Conceção de um Programa de Intervenção na Memória para Idosos com Défice
Cognitivo Ligeiro
Conceção de um Programa de Intervenção na Memória para Idosos com Défice
Cognitivo Ligeiro
INTRODUÇÃO
O envelhecimento é um processo complexo, dinâmico e gradual, comum a todos os
seres humanos. Neste processo ocorrem modificações morfológicas, funcionais,
bioquímicas e psicológicas que levam a uma maior vulnerabilidade e um aumento
dos processos patológicos, culminando na morte (Netto, cit. por Freitas et al.,
2002). Entre as mudanças esperadas para esta etapa da vida e as alterações de
cariz patológico existe uma linha muito ténue.
O DCL é um período de transição entre o envelhecimento normal e o diagnóstico
provável de uma demência em estádio inicial (Petersen, 2004). Esta transição
pode apresentar períodos de sobreposição, devido à dificuldade associada a este
diagnóstico, uma vez que as mudanças/queixas cognitivas podem ser muito subtis.
Os critérios de diagnóstico sobre esta entidade clínica foram instituídos por
Petersen (2004) e consistem em: 1) queixa de défice de memória por parte do
individuo, sendo esta corroborada por um informante; 2) défice objetivo de
memória para a idade do indivíduo (mediante avaliação neuro psicológica); 3)
preservação das restantes funções cognitivas; 4) preservação da autonomia nas
atividades de vida diária; e, 5) não ter critérios diagnósticos de demência.
O "típico" indivíduo com DCL é aquele que refere défice de memória, mas mantém
a normalidade das restantes funções cognitivas. Contudo, devido à
heterogeneidade deste conceito, atualmente, aceitam-se alguns subtipos de DCL,
sendo de acordo com Ghetu, Bordelon e Langan (2010): DCL amnésico - a principal
manifestação é o défice objetivo de memória, para a idade e nível de
escolaridade, mantendo-se a pessoa sem outras queixas cognitivas ou funcionais
e sem critérios para ser considerado demente; DCL multidomínios - aplica-se a
indivíduos com défices em vários domínios cognitivos e funcionais com défice de
memória (DCL multidomínios amnésico) ou sem défice de memória (DCL
multidomínios não amnésico) e DCL monodomínio não amnésico - o indivíduo
apresenta um único défice no seu desempenho cognitivo ou funcional que não é a
memória.
A probabilidade de desenvolvimento de demência está aumentada nos indivíduos
com DCL. Aproximadamente 12% das pessoas com mais de 70 anos têm DCL, sendo que
apresentam 3 a 4 vezes maior probabilidade de desenvolver Demência de
Alzheimer. Segundo alguns estudos longitudinais, entre 10 a 15% dos indivíduos
com DCL desenvolvem demência no período de um ano (Petersen et al., cit. por
Simon e Ribeiro, 2011), enquanto pessoas saudáveis evoluem entre 1 a 2% ao ano.
A maioria dos indivíduos com DCL desenvolve demência em 3 a 6 anos (Troyer et
al., 2008).
Estes números revelam a importância de uma intervenção precoce e preventiva.
Ainda não existe um tratamento eficaz para o DCL, mas os seus efeitos podem ser
minimizados. A abordagem a este problema deve ser "combinada", contemplando uma
vertente farmacológica e uma abordagem cognitiva, através da intervenção na
cognição.
A intervenção na cognição consiste num processo de cooperação entre o indivíduo
com défice cognitivo e os profissionais de saúde, familiares e membros da
comunidade mais ampla, tendo por objetivo compensar ou atenuar os défices
cognitivos resultantes do dano neurológico (Wilson, cit. por Pais, 2008).
Consiste num conjunto de estratégias e de técnicas cognitivas, que visam
inicialmente a restauração clínica de funções e, depois, a compensação de
funções, com o objetivo de minimizar os distúrbios de atenção, de linguagem, de
processamento visual, memória, raciocínio e resolução de problemas, além dos de
funções executivas (Capovilla, cit. por Pais, 2008).
