Quedas em idosos com perturbações mentais residentes em unidade de saúde de
longa duração
Introdução
A população europeia envelhece e embora não sendo uniformemente, o índice de
envelhecimento na União Europeia (27 países), em 2011 o valor médio foi de 113,
variando entre 154,9 (Alemanha) a 54,6 (Islândia) segundo os indicadores de
2011 (Pordata, 2013).
A maior longevidade predispõe à morbilidade, coexistindo várias entidades numa
pessoa: a pluripatologia. De entre as situações, destacam-se as doenças do foro
mental, as cárdio cérebro vasculares, as oncológicas, as articulares doenças
crónicas e incapacitantes que obrigam à polimedicação, estratégia não isenta de
riscos. As repercussões da restrição da mobilidade e da dependência física e
mental inauguram o ciclo da fragilidade, sendo que essas pessoas ficam mais
sujeitas a episódios de queda não intencional (Gilbert et al., 2012).
A prevalência de queda varia entre os países, assumindo valores de 28% a 35%
nos indivíduos com mais de 65 anos e valores entre 32% a 42% nos que têm mais
de 70 anos (WHO, 2007). Nos grupos que vivem em residências de longo termo, a
prevalência vai de 30% a 50%. No entanto, muitas vezes a incidência de queda é
avaliada a partir da assistência hospitalar e negligenciada nas outras
situações (Gilbert et al., 2012) seja por falta de controlo institucional seja
porque os idosos não a reportam por esquecimento. Há autores que apontam a
maior incidência nas mulheres (Morris, 2007) mas outros nos homens por causa da
maior co morbilidade (WHO, 2007). A causa é multifatorial, com fatores
intrínsecos ou extrínsecos que atuam sinergicamente ou, como na classificação
da Organização Mundial de Saúde (WHO, 2007), fatores biológicos (idade, sexo,
doenças crónicas, declínio nas capacidades física, cognitiva e afetiva);
comportamentais (polimedicação, falta de exercício, calçado inadequado e abuso
de álcool); ambientais (edifícios em mau estado; pisos e escadas irregulares;
falta de varões de apoio, e iluminação deficiente) e socioeconómicos (baixo
rendimento; más condições habitacionais; falta de interação social, acesso
limitado aos serviços de saúde e sociais, precários recursos da comunidade). A
limitação física e a necessidade de consumir medicação psicotrópica elevam o
risco de queda (Carter, Kannus & Khan, 2001; Chan et al., 2013; Lavsa et
al., 2010; Quach, Yang, Berry & Newton, 2013) e levam à repetição das
mesmas. As pessoas com alterações cognitivas (Pitkälä, Savikko, Poysti,
Strandberg, Laakkonen, Marja-Liisa, 2013), de balanço corporal e do equilíbrio
têm o risco acrescido (Chen, Van Nguyen, Shen & Chan, 2011) que ganha
expressão no pior desempenho das AVDs. A marcha lentificada também se associa
às quedas. Num estudo sobre fatores de risco de queda em doentes psiquiátricos
com grupo de controlo, Chan e outros (2013) verificaram diferenças
estatisticamente significativas nos grupos, sendo pior nos: mais idosos; nos
com co morbilidade, nos desorientados, nos com alterações de consciência e com
restrição da mobilidade. Acresce-se o que Lavsa e outros constataram de que a
polimedicação era um fator de risco embora não a idade, o sexo e a doença
(Lavsa et al., 2010).
As consequências das quedas verificam-se a nível físico, emocional e funcional,
podendo levar à morte, mas também têm elevado peso socioeconómico (Gilbert et
al., 2012; WHO, 2007) e altos custos assistenciais (Gama, Conesa e Ferreira,
2008; Gates, Fisher, Cooke, Carter & Lamb, 2008) pelo que se repercute na
qualidade de vida. Por isso, impõe-se a prevenção de quedas como melhor
estratégia (Moyer, 2012) com abordagem multifatorial e multidisciplinar, com
avaliação regular e sistemática que inclua o trabalho postural estático e
dinâmico, o reforço muscular adaptado a cada pessoa, o ensino e orientação
sobre técnicas de segurança e estilos de vida e a mobilização dos fatores
ambientais e socioeconómicos (Gilbertet al., 2012)
No entanto, ser mais vulnerável e viver numa instituição obriga a que se
organize o trabalho daqueles que cuidam, de modo a proporcionar contactos de
qualidade na área afetiva e da socialização (Mallidou, Cummings, Schalm &
Estabrooks, 2013; Beauchet, Dubost, Revel-delhom, Berrut & Belmin, 2010),
suavizando a intervenção instrumental. O enquadramento apresentado justifica
que se queira conhecer os fatores associados ao risco de queda assim como
determinar a sua prevalência nas pessoas institucionalizadas com alterações
mentais.
