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EuPTCVHe1646-69182015000100003

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variedadeEu
ano2015
fonteScielo

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Doença de Crohn e cirurgia: Casuística do Serviço de Cirurgia Geral do CHAA

INTRODUÇÃO A doença de Crohn (DC) é uma doença progressiva que se subdivide em 3 fenótipos: inflamatório, estenosante e penetrante. No momento do diagnóstico a maioria dos doentes tem doença inflamatória. No entanto, a história natural da DC é a progressão, ao longo do tempo, para complicações estruturais do tubo digestivo (estenoses e fístulas) que se traduzem em hospitalizações e cirurgias. Em algumas séries, 50 e 70% necessitará de cirurgia durante a evolução da doença e destes, cerca de 33 a 82% apresentará recidiva no follow- updo pós-operatório. (1,2). Existe, actualmente, evidência de que a intervenção terapêutica precoce com imunossupressores e biológicos, dada a sua capacidade de induzir cicatrização completa das lesões da mucosa, pode interromper a progressão inflamação-destruição/fibrose. A alteração da história natural da DC, mediada pela cicatrização da mucosa, associa-se a diminuição das complicações graves. No entanto, o curso da DC é muito variável de doente para doente e ainda não está definido o ponto temporal exato de introdução dos imunossupressores e/ ou biológicos.

Os riscos associados a estas terapêuticas (linfomas e infeções oportunistas) e a dificuldade de prever, a nível individual, a evolução para doença complicada, despoletaram esforços para identificar fatores de riscos que permitam a estratificação dos doentes em grupos de baixo e elevado risco de forma a selecionar, caso a caso, a terapêutica mais apropriada.

Os autores do trabalho preconizaram efetuar a análise da experiência do Serviço de Cirurgia do CHAA no tratamento cirúrgico da DC, avaliando demograficamente a amostra e os fatores de risco clínicos eventualmente preditivos de complicações na DC.

MATERIAIS E MÉTODOS O trabalho baseou-se num estudo retrospetivo dos processos clínicos referentes a doentes com episódios de internamento por Doença de Crohn (DC), no horizonte temporal de Janeiro 2009 a Dezembro 2012. Elaborou-se uma base de dados, cujos parâmetros analisados foram: idade, género, história familiar, hábitos tabágicos, padrão, sintomas, indicação cirúrgica, procedimento cirúrgico, tempo de internamento, recidiva sob a forma de re-intervenção e manifestações extraintestinais. Procedeu-se à análise demográfica e caraterização da população em estudo. Com relação ao motivo da primeira cirurgia (aplicada aos casos de doença complicada com necessidade de intervenção urgente ou de falência do tratamento médico) os pacientes foram divididos em dois grupos: o primeiro grupo com diagnóstico de perfuração e o segundo grupo, sem perfuração.

Posteriormente, determinou-se quais os fatores associados à necessidade de intervenção cirúrgica na DC.

Os dados obtidos foram inseridos no programa SPSS 17 e avaliados estatisticamente para valores de pestatisticamente significativo se <0,05.

RESULTADOS Dos 74 com DC, 59% são do sexo feminino (n = 44) e 41% do sexo masculino (n = 30). A mediana da idade à data do diagnóstico da patologia foi de 30 anos. Dos doentes analisados, 34% (n = 25) eram fumadores.

Em relação ao padrão anatomoclínico, o mais frequente foi o estenosante (46%, n = 34) sendo o penetrante o menos frequente (20%, n = 15). A localização ileocólica da patologia foi a mais prevalente (47,3%, n = 35) (tabela_1).

No que concerne as manifestações clínicas, a dor abdominal (85,1%), a diarreia (60,8%) e as náuseas/vómitos (30,1%) foram os mais predominantes (figura_1). A nível extra-intestinal, a artrite (20,3%) e as alterações orais, como estomatite aftosa (5.4%) foram os mais reportados.

