Lesão iatrogénica do ureter na cirurgia aorto-ilíaca: o que fazer?
Introdução
A lesão do ureter é uma possÃvel complicação de qualquer procedimento
abdomino-pélvico, com uma incidência que varia entre 0,5-10%1. Considerando o
elevado número de procedimentos realizados, o dano desta estrutura na cirurgia
de bypassaorto-bifemoral ou aorto-bi-ilÃaco tem sido raramente descrito2,3.
Quando detetado de imediato pode originar a tomada de determinadas medidas com
impacto no prognóstico do doente. Com a descrição deste caso pretende-se
discutir o possÃvel benefÃcio de um adiamento da cirurgia quando tal lesão
ocorre.
Caso clÃnico
Os autores apresentam um caso de um doente do sexo masculino, de 76 anos, com
aneurismas bilaterais isolados das artérias ilÃacas comuns, com diâmetro
transversal de 31 mm à direita e 33 mm à esquerda, proposto para
interposição aorto-bi-ilÃaca (ï¬gs._1-3).
Durante a realização do procedimento, ocorreu uma lesão do ureter direito
inferior a 180â¦do seu perÃmetro, aquando da dissecção da artéria ilÃaca
comum direita. Foi inserido um stenturetérico temporário através do
orifÃcio iatrogénico, sendo posteriormente realizada uma ureterorraï¬a
transversal, com pontos separados. O retroperitoneu foi suturado e a região
cirúrgica drenada com um dreno aspirativo ativo que se manteve pouco
funcionante e que foi removido ao ï¬m de 3 dias. Devido ao risco de infeção
protésica (possibilidade de leakurinário), o procedimento foi então
interrompido (ï¬g.4).
O doente teve alta médica 4 dias após a cirurgia, sendo seguido em consulta
semanalmente. A cirurgia foi adiada 3 semanas; o segundo procedimento foi
efetuado após a introduçãodeum stentduplo J proï¬lático no ureter
contralateral e foi concluÃdo sem intercorrências, tendo o doente alta
médica passados 6 dias. O stentdo ureter direito foi ï¬nalmente removido
após 2 meses, sem consequências para o doente, nomeadamente estenose do
ureter ou alterações da sua função renal.
Discussão
Alesão uretérica aquando de um procedimento vascular é uma complicação
rara2,3. Contudo, as complicações que advêm de lesões ureterais são
inúmeras, podendo resultar em graves problemas para o doente, quando não
detetadas durante o tempo cirúrgico4. Entre estas destacam-se infeção da
prótese vascular, estenose ureteral, inï¬amação periureteral, fÃstulas
urinárias, hidronefrose, insuï¬ciência renal aguda ou crónica, havendo
mesmo relatos da necessidade de nefrectomia4. O reconhecimento da lesão é a
chave para um desfecho positivo, permitindo assim o seu tratamento imediato4. O
adiamento da cirurgia poderá ser uma decisão correta em casos selecionados.
Face ao tipo de situação descrita no caso apresentado, o cirurgião deverá
ter 2 objetivos primários: preservar a função renal através da correção
da lesão ureteral e da manutenção do ï¬uxo urinário e ponderar o risco de
infeção protésica, decidindo se é ou não prudente prosseguir com o
procedimento cirúrgico4,5. Protelar a cirurgia dependerá de múltiplos
fatores como o tipo de lesão ureteral (dimensão, localização, entre
outros), a gravidade da doença arterial (cirurgia eletiva vs. cirurgia
urgente) e a presença de história recente de infeção do trato urinário/
urina não estéril5,6.
O tempo que decorreu até a realização da segunda cirurgia baseou-se no tempo
médio de cicatrização uretérica (aproximadamente 2-3 semanas), minimizando-
se o perÃodo de tempo de forma a não encontrar o abdómen hostil, tratando-se
a doença aneurismática o mais rapidamente possÃvel.
O tratamento endovascular não foi escolhido porque implicaria a extensão
bilateral das landing zonespara as artérias ilÃacas externas.
A aplicação proï¬lática de stentsduplo J pode ser utilizada nos casos de
aneurismas inï¬amatórios, aneurismas hipogástricos de grandes dimensões, em
caso de ureter/rim com lesão prévia e nas situações de rim único7--10,
ajudando na visualização e palpação desta estrutura, tendo sido a razão
pela qual foi utilizada. Contudo, não diminui a taxa de lesão, acarretando
potenciais complicações e custos9,10.
Responsabilidades éticas
Proteção de pessoas e animais.Os autores declaram que para esta
investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Conï¬dencialidade dos dados.Os autores declaram que não aparecem dados de
pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escrito.Os auto-res declaram que não
aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conï¬ito de interesses
Os autores declaram não haver conï¬ito de interesses.
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*Autor_para_correspondência:
Correio eletrónico:gomes.l.miguel@gmail.com (M. Lemos Gomes).
Notas:
*
Apresentado no dia 8 de abril de 2014 no Charing Cross Symposium, Londres.