A Psicoeducação e a Sobrecarga dos Cuidadores Informais do Idoso com Demência:
Análise Baseada na Evidência
A Psicoeducação e a Sobrecarga dos Cuidadores Informais do Idoso com Demência:
Análise Baseada na Evidência
Introdução
Ao longo dos tempos, e com a crescente afirmação da Enfermagem enquanto
disciplina científica, vai sendo crescente a necessidade de uma prestação de
cuidados suportada pela evidência científica. Este caminho torna possível a
argumentação acerca das práticas clínicas com base em estudos que demonstram a
utilidade, eficácia e eficiência de uma dada intervenção (possivelmente em
detrimento de outra).
No contexto específico da Saúde Mental e Psiquiatria, existem ainda diversas
intervenções e, sobretudo, modalidades de intervenção psicoterapêutica cuja
aplicação é considerada, inclusivamente por alguns profissionais de saúde, como
sendo secundária. Nesse sentido, o presente artigo visa analisar a pertinência
da psicoeducação dos cuidadores informais do idoso com demência, como forma de
perceber se esta intervenção pode ser útil para a redução da sobrecarga dos
mesmos.
A escolha da demência, e em particular dos prestadores de cuidados, deve-se ao
facto de esta ser uma patologia que tem vindo a afectar cada vez mais idosos,
estimando-se que em Portugal, no ano de 2010, existam cerca de 70 mil doentes
com Doença de Alzheimer (Leuschner, 2005, Cit. por Sequeira, 2007). A
intervenção nos prestadores de cuidados visa a prevenção da transição saúde/
doença dos mesmos, na medida em que estes, pelas dificuldades associadas à
prestação de cuidados, acabam por sofrer, frequentemente, de patologias como a
depressão e a ansiedade (Garrido e Almeida, 1999, Garrett, 2005, Cit. por
Sequeira, 2007).
Ao nível metodológico, serão analisadas três revisões sistemáticas da
literatura com o objectivo de verificar a utilidade da psicoeducação dos
prestadores de cuidados da pessoa com demência na diminuição da sobrecarga dos
mesmos sendo, a posteriori, e pelo confronto com a prática clínica, analisada a
possibilidade da implementação da intervenção aos nível da prestação de
cuidados domiciliários.
Numa fase inicial do presente trabalho, e visto que este irá versar sobre a
psicoeducação, torna-se imperioso, antes de mais, definir claramente este
conceito. Assim, o termo psicoeducação começou por ser utilizado por Anderson
et al. (1980, Cit. por Baüml, Froböse, Kraemer, Rentrop & Pitschel-Walz,
2006), de forma a descrever um conceito terapêutico comportamental consistindo
em quatro elementos: informar o doente relativamente à sua doença; treino de
solução de problemas; treino de comunicação; treino de auto-assertividade.
Apesar de a psicoeducação ser dirigida, primariamente, para o doente, os
familiares também poderiam ser incluídos.
A partir da metade da década de 1980 um entendimento independente da
psicoeducação começou a surgir nos países de língua alemã (Baüml et al., 2006).
Assim, o grupo de trabalho "Psychoeducation of Patients with Schizophrenia"
(Baüml & Pitschel-Walz, 2003, Cit. por Baüml et al., 2006) formulou uma
definição em que a psicoeducação era entendida como compreendendo intervenções
sistémicas, didácticas e psicoterapêuticas, adequadas para informar o doente e
os seus familiares acerca da doença e do seu tratamento, facilitando a
compreensão e a gestão responsável da doença, e dando suporte a todos aqueles
que se vêm obrigados a lidar com a doença. Não tendo a estrutura da
psicoterapia, a psicoeducação refere-se aos componentes do tratamento em que a
comunicação activa de informação, a partilha de informação com todos as pessoas
implicadas no processo, e o tratamento de aspectos gerais da doença são
proeminentes.
As indicações para a participação num grupo psicoeducacional são bastante
alargadas. Por outro lado, existem apenas escassas contraindicações, incluindo
distúrbios massivos do pensamento formal, humor eufórico (fase maníaca),
alucinações auditivas de comando, e ideação suicida aguda, geralmente com uma
resiliência ao stress reduzida. Os doentes podem ser integrados no tratamento
desde que tenham a capacidade de tomar parte num grupo durante um período de
cerca de 60 minutos (no caso de a psicoeducação ser realizada em grupo) (Baüml
et al., 2006)
Definição da Pergunta de Partida (Modelo Pico)
A prática baseada na evidência implica o seguimento de cinco passos (etapas)
que têm início na formulação da questão de partida, e que culminam na avaliação
do desfecho (avaliação da aplicabilidade prática da evidência identificada)
(Gray, 2004).