Existem várias abordagens de intervenção na cognição. Segundo Pais (2008)
podemos distinguir entre estimulação da cognição (consiste numa abordagem
cognitiva mais abrangente), reabilitação da cognição (é uma intervenção que se
centra em estratégias de orientação temporal e espacial) e treino da cognição
(diz respeito à prática de tarefas/funções específicas). Estas abordagens podem
ser desenvolvidas de forma individual ou em grupo.
Para que a eficácia das diferentes técnicas de intervenção na cognição seja
maximizada importa que sejam organizadas e realizadas de forma sequencial e
periódica, com objetivos específicos delineados, daí a importância dos
programas de intervenção na cognição para idosos.
Um programa de estimulação da cognição consiste num conjunto de estratégias e
exercícios que visam potenciar determinadas áreas da cognição, podendo ser
implementados individualmente ou em grupo, habitualmente realizados num
determinado período de tempo, procurando cumprir determinados objetivos
específicos.
Antes de iniciar qualquer tipo de programa de intervenção na cognição é
importante avaliar o perfil cognitivo do indivíduo, identificando as funções
cognitivas preservadas e comprometidas.
Claire e Woods (2004) fazem uma distinção entre os diferentes tipos de
programas de intervenção na cognição, podendo ser: A) de estimulação cognitiva;
B) de reabilitação cognitiva; C) de treino cognitivo.
A) Os programas de estimulação cognitiva envolvem estimulação cognitiva
geral e abordagens de orientação para a realidade, englobando uma série de
atividades e discussões em grupo que visam obter uma melhoria geral do
funcionamento cognitivo e social dos indivíduos (Claire & Woods, 2004).
Estes programas não se focalizam em funções específicas, mas visam estimular a
cognição como um todo.
B) Os programas de reabilitação cognitiva assentam numa abordagem
biopsicossocial e tem como objetivo ajudar as pessoas a alcançar ou manter um
nível ótimo de funcionamento físico, psicológico e social, no contexto dos
défices específicos decorrentes de doença ou lesão, facilitando a participação
do indivíduo em atividades significativas e valorizando a manutenção dos papéis
sociais (Claire, & Woods, 2004). Esta abordagem foca-se no desenvolvimento
de tarefas que sejam significativas para o quotidiano do indivíduo e da sua
família.
C) Os programas de treino cognitivo envolvem geralmente a prática guiada num
conjunto de tarefas específicas, que visam intervir em funções cognitivas
concretas, como a memória, a atenção, a linguagem ou a função executiva. Este
tipo de programa baseia-se no pressuposto de que a prática regular de
determinadas funções cognitivas pode ajudar a melhorar ou manter essa função,
para além do contexto da formação imediata (Claire, & Woods, 2004). Dentro
deste tipo de programas podemos incluir os programas de treino de memória, cujo
objetivo é treinar a memória de forma a melhorar o desempenho diário dos
indivíduos, sendo essencial a realização de exercícios diários e o treino de
estratégias de compensação de memória.
O programa apresentado focaliza-se no treino de memória, contudo,
independentemente da estratégia de intervenção na cognição a utilizar existem
alguns critérios essenciais para o seu sucesso, que se relacionam entre si.
Esses critérios são: o envolvimento da família/cuidadores em todo o processo; a
adaptação do ambiente do idoso às suas novas necessidades, sendo para tal
essencial o apoio da família/cuidadores; o treino de estratégias de compensação
e a possibilidade de realização de exercícios de estimulação diários, numa
perspetiva de estimulação 24 horas, o que mais uma vez requer o envolvimento da
família/cuidadores.
A importância dos programas de intervenção na cognição revela-se nos seus
benefícios, sendo eles amplamente divulgados em vários artigos científicos.
Como exemplo temos a melhoria da orientação do doente; melhoria das funções
executivas, da linguagem e da memória; melhoria da performance do doente nas
atividades de vida diárias; manutenção da autonomia por mais tempo; diminuição
da sobrecarga dos cuidadores e/ou família; facilitação da interação social e
melhoria da qualidade de vida do idoso/família (Sequeira, 2007).
A sistematização e implementação de programas de intervenção na cognição,
nomeadamente na memória, são uma necessidade da sociedade atual, cada vez mais
envelhecida. Atualmente em Portugal, 19% da população é idosa (INE, 2011), o
que favorece um aumento da incidência e prevalência das demências, sendo
necessário intervir preventivamente nos idosos com DCL.
