Doença Arterial Periférica e Qualidade de Vida
Doença Arterial Periférica e Qualidade de Vida
Peripheral Arterial Disease and Quality of Life
Carolina Vaz, Vera Mafalda Duarte*, Ana Rita Santos**, Paulo Valente***,
Constança Paúl*, Rui Bastos**, Clara Nogueira, Tiago Loureiro, Luís Loureiro,
Diogo Silveira, Sérgio Teixeira, Duarte Rego, Arlindo Matos, Rui Almeida
Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular do Hospital de Santo António,
Centro Hospitalar do Porto
*Unidade de Investigação e Formação sobre Adultos e Idosos,
Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto
**Serviço de Anestesiologia,
Hospital de Santo António,
Centro Hospitalar do Porto
***Enfermeiro Chefe do Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Hospital de
santo António, Centro Hospitalar do Porto
|RESUMO|
Introdução:Os Cirurgiões Vasculares avaliam o seu sucesso terapêutico através
de indicadores objectivos tais como a taxa de mortalidade, morbilidade e
permeabilidade. Nas últimas décadas, tem havido uma mudança significativa na
avaliação da doença e do seu tratamento dando especial enfase à Qualidade de
Vida (QDV).
Objectivos:Os objectivos desta investigação foram determinar quais as dimensões
mais afectadas e as mais preservadas em relação à qualidade de vida dos doentes
com Doença Arterial Periférica.
Material e Métodos: Estudo prospectivo desenvolvido no Serviço de Angiologia e
Cirurgia Vascular do Hospital de Santo António. Procedeu-se ao estudo de 101
doentes em regime de internamento por doença arterial periférica. Realizou-se
um protocolo em três patamares distintos: um pré-protocolo de avaliação inicial
com o estudo de dados biográficos, avaliação da prestação de cuidados e
condições sócio-familiares. Um segundo protocolo realizado após a alta com
variáveis de caracter clínico e um terceiro protocolo realizado em ambiente de
consulta externa em que se procedeu à avaliação de determinantes
biopsicossociais e à realização de provas de carácter funcional.
Resultados: Verificou-se um predomínio do sexo masculino (62,4%), a média de
idades foi de 69, 5 anos (desvio padrão de 11,8), 47, 5% dos doentes frequentou
o ensino primário e 12,9% dos doentes nunca frequentaram a escola. No que
concerne a esfera familiar, esta amostra apresenta uma alargada rede familiar
em que a média de filhos foi de 2,9 (desvio padrão de 2,8), todavia é destacar
que 9,9 % dos doentes residem sós. A qualidade de vida geral determinada foi de
41,05, valor que comparativamente à qualidade de vida geral da população
portuguesa é de aproximadamente metade.
Conclusões: A doença arterial periférica sendo uma doença crónica e muitas
vezes associada a consequências mutiladoras de ordem física torna compreensível
e esperada a sua tradução negativa na qualidade de vida geral dos doentes.
Palavraschave:Qualidade de Vida, Doença Arterial Periférica
|ABSTRACT|
Introduction: Vascular surgeons evaluate their success through objective
indicators such as mortality rates, morbidity and permeability. In recent
decades, there has been a significant change in the assessment of the disease
and its treatment giving special emphasis to Quality of Life
Objectives: The objectives of this research were to determine which dimensions
are most affected and the most preserved concerning the quality of life of
patients with Peripheral Arterial Disease.
Materials and Methods: Prospective study carried out in the Department of
Angiology and Vascular Surgery of Hospital de Santo António, 101 inpatients
with peripheral arterial disease were studied. We conducted a protocol on three
distinct levels: a pre-assessment protocol which included biographical data and
evaluation of socio-familiar conditions. A second protocol performed after
discharge with clinical variables and a third protocol performed in outpatient
environment in which biopsychosocial determinants were studied as well as
functional nature tests were performed.
Results: 62.4% of the patients were male, the mean age was 69, 5 years (SD =
11.8), 47, 5% of patients attended primary school and 12.9 % of patients have
never attended school. Regarding the family sphere, this sample has an extended
family network where the average number of children was 2.9 (SD = 2.8), however
it is noted that 9.9% of patients were living alone. The general quality of
life of this population was 41.05, this value is half of the value of the
overall quality of life of Portuguese population
Conclusions: Peripheral arterial disease is a chronic disease and often
associated with physical mutilation, as result it is understandable and also
expected to have a negative impact in the quality of life of the patients.
Key-words: Quality of Life, Peripheral Artery Disease
INTRODUÇÃO
A Doença Arterial Periférica (DAP) caracteriza-se por ser uma doença de
natureza estenosante/obstrutiva do lúmen arterial resultando num défice de
fluxo sanguíneo aos tecidos tendo como principal consequência a presença de
sinais e sintomas característicos de isquemia. A componente obstrutiva da
doença é em 90% dos casos associada a fenómenos exclusivos de aterosclerose[1].
