Tratamento endovascular de aneurisma hipogástrico tardio após cirurgia de
aneurisma aórtico
Introdução
O aneurisma da artéria hipogástrica é uma entidade clÃnica rara,
frequentemente diagnosticado em associação aos aneurismas da aorta abdominal
ou da artéria ilÃaca primitiva, sendo extremamente invulgar a apresentação
isolada1.
A sua localização pélvica diï¬culta o diagnóstico precoce, sobretudo
quando de pequenas dimensões e assintomáticos, além de tornar o tratamento
cirúrgico convencional exigente, principalmente em contexto de rutura, onde
apresenta mortalidade relevante.
O advento da era endovascular permitiu oferecer opções de tratamento com
menor morbilidade e mortalidade, particularmente úteis em doentes de alto
risco cirúrgico. Existe, no entanto, o potencial risco de isquemia pélvica
associado às técnicas que não permitem preservar a perfusão hipogástrica.
O uso combinado de procedimentos endovasculares e a adoção de técnicas
«off-label» podem ampliar a capacidade de tratamento com sucesso de casos
complexos e singulares, como é demonstrado no caso clÃnico que os autores
divulgam.
Caso clÃnico
Homem de 75 anos de idade, fumador, hipertenso com cardiopatia isquémica e
disritmia com antecedentes de ressecção parcial de aneurisma aorto-ilÃaco
infrarrenal e interposição de prótese bifurcada aorto-bifemoral com
bypassprotésico-hipogástrico esquerdo (2002).
Assintomático aos 3 anos de follow up, realizou estudo complementar de
vigilância que mostrou estenose signiï¬cativa da anastomose aórtica e falso
aneurisma anastomótico femoral esquerdo pelo que foi reoperado. A
reintervenção consistiu em ressecção da anastomose aórtica e
interposição protésica (dacron 18 mm) associado a ressecção de falso
aneurisma femoral esquerdo com interposição protésica
(politetraï¬uoretileno 8 mm) e extensão à artéria femoral profunda.
Decorridos 9 anos da intervenção inicial, a avaliação de seguimento por
angio tomograï¬a computorizada (AngioTC) mostrou aneurisma da artéria
hipogástrica esquerda com 4,5 cm de diâmetro assintomático (>ï¬g._1A,_1B_e
1C); a artéria hipogástrica direita apresentava preenchimento retrógrado,
sem ectasia associada.
Ao exame objetivo, apresentava massa palpável indolor na fossa ilÃaca
esquerda, pulsátil e expansÃvel (3 cm de diâmetro). O eco-Doppler mostrou
oclusão da artéria femoral superï¬cial esquerda, aneurisma poplÃteo direito
permeável (2,5 cm de diâmetro) e doença tÃbio-peroneal bilateral.
A avaliação global e especÃï¬ca pré-operatória, por ecocardiograma e
provas de função respiratória, mostraram hipocinesia do septo e parede
inferior do ventrÃculo esquerdo, com compromisso da função sistólica global
e obstrução brônquica-bronquiolar ligeira.
Face ao risco cardÃaco elevado bem como à s várias cirurgias aórticas
prévias optou-se por uma opção de tratamento endovascular. Nesse sentido foi
efetuada uma abordagem femoral esquerda direta, com isolamento do ramo
protésico esquerdo, através do qual se efetuou o acesso com introdutor 7 F.
Após cateterização da artéria hipogástrica esquerda, utilizando um ï¬o
guia hidrofÃlico 0,035 âeum cateter Cobra®2 (Terumo®), foi avançado o
cateter VanSchieBeacon®(CookMedical®) e através dele libertados os coils
(Nester®EmbolizationCoil,CookMedical®). A embolização do saco
aneurismático foi complementada com a implantação de endoprótese (ramo
ilÃaco ZenithFlex® 14à 55mm,Cook Medical®) no ramo esquerdo do bypass
aorto-bifemoral (ï¬g._2A,_2B,_2C_e_2D).
O pós-operatório decorreu sem intercorrências, nomeadamente isquemia do
cólon ou glútea, e o estudo por angioTC após o procedimento mostrou
exclusão do aneurisma da hipogástrica esquerda e permeabilidade do stent-
graft.