Segundo o mesmo autor (Ibidem), todos os encontros clínicos geram questões; no
entanto, nem todas elas podem encontrar resposta no cliente ou numa fonte
colateral do mesmo, na medida em que se relacionam com o processo de cuidar da
pessoa e, portanto, apenas podem ser respondidas na literatura adequada. Este
tipo de questão é mais bem estruturado, sendo o modelo de quatro partes (PICO)
um dos mais utilizados para a formulação da mesma. Assim, a questão deve
incluir o cliente ou a pessoa visada; a intervenção visada, incluindo qualquer
grupo de comparação; o resultado de interesse (Badenoch & Heneghan, 2002,
Dawes, 1999, Geddes, 1999, McKibbon et al., 2002, Sackett et al., 2000, Cit.
por Gray, 2004). As questões PICO são assim denominadas porque incluem uma
ajuda mnemónica das palavras: população, intervenção, comparação, e resultados
(Gray, 2002, Cit. por Gray, 2004).
O presente trabalho visa perceber os efeitos que a psicoeducação tem ao nível
da sobrecarga dos cuidadores informais do idoso com demência. Neste sentido, e
seguindo o modelo PICO, a população serão os cuidadores informais (do idoso com
demência), a intervenção será a psicoeducação, não existe qualquer tipo de
comparação, já que se pretende avaliar os efeitos da psicoeducação per si, e
não por comparação com qualquer outro tipo de intervenção de Enfermagem, e o
resultado a verificar será a diminuição da sobrecarga (dos cuidadores informais
do idoso com demência). Assim, e seguindo o modelo PICO, a questão de partida
para o presente trabalho é: será que a psicoeducação permite a diminuição da
sobrecarga dos cuidadores informais do idoso com demência?
Após a formulação de uma questão PICO, a etapa seguinte do processo da prática
baseada na evidência é a busca pelas principais evidências que permitam dar
resposta a essa questão (Gray, 2004), sendo o capítulo seguinte dedicado a essa
mesma etapa.
Revisão da Literatura
Numa fase inicial da etapa de busca por respostas, é importante que a revisão
da literatura, antes de realizada, seja devidamente planeada, pelo que é
fundamental criar uma lista de palavras a pesquisar (Beaven, in Craig &
Smyth, 2004). Assim, e seguindo os itens do modelo PICO, as palavras
pesquisadas foram: caregivers e dementia (população); psychoeducation
(intervenção); burden (resultados). A opção pela pesquisa na língua inglesa
(apesar de também ter sido realizada em português, ainda que com resultados que
foram rejeitados dada a sua relativa irrelevância) deve-se ao facto de existir
um maior número de resultados disponíveis em inglês, permitindo ainda o acesso
a trabalhos mais relevantes (por exemplo, guidelines e revisões sistemáticas da
literatura).
Após estar perfeitamente delineado o planeamento da revisão da literatura, deve
iniciar-se a execução da mesma. Para tal, uma abordagem bastante eficiente é a
estratégia hierárquica dos "5 passos" de Haynes, que envolve sistemas,
sumários, sinopses, sínteses e estudos (Haynes, 2006).
O ponto de partida para a busca deve ser o que Haynes denominou por sistema
(Haynes, 2001a, 2001b, Cit. por Gray, 2004), sendo que é nos sistemas que podem
ser encontradas as guidelines (directrizes práticas clínicas) (Gray, 2004). No
entanto, e apesar de terem sido encontradas algumas guidelines ligadas à
demência, e à prestação de cuidados ao idoso com demência, nenhuma delas fazia
referência clara aos efeitos directos da psicoeducação na redução da sobrecarga
do cuidador informal do idoso com demência. Na pesquisa efectuada, foram apenas
encontradas duas guidelines que referiam a utilidade da psicoeducação no
cuidador informal da pessoa com demência (American Academy of Neurology, 2001),
e na redução da depressão do cuidador informal e existência de efeitos
moderados da intervenção múltipla (na qual se incluía a psicoeducação) na
redução da sobrecarga e melhoria do bem-estar do cuidador informal (National
Collaborating Centre for Mental Health, 2007). No entanto, não seria possível
perceber se esses efeitos estariam associados apenas à psicoeducação, ou ao
somatório das diversas intervenções realizadas concomitantemente.