Para conhecer melhor a temática, antes da conceção do programa proposto
realizou-se uma revisão da bibliografia para saber quais os estudos que existem
na área e quais os principais resultados encontrados, de forma a compreender o
que se tem feito e qual o estado atual do conhecimento. Para o efeito utilizou-
se o método PICO (Sackett et al., cit. por Santos, Pimenta e Nobre, 2007) para
construir a pergunta de partida: "Qual a efetividade dos programas de
intervenção cognitiva em idosos com DCL?". Para responder a esta questão
recorreu-se à revisão bibliográfica, em bases de dados creditadas,
selecionando-se 6 artigos, dos 243 encontrados. A seleção teve por base os
seguintes critérios: 1º) a adequação ao tema da pesquisa, devendo ser
referentes a programas de intervenção na cognição aplicados a idosos com DCL;
2º) datas de publicação compreendida entre os anos de 2005 e 2012; 3º) o acesso
ao texto integral ser gratuito; 4º) estarem escritos em Inglês, Espanhol ou
Português.
Os programas de estimulação cognitiva apresentados nos 6 artigos selecionados
apresentam alguns aspetos comuns entre si, nomeadamente, o número de
participantes/amostra, que varia entre 1 e 84 indivíduos, sendo a média de
participantes de 35. A grande maioria das abordagens é em grupo. A duração e
número de sessões do programa variam de três semanas e um ano e o número de
sessões varia de diárias e semanais. Quanto ao tipo de intervenção, a maioria
dos estudos revistos utilizam treino cognitivo e estimulação cognitiva, dando
especial atenção ao treino de estratégias adaptativas, ao treino de memória e
ao fornecimento de informações. Metade dos estudos incluiu a família/cuidadores
no programa. Os resultados destes programas apontam para os benefícios da sua
implementação, contudo é necessário realizar mais estudos e aprofundar estes
dados.
Os principais dados resultantes da revisão bibliográfica podem ser observados
no quadro 1.
Quadro 1 - Resumo dos dados da revisão da bibliografia
Na revisão bibliográfica realizada não foram encontrados dados sobre a seriação
deste tipo de programas em Portugal, nem sobre o impacto da ação dos
Enfermeiros de Saúde Mental e Psiquiatria neste âmbito.
Este estudo tem como principal objetivo sistematizar o conteúdo de um programa
de intervenção na memória para idosos com DCL amnésico, de modo a que possa ser
testada e avaliada a sua efetividade em contexto clinico.
METODOLOGIA
O método selecionado para realizar este estudo foi a Técnica de Delphi. Esta
técnica consiste num processo estruturado de recolha e síntese de conhecimentos
sobre determinado assunto, através de um grupo pré-definido de peritos no tema,
por meio da aplicação de uma série de questionários e de um feedback organizado
das opiniões.
Para a elaboração deste trabalho segundo esta técnica percorreram-se as etapas
que constam no quadro 2.
Quadro 2 - Etapas realizadas ao longo do estudo
1ª Revisão bibliográfica
Utilizou-se o método PICO (Sackett et al., cit. por Santos, Pimenta e Nobre,
2007) para construir a pergunta de partida: "Qual a efetividade dos programas
de intervenção cognitiva em idosos com DCL?". Para responder a esta questão
recorreu-se à revisão bibliográfica, em bases de dados creditadas,
selecionando-se 6 artigos.
2ª Formulação do programa
Constituição do programa de intervenção na memória para idosos com DCL
amnésico, através da seleção das estratégias que constam em, pelo menos, 50%
dos artigos analisados na revisão da bibliografia.
3ª Critérios de seleção dos peritos que integram o grupo
Os critérios estabelecidos para os participantes no grupo de peritos foram:
1) Experiência profissional, de pelo menos 2 anos, com idosos com défice
cognitivo;
2) Formação na área da enfermagem de saúde mental e psiquiatria, neurologia,
psiquiatria ou psicologia.
4ª Identificação dos peritos e obtenção dos contactos
Através de:
· Contacto via telefone e via correio eletrónico com instituições de saúde e
associações não-governamentais que prestam cuidados a idosos com défices
cognitivos e demência, solicitando os nomes dos profissionais que atuam nesta
área;
· Contacto com profissionais de saúde com trabalho conhecido na área e
solicitação de nomes de outros peritos - Técnica de amostragem por redes ("bola
de neve").
