Determinantes na transição para a parentalidade
Introdução
A transição para a parentalidade, classificada como transição desenvolvimental,
é um fenómeno complexo, que envolve diferentes estádios de crescimento, físico
e psicológico. Este tipo de transição, inclui mudanças na vida das pessoas que
podem influenciar a sua saúde (Hattar-Pollara, 2010) e que podem ser afetadas
por certas condições, como o significado do acontecimento, as expetativas, o
nível de conhecimento ou competência, o ambiente, o nível de planeamento e
ainda o bem-estar físico e emocional.
A transição para a parentalidade é um dos maiores eventos desenvolvimentais a
que a mulher pode vivenciar. Para Conde, Figueiredo, Costa, Pacheco e Pais
(2007, p. 15), "a transição para a parentalidade requer mudanças cognitivas,
afetivas e comportamentais". A puérpera está dependente de vários fatores que
poderão facilitar ou dificultar a transição para a maternidade, uma vez que o
puerpério é um período bastante propício à existência de crises psicológicas,
devido às profundas modificações desencadeadas pelo parto.
Segundo Figueiredo (2001), existe um conjunto de variáveis, consideradas como
fatores de risco para o desenvolvimento de perturbações psicológicas no
puerpério, onde se incluem a idade, a paridade ou o tipo de parto. De acordo
com Figueiredo (2001) as principais perturbações psicopatológicas do pós-parto
são o blues pós-parto, a depressão pós-parto e a psicose puerperal.
O objetivo dos cuidados de enfermagem no período pós-parto é assistir a mulher
e companheiro durante a transição para a parentalidade. De acordo com Meleis
(2007) o enfermeiro interage com o ser humano, o qual faz parte de um contexto
sociocultural, numa condição de saúde/doença e vive, de alguma maneira, uma
transição real ou por antecipação. A interação enfermeiro/doente organiza-se em
torno de uma intenção que conduz a ação para promover, restaurar ou facilitar a
saúde.
Metodologia
A estratégia de investigação utilizada para este estudo visou a metodologia de
investigação exploratória - descritiva, transversal e correlacional, inserida
num paradigma quantitativo, desenvolvido em ambiente natural (Fortin, 2009).
Assim, os objetivos do nosso trabalho foram: Conhecer as características
sociodemográficas e obstétricas das puérperas internadas nos serviços de
Obstetrícia do Centro Hospitalar Leiria-Pombal, do Centro Hospitalar do Tâmega
e Sousa - Penafiel, do Centro Hospitalar Gaia/Espinho ' Gaia e Centro
Hospitalar do Médio Tejo ' Abrantes; Avaliar o nível de alterações
psicoemocionais percecionado pelas puérperas internadas nos serviços de
Obstetrícia do Centro Hospitalar Leiria-Pombal, do Centro Hospitalar do Tâmega
e Sousa - Penafiel, do Centro Hospitalar Gaia/Espinho ' Gaia e Centro
Hospitalar do Médio Tejo ' Abrantes e Verificar a relação entre o nível de
alterações psicoemocionais e algumas caraterísticas sociodemográficas e
obstétricas das puérperas internadas nos serviços de Obstetrícia do Centro
Hospitalar Leiria-Pombal, do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa - Penafiel, do
Centro Hospitalar Gaia/Espinho ' Gaia e Centro Hospitalar do Médio Tejo '
Abrantes.
Desta forma, foi definida uma única hipótese para esta investigação,
nomeadamente: Existe relação estatisticamente significativa entre o nível de
alterações psicoemocionais e algumas caraterísticas sociodemográficas e
obstétricas (frequência de aulas de preparação para o parto; numero de partos
anteriores e tipo de parto) das puérperas internadas nos serviços de
Obstetrícia do Centro Hospitalar Leiria-Pombal, do Centro Hospitalar do Tâmega
e Sousa - Penafiel, do Centro Hospitalar Gaia/Espinho ' Gaia e Centro
Hospitalar do Médio Tejo ' Abrantes.
A população alvo desta investigação foi constituída pelas puérperas internadas
nos serviços de Obstetrícia do Centro Hospitalar Leiria-Pombal, do Centro
Hospitalar do Tâmega e Sousa - Penafiel, do Centro Hospitalar Gaia/Espinho '
Gaia e Centro Hospitalar do Médio Tejo ' Abrantes. A amostra definida para este
estudo resultou de um processo de amostragem acidental. Os critérios de
inclusão correspondem às características essenciais dos elementos da amostra,
nomeadamente: Puérperas internadas nos serviços de Obstetrícia; Puérperas sem
possuir antecedentes ou patologia psiquiátrica diagnosticada; Puérperas e
recém-nascidos deverão estar em alojamento conjunto no internamento; Puérperas
e recém-nascidos deverão ser saudáveis; Puérperas entre os 21 e 45 anos de
idade; Puérperas que saibam ler e escrever em português e Puérperas que
concordem em participar no estudo e assinem o consentimento informado.