Metodologia
População
São 80 pessoas idosas com perturbação mental (universo/amostra), residentes
numa USLD de um hospital do Centro de França. É um estudo transversal,
descritivo e correlacional.
Instrumento de colheita de dados
Seguiu-se um guião composto por ficha com dados sociodemográficos; Escala Aggir
para a dependência/ independência; avaliação do estado mental (atenção,
coerência; comportamento adequado, orientação espacial e temporal); presença de
doença; número de medicamentos; ocorrência de queda e instituição de medidas de
segurança. A variável em estudo é a prevalência de queda das pessoas idosas com
perturbação mental, verificada através do registo escrito do acontecimento. A
grelha Aggir (autonomie, gérontológique, groupes iso-ressources) (Robbins,
2008) avalia as capacidades da pessoa idosa na realização das atividades
físicas, mentais, domésticas e sociais. A pontuação obtida classifica a
dependência em 6 grupos a que corresponde um determinado nível de cuidados para
satisfazer os atos essenciais da vida quotidiana. Os graus de dependência do
Aggir vão de 1 a 6, ou seja, do pior nível para a independência (6).
Procedimentos
Os dados foram colhidos seguindo o guião, por enfermeiros previamente
preparados. O estudo decorreu no ano de 2012 e não foram alteradas as rotinas
diárias de prestação de cuidados. Respeitaram-se os princípios éticos que
norteiam a investigação com pessoas.
O tratamento estatístico é descritivo e correlacional com modelos de análise
categórica (Pestana e Gageiro, 2009; Pestana e Gageiro, 2008).
Resultados
É uma população envelhecida onde a maioria é: mulher 76,3%; viúva 62,5%. A
média de idade é 83,05 anos e 50% tem entre 76 e 90,5 anos. A prevalência das
quedas é 25% e não varia nem com a idade nem com o sexo. Os quadros ilustram os
resultados. Apesar do risco de queda ser 7% maior nas mulheres, as diferenças
não são estatisticamente significativas, para o sexo nem para estado civil. Em
relação à antiga atividade profissional, a maioria foi doméstica e os menos
representados foram agricultores. As quedas variam significativamente com as
profissões e com o sexo. Conforme teste Rácio da Verosimilhança (LR): quem
menos cai são os homens que outrora pertenceram aos quadros técnicos e os que
fizeram parte dos agricultores. Quem mais cai são as mulheres domésticas
(Quadro_nº_1).
Quanto ao número de medicamentos prescritos e os episódios de queda verifica-se
com uma confiança de 95% que os residentes têm uma média de 7,5 a 9,2
medicamentos prescritos. Observa-se que os residentes que têm mais episódios de
queda tomam em média menos 0,6 medicamentos do que os que não caem, embora essa
diferença não seja estatisticamente significativa. Esta conclusão é igual para
ambos os sexos.
Sobre as doenças psicológicas, psiquiátricas e neurológicas de que padecem
verifica-se que a maioria não tem doença psicológica nem psiquiátrica (82,5%)
embora haja 17,5% que sugere a sua presença nos registos clínicos. Na
influência da doença psiquiátrica nos episódios de queda, encontram-se
diferenças, sendo que quem tem a doença tem um risco de cair 1,69 vezes
superior. A distribuição das doenças neurológicas indica que 45% (Mantel
Haenszel Common odds ratio, (p=0.052) é afetada por este tipo de doenças e que
as mulheres com este diagnóstico têm o risco de cair 1,3 vezes mais (Quadro_nº
2)
Na análise do estado mental (atenção, coerência do discurso, adequação do
comportamento, orientação espacial e temporal) constata-se que a maioria,
47,5%, tem atenção captável e que a atenção varia na razão inversa das quedas.
Os que têm atenção não captável, 22,5%, caem 4,2 vezes mais do que aqueles cuja
atenção se pode captar e 1,27 vezes mais do que aqueles que por alguns momentos
conseguimos a sua atenção (30%). E aqueles cuja atenção se pode captar por
alguns momentos caem 3,3 vezes mais do que aqueles cuja atenção está preservada
na plenitude.
