sobrejacente, deixando a ferida cicatrizar por segunda intenção (Figura_21). O envio sistemático do sequestro para estudo bacteriológico é muito importante para o direccionamento da antibioterapia que neste caso deve ser mantido por um período mais alargado (de 4 a 6 semanas).

Outra situação que frequentemente surge na urgência é o com gangrena digital. Se o dedo se apresenta com a gangrena seca/mumificado, sem dor à palpação e sem sinais inflamatórios plantares (Figura_22), deve-se iniciar tratamento antibiótico com cobertura para Estafilococos e Estreptococos, diferindo a desarticulação. Se pelo contrário a gangrena for húmida, com ou sem sinais inflamatórios plantares (Figuras 23, 24 e 25), deve iniciar-se antibioterapia de amplo espectro e efectuar amputação digital/drenagem do respectivo compartimento. Não é aconselhável o encerramento primário, porque existe sempre infecção, declarada ou subclínica, nos tecidos circundantes e porque as suturas agravam a isquemia dos bordos da ferida operatória.

A nossa experiência na área das feridas é resultante do interesse desde longa data pela patologia da úlcera de perna. A crescente procura de uma consulta especializada no tratamento desta patologia levou à criação, em 2004, de uma Consulta Multidisciplinar de Úlcera de Perna (CMUP). O estabelecimento de protocolos de tratamento com os Centros de Saúde, permite optimizar os resultados e os recursos a nível hospitalar e nos cuidados de saúde primários, com consequente redução de custos inerentes.

A estreita colaboração com a Consulta de Diabetologia permite uma detecção mais precoce de lesões de diabético e, também, uma melhor vigilância da recorrência destas lesões após a alta da consulta13. Esta intervenção precoce e multidisciplinar permitiu uma redução do número de doentes com necessidade de internamento e também uma redução do número de amputações major por diabético na área de influência do nosso hospital.

Nos últimos cinco anos tratámos 296 doentes (198 homens e 98 mulheres) em regime de internamento, com o diagnóstico de diabético com infecção aguda moderada ou grave, a maior parte proveniente do serviço de urgência. Neste período, apenas 9% foram admitidos novamente em internamento. Noventa e cinco por cento dos doentes mantiveram o membro afectado, sendo submetidos apenas a desbridamentos ou amputações minor. A taxa de amputações majorfoi de 5% (15 doentes). A taxa de mortalidade global foi de 6% (18 doentes), mais de um terço (38,8%) no pós-operatório de uma amputação major. A principal causa de morte foi a descompensação de patologia cardíaca, seguida de falência renal aguda.

Como registo clínico, utilizamos não o processo clínico, mas também o registo iconográfico através de fotografia digital, para análise da evolução da ferida. Em anexo documentamos cinco casos que ilustram os resultados da abordagem na urgência (vide anexos).

NOTAS FINAIS O tratamento do diabético é uma verdadeira urgência médico-cirúrgica. A apresentação como fleimão, raramente como uma colecção, é sinal de que a infecção está contida num compartimento relativamente rígido e que necessita de drenagem urgente. Deste modo, defendemos que o cirurgião deve ser generoso na drenagem e parcimonioso na ressecção, de forma a preservar e alterar o menos possível a estrutura do .

O doente não amputado tem maior esperança média de vida com melhor qualidade e, nitidamente, tal repercutir-se-à positivamente sobre os custos económicos e sociais. A intervenção precoce no diabético com infecção aguda é fundamental para preservação do membro, redução global do número de amputações e, em última instância, diminuição da mortalidade a ele associada.


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