Considerando que não foi possível o acesso a qualquer resumo ou sinopse,
passou-se de imediato para o nível seguinte de evidência: as sínteses (Gray,
2004). A este nível foram encontradas duas revisões sistemáticas e uma meta-
análise que abordavam, todas elas, os resultados decorrentes de diversas
intervenções junto dos cuidadores informais do idoso com demência, tendo sido
verificados resultados que apresentavam a relação existente entre a
psicoeducação e a sobrecarga do cuidador informal (Acton & Kang, 2001;
Schulz, O'Brien, Czaja, Ory, Norris, Martire, et al., 2002; Thompson,
Spilsbury, Hall, Birks, Barnes & Adamson, 2007).
Avaliação Crítica da Literatura
Numa fase inicial da avaliação crítica da literatura encontrada (neste caso
apenas revisões sistemáticas), importa perceber a qualidade da mesma, na medida
em que até as revisões sistemáticas de fontes respeitadas podem apresentam
problema metodológicos (Hopayian, 2001, Olsen et al., 2001, Cit. por Gray,
2004), pelo que é importante que essas revisões passem pela avaliação do
leitor.
Assim, a primeira questão que deve ser colocada é: a revisão trata de uma
questão claramente definida? (Gray, 2004). No caso das revisões sistemáticas em
análise, verifica- se que o trabalho "Interventions to Reduce the Burden of
Caregiving for an Adult With Dementia: A Meta-Analysis" (Acton & Kang,
2001), não apresenta uma questão PICO explícita, podendo assumir-se que esta
seja: qual o efeito das estratégias de intervenção (grupo de suporte, educação,
psicoeducação, aconselhamento, descanso do cuidador e intervenções múltiplas)
na redução da sobrecarga dos cuidadores informais do membro da família com
demência. Pode afirmar-se que o tema, ainda que seja amplo (dada a
multiplicidade de intervenções analisadas), permite uma revisão bem sustentada.
Ainda analisando o mesmo trabalho, verifica-se que os critérios de inclusão
estão perfeitamente especificados, sendo que os autores (Acton & Kang,
2001) referem, com base na literatura, que as meta-análises devem ser
inclusivas, pelo que decidiram analisar todos os dados disponíveis, sem excluir
qualquer tipo de estudo (excepto aqueles que não incluíam a sobrecarga enquanto
resultado). Os estudos em análise parecem ser apropriados para dar resposta à
questão identificada pelos autores. A qualidade dos estudos incluídos foi
apreciada, tendo sido seguidos os critérios de qualidade desenvolvidos por
Verhagen et al. (1998) e Brown (1991) ' escala entre 0 e 21. Os artigos
analisados apresentavam uma variação na escala entre 7 e 20, sendo contudo
notória uma predominância de artigos com uma avaliação mínima de 14/15. Ainda
no mesmo trabalho, os resultados dos diferentes estudos foram combinados e
apresentados sob a forma de tabela, o que permitiu verificar a existência de
uma relativa homogeneidade entre os artigos, com a devida explicação
relativamente às diferenças nos resultados (por exemplo, existência de
diferentes escalas de avaliação da sobrecarga, e de uma sobrecarga objectiva e
subjectiva). Os efeitos de cada tipo de intervenção foram apresentados com os
respectivos intervalos de confiança. As conclusões do trabalho foram
sustentadas pelos dados do mesmo, tendo sido realizada uma explanação exaustiva
acerca das diferenças encontradas e da validade da sobrecarga do cuidador
informal como indicador de resultado.
Relativamente ao trabalho "Dementia Caregiver Intervention Research: In Search
of Clinical Significance" (Schulz et al., 2002), a finalidade da revisão foi
claramente formulada, ainda que não sob a forma de questão PICO. Assim, esta
revisão sistemática pretendia reunir artigos em que eram abordados diversos
indicadores de resultado relativos ao prestador de cuidados da pessoa com
demência, tentando perceber quais as intervenções que estavam por detrás, e
qual a eficácia e relevância das mesmas. Pode afirmar-se que se trata de um
trabalho bastante amplo, ou até mesmo demasiado amplo, já que pretende analisar
não só as intervenções psicossociais, mas também as intervenções ambientais,
comportamentais, e até mesmo farmacológicos (neste caso, apenas para o receptor
dos cuidados). Os critérios de inclusão e de exclusão (estudos de caso e
relatos qualitativos, ou dados descritivos) estão expressos no trabalho,
crendo-se igualmente que estes foram apropriados, dado o rigor apresentado para
a selecção dos mesmos. Contrariamente ao trabalho referido anteriormente, este
não apresenta uma apreciação da qualidade dos estudos incluídos, apesar de
terem sido usados critérios explícitos na selecção dos mesmos. Os resultados
dos estudos foram apresentados na forma de tabela mas, dada a natureza do
estudo, em que era avaliada a variação dos indicadores de resultado, mais do
que os efeitos de cada intervenção específica, não foi possível apresentar uma
combinação dos resultados dos estudos, nem fazer uma análise profunda da
heterogeneidade dos mesmos, ainda que tenham sido apresentadas algumas razões
para justificar as diferenças encontradas nos resultados do estudo. As
conclusões do trabalho foram fundamentadas pelos dados, tendo sido ainda
realizada uma comparação entre os resultados obtidos e as informações que
haviam sido sugeridas pela literatura mais recente.