A maioria dos residentes, 52,5%, não tem um discurso coerente e existe forte
associação com as quedas. Aqueles que têm sempre coerência do discurso, 32,5%,
ou que têm pelo menos alguma coerência, 15%, são os que têm menor número de
quedas, não se distinguindo entre si. Apenas os que não têm coerência do
discurso, 52,5%, têm um risco de queda 7,4 vezes superiores aos restantes.
Já no que se refere à adequação de comportamento, a maioria dos residentes,
48,8%, não o tem e existe forte associação entre o comportamento desadequado e
os episódios de queda. Apenas os que têm comportamento desadequado, 48,8%, têm
um risco de queda 7,8 vezes superior aos restantes. Os que têm sempre
comportamento adequado, 33,8%, ou pelo menos algumas vezes adequado, 17,5%, são
os que têm menor número de quedas, não se distinguindo entre si.
Em relação à orientação espacial, a maioria, 52%, tem desorientação, sendo que
se associa fortemente com as quedas. Os que não estão orientados espacialmente,
52%, têm um risco de cair 4,8 vezes superior aos restantes e, aqueles que têm
sempre, 43,8%, ou têm pelo menos algumas vezes orientação em relação ao espaço,
3,8%, são aqueles que têm menos número de quedas, não se distinguindo entre si.
O mesmo se passa com a variável orientação temporal em que a maioria, 53,8%,
não está orientada. A associação é forte entre a orientação temporal e as
quedas. Os que não têm orientação temporal, 53,8%, têm um risco de queda 6,5
vezes superior aos outros. Quem tem sempre orientação temporal, 53,8%, ou tem
alguma vez ,16,3% são os que caem menos, não se distinguindo entre si.
Assim, em relação ao estado mental observa-se que a orientação preservada, a
coerência do discurso, o comportamento adequado a orientação espacial e
temporal estão menos associados ao risco de cair do que os seus opostos (Quadro
nº_3).
As doenças existem, embora com baixa prevalência, realçando-se as
cardiovasculares, metabólicas e músculo-esqueléticas, embora não tenham
influência nas quedas.
O grau de dependência prediz o risco de queda, sendo que a escala Aggir sugere
que todas as variáveis que a compõem são entendidas como medindo o mesmo
conceito, conforme consistência interna de alfa de Cronbach =0,937. As oito
variáveis podem ser resumidas com qualidade num único índice que explica 70,9%
da informação dessas variáveis que a integram. Embora se observem dois
comportamentos: quem menos cai (os mais autónomos) são os que têm valores mais
elevados nas dimensões do vestir, deslocar-se ao exterior e eliminação
urinária. Quem mais cai (os menos autónomos) são os que têm valores mais baixos
nas dimensões de comer e de deslocar-se no interior. Estas diferenças não são
significativas nem com as quedas nem com o sexo.
Em relação aos aspetos instrumentais, verifica-se que a maioria (80%) não se
serve de um alimento ou da travessa na mesa e que quem não se serve tem um
risco de cair 1,27 vezes superior ao dos que são capazes de fazê-lo, qualquer
que seja o sexo.
Embora a USLD não avalie o risco para a primeira queda, a maioria dos
residentes tem medidas acrescidas de proteção das quedas depois de ter tido o
primeiro episódio. Verifica-se que quem tem medidas de segurança tem 1,24 mais
quedas registadas do que os que não têm essas medidas, sejam homens ou
mulheres.
Discussão
A população é muito idosa e a maioria dependente e com perturbação mental.
Estas características, associadas ao tipo de residência, atestam a sua
fragilidade e vulnerabilidade para cair. As doenças crónicas de evolução lenta
estão presentes com maiores registos na doença neurológica, em aproximadamente
metade da população e nas psiquiátricas e psicológicas em número inferior. As
situações têm relação com as alterações mostradas na coerência do discurso, no
comportamento e na orientação temporo espacial, sendo menos frequente a
perturbação da atenção. As variações ao nível da atenção normalmente estão
associadas a condições cerebrais patológicas que têm implicações na consciência
de si, interferindo no modo de perceber a realidade e de poder agir sobre ela
com consciência e cidadania. Tais condições são comuns nas doenças
cerebrovasculares e têm grande implicação na aprendizagem e na velocidade de
processamento da informação.