· Contactos obtidos através da internet e via artigos científicos
publicados.
Identificou-se um grupo de 69 peritos, composto por 44 enfermeiros de saúde
mental e psiquiatria; 10 neurologistas; 10 psicólogos e 5 psiquiatras, entre 19
Março e 13 Maio de 2012.
5ª Envio da 1ª ronda
A proposta de programa de intervenção na memória foi convertida num
questionário eletrónico, através do aplicativo Google Docs e foi enviado entre
31 Março e 13 Maio de 2012, aos 69 peritos identificados, solicitando-se as
respostas até dia 31 Maio de 2012.
O questionário era composto por três partes, a primeira abordava a
caracterização sociodemográfica dos peritos; na segunda colocavam-se duas
perguntas abertas e, finalmente, na terceira parte apresentava-se cada um dos
itens que compõem o programa e pediu-se aos peritos que assinalassem a sua
concordância através de uma escala tipo Likert.
Como a adesão dos peritos foi baixa enviou-se uma mensagem de correio
electrónico personalizada, a cada um deles, a apelar à participação e enviou-se
novamente o questionário. No final do prazo, obtiveram-se 29 respostas, de 23
enfermeiros de saúde mental e psiquiatria; 2 neurologistas; 3 psicólogos e 1
psiquiatra.
6ª Análise estatística das respostas ao questionário
Através dos operativos Microsoft Excel 2010 e Google Docs calculou-se:
· Distribuição de frequências (frequência absoluta e relativa das respostas
a cada item).
· Medidas de tendência central (média).
As respostas foram selecionadas através dos critérios de concordância
estabelecidos, seriam rejeitados os itens que não obtivessem "concordância
positiva":
· Concordância positiva = % respostas "concordo" + % respostas "concordo
totalmente".
· Concordância positiva ≥ 70%.
Os níveis de consenso estabelecidos foram:
· Consenso perfeito - 100% de respostas no "concordo totalmente".
· Consenso forte - 90% ≤ Concordância positiva ≤100%.
· Consenso moderado - 70% ≤ Concordância positiva <90%.
Como se alcançou concordância positiva em todos os itens, não se avançou para a
segunda volta.
O que se propõe é um programa de treino cognitivo, nomeadamente de treino de
memória, com uma abordagem teórica e prática, multifatorial (indivíduo/família/
interação social), cujo principal objetivo é estimular a memória de idosos com
DCL amnésico e capacitar o utente e a sua família/cuidadores com conhecimentos
e estratégias que permitam treinar a memória no quotidiano e, consequentemente,
potenciar a autonomia. Sendo que os seus objetivos específicos são:
· Estimular a memória de idosos com DCL amnésico;
· Informar os idosos sobre o DCL;
· Ensinar e treinar estratégias de compensação de memória;
· Potenciar a autonomia do indivíduo com DCL;
· Promover a interação social dos participantes;
· Capacitar a família/cuidadores com conhecimentos e estratégias que
permitam treinar a memória do indivíduo no quotidiano e potenciar a autonomia.
Este programa poderá aplicar-se a indivíduos que consintam realizá-lo e que
obedeçam aos seguintes critérios de inclusão:
· Idosos com idades compreendidas entre os 65 e os 75 anos;
· Idosos com DCL, com comprometimento da memória (critérios de Petersen
et al., 2004);
· Idosos sem diagnóstico clínico de depressão ou outra patologia de
foro mental.
A duração do programa é de 8 semanas, sendo realizada uma sessão em grupo por
semana para os utentes, com duração de 90 minutos. Os grupos de participantes
serão constituídos no máximo por 10 elementos.
O programa engloba a família/cuidadores, com duas sessões de grupo, a realizar
na segunda e sexta semana, com duração de 60 minutos/cada. Nestas sessões, os
objetivos são:
· Informar sobre DCL e sobre estratégias de compensação a utilizar no
quotidiano;
· Dar apoio emocional;
· Discutir aspetos relevantes para a família/cuidadores;
· Esclarecer dúvidas.