Está descrito na literatura que a sua prevalência varia entre os 3-10%
aumentando para 15-20% em adultos com mais de 70 anos[2].Os objectivos do
tratamento consistem na prevenção dos eventos cardiovasculares, preservação dos
membros afectados promovendo a melhoria da QDV do doente.
Qualidade de vida é definida pela Organização Mundial de Saúde[3] como a
percepção do indivíduo sobre a sua posição na vida, dentro do contexto dos
sistemas de cultura e valores nos quais está inserido e em relação aos seus
objectivos, expectativas, padrões e preocupações. Assim sendo, trata-se de um
conceito multidimensional, que assenta numa avaliação de dimensões do foro
físico, esfera psicológica e padrão social dos sujeitos.
São objetivos desta investigação perceber quais as dimensões que estão mais
afectadas e mais preservadas em relação à qualidade de vida dos doentes com
doença arterial de forma a estabelecer um perfil psicológico do doente que
padece com esta mesma doença.
MATERIAL E MÉTODOS
A amostra do presente estudo é composta por 101 doentes com o diagnóstico de
doença arterial periférica em regime de internamento no Serviço de Angiologia e
Cirurgia Vascular do Hospital de Santo António. Foram incluídos todos os
doentes internados durante um período de dois meses e que aceitassem participar
no estudo.
Procedeu-se a uma investigação longitudinal que se caracteriza por 3 patamares
distintos de avaliação:
1) Aplicação de um Pré - Protocolo - aquando a admissão do doente no serviço
sendo este constituído pelos dados de identificação do doente, presença/
ausência de factores de risco cardiovasculares, avaliação da prestação de
cuidados e avaliação das condições sócio- familiares.
2) Aplicação do Protocolo de Avaliação ' procedeu-se à consulta do processo do
doente com a recolha de dados de ordem clínica.
3) Aplicação do Protocolo de Avaliação' aplicação em contexto de consulta, 3 a
6 meses após a alta sendo composto pelos seguintes dados biocomportamentais:
Fluxo Respiratório (Peak Flow), Força da Mão (Dinamómetro), Indicadores de
Risco Geriátrico, Índice de Comorbilidades Charlon[4], Avaliação da Capacidade
Funcional -Índice de Actividade de Vida Diária[5], Índice de Actividades de
Vida Instrumental de Lawton e Brody[6], Humor - Escala de Depressão Geriátrica
(GDS) [7], Mini Mental State Examination MMSE[8], Qualidade de Vida[9] e a
Escala de Avaliação Socio-familiar de Gijón[10]. Esta consulta de avaliação
final, assumiu um tempo de duração médio entre 30 a 45 minutos tendo-se
procedido igualmente, no mesmo horário a uma consulta médica, onde se avaliou o
status clínico do doente.
O estudo da qualidade de vida centrou-se na aplicação do WHOQOL- Bref que é
constituído por 26 perguntas distribuídas por quatro domínios: Físico,
Psicológico, Relações Sociais e Ambientais.
RESULTADOS
A maioria dos doentes estudados eram do sexo masculino (62,4%) e a média de
idades foi de 69,5 anos (dp11,8). No que concerne ao nível educacional 47,5%
frequentou o ensino primário no entanto 12,9% nunca frequentou a escola. No que
diz respeito à esfera familiar, 58,4% dos doentes eram casados, assim como esta
amostra apresenta uma alargada rede familiar em que a média de filhos é de 2,9
(dp 2,3), a de netos é de 4,1 (dp 4,6) e a de irmãos é de 3,0 (dp 2,8). Sendo
que 39,6% dos doentes reside com o conjugue, 16,8% com os filhos e que apesar
de se inserirem num seio familiar numeroso 9,9% dos doentes residem sozinhos.
|TABELA_I|.
A hipertensão arterial (78,2%), a dislipidemia (73,3%) e a diabetes (60,4%)
foram os factores de risco cardiovascular mais prevalentes nesta amostra. |
TABELA_II |. A arteriopatia Grau IV, segundo a classificação de Leriche -
Fontaine (79,3%, n ' 79) foi o motivo de internamento mais frequente, seguindo-
se pela arteriopatia grau III (15,8%, n-16).
Procedeu-se à aplicação da escala The Groningen Fragiilty Indicator[11] (que
nos permite avaliar quais os indicadores de fragilidade mais afectados nesta
amostra de doentes com DAP) tendo-se verificado que todas as dimensões
contempladas pela escala (mobilidade, forma física e aspectos psicossociais) se
encontram fortemente comprometidos. | TABELA_III |.