Verifica-se no presente estudo um elevado consumo de medicamentos tal como
verificado por outros autores. Contudo, ao contrário do que seria de esperar,
quem cai mais toma menos medicamentos embora a diferença não seja
significativa. Pode acontecer que quem toma menos medicação se mobilize mais e
esse seja o risco associado, o que vai de encontro ao que Carter e
colaboradores referem quando afirmam que a limitação física associada à
medicação psicotrópica eleva o risco de queda (Carter, et al2001). Acresce-se
que o tipo de medicação, psicotrópicos, cardiotónicos e analgésicos estão
associados a quedas e neste estudo o consumo médio de medicação é elevado,
ultrapassando as médias sugeridas noutros estudos (8,8).
A prevalência de queda é elevada (25%) e embora abaixo dos valores propostos
pela OMS (WHO, 2007), pode estar-se face a uma situação de subnotificação, já
apontada por diversos autores (Gilbert, et al, 2012).
As mulheres têm apresentado, noutros estudos, mais elevada prevalência de
queda (Morris, 2007); neste, não se encontrou a diferença, embora os homens que
foram quadros técnicos ou agricultores tenham risco menor de cair. Os fatores
de risco comportamentais mostram-se nas funções cognitivas deficitárias, que
podem acompanhar as doenças cerebrovasculares e afetar todas as áreas do
comportamento, inclusive, diretamente, o funcionamento cognitivo, o que
compromete as estratégias de aproximação, planeamento, desenvolvimento de
atividades cognitivas entre outras, situação verificada neste estudo
(Nagamatsu, Munkacsy, Liu-Ambrose & Handy, 2013). A vida social fica
alterada quando há compromisso das funções executivas predispondo ao isolamento
social. Constata-se o papel fundamental destas funções no risco de queda e a
fornecerem evidência de que lesões do hemisfério direito podem potenciar aquele
risco (Nagamatsu et al., 2013). O declínio da capacidade mental, nas diferentes
dimensões, tem subjacentes as patologias referidas e presentes em maioria nesta
investigação.
O padrão de fatores de risco sugere uma complexa interação de fatores pessoais
e comportamentais nas quedas dos idosos com doenças mentais, sendo que são
recomendadas pesquisas sobre o desenvolvimento de procedimentos de triagem
multifatoriais e intervenções adaptadas individualmente para evitar a queda
(Enkelaar, Smulders, van Schrojenstein Lantman-de Valk, Weerdesteyn &
Geurts, 2013). No mesmo sentido aponta Chen, o que se partilha, de que a
monitorização do risco é uma estratégia proativa em vez de reativa, ainda mais
adequada quando há estudos que associam o aumento do risco para a queda às
dificuldades nas capacidades física e mental (Chen et al., 2011).
Conhece-se a poderosa associação entre a incapacidade funcional e a mortalidade
(Idland, Pettersen, Avlund & Bergland, 2013) e neste estudo o grau de
dependência prediz o risco de queda. Há um padrão hierárquico de declínio e
quem menos cai são os mais autónomos em atividades que exigem mais potencial e
o contrário também se verifica, isto é, os que caem mais têm mais limitações
nas atividades menos complexas. Assim, identifica-se um padrão hierárquico de
deterioração funcional (Idland, et al., 2013) e reconhece-se que aqueles que
ainda têm energia para uma caminhada, ainda que lentificada, estão em menor
risco, retardando em certa medida o círculo vicioso da redução da atividade
física, perda da função física e início da incapacidade.
Limitações do Estudo
A avaliação dos fatores de risco é limitada pelo que seria útil abranger os
fatores socioeconómicos e ambientais e medir de modo mais compreensivo o risco
de queda, incluindo o equilíbrio e a força. Apurar a medicação consumida
permitirá prever fatores específicos relacionados com os consumos
farmacológicos.
Conclusão
Os idosos com perturbação mental têm elevada prevalência de quedas e os fatores
de risco são múltiplos, requerendo abordagens complexas e multidimensionais na
prevenção.
Implicações para a Prática
Estabelecer programas de monitorização do risco de queda e controlar os
fatores, tem forte implicação para a prática, pode minorar os custos pessoais e
em geral da sociedade com reflexo na qualidade de vida das pessoas mais velhas
e institucionalizadas.