O desafio da formação em Cirurgia Geral
EDITORIAL
O desafio da formação em Cirurgia Geral
The challenge of formation in General Surgery
Jorge Penedo
Editor Chefe da Revista Portuguesa de Cirurgia
Correspondência
Pensar a Cirurgia Geral obriga a pensar na formação pós-graduada e no futuro
dos nossos internos. Mas pensar futuro implica pensar o presente e como o vamos
mudar.
A Cirurgia Geral está a mudar. Em Portugal e no resto do mundo. Nuns hospitais
de forma mais célere do que noutros. Mas está a mudar. Uma mudança talvez mais
célere na forma do que no conteúdo. Mas está a mudar. Muitas vezes coexistem
modelos e certamente que não há um modelo. Mas o modelo anterior está
definitivamente em extinção.
É pois neste cenário de mudança que os nossos internos se movem. Muitas vezes
criados por orientadores de velhos modelos. Outras por orientadores de novos
modelos. Muitas vezes em serviços em que o tempo de adaptação ainda não
terminou. Outros em que coexistem realidades diferentes.
O Estado definiu-lhes um modelo formativo. A Portaria n.º 48/2011. Mas se esta
é verdade legal não mais é a verdade do terreno.
As necessidades dos Serviços de Urgência levam a que os números de cirurgiões
em formação sejam por vezes em muito superior ao desejado para o movimento
eletivo. Nos hospitais que os conseguem ter. Outros são o caso que o número é
insuficiente e o peso do trabalho em serviço de urgência constitui uma carga
incompatível com a prestação desejada para a cirurgia eletiva. Centros
hospitalares com polos vários. Serviços divididos em Unidades Funcionais.
Serviços idóneos que obrigam a garantir a formação de internos de muitas outras
especialidades cirúrgicas. Serviços com idoneidades parciais que obrigam os
internos a passarem por outros hospitais por vezes com diferentes planos de
internatos. Serviços com idoneidade total com raridade em algumas patologias
resultado da cada vez mais crescente concentração de casos.
Vários são os motivos a que levam a que a organização da formação dos internos
de cirurgia geral seja hoje um puzzle complexo.
Que deve ser hoje um Cirurgião Geral?
Esta é uma pergunta essencial. Só a sua resposta permitirá afirmar como deve
ser definida a sua formação. Formamos internos com um objectivo. Serem
Cirurgiões Gerais.
Mas que internos estamos a formar ou devemos formar?
Segundo o Aviso n.º 14916-D/2013 da ACSS (1) foram abertas 48 vagas para o
internato geral de cirurgia geral em 2014, em 31 unidades hospitalares. A esse
número podem juntar-se cerca de 112 internos de outras especialidades cujo
primeiro ano, ou parte dele, é passada em serviços de cirurgia.
A estas vagas juntam-se todos os internos cujo internato já decorre.
Esta é uma enorme mole de internos a realizar formação nos nossos hospitais.
Por vezes em serviços altamente diferenciados, noutros não. Por vezes em
serviços com um corpo clinico demasiado obeso, noutros demasiado reduzido. Por
vezes em serviços não departamentados, noutros organizados em unidades
funcionais. A assimetria é de todos por demais conhecida.
O tempo de mudança tem tanto de atrativo como de complexo. Mas a mudança
acontece e por vezes não conseguindo dar resposta a todos aqueles que não
acompanham as mudanças.
A mudança que mais tem marcado os últimos anos e marcará certamente os próximos
será o da desagregação da Cirurgia Geral. Uma desagregação cada vez mais
difícil de contrariar.
A explosão do conhecimento e as exigências da diferenciação tem vindo a
demonstrar algumas das fragilidades do cirurgião generalista. Mas também as
características do cirurgião generalista fazem vir ao de cima as fragilidades
da diferenciação e da especialização.
Na verdade o que todos quereriam era uma cirurgião ultra-especialista que
pudesse mudar chips de conhecimento mantendo a sabedoria geral. Mas esta é uma
visão de ficção.
Muitos são os serviços cuja organização em unidades já é uma realidade. E não
duvido que nos próximos anos esse número vai aumentar. Este facto tem
implicações na organização dos nossos serviços. No perfil de cirurgiões em que
nos iremos tornar. No perfil de internatos que teremos de organizar. No tipo de
orientadores de formação que poderemos ser. No papel que atualmente deve
desempenhar o orientador de formação.
A adicionar a esta problemática há que referir que o caminho da Cirurgia Geral
é um caminho longo e exigente. Nem sempre atrativo para as novas gerações. Num
recente livro de 2009 (2) afirma-se que, nos EUA, poderá existir já uma
carência de 1.300 cirurgiões. Um número que poderá chegar aos 6.000 em 2050.
Não discutir estes temas e a formação que temos e que queremos ter é
comprometer gerações de cirurgiões. Não discutir estes temas é não acautelar o
futuro.
Não discutir estes temas é comprometer o papel da Cirurgia no futuro e o o que
dela a sociedade espera.
A Sociedade Portuguesa de Cirurgia iniciou um importante diálogo com a Ordem
dos Médicos através do Colégio de Cirurgia sobre o tema da formação.
Um diálogo sobre qual o futuro da formação em Portugal exige conclusões. A bem
da Cirurgia Geral e do seu futuro.