É importante salientar que 38,8% dos doentes (n -38) foram submetidos a
cirurgia de revascularização, que 34,6% (n ' 35) foram submetidos a cirurgia de
revascularização e amputação minor, 23,7% (n-24) foram submetidos
exclusivamente a amputação minor (sem cirurgia de revascularização associada) e
2,9% (n-3) dos doentes foram submetidos a amputação major primária; 70,3% (n -
71) não apresentaram complicações per e pós-operatórias em 13 (12,9%) doentes
foi diagnosticado infecção de ferida operatória e 2 doentes (2%) faleceram
durante o internamento.
Três a seis meses após a alta em ambiente de consulta externa procedeu-se a
avaliação de novo dos doentes, sendo de referir que foram na sua totalidade
constatados 11 óbitos (2 em regime de internamento e 9 no domicílio), 22
doentes não responderam às convocatórias de avaliação em regime de consulta
externa, cujas circunstâncias não foram possíveis de apurar após múltiplas
tentativas de contacto, verificando-se portanto a redução da nossa amostra para
68 doentes.
Aplicou-se, nesta terceira etapa de avaliação;
o Mini Mental State Examination (MMSE)[8] tendo-se verificado um valor médio de
21,4 (dp7,3), tradutor de uma deterioração cognitiva leve. Foi igualmente
aplicada a Escala de Depressão Geriátrica[7]| TABELA_IV |,tendo-se obtido um
valor médio de 14 (dp 8,3) o que enquadra a nossa amostra de doentes com
sintomatologia característica de depressão severa.
No que concerne à avaliação da Qualidade de Vida Geral dos doentes com DAP o
valor obtido foi de 41,05 (dp 10,89), que comparativamente ao valor da
qualidade de vida geral da população portuguesa 71,51 (dp 13,30) se verifica
uma redução para aproximadamente metade nos doentes com DAP | TABELA_V |. Tendo
em consideração a qualidade de vida geral pré ' tratamento e pós-tratamento,
verifica-se um incremento ligeiro na qualidade de vida geral pós ' tratamento
(38,3/41,05).
DISCUSSÃO
Perceber verdadeiramente o impacto da DAP e do seu tratamento, na qualidade de
vida do doente implica que para além de analisar os índices de tratamento
tradicionais se deve suplementar essa mesma informação com avaliações de
variáveis sociais e psíquicas[12]. O doente com DAP necessita de uma extensa
adaptação no que concerne à alteração de estilos de vida, nomeadamente o
abandono do tabagismo, modificações dos hábitos alimentares, regimes
terapêuticos rígidos[12,13]. Os doentes perante estas alterações podem
experienciar sintomas de ansiedade e de depressão, tal facto foi verificado no
nosso estudo. Sendo que os nossos doentes se enquadraram na sintomatologia de
depressão severa, podendo este facto sugerir que a monitorização apertada, por
profissionais credenciados, no que concerne ao aparecimento e seguimento dos
sintomas de depressão pode ser benéfico nos doentes com DAP.
Tendo em conta a natureza específica deste tipo de patologia, a qual envolve,
em muitos casos a incapacidade do doente para se deslocar e movimentar por si
próprio e para realizar as suas actividades da vida quotidiana[14],
dificuldades estas, bem caracterizadas no nosso estudo pela aplicação do Índice
de Fragilidade de Groningen em que os condicionalismos da mobilidade e da forma
física se encontravam maioritariamente afectados.
É genericamente assumido que a limitação funcional motora do doente com DAP
está directamente correlacionado com a Qualidade de Vida Geral do doente, alias
a melhoria desse condicionalismo funcional tem vindo a ser o grande critério
para o tratamento dos doentes com DAP[13]. No entanto para o doente em estadio
avançado da doença (Isquemia Crítica) essa melhoria física pode não estar
associada a uma melhoria da Qualidade de Vida Geral percepcionada pelo doente
[13,15]. Tal facto pode ser explicativo do ligeiro incremento obtido no nosso
estudo pré e pós-tratamento na qualidade de vida geral do doente.
Dadas as consequências físicas, psicológicas e sociais que acompanham a DAP, é
de esperar que a qualidade de vida geral dos doentes com DAP se encontre
seriamente comprometida[12]. Os resultados do nosso estudo vão ao encontro
desta hipótese, demonstrando que a PAD apresenta um impacto negativo
significativo na qualidade de vida geral dos doentes.
Tendo em consideração que este estudo levanta hipóteses e fornece informações
para investigações futuras, será importante desenvolver pesquisas que permitam
determinar estratégias específicas para a melhoria da qualidade de vida destes
doentes.
CONCLUSÃO
A doença arterial periférica sendo uma doença crónica e muitas vezes associada
a consequências mutiladoras de ordem física torna compreensível e esperada a
sua tradução negativa na qualidade de vida geral dos doentes.
O estudo da Qualidade de Vida Geral e das suas dimensões nos doentes com DAP,
poderá permitir o desenvolvimento de estratégias multidisciplinares ajustadas
de forma a promover o processo de adaptação do doente à sua doença com a
melhoria do seu bem-estar.