Literacia em saúde: Resultados obtidos a partir de uma amostra de pessoas
idosas portuguesas
Introdução
De acordo com a definição desenvolvida em 2012 pelo European Health Literacy
Consortium (WHO, 2013), a literacia em saúde está ligada à literacia e capacita
as pessoas de conhecimentos, motivação e competências para aceder, compreender,
avaliar e mobilizar informações relativas à saúde, a fim de fazerem julgamentos
e tomarem decisões na sua vida quotidiana relativos a cuidados de saúde,
prevenção de doenças e promoção da saúde para manter ou melhorar a qualidade de
vida ao longo do ciclo vital. Uma inadequada literacia em saúde tem, como é
óbvio, implicações várias na receção de cuidados de saúde, na medida em que os
pacientes necessitam de saber ler rótulos medicinais, receitas e apontamentos
médicos, entender instruções de autocuidados de saúde, etc., o que é motivo
suficiente para associar baixa literacia em saúde com um pior nível de saúde
(Speros, 2005). Além disso, tem-se também verificado que uma inadequada
literacia em saúde se relaciona com um pior estado de saúde geral, físico e
mental (Speros, 2005; Wolf, Gazmararian, & Baker, 2005).
Os estudos desenvolvidos apontam que a prevalência de baixa literacia em saúde
parece ser maior na população idosa, em indivíduos com baixo status social,
baixo nível educacional e baixos recursos financeiros, bem como em pacientes
com doenças crónicas e em doentes que recorrem aos serviços de saúde públicos
(Manafo, & Wong, 2012; Schillinger et al., 2002; Speros, 2005; Sudore et
al., 2006; WHO, 2013)
Relativamente às pessoas com mais de 65 anos, o estudo de Wolf et al. (2005)
concluiu uma relação entre grau de literacia em saúde e função física e saúde
mental. Ou seja, níveis mais baixos de literacia em saúde relacionam-se com uma
pior função física e saúde mental; uma maior probabilidade de reportarem
dificuldades em atividades instrumentais do quotidiano e atividades
quotidianas; uma maior limitação na atividade devido a uma saúde física
debilitada; menos realizações devido à frágil saúde física e um maior número de
relatos de dor que interfere com a atividade quotidiana. Também Kim (2009)
chegou a resultados semelhantes, concluindo que indivíduos com mais de 65 anos
que apresentavam uma inadequada literacia em saúde evidenciavam níveis
significativamente mais elevados de artrite e hipertensão, reportavam maiores
limitações na atividade diária e uma pior saúde subjetiva, bem como níveis mais
elevados de dor.
Relativamente a algumas variáveis demográficas, diversos estudos concluíram que
a literacia em saúde era marcadamente menor nos idosos com mais idade (Baker,
Gazmararian, Sudano, & Patterson, 2000) e menos escolarizados (Bennett,
Chen, Soroui, & White, 2009). Todavia, no que concerne ao sexo, não se
verifica concordância nos resultados obtidos em diferentes investigações,
revelando uns que os homens apresentam uma maior literacia em saúde (Jovic-
Vranes, Bjegovic-Mikanovic, & Marinkovic, 2009; Toçi et al., 2013),
enquanto outros revelam o contrário (Sudore et al., 2006; Von Wagner, Knight,
Steptoe, & Wardle, 2007).
Não se encontraram estudos que investigassem a variável estado civil.
No sentido de reverter esta situação, a Organização Mundial de Saúde (WHO,
2013) apela para a necessidade de se tomarem um conjunto de medidas sensíveis
ao sexo, à idade e às diferenças e diversidades educacionais e culturais (e.g.,
etnia, religião, língua e cultura de origem) das pessoas idosas.
Metodologia
O estudo, de carácter quantitativo, integrou uma amostra de 433 adultos com
mais de 65 anos de idade. Os participantes responderam ao Newest Vital Sign
(NVS, Copyright © Pfizer Inc.) instrumento desenvolvido por Weiss et al.
(2005), que avalia o grau de literacia em saúde.