Finalmente, o trabalho "Systematic review of information and support
interventions for caregivers of people with dementia" (Thompson et al., 2007)
apresenta a finalidade da revisão claramente formulada, ainda que não esteja
presente sob a forma de questão PICO. No entanto, a questão subjacente ao
trabalho está relacionada com os efeitos das intervenções relacionadas com o
suporte e a educação nos prestadores de cuidados da pessoa com demência
(abarcando uma diversidade de indicadores de resultados, ligados ao cuidador,
ao doente, à utilização de serviços de saúde e resultados ao nível económico).
Pode assim afirmar-se que se trata de um trabalho amplo, mas não em demasia
dado que apenas se avaliam os efeitos de dois tipos de intervenção. Os
critérios de inclusão encontram-se claramente especificados, sendo que os
autores referem mesmo o tipo de estudo apropriado para responder à questão:
ensaio clínico aleatório controlado. Para além disso, é exposta uma estratégia
para identificar estudos relevantes, sendo referidas as bases de dados
pesquisadas, bem como as palavras-chave utilizadas. Foi ainda realizada uma
apreciação detalhada da qualidade dos estudos incluídos, sendo feita referência
a critérios explícitos (critérios de inclusão e adequação do processo de
aleatoriedade). Porém, os autores referem que, a nível geral, os estudos
incluídos apresentam uma qualidade pobre, na medida em que as estratégias de
aleatoriedade eram pouco claras e ocultação da distribuição era rara. Os
resultados dos estudos foram apresentados sob a forma de tabela e de gráfico,
havendo evidência de alguma heterogeneidade, mas não ao nível de todos os tipos
de intervenção. Os resultados dos estudos incluídos foram combinados, mas
apenas foram discutidas superficialmente as razões das diferenças nos
resultados, dado que os autores consideram que a evidência produzida não
apresenta uma qualidade indiscutível. As conclusões apresentadas pelos autores
foram fundamentados pelos dados obtidos pela análise dos estudos, tendo ainda
sido realizada uma análise da aplicabilidade da evidência identificada.
A meta-análise realizada por Acton e Kang (2001) incluía, dentro da categoria
da psicoeducação, as intervenções educacionais e de suporte, pelo que os
participantes que pertenciam aos grupos de tratamento recebiam estes dois tipos
de intervenção. Assim, a psicoeducação integrava, por exemplo, o fornecimento
de informação estandardizada acerca do processo de doença, dos comportamentos
disruptivos e dos skills para a prestação de cuidados, bem como actividades de
suporte desenhadas para fazer uso do diálogo em grupos de ajuda mútua para
partilhar experiências, e aumentar as ligações com os membros do grupo. De
acordo com esta meta-análise, a intervenção múltipla (que excluía a
psicoeducação) apresentou um ligeiro efeito positivo na sobrecarga do cuidador
informal. Contudo, a psicoeducação não teve efeitos positivos significativos ao
nível da sobrecarga. Assim, este trabalho sugere que as intervenções usadas não
tiveram qualquer efeito na sobrecarga, sendo que algumas delas tiveram mesmo um
efeito negativo, ou os scores de sobrecarga do grupo de controlo apresentaram
melhorias superiores aos do grupo de tratamento.
A revisão sistemática apresentada por Schulz et al. (2002) faz referência a um
estudo realizado em 1999 por Belmin et al. que sugere uma diminuição do risco
de sobrecarga (de moderado para baixo) em prestadores de cuidados submetidos a
um programa educacional de 3 semanas em pequenos grupos. É ainda feita
referência a um estudo realizado em 2000 por Gallagher-Thompson et al. que
sugere que alguns prestadores de cuidados, a realizar uma intervenção
psicoeducacional de satisfação com a vida, referiram uma diminuição
significativa da sobrecarga. Segundo Schulz et al. (2002), existem algumas
intervenções que podem ser efectivas para a redução da sobrecarga, pelo menos
em alguns prestadores de cuidados. No entanto, o significado prático destes
resultados é discutível.