Dos 74 doentes com DC, 56,7% (n = 42) necessitaram de tratamento cirúrgico.

Foram efetuadas 19 ileocolectomias direitas (45,2%), 10 enterectomias segmentares (23,8%), 6 drenagens de abcessos perianais (14,3%), 4 fistulotomias perianais (9,5%), 1 drenagem de abcesso perianal com operação tipo Hartmann (2,4%), 1 esfincterotomia lateral interna (2,4%) e 1 estenosoplastia (2,4%). O tempo médio de internamento aquando da intervenção cirúrgica foi de 15 dias [1;45]. No padrão estenosante, o tempo de internamento foi, em média, superior (17 dias).

No que concerne ao padrão unicamente inflamatório, 82,6% (n = 19) dos doentes não necessitou de cirurgia durante o período de estudo. No padrão estenosante, 37,1% (n = 13) dos casos não apresentou evolução e/ou indicação para tratamento cirúrgico, ao passo que 62,8% (n = 22) necessitou de 1 ou 2 abordagens cirúrgicas. No padrão penetrante, 68,8% (n = 11) necessitou de 1 ou 2 abordagens cirúrgicas sendo que 33,3% (n = 2) necessitou de 3 ou mais abordagens cirúrgicas (p = 0,002).

A abordagem cirúrgica nos casos que cursaram com perfuração à data do diagnóstico constituiu uma condição universal (13,2%, n = 5). Assim, os pacientes com quadro de perfuração livre necessitaram de uma ou duas intervenções cirúrgicas em 20% casos e três ou mais procedimentos em 80%, com p estatisticamente significativo (p= 0,003).

No que concerne à análise da recidiva da DC, mediante a estratificação por localização anatómica, verificou-se que a necessidade de 1 a 2 cirurgias ocorreu em 15 casos (35,7%) de doença ileocólica, 11 casos (26,2%) de doença ileal e 5 casos (11,9%) de doença cólica. A doença perianal necessitou de 1 a 2 cirurgias em 5 casos (11,9%) e 3 ou mais intervenções em 2 casos (4,8%).

(tabela_2)

As ileocolectomias direitas (normalmente para doença do ileo terminal) acarretam um baixo risco de recidiva.

O padrão penetrante foi relacionado com maior recidiva (84,6%). Dos 42 pacientes operados, 44,7% apresentou recidiva aos 2 anos e 57,9% aos 10 anos.

O risco de relaparotomia diminui com o aumento da idade à data da cirurgia (redução de 2% de risco por cada ano de idade), bem como com a idade à data do diagnóstico. (figura_2)

A idade à data do diagnóstico e a duração da sintomatologia estão associadas com a recidiva por localização anatómica.

A análise multivariada demonstrou que apenas a idade de início da doença sintomática contribui significativamente para a probabilidade de reintervenção (0.97 por ano de idade).

Os procedimentos urgentes devido a obstrução, perfuração livre, hemorragia grave ou megacólon tóxico não foram relacionados com risco de recorrência.

A maioria das recidivas ocorreu ao nível da anastomose, com inflamação observada numa margem em 43,3% dos casos e em ambas as margens em 18,5% dos casos. Não se registou nenhum caso de tumor oculto.

As taxas globais de recidiva patentes na nossa amostra encontram-se em concordância com os estudos previamente publicados. Assim, a maioria das recidivas ocorreram ao nível das anastomoses prévias.(1,6,7,-12) No que concerne à idade do diagnóstico da doença, a apresentação em idade jovem parece estar associada a uma taxa de necessidade de cirurgia maior, havendo estudos que apontam este fator como independente para um prognóstico pior. Este efeito deletério persiste na idade adulta, sendo que a idade à data da cirurgia ou a duração dos sintomas são menos importantes (1,6,7,-12, 15,19)

DISCUSSÃO A DC é uma doença inflamatória crónica transmural idiopática. Pode acometer qualquer segmento do trato gastrointestinal.(2,-5, 16,19) que a idade de início de sintomatologia.