Nesta investigação, o instrumento de colheita de dados utilizado foi o
questionário. Optou-se por estruturar o questionário em cinco partes, sendo que
na primeira parte constavam os dados sociodemográficos, na segunda parte os
dados obstétricos, na terceira parte dados relativos à intervenção dos
profissionais de saúde no contexto de bloco de partos e internamento e, por
último, na quarta parte, os dados relativamente ao recém-nascido. Utilizámos
ainda, no fim do questionário, a escala de avaliação das alterações psico -
emocionais do puerpério de Sousa e Leal (2010).
Construída pelas autoras Sousa e Leal (2010), a escala é constituída por 16
questões acerca dos sentimentos das puérperas após o parto. Estas questões são
cotadas através de uma escala de resposta tipo Likert (de 1 a 6 pontos), com
uma escala de intensidade (nunca a sempre), com uma variação total entre 16 e
96 pontos.
Todas as participantes neste estudo foram informadas dos seus direitos e dos
objetivos da investigação, decidindo livremente a sua participação na
investigação e assinando o seu consentimento livre e esclarecido. Os
questionários foram aplicados no momento da alta hospitalar, obtido parecer
favorável das referidas instituições e após aprovação da comissão de ética das
mesmas, garantindo a confidencialidade dos dados e o anonimato das
participantes.
No que diz respeito ao tratamento estatístico utilizou-se a estatística
descritiva e a estatística inferencial, sendo que nesta última, foi testada a
hipótese formulada. Procedemos ainda à revalidação psicométrica da escala,
calculando o Alfa de Cronbach e o teste de esfericidade. Para testarmos as
hipóteses formuladas verificámos a normalidade das diversas dimensões da
variável dependente, pelo que recorremos ao teste de Kolmogorov-Smirnov (Ks), e
face aos dados obtidos aplicámos testes estatísticos não paramétricos.
Resultados
Observamos que, numa amostra de 194 puérperas que participaram no nosso estudo,
a média (푋) de idades foi de 29,89 anos (σ=5,395), com um valor mínimo (Xmín)
de 22 anos e um valor máximo (Xmáx) de 42 anos de idade.
Relativamente ao estado civil das participantes no nosso estudo, pudemos
verificar que 18,2% eram solteiras, 78,2% casadas/ união de facto, e 1,8%
referiam estar separadas ou divorciadas (Figura_1).
Ao analisar o nível de escolaridade das mulheres puérperas que participaram no
presente estudo, apurámos que 2,0% concluíram o 1ºciclo de escolaridade, 9,0% o
2º ciclo de escolaridade, 22,0% o 3ºciclo de escolaridade, 32,0% o ensino
secundário, e 30,0% o grau de licenciatura.
Em relação ao facto da gravidez ter sido planeada, 80,0% das mulheres puérperas
referiu que a mesma foi planeada, ao contrário de 18,2%. Das gravidezes
planeadas, 80,0% referiu que a mesma foi desejada ao contrário de 4,5%.
Pelos dados obtidos, relativamente à frequência das mulheres puérperas em algum
programa de preparação para o parto, 52,93% frequentaram o programa e 40,45%
não frequentaram nenhum programa de preparação para o parto.
Quando questionadas sobre o tipo de parto, 54,5% das mulheres puérperas
responderam que o seu tipo de parto foi eutócico; 13,6% foi distócico por
fórceps e ventosa e em 30,9% houve necessidade de um parto distócico por
cesariana. No que diz respeito à pessoa que acompanhou a mulher durante o
trabalho de parto, em 72,7% foi o pai do bebé; 2,7% refere que foi a mãe,
sogra, amiga ou irmã e 8,2% responderam a opção "outro".
Em relação à classificação que as mulheres puérperas atribuíram à prestação de
cuidados de enfermagem durante o trabalho de parto e parto, 57,3% consideraram
os cuidados de enfermagem como muito suficientes. Contudo, 3,6% referem os
cuidados como pouco suficientes e 1,8% classificam os cuidados de enfermagem
como insuficientes (Figura_2).
Em relação aos aspetos mais significativos durante a prestação de cuidados
pelos enfermeiros no trabalho de parto e parto às mulheres puérperas, estas
referem o profissionalismo e desempenho técnico na realização do parto, o apoio
na primeira mamada, a simpatia, carinho e prontidão dos cuidados.
No que concerne à prestação de cuidados de enfermagem durante o internamento à
mulher puérpera, 38,2% das mesmas classificam os cuidados como suficientes e
58,2% consideram os cuidados muito suficientes.
Relativamente aos aspetos a que os enfermeiros devem dar mais importância, as
puérperas enfatizam o apoio e compreensão face à adaptação a uma nova
realidade/situação de vida (19,1%), e o apoio relativo à amamentação (7,3%).
Pela análise dos dados obtidos, observamos que a média do peso dos recém-
nascidos à nascença filhos das mulheres puérperas que participaram no nosso
estudo é de 3238,29 gramas (=438,89 gramas).
No que concerne à EAPP esta apresenta um Alfa de Cronbach de 0,884, sendo a
correlação dos 16 itens com o total da escala superior a 0,200, e um teste de
esfericidade de 0,000 (amplamente significativo ' KMO=0,823).