Recorrendo a um rótulo nutricional de uma embalagem de gelado, o NVS contempla
seis questões de resposta fechada que implicam competências de literacia
variadas, incluindo competências de leitura e de matemática, nomeadamente a
consulta e interpretação da informação disponibilizada (ex., “Suponha que é
alérgico a (...). É seguro para si comer este gelado?”), assim como a
realização de inferências e de cálculos mentais (ex. “Se habitualmente consumir
2500 calorias por dia, qua percentagem desse valor é que estará a consumir se
comer uma porção de gelado?). As respostas são cotadas tendo por base critérios
específicos e pré-definidos. O total é obtido através da soma das respostas
corretas.
A aplicação do NVS decorreu individualmente, sendo possível fazê-lo de três
modos distintos: autoadministrado, em que, após a leitura das instruções, o
participante lia e preenchia o questionário sem qualquer ajuda (n=198; 46.2%);
assistido pelo observador, em que este lia as instruções e explicava o modo de
preenchimento do questionário, mas era o sujeito idoso que lia as questões e
assinalava as respostas (n=26; 6.1%); administrado pelo observador, em que este
lia as instruções, as questões e assinalava as respostas dadas pelo
participante (n=205; 47.8%).
A amostra integrou sujeitos caucasianos, com idades compreendidas entre os 65 e
os 97 anos de idade (M=76 anos; DP=7.30), sendo que 66% dos sujeitos são do
sexo feminino e 34% são do sexo masculino, oriundos do distrito do Porto. A
maioria é casada (42%), sendo os restantes viúvos (38%).
No que concerne às habilitações académicas, a maioria dos sujeitos tem, no
máximo, o 4.º ano de escolaridade (55%). Não obstante, observa-se uma
percentagem considerável de participantes com um curso superior (23%). As
profissões dos sujeitos anteriores à sua reforma eram bastante diversificadas,
compreendendo quadros superiores, técnicos e profissionais, assim como
agricultores e trabalhadores não qualificados. As profissões mais referenciadas
foram professor (10%), doméstica (9%), conserveira (3%), engenheiro (3%),
costureira (3%), empregada de limpeza (3%), comercial (2%) e agricultor (2%).
Resultados
Num primeiro momento apresentam-se os resultados descritivos no que concerne à
literacia em saúde, seguindo-se os resultados decorrentes das características
dos participantes.
Literacia em Saúde: Resultados Descritivos
As percentagens de respostas corretas são relativamente baixas, variando entre
os 18% (item 6) e os 31% (item 5). É ainda de evidenciar que a maioria dos
participantes elegeu não responder, oscilando as percentagens de não resposta
entre os 51% (item 1) e os 62% (item 4). De modo análogo, a média foi de 1.36
(DP = 1.96), revelando que os participantes em média acertaram uma resposta em
seis, pese embora o valor do desvio-padrão evidenciar bastante variabilidade.
Adicionalmente, podemos constatar que uma elevada percentagem de participantes
não conseguiu responder ou optou por não responder a nenhuma questão (58%),
enquanto apenas 7% respondeu corretamente a todas as questões. Verificamos
assim existirem níveis de literacia relativamente baixos entre os nossos
participantes.
Diferenças nos Níveis de Literacia em Saúde de Acordo com o Sexo
De seguida, procede-se à comparação entre os idosos do sexo feminino e do sexo
masculino no que diz respeito aos níveis médios de literacia em saúde. Foram
realizados testes t para amostras independentes a um nível de significância
estatística de 5%. Para além da significância estatística dos resultados
produzidos, recorremos à magnitude do tamanho do efeito verificado. Para tal,
foi calculado o coeficiente d de Cohen, que é baseado nas diferenças
estandardizadas de médias, sendo d = .20 considerado um efeito pequeno ou
modesto, d = .50 um efeito moderado e d = .80 um efeito importante (Cohen,
1992). Os resultados obtidos podem ser visualizados no Quadro_1.