Finalmente, a revisão sistemática realizada por Thompson et al. (2007) refere
que três estudos de intervenção psicoeducacional (231 participantes), que
incluía o fornecimento de informação e de suporte, avaliaram a sobrecarga e que
não foram encontrada diferenças significativas entre os grupos (de controlo e
de tratamento). Assim, os mesmos autores (Ibidem) referem que a revisão
realizada sugere a inexistência de evidência quanto à efectividade das
intervenções informativas e de suporte para os cuidadores das pessoas com
demência.
De acordo com Soares (2005), os níveis de evidência podem ser divididos usando
uma numeração de I a VII (I ' revisão sistemática; II ' ensaio clínico
randomizado; III ' Coorte; IV ' caso-controle; V ' séries de casos; VI '
opinião de especialistas; VII ' estudos pré-clínicos). Assim, pode verificar-se
que o material encontrado para servir de base à análise se classifica como
apresentando um nível de evidência de grau I. Newman & Roberts (in Craig
& Smyth, 2004) apresentam uma hierarquia de evidência extremamente
semelhante relativamente a questões sobre a eficácia de uma dada intervenção ou
terapia, pelo que se pode afirmar que a evidência encontrada (em revisões
sistemáticas, com ou sem meta-análise) é a melhor para dar resposta à questão
inicialmente formulada.
Integração da Evidência na Prestação de Cuidados
A prestação de cuidados ao nível domiciliário, através de uma empresa privada,
é um meio privilegiado para integrar qualquer tipo de intervenção baseada na
educação, na medida em que não se verificam questões ligadas à falta de tempo
nem de apoio institucional. Porém, podem existir alguns défices ao nível dos
recursos (já que as empresas visam a obtenção de lucros máximos em função de
gastos mínimos), bem como de autoridade para efectuar mudanças já que, ao nível
dos cuidados de saúde de cariz privado, a designação "cliente" ganha uma lógica
muito superior à de "utente/doente", sendo o objectivo fundamental a não perda
do cliente, que poderá ocorrer se este se manifestar descontente com o tipo de
intervenção implementado.
Fazendo uma análise das revisões sistemáticas incluídas neste trabalho,
verifica-se que todas elas são bastante inclusivas e não exclusivas,
característica extremamente importante para a aplicabilidade prática da
evidência, na medida em que os doentes e os locais de um estudo nunca são
idênticos àqueles em que se trabalha (Newman & Roberts, in Craig &
Smyth, 2004). Nas revisões sistemáticas analisadas, não foi possível perceber
alguns factores chave para a possível afectação dos resultados, como a idade
dos participantes, género, etc. Contudo, e dada a grande inclusividade dos
estudos, é crível que as intervenções tenham sido implementadas em prestadores
de cuidados de pessoas com demência de diversos tipos e com diversas
características particulares.
Relativamente à introdução da intervenção (psicoeducação) no meio de trabalho
(prestação de cuidados domiciliários através de empresa privada), esta é
perfeitamente possível, já que a empresa dispõe de recursos humanos suficientes
para uma implementação óptima da intervenção, considerando ainda que esta não
teria custos significativos. Porém, e apesar da aparente ausência de custos,
coloca-se uma questão bastante pertinente quando se pensa nos benefícios: será
que a implementação da psicoeducação terá efeitos positivos na diminuição da
sobrecarga do cuidador informal do idoso com demência? A verdade é que as
revisões sistemáticas analisadas foram praticamente unânimes na verificação de
uma não efectividade da intervenção, pelo que esta poderia ser rejeitada pela
ausência de evidência científica (dentro da pesquisa realizada) que comprove a
eficácia da mesma. No entanto, é importante perceber que os estudos incluídos
nas revisões sistemáticas não foram realizadas em Portugal, pelo que pode
existir um viés decorrente da realização dos estudos em realidades diferentes
(ainda que não existam significativas variações socioculturais, já que os
países de onde provieram as amostras eram todos eles ocidentais e
desenvolvidos).
