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EuPTCVHe1646-69182014000100007

EuPTCVHe1646-69182014000100007

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1646-6918
ano2014
Issue0001
Article number00007

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Tratamento de sinus perineal persistente, após amputação abdominoperineal do recto, com retalho muscular pediculado do recto interno

INTRODUÇÃO No tratamento dos tumores do recto extra peritoneal, a cirurgia descrita por Miles mais de um século[1], foi muito popular até três décadas atrás, altura em que progressivamente tem visto as suas indicações cada vez mais restritas, favorecendo técnicas cirúrgicas que têm por objetivo preservar os esfíncteres[2], mesmo com tumores muito próximos do canal anal. Contudo, continua a ser uma alternativa de eleição para patologias com invasão do aparelho esfincteriano em que não é possível preservar a função.

Após uma amputação abdómino-perineal (AAP) do recto com encerramento perineal primário, a infeção da loca perineal é uma complicação reportada em 7 a 47% dos casos nas diferentes series publicadas[3-8], sendo a sua incidência maior quando se apresenta no contexto do tratamento da doença inflamatória intestinal (DII)[8], especialmente na doença de Crohn(DC)[9]. Várias medidas têm contribuído para a diminuição das infeções das feridas perineais, como a menor perda de sangue durante a cirurgia, a correcta dissecção do mesorrecto, correctos planos de dissecção perineal com hemóstase imediata, ressecção interesfincteriana na doença inflamatória, não exteriorização de drenos através períneo e mesmo menores tempos operatório do que 15 ou 20 anos. No entanto a persistência de um sinusapós a infecção continua a ser uma complicação, que em alguns casos, requere uma atitude interventiva.

A drenagem com desbridamento dos tecidos desvitalizados e remoção de corpos estranhos constitui a primeira abordagem terapêutica, sendo suficiente em alguns casos[4, 10, 11]. A tendência para a persistência do sinusapós infeção da loca perineal observa-se em 3 a 69 % dos casos[4, 7, 12, 13], entendendo-se como persistência a ausência de cicatrização completa seis meses após a cirurgia, com consequente drenagem contínua da loca perineal[10, 14].

Alguns estudos têm identificado os principais factores de risco para desenvolver esta complicação (tabela,_1)[5, 8, 10, 13, 15], sendo os mais importantes a radioterapia pré-operatória[11, 13] e o tratamento da DII por AAP, principalmente na DC[10].

Características anatómicas podem concorrer para o não encerramento da loca, após a remoção do recto. A falta de colapso da loca pode ser explicada por uma boa fixação dos órgãos urogenitais adjacentes, na parede anterior, assim como pela estrutura óssea que circunda o recto, impedindo o contacto das paredes do leito cruento que permita a cicatrização. Outros factores como o encerramento diferido ou a presença de corpos estranhos (packingde compressas) podem contribuir para uma cicatrização deficiente[3].

A persistência do sinusconstitui uma fonte de grande desconforto para os doentes, incidindo negativamente na sua, diminuída, qualidade de vida[9, 11, 16].

Existem várias opções cirúrgicas no tratamento da ferida perineal crónica[8, 11, 17], mas independentemente da técnica escolhida, deverá excluir-se sempre a recidiva tumoral como causa do não encerramento, pelo que é aconselhado a realização de exames complementares de imagem e biopsias em vários locais do trajecto do sinus.

Os retalhos musculares, ao preencherem o espaço morto da cavidade do sinus, contribuem para o seu encerramento. Podem ser classificados, de um modo geral, de acordo com algumas das suas características (tabela_2) e no caso dos retalhos musculares podem ser agrupados de acordo com a vascularização (tabela 3).

Na literatura encontramos várias técnicas de retalhos musculares que têm sido utilizadas no tratamento dos sinusperineais persistentes (tabela_4)[2, 4, 8, 11, 18-22]. Uma técnica relativamente simples, com bons resultados e pouca repercussão funcional é o retalho muscular do recto interno da coxa (gracilis) [13, 18]. De seguida descreveremos um caso clínico em que esta técnica foi aplicada com sucesso para o tratamento de um sinuspersistente após AAP.

CASO CLÍNICO Apresentamos um caso clínico de um doente do sexo masculino, de 66 anos de idade, com antecedentes pessoais de depressão e de neoplasia do recto com envolvimento do canal anal até à linha pectínea, Estádio IIA, statuspós rádio e quimioterapia neo-adjuvante, e amputação abdómino-perineal (AAP) em novembro de 2007. O resultado histológico da peça operatória revelou ADC G2 ypT3N0M0, com 14 gânglios sem metástases e margens negativas. No pós-operatório verificou-se uma retenção urinária o que motivou algaliação durante 3 semanas e apresentou um seroma infectado da loca perineal, que foi drenado e tratado com pensos de hidrofibra e hidrocolóide, não se tendo verificado a completa cicatrização da ferida perineal. No segundo mês do pós-operatório efectuou-se uma biópsia da loca perineal que permitiu excluir recidiva tumoral. O não encerramento da loca, resultou num sinusperineal persistente (Fig._1), que condicionou uma acentuada degradação da sua qualidade de vida, com agravamento do quadro depressivo, pelo que lhe foi proposto o encerramento do sinusperineal, com retalho do m. recto interno, três meses após AAP.

