Reconhecimento da Depressão e Crenças sobre Procura de Ajuda em Jovens
Portugueses
Reconhecimento da Depressão e Crenças sobre Procura de Ajuda em Jovens
Portugueses
Introdução
Jorm et al. (1997a) introduziram o termo 'literacia em saúde
mental' e definiram-no como "o conhecimento e as crenças acerca das
perturbações mentais que ajudam no seu reconhecimento, gestão e prevenção",
circunscrevendo-o ao campo das intervenções em adolescentes e jovens. A
literacia em saúde mental é composta por vários componentes: a) a capacidade de
reconhecer perturbações específicas ou diferentes tipos de sofrimento
psicológico; b) conhecimentos e crenças sobre fatores de risco e causas; c)
conhecimentos e crenças sobre intervenções de autoajuda; d) conhecimentos e
crenças sobre ajuda profissional disponível; e) atitudes que facilitam o
reconhecimento e a procura de ajuda apropriada; e f) conhecimentos sobre como
procurar informação sobre saúde mental (Jorm, 2000). O mesmo autor (Jorm, 1997;
2000) tem estudado estas questões em adolescentes e jovens porque a
adolescência e a juventude (15-24 anos) são etapas críticas, caracterizadas por
alterações no contexto de vida dos indivíduos, em que os problemas relacionados
com o bem-estar têm profundo impacto na vida adulta (Jorm, 2000; OMS, 2001).
Nesta faixa etária o reduzido nível de literacia em saúde mental é responsável
pela perpetuação do estigma, agravamento dos sintomas, adiamento da procura de
ajuda profissional, agravado nos adolescentes e jovens com reduzido nível de
interação com o sistema de saúde.
Dos vários componentes da literacia apresentados depreende-se que uma literacia
em saúde mental reduzida vai não só impedir o reconhecimento precoce das
perturbações mentais, influenciar o comportamento de procura de ajuda e o
acesso aos tratamentos mais adequados, como também perpetuar o estigma face aos
doentes mentais. A elevada prevalência das perturbações mentais (50%, segundo
Kessler et al., 1994, citado em Jorm, 2000), juntamente com os fatores
referidos, reveste de enorme importância o incremento da literacia em saúde
mental.
No caso da literacia em saúde mental de adolescentes e jovens, este problema
agudiza-se porque se sabe que esta idade representa o ponto auge de início de
uma doença mental, com metade dos indivíduos que vão sofrer de uma doença
mental a experienciar o seu primeiro episódio antes dos 18 anos (Kelly et al.,
2011). Estima-se na atualidade que nos adolescentes e jovens a prevalência de
perturbações do foro mental como são a depressão, o abuso de substâncias, os
distúrbios de ansiedade, os distúrbios de comportamentos alimentares e
inclusive as perturbações psicóticas, se situem entre os 15 e os 20%.
Contudo, os estudos têm demonstrado de forma consistente que a maioria dos
adolescentes e jovens não procuram nem recebem a ajuda ou o tratamento
adequados. A identificação e o tratamento precoces de dificuldades emocionais
em adolescentes e jovens são uma prioridade tanto para os profissionais de
saúde como para os educadores (Santor et al., 2007).
O reconhecimento precoce e a procura de ajuda apropriada só vão ocorrer se os
jovens e a sua família, professores e amigos souberem quais são as alterações
precoces provocadas pelas perturbações mentais, os melhores tipos de ajuda
disponíveis e como aceder a esta ajuda, conhecimentos e aptidões que foram
definidos como 'literacia em saúde mental'.
Metodologia
Participantes
A amostra deste estudo é constituída por jovens (n=860) com uma média de idades
de 18,74 anos (dp=1,67 anos), sendo a mediana de 18 anos e a moda também de 18
anos. No que respeita ao género observa-se que 84% são do género feminino,
representando o género masculino apenas 16% da amostra. Em relação ao distrito
onde residem, observa-se que 27,4% residem no distrito de Coimbra, 16,5% em
Leiria, 9,0% em Aveiro, 11,4% em Viseu, 5,9% em Castelo Branco e 25% noutros
distritos limítrofes aos distritos considerados, como são exemplo, Santarém,
Portalegre, Porto, entre outros (Quadro 1).
QUADRO 1 ' Distribuição percentual das variáveis género e distrito de
residência dos participantes
Nas habilitações literárias dos pais podemos verificar que a distribuição,
tanto no pai como na mãe, é relativamente semelhante (Quadro 2). As
habilitações do pai concentram-se na sua maioria nos 4 primeiros
"níveis" (Ensino básico ' 1º Ciclo (antiga 4ª classe); Ensino
básico ' 2º Ciclo (Ensino preparatório ' antigo 6º ano); Ensino básico ' 3º
Ciclo ' Curso geral dos liceus (9º ano); Ensino secundário (Curso complementar
dos liceus).
