Fístula Arteriovenosa após Nefrectomia Radical: A Propósito de um Caso Clínico
INTRODUÇÃO
Existem três tipos diferentes de fístulas arteriovenosas (FAV) renais, as
congénitas, as idiopáticas e as adquiridas. As últimas são as mais frequentes
representando cerca de 75% de todas as FAV renais. Dentro destas, as mais
comuns são as associadas à biópsia renal percutânea, as produzidas por
traumatismo e as secundárias à cirurgia renal percutânea. A FAV do pedículo
renal é uma complicação rara após nefrectomia radical. Na maioria dos casos, o
diagnóstico é feito anos após o procedimento cirúrgico. A FAV entre a artéria
renal e a veia cava inferior é uma complicação rara após nefrectomia, estando
descritos cerca de 10 casos na literatura.
Os autores tiveram a oportunidade de tratar uma destas lesões e a propósito do
caso clínico discutem alguns aspectos do seu diagnóstico, hierarquia de
tratamento, bem como as perspectivas terapêuticas actuais.
CASO CLÍNICO
Um doente de 51 anos, do sexo masculino, com antecedentes pessoais de IRC em
hemodiálise há 10 anos, hipertensão arterial (HTA) e hepatite C. Enviado à
consulta de Urologia por nódulo sólido na vertente antero-interna do terço
inferior do rim direito, com cerca de 17 mm de maior eixo, sugestivo de
neoplasia, detectado em ressonância magnética | FIGURA 1 |. Foi submetido a
nefrectomia radical direita, por incisão de lombotomia, tendo sido efectuada
laqueação conjunta do pedículo renal, sem intercorrências cirúrgicas. O exame
histológico da peça operatória mostrou carcinoma de células renais, variante de
células claras, grau 3 de Fuhrman, no estadio pT1a Mx Nx.
| FIGURA 1 | RMN abomino-pélvica ' Rins poliquísticos, nódulo sólido na
vertente antero-interna do terço inferior rim direito, com cerca de 17mm de
maior eixo
Após 4 meses, iniciou clínica de sobrecarga hídrica, de difícil controlo com a
hemodiálise, caracterizada por edemas dos membros inferiores e dificuldade
respiratória. Ao exame objectivo, apresentava sopro abdominal localizado no
flanco direito, contínuo. Por suspeita de FAV após nefrectomia, realizou-se
eco-doppler abdominal e posteriormente angiografia | FIGURA 2 | que
demonstraram fístula entre a artéria renal e a veia cava inferior.
| FIGURA 2 | Angiografia com demonstração de FAV entre artéria renal e veia
cava inferior
Foi feita tentativa de embolização da FAV com coils | FIGURA 3 |, tendo-se
registado como intercorrência a migração dos mesmos para a artéria pulmonar. A
sua recolha foi efectuada imediatamente com basket, sem outras intercorrências.
Posteriormente, foi submetido a laparotomia com laqueação simples da artéria
renal justa-aórtica, com resolução e estabilização do quadro clínico.
| FIGURA 3 | Tentativa de embolização com coils
DISCUSSÃO
A FAV do pedículo renal está descrita como sendo uma complicação rara após
nefrectomia radical. Na maioria dos casos, o diagnóstico é tardio, em regra
mais de 15 anos após o procedimento cirúrgico. Neste doente surgiu precocemente
ao fim de apenas 4 meses.
O diagnóstico baseia-se na suspeição clínica - antecedentes de nefrectomia; HTA
refratária ao tratamento; manifestações de insuficiência cardíaca; e sopro
abdominal ao exame físico. Os exames de imagem (eco-doppler, angio-TC) auxiliam
no diagnóstico. Contudo, é a angiografia que permite a sua confirmação e o
planeamento da opção terapêutica.
CONCLUSÃO
O tratamento é mandatório, pelo risco de falência cardíaca. As opções
terapêuticas são a embolização percutânea e a cirurgia directa. A escolha
depende da dimensão da FAV e da sua etiologia. A embolização deve ser o método
de eleição para fístulas sintomáticas e de pequeno tamanho, estando a cirurgia
directa reservada para fístulas de grandes dimensões ou refractárias à
embolização.