A saúde mental na parentalidade de filhos gémeos: revisão da literatura
Introdução
A família é uma unidade basilar na organização da sociedade e tem duas funções
fundamentais uma é a criação de um sentimento de pertença e a outra é
possibilitar que os seus elementos se desenvolvam e construam a sua
individualidade (Relvas e Lourenço, 2006)
Neste processo complexo e único, são vividas transições que acomodam processos
vitais, contínuos e descontínuos, do ser humano. A transição para a
parentalidade tem sido um dos grandes desafios colocados à família e às pessoas
que a constituem.
Alguns dos estudos centrados na vivência da transição, para e na parentalidade
sugerem que esta é vivida de modo diferente pelo homem e pela mulher, tem
implicações na conjugalidade e revela-se mais difícil do que o esperado,
mostrando-se como um elemento fundamental na saúde da família (Allborg &
Strandmark, 2001) apontando para a importância do casal ter conhecimento sobre
as mudanças que podem ocorrer na transição para a parentalidade.
A complexidade desta transição pode rodear-se ainda de circunstâncias que a
tornam mais diversa e exigente, tais como a parentalidade na gemelaridade.
Neste sentido centramos a nossa atenção na questão Que repercussões tem na
saúde mental dos pais o nascimento de gémeos?
Procurando dar resposta a esta nossa inquietação desenvolvemos uma pesquisa com
o intuito de conhecer os riscos para saúde mental dos pais na gemelaridade e
analisar os fatores psicossociais que influenciam a experiência parental na
gemelaridade.
Metodologia
Para a concretização dos nossos objetivos, procedemos a uma revisão sistemática
com considerando a formulação da pergunta; localização e seleção dos estudos;
avaliação crítica dos estudos considerando os participantes nesse estudo, o
problema de saúde em análise e resultados.
Para identificar os estudos relevantes utilizamos as bases de dados
referenciais:
ISI Webof Science-Science Citation Index Expanded (SCI-EXPANDED); Social
Sciences Citation Index (SSCI); Arts & Humanities Citation Index
(A&HCI) ; Conference Proceedings Citation Index - Science (CPCI-S);
Conference Proceedings Citation Index- Social Science & Humanities (CPCI-
SSH); Scopus database ' Subject Areas: Life Sciences; Health Sciences (100%
cobertura Medline); Physical Sciences; Social Sciences and Humanities.
Como descritores da pesquisa, definimos os seguintes tópicos:parenting, twins,
multiple birth, stress, mental health e depression. Considerando as
características específicas das bases de dados selecionadas na base de dados
SCOPUS, utilizamos os termos "parenting"AND"twins"ORmultiple
birthANDstressORmental healthORdepressionno KEYWORD+TITLE+ABSTRACT; na
base de dados WEB OF SCIENCE consideramos como tópicos de pesquisa
"parenting"AND"twins"OR multiple birth ANDstressOR mental health
ORdepressionem artigos, considerando a categoria geral - Ciências Sociais.
Como critérios de inclusão neste estudo consideramos:
a) Estudos primários publicados entre 2000 e 2012;
b) Que os artigos estivessem disponíveis nas bases de dados consultadas;
c) Que os participantes fossem famílias com filhos gémeos ou trigémeos
biológicos (não adotados);
d) Que a centralidade dos estudos se situe na vivência da parentalidade
pela família em situação de gemelaridade.
Consideramos, ainda, essencial que os estudos tenham confiabilidade e
relevância, pelo que a sua avaliação crítica foi suportada no MAStARI critical
apraisal tools(TheJoanna Briggs Institute, 2011).
Resultados e Discussão
Foram identificados 483 artigos (Scopus - 274 artigos, Web of Science-275 sendo
66 destes comuns às duas bases de dados referenciais), tendo-se procedido à
leitura dos respetivos resumos. Na etapa do processo de identificação dos
estudos, excluímos 16 artigos, porque não cumpriam o 1º critério de inclusão,
isto é, serem estudos primários; 51 artigos porque não cumpriam o 3º critério
de inclusão, ou seja, os participantes não são famílias com filhos gémeos e,
por último, 393 artigos não centram a problemática do estudo na vivência da
parentalidade na gemelaridade, focando os estudos nas práticas parentais, na
experiência e vivência de ser irmão gémeo e na influência da genética e do meio
nas pessoas, utilizando como população irmãos gémeos. Selecionamos assim 23
artigos, sendo que eliminamos oito deles porque não tivemos acesso ao texto
integral (2º critério de exclusão) redundando em 15 artigos. No que se reporta
à qualidade metodológica e face aos resultados obtidos (moderado e alto)
ponderamos pela inclusão da totalidade dos artigos. A apresentação é feita por
ordem cronológica da sua publicação (Quadro_1).
Partindo dos resultados acima mencionados propomo-nos fazer uma síntese e
análise dos dados que, em nosso entender, mais contribuíram para a compreensão
da problemática assim como a natureza dos estudos que a sustentaram. Deste
modo, procuramos avaliar até que ponto as variáveis dos estudos constituem
fatores de proteção e/ou de risco da parentalidade, com vista à
conceptualização de medidas dirigidas à implementação do bem-estar dos pais.
O bem ' estar subjetivo resulta de um sentimento positivo de felicidade face à
avaliação pessoal da qualidade de vida (medindo a perceção individual das suas
experiências, atendendo às suas características e traços pessoais. Trata-se,
pois, de um conceito amplo que usa como critérios a perceção pessoal de
sentimentos agradáveis e de um baixo nível de emoções negativas, que conduzem a
um balanço positivo de satisfação com a vida (Diener, 2002, cit. in Borges,
2010).