No que diz respeito aos níveis médios de literacia em saúde, verifica-se que os
participantes do sexo masculino obtiveram notas médias mais elevadas do que os
participantes do sexo feminino, t(277.09) = 2.18, p < .05. Esta diferença foi
considerada estatisticamente significativa e o valor do coeficiente d de Cohen
de .17 indica um efeito pequeno. Estas diferenças desaparecem, no entanto,
quando excluímos os sujeitos com total insucesso na prova, que representam 58%
da amostra. Para os 108 sujeitos do sexo feminino e 74 sujeitos do sexo
masculino que têm pelo menos um sucesso no teste, as médias são próximas do
valor médio de 3, respetivamente, 3.19 e 3.31, não sendo a diferença
estatisticamente significativa, t(180) = 0.44, ns. De facto, as diferenças a
nível do género parecem residir na proporção de homens e mulheres com total
insucesso no teste: 50% nos primeiros e 62% nas segundas (cf. Figura_1). Um
teste de qui-quadrado parece indicar que estas proporções são estatisticamente
significativas, χ2(1) = 5.86, p =.016, pelo que se pode inferir que as mulheres
têm maior probabilidade de não responderem corretamente a nenhum item no teste.
Associações entre os Níveis de Literacia em Saúde e a Idade
De modo a conhecer a associação entre os níveis de literacia em saúde e a
idade, foi calculada a correlação de Pearson a um nível de significância
estatística de 5%. O coeficiente de correlação foi interpretado em termos do
tamanho do efeito, de acordo com as convenções de Cohen (1992): um r de .10 é
considerado pequeno (associação fraca), um r de .30 é considerado médio
(associação moderada) e um r de .50 é considerado grande (associação forte). A
associação encontrada foi negativa, média r = -.34, o que indica que os valores
das duas variáveis tendem a variar em sentido inverso, ou seja, os níveis de
literacia tendem a ser mais baixos com o avanço da idade.
Diferenças nos Níveis de Literacia em Saúde de acordo com o Nível de
Escolaridade
Com o intuito de examinar o efeito do nível de escolaridade dos inquiridos nos
níveis de literacia em saúde, tendo verificado que os dados não cumpriam os
requisitos exigidos pela análise de variância, nomeadamente no que concerne à
homogeneidade de variância, recorreu-se às análises não paramétricas,
especificamente ao teste de Kruskal-Wallis, a um nível de significância
estatística .05. Para identificar diferenças específicas entre os grupos,
conduzimos testes de Mann-Whitney, a um nível de significância estatística
.0083, após a correção de Bonferroni. Recorremos aos quatro níveis criados para
descrever a escolaridade dos inquiridos (nível 1 = até ao 4.º ano de
escolaridade; nível 2 = entre o 5.º e 9.º anos de escolaridade; nível 3 =
ensino secundário e nível 4 = ensino superior). Os resultados obtidos podem ser
visualizados no Quadro_2.
Como se pode constatar, foi encontrado um efeito estatisticamente
significativo, indiciando existirem diferenças entre os vários grupos de
sujeitos, H(3) = 175.22, p < .001. As análises Mann-Whitney permitiram
verificar que os indivíduos com o 1.º CEB (até 4 anos de escolaridade)
apresentaram resultados mais baixos do que todos os outros grupos, U = 5171.50,
p < .001, U = 1184.00, p < .001, U = 2864.50, p < .001. Da mesma forma, os
indivíduos com o 2.º ou 3.º CEB apresentaram resultados mais baixos do que os
grupos de sujeitos com o ensino secundário e o ensino universitário,
respetivamente, U = 520.00, p < .001 e U = 1212.50, p < .001. Não se
verificaram diferenças nas médias entre os indivíduos com ensino secundário e
ensino superior, U = 1292.50, p = .067. Assim, e como seria de esperar,
verifica-se que o nível de escolaridade tem um papel determinante nos níveis
médios de literacia em saúde.
Diferenças nos Níveis de Literacia em Saúde de acordo com o Estado Civil
De modo a analisar o efeito do estado civil nos níveis de literacia em saúde,
consideraram-se as diferenças entre os indivíduos casados (n = 185) e os viúvos
(n = 166). Os idosos solteiros (n = 37), em união de facto (n = 7), separados
(n = 8) e divorciados (n = 29) foram excluídos das análises dado o número
reduzido com que surgiram nesta amostra. Foram realizados testes t para
amostras independentes a um nível de significância estatística de 5%. Os
resultados obtidos podem ser visualizados no Quadro_3.