QUADRO 2 ' Habilitações literárias dos pais
Observa-se que apenas 11,3% dos pais têm formação superior. Ao nível das mães,
os valores são ligeiramente diferentes dos pais já que tanto no ensino básico '
1º Ciclo (16,7%), como Ensino básico ' 2º Ciclo (17,3%), as percentagens são
menores; 14,2 % das mães têm formação ao nível do ensino superior. Para o
global da amostra, tanto os pais como as mães, têm na maioria os níveis do
Ensino básico ' 3º Ciclo ' Curso geral dos liceus (9º ano) e do Ensino
secundário (Curso complementar dos liceus).
Instrumento
O Questionário de Avaliação da Literacia em Saúde Mental (QuALiSMental), versão
validada para a população Portuguesa por Loureiro, Pedreiro e Correia (2012), é
composto por três cenários (depressão, esquizofrenia e problemas associados ao
consumo de álcool), com nove secções que incluem os seguintes domínios: a)
Reconhecimento das perturbações; b) Ações de Procura de Ajuda e Barreiras
percebidas; c) Crenças e intenções sobre prestar a primeira ajuda; d) Crenças
sobre intervenções; e) Crenças sobre Prevenção; f) Atitudes Estigmatizantes e
Distância Social; g) Exposição (familiaridade) com as perturbações mentais; h)
Impacto das campanhas e da exposição nos meios de comunicação. Inclui ainda a
versão breve do Inventário de Crenças acerca das Doenças e Doentes Mentais
(ICDM) de Loureiro (2008).
Procedimentos
O questionário foi realizado em contexto de sala de aula, na forma de
autorrelato escrito, em sessões coletivas, sempre com a presença de um
professor e um investigador. Ao aluno eram apresentadas três vinhetas que
preenchiam os critérios para depressão, esquizofrenia e abuso de substâncias
(álcool), respetivamente, seguidas de 18 questões que pretendiam avaliar os
conhecimentos dos adolescentes e jovens nos domínios referidos. A vinheta que
descreve a depressão, cujos resultados são aqui analisados, era a seguinte:
"A Joana é uma jovem de 16 anos que se tem sentido invulgarmente triste durante
as últimas semanas. Sente-se sempre cansada e tem problemas para adormecer e
manter o sono. Perdeu o apetite e ultimamente tem vindo a perder peso. Tem
dificuldade em concentrar-se no estudo e as notas desceram. Mesmo as tarefas do
dia-a-dia lhe parecem muito difíceis, pelo que tem adiado algumas decisões. Os
seus pais e amigos estão muito preocupados com ela."
Análise dos Resultados
As respostas consideradas corretas no reconhecimento do problema descrito na
vinheta foram as que apresentavam obrigatoriamente a seleção apenas de
depressão, e as várias associações de depressão com problemas psicológicos/
emocionais/mentais, doença mental, stresse e tem um problema. Na resposta à
questão "Na tua opinião, o que é que se passa com a Joana?", 32% da amostra
reconhece como depressão os sintomas descritos na vinheta.
Na questão relativa à confiança que o jovem sente em procurar ajuda caso
estivesse na mesma situação que a da vinheta ("Se estivesses a viver atualmente
uma situação como a da Joana, procurarias ajuda?"), observa-se que a afirmação
da intenção de procura de ajuda é de 66,3%. Contudo, na opção de resposta
"Não sei" se procuraria ajuda, os valores ainda correspondem a
29,7% da amostra. Apenas 4,1% da amostra refere que não procuraria ajuda caso
estivesse numa situação semelhante à da Joana (Quadro 3).
QUADRO 3 ' Distribuição percentual das respostas ao item da procura de ajuda
Em relação à pessoa ou pessoas a quem dirigiria o pedido de ajuda, foi
utilizado o formato de resposta tipo Likert, de 1 (De modo nenhum) a 5 pontos
(Seguramente). Observa-se que os jovens elegeram a mãe como pessoa a quem pedir
ajuda (valores médios de x=4,21), seguido dos namorados/as (valores médios de
x=4,02). Salientam-se ainda os valores médios reduzidos dos professores como
pessoas a quem pedir ajuda (em redor dos 2 pontos).
Quando questionados em que medida se sentem confiantes para pedir ajuda às
pessoas selecionadas, verifica-se que o nível de confiança em pedir ajuda
situa-se nos valores próximos dos 3,00 pontos. O formato de resposta era
novamente do tipo Likert de 1 (Muitíssimo confiante) a 5 pontos (Nada
confiante).
Nas questões relativas às barreiras percebidas à procura de ajuda (quadro 4),
verificamos que os impedimentos mais comuns à procura de ajuda são: considerar-
se uma pessoa tímida (41,28%), a pessoa não valorizar o que se diz (36,63%),
pensar que nada poderá ajudar (33,72%), seguido do medo da pessoa partilhar a
informação sobre o problema com outra pessoa (28,02%).