Aos 2 anos de «follow-up» o doente mantém-se assintomático e sem
repermeabilização do aneurisma, documentada em angioTC de controlo (fig._3).
Foi submetido há 2 meses a tratamento convencional de falso aneurisma
anastomótico femoral direito e de aneurisma poplÃteo direito, sem
intercorrências.
Discussão
Os aneurismas ilÃacos são infrequentes, estando associados aos aneurismas da
aorta abdominal em 10% destes, surgindo isolados em apenas 2% dos casos. O
primeiro aneurisma da artéria hipogástrica isolado foi descrito há mais de
100 anos e é extremamente raro, com uma incidência de apenas 0,4%1,2.
Alguns autores sugeriram que o tratamento de aneurisma da aorta abdominal
através de interposição aorto-bifemoral com perfusão ilÃaca retrógrada
poderia predispor ao desenvolvimento de aneurismas do sector ilÃaco, incluindo
os da artéria hipogástrica3. Contudo, na série estudada por Hill não foi
descrita dilatação ilÃaca em nenhum dos doentes, sendo a perfusão
retrógrada caracterizada como segura, mesmo em casos de ectasia das artérias
ilÃacas4.
A maioria dos doentes é do sexo masculino (relação homem-mulher de 6:1) com
uma média de anos de idade ao diagnóstico de 67,23.
A aterosclerose é a causa mais prevalente (80%), sendo outras causas menos
frequentes a infeção (nomeadamente por Salmonella), trauma ou doenças do
tecido conjuntivo (Marfan)1.
Os aneurismas ilÃacos podem ser assintomáticos (3080%)1,3e detetados
acidentalmente em estudos imagiológicos. A rutura com dor na fossa ilÃaca
esquerda e choque hipovolémico pode ser a forma de apresentação inicial de
um aneurisma não diagnosticado. Os sintomas compressivos tornam-se evidentes
quando o aneurisma tem diâmetro superior a 5 cm5. A sintomatologia urinária
é comum (55%), nomeadamente expressa por micção pulsátil, cólica renal ou
hidronefrose1,6. A dor neuropática (13%) e a compressão venosa ou retal são
infrequentes7.
Ao exame objetivo cerca de 55% dos doentes apresentam uma massa dolorosa
palpável na fossa ilÃaca1, como no caso clÃnico descrito, e ao toque retal
ou vaginal é evidente uma massa pulsátil em 36-70% dos doentes7.
O estudo por angioTC permite aferir a dimensão do aneurisma e as suas
relações com as outras estruturas pélvicas, a existência de rutura e de
doença aneurismática noutra localização1.
Tem sido recomendada a vigilância através de estudo complementar por angioTC
a cada 5 anos, após a ressecção de aneurisma da aorta abdominal, para
exclusão de degenerescência aneurismática ilÃaca. O intervalo de
vigilância deve ser menor em doentes hipertensos ou com alterações nas
artérias ilÃacas objetivadas na cirurgia inicial8.
A história natural do aneurisma hipogástrico é ominosa, com tendência para
o crescimento progressivo e rutura. Esta pode ser a forma de apresentação em
cerca de 35% dos doentes com elevada mortalidade (58%)1. Alguns autores não
identiï¬caram uma relação direta entre o risco de rutura e a dimensão do
aneurisma3.
O tratamento cirúrgico é preconizado por vários autores quando a dimensão
é igual ou superior a 3 cm, limiar em que o risco de rutura é de 14-31%1,8.
A cirurgia convencional para o aneurisma hipogástrico tem sido o gold
standard, no entanto, encontra-se associada a morbilidade relevante sobretudo
decorrente da sua localização e relação com as estruturas envolventes,
nomeadamente veias pélvicas.
A laqueação proximal da artéria hipogástrica com endoaneurismorraï¬a é o
tratamento cirúrgico de escolha, com taxa de recorrência mÃnima e alÃvio da
sintomatologia compressiva. A laqueação proximal exclusiva apresenta elevada
recorrência pela persistência de perfusão retrógrada através de colaterais
pélvicos, pelo que mesmo aneurismas de pequena dimensão devem ser objeto de
endoaneurismorraï¬a9.