Os indivíduos casados tendem a obter valores médios de literacia em saúde mais
elevados do que os viúvos, t(319.3) = 6.49, p < .05. O valor do coeficiente d
de Cohen de 0.68 indica um efeito moderado. Contudo, os grupos diferem também
relativamente à idade, apresentando o grupo dos indivíduos viúvos uma média de
idade mais elevada, M = 79.86 , DP = 6.23, quando comparados com os sujeitos
casados, M = 73.77, DP = 6.80, t(349) = -8.74, p < .05. Assim, procedemos
novamente à comparação entre os dois grupos, controlando a idade. Os resultados
mostraram que as diferenças entre os grupos se mantinham, mesmo quando
controlada a idade, F(1, 348) = 16.30, p < .05. Assim, o estado civil parece
desempenhar um papel relevante nos níveis de literacia em saúde entre os
sujeitos destes dois grupos.
Discussão
Da análise dos resultados podemos referir que o grau de literacia em saúde
obtido foi de 1.37±1.98, o que evidencia uma inadequada literacia em saúde dos
sujeitos participantes neste estudo. Estes resultados são corroborados por
vários estudos (Speros, 2005; Sudore et al., 2006), legitimando a urgência de
um trabalho de investigação e de intervenção em profundidade.
No que diz respeito às variáveis sociodemográficas estudadas, verificámos
diferenças muito significativas de acordo com a idade, as habilitações
literárias e o sexo. As pessoas que têm menos idade assim como as que têm um
maior grau de escolaridade apresentam mais respostas certas, o que se assemelha
aos resultados obtidos noutras pesquisas internacionais (Baker et al., 2000;
Bennett et al., 2009). No que concerne ao sexo, os participantes do sexo
masculino obtiveram notas médias mais altas quando comparados com os do sexo
feminino. Nos estudos internacionais desenvolvidos, como referimos
anteriormente, não há concordância nos resultados obtidos. Naqueles em que os
homens apresentavam uma maior literacia em saúde, os autores associavam-na a
uma maior escolaridade das pessoas do sexo masculino neste grupo etário (Jovic-
Vranes et al., 2009); já naqueles em que as mulheres apresentavam resultados
superiores, levantou-se como hipótese explicativa o facto de as mesmas serem
mais capazes de prestarem cuidados e de cuidarem das pessoas doentes da sua
família, tendo, por isso mesmo, maior contacto com os contextos de saúde
(Sudore et al., 2006).
Por fim, observou-se que os indivíduos casados tendem a obter valores médios de
literacia em saúde mais elevados do que os viúvos. São, assim, necessários
estudos, nacionais e internacionais, que estudem o impacte desta variável no
nível da literacia em saúde.
Conclusão
Os resultados indicam que a grande maioria dos sujeitos (80%) evidencia um
nível de literacia em saúde baixo, o que significa que apenas 20% dos
inquiridos serão capazes de interpretar e usar a informação escrita relacionada
com a saúde de forma eficaz. As análises conduzidas apontam para um efeito
notável de algumas variáveis demográficas nos valores médios obtidos no teste
de literacia em saúde, especificamente, sexo, idade, habilitações literárias e
estado civil.
Implicações para a Prática Clínica
Na senda dos resultados obtidos, neste e em outros estudos, urge potenciar a
literacia em saúde na população idosa, e, dentro desta, junto dos grupos de
maior vulnerabilidade. Como recomenda a WHO (2013), os políticos, os
profissionais, a sociedade civil e o setor privado podem cooperar no sentido de
promoverem e enfrentarem os desafios relativos à literacia em saúde.
Destacamos, entre estes, os profissionais de saúde e de intervenção
psicossocial, já que estes são profissionais de proximidade, inseridos em
Organizações de saúde e de apoio à terceira idade, com os quais os idosos
estabelecem uma relação privilegiada. Além de apelarem a uma participação ativa
dos sujeitos no desenvolvimento de atitudes saudáveis e na prevenção e/ou
resolução de problemas de saúde, podem e devem disponibilizar informações,
pertinentes e claras, e um acompanhamento de maior proximidade de acordo com as
características e necessidades singulares de cada idoso, potenciando a sua
literacia em saúde e, consequentemente, a sua qualidade de vida.