O padrão anatomoclínico normalmente está dividido entre doença limitada ao intestino delgado, ileocólica e cólica. A maioria dos casos de doença proximal está associada ao envolvimento múltiplo, e consequentemente associada a pior prognóstico.

Greenstein et al, introduziram o conceito de 2 formas clínicas de apresentação, a penetrante (cursando com fístula, abcesso ou perfuração livre) e a estenosante. O padrão penetrante parece estar associado a recidiva mais precoce sendo que o padrão de recidiva tende a ser semelhante ao da manifestação primária. (2,-5, 8-11,16,19) Na nossa amostra, reportamos um caso de fistula enterocutânea do sigmóide com abcesso perianal tendo-se optado por drenagem do abcesso e colectomia tipo Hartmann. Lautenbach et al concluíram que a perfuração foi fator preditivo para um intervalo temporal menor para que ocorra recidiva da doença (p<0,001). Nos quadros de perfuração, constatou-se que ocorreu maior taxa de recidiva, com necessidade de cirurgia uma ou duas vezes em 80% (n = 4) e três ou mais vezes em 20% dos casos (n = 1) (p= 0,003). (2,-5, 8-11,16,19) A maioria das recidivas ocorre ao nível da anastomose com inflamação observada, na maioria dos casos numa margem, normalmente a proximal. (10,11,17) Na amostra estudada não foi encontrado nenhum caso de tumor oculto, fator apontado por outros estudos, a maior taxa de recidiva.(18) Com este estudo podemos inferir que apesar da padronização da técnica cirúrgica no nosso serviço, existe variabilidade inter-cirurgião, pelo que julgamos ser pertinente incluir este fator em avaliações posteriores.

Concomitantemente parece interessante analisar o conceito de cirurgia mínima.

A maioria dos cirurgiões preconiza resseções adequadas para a DC, sem que para tal seja necessário obter margens histologicamente livres. Um estudo recente com follow-up de 3 anos, revelou que múltiplas anastomoses em tecidos com inflamação parecem acarretar um maior risco de recidiva sintomática, a qual não foi passível de avaliar na nossa amostra. (2-5,16,19) Muito embora as análises multivariadas de outros estudos associem a estenosoplastia a maior probabilidade de reintervenção, tal dado não foi passível de ser avaliado na nossa amostra uma vez que se efetuou apenas uma estenosoplastia. Contudo, tal procedimento parece estar mais associado a recidiva pelo padrão de doença inerente e não tanto pelo procedimento per si.

Deve ser primeira escolha nos casos em que a resseção única possa ser efetuada sem sacrifício de um grande segmento de delgado, tal como acontece na ileíte terminal.(12,14,15,19) Outro fator de risco descrito na literatura é o tabagismo, associando-se não ao risco de desenvolver a doença como também de recidiva após a cirurgia. (1- 5,16,19)) Sutherland et al reportaram maior recidiva, aos 10 anos, nos fumadores (70% nos fumadores versus 41% não fumadores). No nosso estudo, não foram demonstradas diferenças estatisticamente significativas, no que concerne à recidiva da doença após cirurgia: 47,7% nos fumadores face a 52,3% nos não fumadores.

CONCLUSÃO O tratamento cirúrgico na DC torna-se necessário nos pacientes que apresentam sintomas refratários à terapêutica clinica ou desenvolvem complicações agudas e crónicas.

A opção de cirurgia mínima ou limitada para o tratamento da DC deve ser considerada como o tratamento gold standard. A recidiva após cirurgia na DC não implica resolução cirúrgica em virtude do tratamento médico de manutenção da remissão.

Na casuística apresentada, o padrão penetrante e o quadro de perfuração intestinal livre parecem ser fatores importantes na recidiva da doença de Crohn.


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