Segundo Borges (2010), o conceito de bem-estar procura transpor a qualidade da
relação do indivíduo com o contexto relacional, sendo um indicador do
funcionamento psicológico.
A multidimensionalidade do conceito tem sido objeto de estudo, salientando-se
duas dimensões: a afetiva e a cognitiva. A dimensão afetiva envolve a
perspetiva positiva e negativa experienciada, sendo a primeira associada a
emoções agradáveis (alegria, êxtase, entusiasmo, otimismo, felicidade) e a
segunda a emoções negativas (vergonha, culpa, tristeza, pessimismo) enquanto a
dimensão cognitiva alude aos processos de avaliação das experiências de vida
(Simões, et al., 2000, cit. in Borges, 2010).
Se os contextos forem favoráveis ao exercício da parentalidade, a função
parental poderá incrementar o sentido geracional, favorecendo não só os
sentimentos de bem-estar pessoal, mas também o bem-estar da geração futura.
As variáveis identificadas nos estudos focam-se em particular (Figura_1):
O bem-estar pessoal e o suporte do cônjuge no período pré-natal foram fatores
preditores do stresse parental nas mães de gémeos (Colpin, et al., 2000). A
melhor saúde mental nas mães, um ano após o nascimento dos gémeos, esteve
associada a baixos níveis de stresse, ansiedade no apego materno, adaptação
conjugal, ser mãe primeira vez e de gémeos de termo. (Olivennes, et al., 2005)
O suporte funcional (Lutz, et al., 2012), o suporte social e a atividade
profissional foram as variáveis com mais significado na experiência do stresse
materno (Baor & Soskolne, 2012).
O stresse parental foi sugerido como uma das principais causas de depressão
nestas mulheres (Choi, et al., 2009) e níveis clínicos de stresse materno foram
identificados em 41% da amostra de mães de gémeos (Baor & Soskolne, 2012),
neste sentido estudos insinuam que as mães de gémeos referem maior stresse
(Ellison & Hall, 2003; Glazebrook, et al., 2004; Olivennes, et al., 2005;
Golombok, et al., 2007; Lutz, et al., 2012) contudo os valores totais que
avaliam o stresse parental foram considerados anormalmente elevados em todas as
mulheres (Glazebrook, et al., 2004). As mães de gémeos apresentam ainda níveis
significativamente mais elevados de sintomas de depressão. (Ellison & Hall,
2003; Ellison, et al., 2005; Olivennes, et al., 2005; Sheard, et al., 2007;
Vilska, et al., 2009; Choi, et al., 2009).
Da análise comparativa utilizada em algumas das pesquisas foi considerada a
diferença entre grupos tendo em consideração: os diferentes tipos de conceções,
o número de nascimentos por gravidez e o tempo de gestação.
As mães de gémeos falam, mais frequentemente, de experiências difíceis
(Olivennes, et al., 2005; Sheard, et al., 2007) questionando-se sobre a
parentalidade e sobre as dúvidas que vão surgindo (Sheard, et al., 2007).
Sentem-se cansadas, revelando que as suas expetativas, relativamente à
maternidade eram diferentes, apresentando-se esta, como um trabalho mais duro e
com mais dificuldades do que imaginavam. Em consequência, experienciaram
sentimentos de stresse e/ou depressão, referindo também menos sentimentos de
prazer com os gémeos e menor desejo de ter mais filhos do que as mães de não
gémeos (Olivennes, et al., 2005). A qualidade de vida das mulheres diminui com
o nascimento de filhos múltiplos (Ellison, et al, 2005).
Quanto ao temperamento dos filhos as mulheres mães de gémeos têm a perceção que
estes têm um temperamento mais difícil do que as mulheres mães de não gémeos
(Taubman-Ben-Ari, et al., 2008) potenciando um aumento da vulnerabilidade
emocional materna (Sheard, et al., 2007).
Relativamente ao stresse parental, o bem-estar pessoal e o suporte do cônjuge,
percebido pelas mulheres, no último trimestre da gravidez de gémeos, são
preditores do menor stresse parental por elas experienciado, um ano após o
nascimento destes (Colpin, et al., 2000).
Ao nível da gestão diária, a sobrecarga de trabalho na realização repetitiva de
rotinas familiares e a consequente privação de horas de sono, são alguns dos
fatores stressores identificados. Outro fator que pode funcionar como stressor
é a existência anterior de outros filhos, pelo acréscimo e diversidade de
necessidades familiares que esse fato representa (Ellison & Hall, 2003).
A percentagem de mulheres de famílias de gémeos com trabalho remunerado é
inferior comparativamente a outras mulheres que foram mães. Muitas mulheres têm
que desistir da sua profissão e carreira e se algumas mães percebem esta opção
como uma oportunidade, outras sentem que, ao abdicaram da sua profissão e
carreira, perdem parte da sua identidade e independência, (Ellison & Hall,
2003) podendo este facto influenciar a saúde mental da mulher (Glazebrook, et
al., 2004).
Conclusão
De acordo com Colpin, et al. (2000) os casais que esperam gémeos necessitam de
informação específica e de suporte, no sentido de os preparar para o cuidar de
gémeos, sugerindo aconselhamento e orientação pré-natal. Dão enfase, ainda, à
importância das mães de gémeos poderem dispor da possibilidade de discutir as
suas experiências pessoais e sentimentos com os profissionais. Ter consciência
das dificuldades vividas por estes pais, assim como as estratégias a adotar, é
determinante para a eficácia dos cuidados.
Implicações para a Prática Clínica
O conhecimento nesta área possibilita oferecer suporte adequado e direccionado
às necessidades identificadas nestas famílias sustentando uma prática
fundamentada em conhecimento científico.