Para a aplicação da intervenção (psicoeducação), importa ainda perceber a
vontade do cliente (Newman & Roberts, in Craig & Smyth, 2004), já que a
evidência não é o único factor que informa a tomada de decisão clínica. Assim,
é importante perceber o que significam os resultados destes estudos para o
contexto de trabalho e para os clientes com os quais se desenvolve o processo
terapêutico.
Finalmente, é extremamente importante perceber se a qualidade dos estudos
(neste caso, das revisões sistemáticas) é suficientemente boa para utilizar os
resultados (Newman & Roberts, in Craig & Smyth, 2004). Neste caso
particular, e após já ter realizado uma avaliação prévia da qualidade das
revisões sistemáticas para análise, pode afirmar-se que, ainda que estas
apresentem algumas insuficiências, referidas pelos próprios autores, a sua
aplicabilidade prática não pode ser questionada devido à sua qualidade já que,
dentro das condicionantes existentes, a evidência produzida é de boa qualidade.
Em jeito de conclusão, pode afirmar-se que uma empresa privada de prestação de
cuidados domiciliários apresenta boas condições para a implementação de uma
intervenção ligada à psicoeducação dos prestadores de cuidados informais dos
idosos com demência. Para além disso, a boa qualidade das revisões sistemáticas
analisadas (apesar de estarem longe da excelência por apresentarem algumas
limitações, sobretudo ao nível metodológico) e a abertura de uma boa parte dos
clientes a este tipo de intervenções fariam com que estivessem reunidas
condições óptimas para a implementação da intervenção. No entanto, a evidência
encontrada contraria a utilidade da psicoeducação na redução da sobrecarga dos
cuidadores informais dos idosos com demência, o que tornaria a integração da
intervenção na prestação de cuidados bastante complexa, tanto para a empresa
(que em termos de custo-benefício não vislumbra vantagens significativas) como
para os profissionais de Enfermagem (que não possuem evidência que lhes faça
parecer útil a implementação da psicoeducação nos cuidadores informais de
idosos com demência). Apesar de tudo, deve considerar-se a não especificação
das características biopsicossociais dos cuidadores informais estudados, bem
como a realização dos estudos em contextos socioculturais algo diferentes da
realidade portuguesa.
Conclusão
A análise baseada na evidência realizada teve como principal objectivo a
validação da importância da psicoeducação enquanto intervenção de Enfermagem
que permitisse a diminuição da sobrecarga dos cuidadores informais do idoso com
demência. Para tal, procedeu-se à análise de três revisões sistemáticas (com ou
sem meta-análise) seleccionadas em função da sua qualidade e adequação à
temática em estudo.
Os resultados obtidos, apesar de não poderem ser excessivamente generalizados,
considerando as limitações dos estudos analisados bem como os diferentes
contextos socioculturais, apontam para a não efectividade da psicoeducação na
diminuição da sobrecarga do cuidador informal, na medida em que apenas uma das
revisões sistemáticas analisadas (com apenas dois estudos relacionados com a
intervenção) apresenta alguma melhoria por parte dos cuidadores informais,
sendo que as restantes duas sugerem que não existem quaisquer benefícios
advindos da implementação da intervenção, chegando mesmo a verificar-se, em
alguns estudos, um ligeiro aumento da sobrecarga do prestador de cuidados.
Porém, no caso de haver necessidade da realização da intervenção
(psicoeducação) no contexto das empresas privadas de cuidados domiciliários,
parecem estar reunidas as condições para tal, excepto se for verificada
escassez de tempo para a realização das visitas domiciliárias.
Fazendo uma comparação entre os resultados obtidos e os objectivos inicialmente
propostos pode afirmar-se a eficácia do presente trabalho, ainda que com as
devidas limitações, dado que as revisões sistemáticas analisadas apresentam
algumas limitações, sobretudo pela grande inclusividade dos estudos analisados.
Pode ainda afirmar-se a eficiência deste trabalho, considerando a escassez de
tempo (que impediu a realização da última etapa da Prática Baseada na Evidência
' avaliação da implementação da intervenção) e até mesmo de recursos para
pesquisa, na base da realização do mesmo.
Concluindo, e por análise dos resultados obtidos, a psicoeducação parece não
ser uma intervenção efectiva para a redução da sobrecarga dos cuidadores
informais do idosos com demência. Porém, sugere-se a realização de estudos mais
específicos, preferencialmente no contexto de Portugal, onde apenas foi
encontrado um estudo realizado por Silva (2009), com resultados bastante
distintos dos obtidos nas revisões sistemáticas internacionais analisadas, de
modo a verificar se, efectivamente, as particularidades do contexto
sociocultural influenciam os resultados obtidos.