Para atingir estes objetivos, as sessões de grupo com os familiares/cuidadores
centram-se na transmissão de informação, na partilha em grupo, no reforço e no
treino de estratégias.
APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS SOBRE O PROGRAMA
A primeira parte do questionário visava a caracterização sociodemográfica dos
peritos. Estes são maioritariamente do sexo feminino, casados ou solteiros,
enfermeiros de saúde mental e psiquiatria, com experiência profissional com
idosos com défice cognitivo entre 6 a 10 anos, atuando principalmente em
cuidados de saúde primários, na região Norte do país.
O resumo da caracterização sociodemográfica dos peritos consta no quadro 3.
Quadro 3 - Resumo da caracterização sociodemográfica do grupo de peritos
Na segunda parte do questionário propunha-se ao grupo de peritos assinalar a
sua concordância relativamente aos objetivos e procedimentos delineados para
cada uma das sessões do programa, através de uma escala tipo Likert, composta
por cinco níveis, desde o discordo totalmente até ao concordo totalmente.
Os níveis de consenso obtidos relativamente aos aspetos gerais do programa
constam no quadro 4.
Quadro 4 - Níveis de consenso obtidos nos aspetos gerais do programa proposto
Neste artigo apresentam-se apenas os pontos principiais de cada uma das sessões
do programa de intervenção na memória proposto.
No quadro 5 constam os procedimentos essenciais do 1ºcontacto com os idosos e
suas famílias, da 1ª e 2ª sessões de grupo com os idosos e da 1ª sessão com os
familiares. Nestas sessões utiliza-se maioritariamente a terapia por
reminiscências e a transmissão de informação.
Quadro 5 - Principais aspetos que integram o programa de intervenção na memória
para idosos com DCL e consensos obtidos pelo grupo de peritos (1ºcontacto; 1ª e
2ª sessões de grupo com os idosos e 1ª sessão com os familiares)
No quadro 6 constam os procedimentos essenciais da 3ª, 4ª, 5ª e 6ª sessão de
grupo com os idosos e da 2ª sessão com os familiares. Estas sessões centram-se
no ensino e treino de estratégias de compensação de memória.
Quadro 6 - Principais aspetos que integram o programa de intervenção na memória
para idosos com DCL e consensos obtidos pelo grupo de peritos (3ª, 4ª, 5ª e 6ª
sessões de grupo com os idosos e 2ª sessão com os familiares)
No quadro 7 constam os procedimentos essenciais da 7ª e 8ª sessões de grupo com
os idosos, do contacto final e do follow-up. Nestas sessões o foco é a promoção
da orientação temporal e o reforço de estratégias.
Quadro 7 - Principais aspetos que integram o programa de intervenção na memória
para idosos com DCL e consensos obtidos pelo grupo de peritos (7ª e 8ª sessões
de grupo com os idosos, contacto final e follow-up)
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O programa proposto reuniu concordância positiva por parte do grupo de peritos
logo na primeira volta da técnica de Delphi, assim todos os itens que o
constituem foram aprovados pelo grupo de peritos. Contudo existem alguns
aspetos que geraram mais controvérsia e que podem ser analisados.
Em primeiro lugar, apesar da duração e constituição do programa ter reunido um
consenso moderado por parte dos peritos, não existe consenso na literatura
sobre o tema. Os estudos realizados apresentam uma grande variedade de
amplitude, com duração de três semanas a um ano, variando de acordo com a
tipologia do programa e com as técnicas utilizadas, sendo que esta
diversificação está também relacionada com os objetivos estabelecidos para os
programas. Na revisão bibliográfica efetuada para este trabalho, os cinco
estudos experimentais utilizados (Talassi et al., 2007; Greenaway, Hancnda,
Lepore & Smith, 2008; Troyer et al., 2008; Kurz, Ramsenthaler & Sorg,
2009; Jean et al., 2010) apresentam uma média de duração dos programas de 10
semanas, sendo realizadas desde sessões únicas a 5 sessões por semana,
dependendo da durabilidade do programa. Na revisão sistemática (Simon e
Ribeiro, 2011), a média de duração dos programas foi de 11,5 semanas. Metade
dos estudos apresenta programas de 8 semanas, ocorrendo entre 4 a 12 sessões
durante o programa. Nos estudos avaliados, a duração das sessões varia de 40 a
120 minutos, sendo que a sua média de duração é de 72 minutos. Apesar de
concordarem com a tipologia do programa proposto, o grupo de peritos sugeriu
que se aumentasse o tempo de realização do programa para o mínimo de 4 meses e
que se realizassem mais sessões de grupo e com uma duração mais curta.