Descrição da técnica cirúrgica: Com o doente em posição de litotomia, sob anestesia geral, realizámos uma incisão longitudinal na face interna do terço distal da coxa direita, de aproximadamente 5 cm de comprimento, utilizando como referência uma linha que divide antero-posteriormente, a região posteromediana da coxa.

À medida que avançámos na dissecção, encontrámos a aponevrose femoral, a qual seccionámos no mesmo sentido da incisão cutânea e mais profundamente a porção distal do m. recto interno, a qual isolámos circunferencialmente (Fig._2).

Prolongámos a incisão até à raiz da coxa, o que permitiu isolar o músculo, por dissecção romba, em todo o seu trajecto, entre os músculos grande adutor (posteriormente) e médio adutor (anteriormente) (Fig._3).

Após completa dissecção do músculo, identificámos e preservámos o pedículo dominante. Este provém da artéria circunflexa média, e habitualmente está localizado entre 10 a 15 cm da inserção do músculo no púbis, passando por baixo do médio adutor e alcança o m. recto interno na sua face externa, juntamente com a sua inervação motora (Fig._4).

Após preservarmos a vascularização dominante que garantia a viabilidade do retalho fizemos a sua secção, de maneira a permitir a sua rotação e colocação no interior da loca (Fig._5)

Uma vez pronto o retalho, procedemos à incisão e curetagem do interior do sinus, removendo o tecido de granulação e preparando a cavidade para receber o enxerto. Abrimos um trajeto subcutâneo através do qual fizemos passar o retalho, realizando uma rotação de 180° em sentido anti-horário, e preenchemos desta forma a loca, de maneira a evitar qualquer compressão ou tensão do retalho (Fig._6).

Fixámos o músculo ao interior da loca com 3 a 4 pontos de sutura reabsorvível (Fig._7) e encerrámos a ferida perineal com pontos separados de seda 00. Na coxa encerrámos a aponevrose femoral com sutura reabsorvível e encerrámos o plano cutâneo com agrafos. Deixámos um dreno aspirativo no períneo (Fig._8)

O tempo operatório foi de 145 minutos.

Pós-operatório e follow-up O pós-operatório decorreu sem intercorrências, tendo o doente tido alta ao dia do pós-operatório, sem dreno aspirativo. Os pontos da ferida perineal e os agrafos da ferida da coxa foram removidos ao 13° dia do pós-operatório.

Houve cicatrização completa da ferida perineal (Fig._9).

O doente encontra-se clinicamente bem, após 5 anos e 6 meses de follow-up, sem evidência de recidiva da doença neoplásica e sem recidiva do sinusperineal.

COMENTÁRIOS A abordagem inicial do m. recto interno da coxa, é feita na sua porção tendinosa que está em relação com os tendões do m. costureiro (mais anterior) e o semitendinoso (mais posterior). Habitualmente é fácil identificar e individualizar o seu trajecto, mas deve-se ter em conta que mais distalmente, estes três músculos partilham uma inserção tendinosa comum na tíbia conhecida como "pata de ganso", pelo que nesta zona estão muito próximos. Outro aspecto ao qual se deve prestar especial atenção é à vascularização do retalho.

Na maioria dos casos o pedículo dominante divide-se em 3 ou 4 ramos mais pequenos antes de aceder ao músculo. Estes ramos não devem ser confundidos com os pedículos acessórios, habitualmente em número de três e que correspondem a um ramo da artéria dos adutores que passa entre o médio e pequeno adutor e que se divide em dois ramos (ascendente e descendente), a um ramo colateral da artéria femoral superficial que nasce inferior ao canal de Huntere que cruza pela frente o grande adutor, e ao pedículo mais distal de todos, formado por duas arteríolas que nascem da artéria femoral ao nível do canal de Hunter.

Também se deve ter cuidado para não lesar a veia e o nervo safeno interno, especialmente nos dois terços distais da coxa, onde se encontram muito próximos do m. recto interno.

Alguns autores privilegiam a realização da cirurgia em posição "jackknife"[18]. Nós preferimos a posição de litotomia que, na nossa opinião torna o procedimento mais simples.

Apesar das múltiplas opções descritas para o tratamento do sinusperineal persistente após AAP, consideramos que a utilização do retalho muscular pediculado do recto interno da coxa é uma boa opção terapêutica. Podem ser realizados por cirurgiões gerais que estejam familiarizados com esta a técnica, com os princípios gerais que regem a confecção dos retalhos assim como com os aspectos anatómicos particulares.

Esta solução apresenta como principais vantagens: a fácil execução, a sua reprodutibilidade, uma rápida curva de aprendizagem para o cirurgião geral, uma boa capacidade de preenchimento da loca perineal até com a possibilidade de utilização bilateral do músculo no caso de defeitos maiores, com mínima repercussão funcional e com efeito cosmético aceitável.


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