A mortalidade do tratamento cirúrgico eletivo dos aneurismas da artéria
hipogástrica é de 10% na maioria das séries, atingindo os 50% se forem
intervencionados em contexto de rutura3. Os resultados da Mayo Clinic
(Rochester, Minnesota, EUA) recentemente divulgados apresentam mortalidade de
1% em cirurgia eletiva e de 7% em carácter de urgência10.
As técnicas endovasculares têm emergido como alternativa à cirurgia
convencional pela sua menor morbilidade (43 vs. 28%), mortalidade (0 vs. 3%) e
duração de internamento (9 vs. 1 dia)10.
A sua utilização está recomendada para o tratamento de aneurismas em doentes
de risco elevado, assim como os que apresentem diâmetro inferior a 5 cm, uma
vez que esta forma de tratamento não está preconizada em casos de
apresentação de sintomatologia compressiva3,5.
A embolização proximal e distal constitui o melhor método de tratamento
endovascular, eliminando a perfusão aneurismática por ï¬uxo retrógrado
pélvico.
Na ausência de colo proximal, o stentingdo eixo ilÃaco é uma alternativa
demonstrada por alguns autores como sendo equivalente à embolização proximal
por coils3,11. Peppelenbosch descreve na sua série de 12 doentes submetidos a
Tratamento endovascular de aneurisma hipogástrico tardio após cirurgia de
aneurisma aórtico implantação de extensões ilÃacas Zenith® (Cook
Medical), com sucesso a médio prazo no tratamento de doença aneurismática
ilÃaca, apenas um doente com aneurisma isolado da artéria hipogástrica12.
Não foram descritos na literatura tratamentos de aneurismas da artéria
hipogástrica semelhantes ao do caso descrito, com desenvolvimento após
revascularização convencional através de bypass protésico-hipogástrica. No
entanto, tem sido utilizada de forma crescente a associação de embolização
e stentingilÃaco coberto em contexto eleruturativo ou de rutura11,13,14 .
Optou-se, neste caso, por esta associação de modalidades terapêuticas dada a
necessidade simultânea de eliminação do preenchimento do aneurisma pela
circulação pélvica bem como do bypass protésico-hipogástrica.
O tratamento endovascular de aneurisma da artéria hipogástrica após
tratamento convencional de aneurisma da aorta abdominal resume-se a casos
clÃnicos e pequenas séries15-17, alguns dos quais em contexto de rutura.
Foram implantadas endopróteses em ramos da prótese prévia excluindo o
aneurisma ou utilizadas técnicas de microcateterização retrógrada e
embolização quando o aneurisma já se encontrava laqueado proximalmente.
Conclusão
O aneurisma da artéria hipogástrica é uma entidade rara, constituindo um
desaï¬o diagnóstico e terapêutico devido à sua localização pélvica e
abordagem cirúrgica complexa. O tratamento precoce após o diagnóstico
deverá ser considerado dada a elevada mortalidade veriï¬cada em rutura.
A degenerescência aneurismática hipogástrica tardia após tratamento
convencional de aneurisma da aorta é infrequente, mas reforça a necessidade
de programa de vigilância por angioTC.
O caso clÃnico descrito apresenta a embolização hipogástrica complementada
por implantação de endoprótese ilÃaca como uma alternativa segura e
eï¬caz, sobretudo em doentes de risco cirúrgico elevado, com ótimo resultado
a curto e médio prazo. A menor morbimortalidade e a simplicidade do
procedimento endovascular em comparação com o tratamento cirúrgico
convencional, levam a crer que este procedimento deve ser equacionado quando é
necessário planear uma reintervenção por desenvolvimento a posterioride
degenerescência aneurismática da artéria hipogástrica, como no caso
apresentado.
Responsabilidades éticas
Proteção de pessoas e animais.Os autores declaram que para esta
investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Conï¬dencialidade dos dados.Os autores declaram que não aparecem dados de
pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escrito. Os auto-res declaram que não
aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conï¬ito de interesses
Os autores declaram não haver conï¬ito de interesses.
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*Autor_para_correspondência:
Correio eletrónico:viv_manuel@hotmail.com (V. Manuel).
Recebido a 14 de dezembro de 2014;
Aceite a 26 de janeiro de 2015
DisponÃvel na Internet a 13 de março de 2015