Relativamente aos momentos de avaliação, os testes utilizados vão de encontro
aos achados bibliográficos e o grupo de peritos demonstra concordância positiva
relativamente a eles. O especto mas controverso foi o timing do follow-up, 3
meses, que apesar de ser o período de tempo que surge mais vezes citado na
revisão bibliográfica, os peritos referem que uma avaliação mais estreita no
tempo seria mais vantajosa.
Relativamente aos objetivos e intervenções propostas ao longo do programa, as
que suscitaram mais discussão entre os peritos foram as relacionadas com o
informar sobre o DCL e as suas implicações no quotidiano, reunindo uma
concordância positiva de 89,66% (consenso moderado). O propósito desta
intervenção é levar os participantes a refletir sobre a sua condição e sobre as
dificuldades que sentem no quotidiano, promovendo assim a consciencialização e
a partilha das dificuldades com os elementos do grupo. Alguns autores propõem
uma abordagem teórica nos seus estudos, como é o caso de Kurz, Pohl,
Ramsenthaler e Sorg (2009) que propõem um programa de reabilitação cognitiva
para o DCL com várias componentes, inclusivamente abordam aspetos de educação
para a saúde e de informação clínica. Estes autores concluíram que um programa
de reabilitação cognitiva multivariado acarreta melhorias para as atividades de
vida diária, para o humor e para as habilidades cognitivas de pessoas com DCL.
Também Troyer et al. (2008) propõem um programa de intervenção na memória para
indivíduos com DCL, no qual integram aspetos informativos que vão desde a
nutrição às estratégias de compensação de memória e como principais resultados
verificaram que os indivíduos do grupo experimental demonstraram melhores
conhecimentos e maior utilização das estratégias de memória, tanto no
laboratório, como no quotidiano, comparativamente ao grupo controlo. Apesar da
mudança de comportamentos ser difícil, nomeadamente na área da saúde, os
autores atribuem o sucesso do seu programa à abordagem teórica que realizaram.
Como se constata, dar informação aos participantes pode ser uma mais-valia para
a eficácia de um programa de intervenção na cognição, pelo que, o que se
pretende no programa proposto neste trabalho é informar sobre o DCL de uma
forma simplificada, explicando aos participantes o que se está a passar com
eles, desmistificando o problema e explicando a importância dos exercícios de
treino da memória e da implementação de estratégias de compensação da memória
no dia-a-dia. Com esta vertente orientadora pretende-se aumentar a motivação e
a adesão dos participantes através da informação. Neste programa propõe-se um
documento informativo para entregar aos participantes e aos familiares/
cuidadores, que explica de forma simples e global o que é a memória, o que é o
DCL, quais os seus possíveis fatores de risco e quais as possibilidades de
intervenção. O principal objetivo ao fornecer este material é informar através
de um suporte de fácil leitura e com uma linguagem clara e direta.
A aprendizagem e o treino de estratégias de memória integram vários programas
de intervenção na cognição. Exemplos disso são o estudo de Troyer et al.
(2008), onde os autores fornecem aos participantes uma visão geral sobre as
estratégias de memória e instroem sobre a realização de um "livro de memória";
e o estudo de Greenaway et al. (2008), cujo estudo visava desenvolver e treinar
o uso de um sistema compensatório de memória. Atendendo a que o programa
proposto neste trabalho se centra na memória é indiscutível o papel relevante
que as estratégias de compensação assumem. Assim, das 8 sessões de grupo
propostas, 4 são dedicadas a esta temática (3ª, 4ª, 5ª e 8ª sessões). Estas
intervenções reuniram um consenso forte pelo grupo de peritos, resultados que
são conducentes com os dados da bibliografia, onde é afirmado que a intervenção
na memória implica o desenvolvimento de habilidades e estratégias específicas,
que raramente são utilizadas de forma espontânea, necessitando de treino. O
objetivo do treino de estratégias é melhorar o desempenho diário e, com os
idosos, não só é necessário treinar essas novas técnicas, mas também
demonstrar-lhes que estas trazem resultados positivos para a sua performance,
daí a importância da incorporação de sessões de treino de estratégias nos
programas de treino de memória.
