Radioterapia intraoperatória e neoplasia da mama
INTRODUÇÃO
A cirurgia de ressecção tumoral, seguida de radioterapia externa envolvendo
toda a mama, constitui o standard of care, na neoplasia da mama, em estádio
inicial, oferecendo boas taxas de controlo local da doença. (1) A radioterapia
externa convencional (RTX), prescrita a título adjuvante, para o controlo local
desta neoplasia, administra habitualmente 50 Gy, em 25 fracções, durante 5
semanas, com um incremento final (boost) que pode ser de 10-16 Gy sobre o leito
tumoral. Este incremento de dose é habitualmente efectuado com o recurso a
electrões, produzidos por um acelerador linear ou com braquiterapia
intersticial (étimo grego brachys significando por dentro, através de...)
utilizando isótopos radioactivos - ex.: Ir-192).
A IORT, que pode ser considerada uma forma de irradiação acelerada parcial da
mama (APBI), parece constituir uma alternativa possível ao esquema convencional
e tem vindo a ganhar adeptos na comunidade médica, como consequência também de
novos e atractivos equipamentos que permitem a sua realização (Intrabeamâ, Xoft
eBxâ, ...).
A International Society of Intraoperative Radiation Therapy (ISIORT) apontava
em 2004, para cerca de 61% de casos de neoplasia da mama a poderem beneficiar
de IORT, seguida à distância pela neoplasia rectal (com 15% dos casos).
MÉTODOS
A IORT proporciona uma integração completa entre cirurgia e radioterapia,
considerando que permite reduzir a probabilidade de resíduo tumoral, ao ser
combinada com uma cirurgia de ressecção tumoral, maximizando (alguns) efeitos
radiobiológicos, ao utilizar uma dose única e elevada de radiação e optimizando
o factor tempo, ao irradiar precocemente, submetendo a doente a um único
procedimento anestésico (1).
É sabido que maior volume tumoral pressupõe maior dose para a obtenção de
controlo local. Esta tese está subjacente ao conceito de escalada de dose e à
necessidade de incremento (boost) final, num esquema de tratamento por
radioterapia com fraccionamento convencional (RTX). Por outro lado, o hiato
temporal ocorrido no procedimento standard, entre a cirurgia e o início da RTX,
permite a "repopulação" celular tumoral acelerada, a partir de clones
celulares tumorais residuais. O crescimento desta população, que é inicialmente
exponencial, parece ser impedido pela utilização de IORT (2). Por outro lado,
diversos autores referem que, pelo facto de não existirem ainda alterações do
ambiente vascular e da oxigenação celular, no momento da cirurgia, o efeito
radiobiológico da IORT resulta mais favorável, por existirem condições
"ambientais" que conferem maior radiossensibilidade aos tecidos (2).
Existem diversos modelos matemáticos que analisam a relação dose-resposta, em
radioterapia. O modelo linear quadrático é actualmente o mais utilizado e
acentua o benefício da utilização de doses/ fracção inferiores a 6 a 8 Gy.
Assumindo que razão a/b de uma célula tumoral de tecido glandular mamário é
igual a 10, com a administração de uma dose única de 12 Gy, como boost ou 21 Gy
como tratamento exclusivo, obter-se-ia o mesmo controlo local, que com
fraccionamento convencional de 25 ou 60 Gy, respectivamente. A desvantagem
potencial são os fenómenos de toxicidade tardia como a fibrose, em tecidos de
resposta tardia (a/b £ 3) (2).
O objectivo de irradiar o alvo com prejuízo mínimo dos tecidos /órgãos sãos
envolventes (OR), objectivo primeiro de qualquer modalidade de radioterapia,
parece ser atingido de forma facilitada com a IORT, ao poderem proteger-se OR,
afastando-os literalmente no momento da irradiação, por mobilização intra-
operatória e/ou protecção mediante blindagem. A crítica mais contundente
apontada à IORT é a de não permitir a decisão baseada no estudo
anátomopatológico completo (exaustivo), não evitando assim que casos de pior
prognóstico tenham mesmo de efectuar radioterapia externa convencional,
envolvendo toda a mama ou, de outro modo, não evitando a radioterapia
adjuvante, a doentes de idade avançada, com carcinomas invasivos da mama, com
receptores hormonais positivos, que poderiam beneficiar apenas de cirurgia e
hormonoterapia.
Também a delimitação do volume-alvo, o volume a envolver pela radiação, parece
ser prejudicada na IORT, colocando-se dúvidas quanto às margens de segurança a
envolver (que deverão contemplar zonas de potencial invasão microscópica). Na
prática, os desafios principais para uma adequada definição do volume a tratar
com IORT e que deverão ser objecto de estudo, são a margem de ressecção
posterior, a margem dosimétrica posterior e o seu gradiente terapêutico.
A IORT pode ser efectuada com recurso a várias técnicas, sendo as mais antigas,
descritas em estudos japoneses da década de 60, que utilizam electrões
produzidos por aceleradores lineares (ELIOT) e a braquiterapia de Alta taxa de
dose (High Dose Rate - HDR), utilizando isótopos radioactivos (2).
Os aceleradores lineares, através de aplicadores específicos, administram
electrões com diversas energias. Estes equipamentos podem ser fixos, o que
pressupõe logística adequada para o transporte do doente, em condições de
assepsia, até à unidade ou podem ser móveis, permitindo a sua deslocação ao
bloco operatório, que deverá estar dotado das características físicas,
adequadas à realização de tratamentos com radiação ionizante de alta energia.