QUADRO 4 ' Distribuição percentual das respostas (afirmativas) aos itens de
impedimento à procura de ajuda
Na questão com quem estaria à vontade para falar, caso estivesse numa situação
similar à da Joana (quadro 5), podemos observar que a pessoa de eleição é a mãe
(77,3%), seguida do pai (40,8%). A opção "Não sei" apresenta
valores de 12,9%.
QUADRO 5 ' Distribuição percentual das respostas (concordância) ao item da
perceção da pessoa com quem estaria à vontade para falar
Discussão dos Resultados
O reconhecimento da depressão por estes jovens portugueses foi inferior ao
observado em vários estudos de outros países, em que a identificação desta
perturbação rondou os 50% (Wright et al., 2005; Burns & Rapee, 2006;
Klineberg et al., 2010; Khan et al., 2010).
Apesar do baixo reconhecimento da depressão (32%), a intenção de procura de
ajuda face a este cenário atingiu mais de 66%, no entanto no estudo de Burns e
Rapee (2006) este valor foi muito superior, uma vez que cerca de 93% dos
participantes consideram necessária a ajuda de outra pessoa para lidar com o
problema. Segundo Wright, Jorm e Mackinnon (2007) é na depressão que se
verifica uma maior intenção de procurar ajuda, mas só 16,4% dos jovens
inquiridos por Klineberg et al. (2010) recorreriam ao médico se tivessem o
mesmo problema.
As fontes informais privilegiadas na procura de ajuda são a família e os amigos
e as formais são o médico e o psicólogo (Sheffield, Fiorenza & Sfronoff,
2004). No estudo de Kelly, Jorm e Rodgers (2006) 23% dos adolescentes
consideraram útil a ajuda do pai, de um professor ou de um conselheiro. Já
estes jovens portugueses afirmam que seguramente se sentiriam confiantes para
pedir ajuda à mãe e aos/às namorados/as, sendo que dificilmente o fariam a um
professor e só 40,8% falaria sobre o assunto com o pai.
Relativamente às barreiras percebidas na procura de ajuda Hernan et al. (2010)
verificaram que os adolescentes valorizaram mais as barreiras pessoais em
detrimento das logísticas. Outros estudos analisados referem questões
relacionadas com a confidencialidade, com os custos, com o facto de não saberem
onde procurar ajuda e pensarem que resolvem os problemas sozinhos; dúvidas
acerca da utilidade do tratamento; a vergonha e o não querer falar com
desconhecidos; (Sheffield, Fiorenza & Sfronoff, 2004; Speller, 2005;
Wilson, Rickood & Deane, 2007). À semelhança daqueles, os jovens
portugueses referiram fatores relacionados com falta de confiança tanto em si
próprios - "considerar-se uma pessoa tímida" - como nas pessoas que os poderão
ajudar, assinalando tanto a desvalorização da resolução do problema sob o olhar
do próprio ' "nada poderá ajudar", como das pessoas que poderão ser vetores de
ajuda ' "a pessoa não valorizar o que se diz".
Conclusão
O reconhecimento da depressão por parte desta amostra de jovens apresenta
valores muito baixos para aquilo que seria expectável. Contudo, a intenção de
procura de ajuda apresenta valores mais elevados, demonstrando que apesar de
não conseguirem reconhecer, muitos jovens procurariam ajuda se experienciassem
um quadro de depressão; tendo-se verificado também que existem muitos jovens
que não sabem se procurariam ajuda num caso como o da vinheta.
A mãe surge como primeira opção para pedir ajuda, caso se encontrem na mesma
situação que a da Joana. Estes resultados refletem a preferência dos jovens por
ajuda informal em vez de ajuda profissional quando confrontados com um problema
de saúde mental. Realçamos também o papel relevante dos namorados/as como fonte
de procura de ajuda se os jovens enfrentassem uma situação semelhante à Joana,
enquanto os professores não surgem como uma fonte de ajuda preferencial. Em
relação à confiança para pedir ajuda a essa pessoa, verificou-se que o nível de
confiança é elevado.
Estes resultados implicam uma maior necessidade de promover a correta
identificação do problema de forma a evitar grandes desfasamentos entre a
linguagem do senso comum e a dos profissionais, o que permitirá a adequada
procura de ajuda e facilitará a interação entre todos os possíveis atores deste
processo. Focar aspetos relativos à procura de ajuda apropriada, como a procura
de profissionais de saúde especializados é importante na medida em que estes
jovens só valorizam o apoio informal.
Os resultados demonstram que são necessárias ações de educação e sensibilização
para a saúde mental em contexto escolar, de forma a elevar os valores de
literacia em saúde mental dos adolescentes e jovens portugueses. O aumento da
literacia em saúde mental levará a um reconhecimento precoce e correto das
perturbações mentais, levando a comportamentos de procura de ajuda adequados e
melhores resultados futuros.