Um aspeto fundamental nos programas de intervenção na cognição é o envolvimento
da família/cuidadores. Na revisão da literatura não há consenso sobre qual o
timing e duração ideal para a intervenção junto dos familiares. Neste programa
propõe-se a realização de duas sessões para os familiares, com duração de 60
minutos cada, na segunda e sexta semana do programa. Esta proposta reuniu um
consenso moderado (79,31%) por parte do grupo de peritos, que referem ainda que
a realização de mais sessões para a família/cuidadores de forma a aumentar a
sua interação ao longo do programa.
As intervenções sugeridas passam por: abordar o tema DCL, obter o feedback
sobre o material didático que os seus familiares levaram para casa no final da
última sessão, discutir em grupo quais os sinais/sintomas que os seus
familiares apresentam e de que forma influenciam o quotidiano da família,
informar sobre estilos de vida e gestão do regime terapêutico, abordar os
défices de memória e como influenciam o dia-a-dia dos seus familiares,
apresentar de estratégias de compensação para os défices de memória (listas,
mnemónicas, agendas, alarmes, diários, etc.) e incentivar a partilha de
sentimentos entre o grupo de familiares.
Para facilitar esta integração familiar no processo de reabilitação é fornecido
aos familiares/cuidadores uma lista com estratégias externas e internas de
compensação da memória e um quadro de registo semanal, para puderem assinalar e
comentar a sua utilização. Sendo que a tarefa de casa proposta para os
familiares passa exatamente por executar diariamente uma das estratégias de
memória e apontar no quadro de registo. Na segunda sessão, além de se obter o
feedback sobre a implementação das estratégias utilizadas, realiza-se o reforço
das estratégias de compensação da memória e a partilha de experiências.
O envolvimento da família/cuidadores é um fator fundamental para o êxito da
intervenção na cognição. Intervenções de suporte para a família/cuidadores tem
vários benefícios, entre os quais reduzir sintomatologia psiquiátrica, melhorar
a qualidade de vida do familiar e do idoso, alterar a estrutura familiar de
forma a fortalecer vínculos e a promover a adaptação ao problema (Santos, Moura
e Haase, 2008). Assim, "a associação de intervenções para os idosos e para os
seus cuidadores é mais promissora que intervenções isoladas" (Claire cit. por
Idem, p. 26).
CONCLUSÕES
Na sua generalidade o programa apresentado reuniu consenso forte pelos peritos,
de tal modo que não foi necessário realizar a segunda ronda do questionário,
pois todos os itens abordados apresentaram uma concordância positiva acima dos
70%.
As intervenções de treino de estratégias de compensação de memória e a inclusão
da família/cuidadores são os pontos que reuniram consenso forte pelos peritos
(93,10% a 100,00%). Os pontos que suscitam mais discussão são o informar sobre
o DCL e a tipologia do programa, que reuniram consenso moderado por parte dos
peritos (de 72,42% a 89,66%).
O programa de intervenção na memória resultante deste estudo apresenta
vantagens para a prática clínica dos profissionais que trabalham com idosos com
DCL e que se encontram em diferentes contextos, como os lares, a geriatria, a
psiquiatria, mas principalmente na comunidade, ou seja, sob a vigilância dos
cuidados de saúde primários. Este programa:
· Pode ser aplicado em diferentes contextos.
· Reúne estratégias e intervenções de vários programas e de diferentes
autores.
· Pode ser aplicado por qualquer profissional de saúde com formação na
área.
· Pode servir como linha orientadora para o desenvolvimento de outros
estudos.
· É um programa simples, económico e de fácil aplicação, independentemente
dos meios disponíveis.
· Por ser pouco rígido pode ser adaptado ao contexto e aos participantes.
Após a conceção deste programa, é de máxima importância divulga-lo e
implementa-lo de modo a aferir na prática a sua utilidade e validade clínica.