Os aplicadores utilizados oscilam entre os 3 a 15 mm de diâmetro e as energias
de electrões mais usadas são de 6 a 12 MeV.
A braquiterapia de alta taxa de dose é efectuada com recurso a um radioisótopo,
habitualmente o Ir-192 e a material vector, que permitirá a deslocação da fonte
radioactiva e a consequente irradiação do volume de interesse. A utilização
destes radioisótopos permite decaimentos de dose rápidos nos volumes a
considerar, poupando os tecidos ou órgãos adjacentes à radiação. As modernas
técnicas de controlo remoto (after-loading) permitem a segurança das equipas
envolvidas e a utilização de imagem no planeamento ( com aplicadores
desenvolvidos especificamente para serem compatíveis com Tomografia
Computadorizada ou Ressonância Magnética) trouxe avanços nesta modalidade
terapêutica.
O sistema Intrabeamâ (Carl Zeiss Surgical, Oberkochen, Alemanha) é um
equipamento móvel, com gerador miniaturizado de Rx, que é levado ao bloco
operatório, para utilização durante o acto cirúrgico. O electrões acelerados
embatem num alvo de ouro, colocado na extremidade de um tubo, resultando na
emissão de Rx de 50 kV. A uniformidade da dose é conseguida pela utilização de
aplicadores esféricos que preenchem a "pseudo-cavidade" deixada pela
remoção tumoral. A taxa de dose depende do diâmetro do aplicador e da distância
do alvo à superfície do aplicador (5).
O equipamento Xoftâ (Sistema Axxent) é apresentado como braquiterapia
electrónica, isotope-free (eBx). Trata-se de um equipamento portátil, uma
plataforma "multi-usos", que possui uma fonte miniaturizada de Rx e
que permite diversas soluções, entre as quais a IORT. O feixe energético obtido
é de baixa voltagem (kV) e permite tempos de tratamento semelhantes aos de uma
fonte de Ir-192 (6). O primeiro tratamento reportado, em neoplasia da mama,
data de Setembro de 2008.
Estes últimos equipamentos não possuem ainda estudos com recuo necessário para
a sua validação, embora estejam a surgir publicações que avaliam as
complicações a curto prazo, em mulheres submetidas a IORT, com equipamentos que
utilizam Rx de baixa voltagem (7).
A necessidade de comparar RTX convencional sobre toda a mama, com IORT mamária
exclusiva está plasmada no International randomized trial targeted
intraoperative radiotherapy (TARGIT) , um estudo Fase III, que iniciou o
recrutamento de doentes em Março de 2000, envolvendo 33 centros e 3451
mulheres. Os resultados, apresentados em 2012, apontam para recidiva na mama
ipsilateral de 3,3% para doentes tratadas com IORT, contra 1,3 % tratadas com
RTX convencional e para todas as recidivas consideradas 8,2% (para IORT) contra
5,7% (para RTX) (3) (8).
Também parâmetros relacionados com a qualidade de vida são abordados no TARGIT-
A. Um estudo envolvendo 230 doentes, entre os 31 e 84 anos, foi recentemente
publicado (10). Os end-points traçados foram o estado geral, restrições na
actividade normal diária e avaliação da dor utilizando escalas da European
Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC). As conclusões
sugerem que, neste enquadramento de estudo randomizado, parâmetros de qualidade
(QoL) relacionados com a radiação, foram superiores com IORT, que com RTX
convencional.
O European Institute of Oncology (EIO) publicou recentemente uma análise
retrospectiva com o objectivo de verificar se as guide-lines para aplicação de
APBI, consensualizadas pela American Society for Therapeutic Radiation Oncology
(ASTRO), podem ser utilizadas para IORT. O estudo incluiu 1822 casos de doentes
tratadas IORT utilizando electrões (ELIOT). Concluíram que, no contexto de
doentes tratadas com ELIOT, as guide-lines da ASTRO identificavam bem os grupos
nos quais a APBI pode ser considerada uma alternativa à RTX convencional sobre
toda a mama e, identificavam igualmente bem, os grupos nos quais a APBI não
estava indicada.
RESULTADOS
Permanecem muitas hesitações quanto à técnica de IORT a utilizar, uma vez que,
as técnicas existentes, diferem entre si na cobertura que efectuam ao volume-
alvo, no perfil de dose e na técnica cirúrgica. Os critérios de selecção de
doentes a beneficiarem desta terapêutica, não estão claramente estabelecidos e
a selecção efectuada é prejudicada pela falta de dados anátomo-patológicos,
como o estado da margem ou a invasão dos linfáticos.
Muitas doentes submetidas a IORT precisarão prosseguir com esquemas de RTX
convencional, envolvendo toda a mama (8) (9).
CONCLUSÕES
As técnicas existentes para a realização de IORT são atraentes e o racional
subjacente à utilização de IORT mantém-se actual.
O follow-up das doentes tratadas com IORT, nos estudos indicados é ainda
limitado, sendo necessárias mais publicações.
Parece admissível considerar que a IORT terá um papel na abordagem terapêutica
da neoplasia da mama em estádio inicial, no entanto, a extensão e os detalhes
da sua utilização não estão ainda claramente estabelecidos.