Através dos dados obtidos pela análise da EAPP constata-se que a média das
pontuações totais da escala é de 30,7 (=10,8), com um valor mínimo (Xmin.) de
16 e um valor máximo (Xmáx.) de 61. Deste modo, atendendo ao valor mínimo
(Xmin) da EAPP de 16, ao valor máximo (Xmáx) de 96, e ao valor médio (Xmed) da
escala de 56, conclui-se que o nível de alterações psicoemocionais das mulheres
puérperas da nossa amostra é baixo.
Face às hipóteses formuladas evidenciou-se que número de partos anteriores
(p≤0,05; rs= -0,187) influencia o nível de alterações psicoemocionais, sendo a
correlação estatisticamente significativa e negativa.
No que concerne ao tipo de parto, analisa-se que o tipo de parto influencia o
nível de alterações psicoemocionais (p≤0,05; c2=9,513), em que as mulheres que
sofreram um parto distócico por ventosa ou fórceps (média de ordens=116,76) ou
por cesariana (média de ordens=101,67) apresentam um maior nível de alterações
psicoemocionais (Tabela_1).
Verificou-se ainda, uma relação estatisticamente significativa entre o nível de
alterações psicoemocionais em função da frequência de preparação para o parto
(p≤0,05; U=3215,000), em que as mulheres que frequentaram programas de
preparação para o parto apresentam um maior nível de alterações psicoemocionais
(Tabela_2).
Discussão
Pelos dados obtidos na nossa investigação em relação aos dados
sociodemográficos, verificamos que os mesmos vão ao encontro dos estudos de
Almeida (2011), Klier et al. (2008), Monteiro (2005), Silva (2011), e Veríssimo
(2010), em que a média de idades das puérperas ronda os trinta anos,
maioritariamente são casadas e possuem o ensino secundário completo.
Tendo as mulheres que participaram no estudo desejado e planeado a sua
gravidez, um número significativo destas, frequentou programas de preparação
para o parto durante a gravidez. Maioritariamente, as mulheres participantes no
estudo foram acompanhadas pelo pai do bebé durante o trabalho de parto e no
momento do parto, tendo classificado os cuidados de enfermagem neste período
como muito suficientes. Durante o período de internamento a maioria das
puérperas classificou os cuidados prestados pelos enfermeiros como muito
suficientes, salientando que os enfermeiros devem enfatizar o apoio e
compreensão face à adaptação a uma nova realidade/situação de vida que estas
estão a experienciar, e o apoio relativo à amamentação. Face a estes
resultados, não nos foi possível confrontar os mesmos com os resultados de
outros estudos.
Face ao nível de alterações psicoemocionais das puérperas que participaram no
estudo conclui-se que o mesmo é baixo, o que vai ao encontro dos resultados
obtidos por Sousa e Leal (2010), em que 92% das puérperas não revelaram níveis
de alterações psicoemocionais significativos e 8% revelaram níveis de
alterações psicoemocionais moderados.
A nossa investigação evidencia que número de partos anteriores influencia o
nível de alterações psicoemocionais, tal como o tipo de parto, em que as
mulheres que sofreram um parto distócico por ventosa ou fórceps ou por
cesariana apresentam um maior nível de alterações psicoemocionais. Os dados por
nós encontrados corroboram com os estudos de Conde, Figueiredo, Costa, Pacheco
e Pais (2007), Silva (2011), e Veríssimo (2010).
Analisou-se uma relação estatisticamente significativa entre o nível de
alterações psicoemocionais em função da frequência de preparação para o parto,
em que as mulheres que frequentaram programas de preparação para o parto
apresentam um maior nível de alterações psicoemocionais. Estes dados não vão ao
encontro dos estudos de Almeida (2011) e Silva (2011) em que os programas de
preparação para o parto parecem ser protetores do nível de alterações
psicoemocionais sentidos pelas puérperas.
Conclusão
Conclui-se que a maioria das mulheres puérperas revelou níveis de alterações
psicoemocionais baixos, facto que pode ter sido influenciado pelo momento de
aplicação da referida escala. O facto das mulheres puérperas se encontrarem
ainda em meio hospitalar, onde tinham todo o apoio dos profissionais de saúde,
nomeadamente dos enfermeiros, poderá ter sido um dos motivos para que não
tenhamos encontrado níveis de alterações psicoemocionais tão significativos.
Um dos achados mais relevantes desta investigação prende-se com alguns fatores
que parecem influenciar o nível de alterações psicoemocionais, nomeadamente, a
frequência de aulas de preparação para o parto, o tipo de parto e o número de
partos anteriores, sendo que os mesmos devam ser explorados em investigações
futuras.
Implicações para a Prática Clínica
Pelos resultados do estudo, consideramos pertinente identificar os focos
específicos de atenção de enfermagem a ter em conta durante o processo de
transição para a parentalidade. Por outro, pensamos que os programas de
preparação para o parto e parentalidade desenvolvidos pelos enfermeiros
obstetras devam ser objeto de análise, reflexão e reestruturação, com vista a
empoderarem a mulher para o trabalho de parto e parto, mas também para
promoverem uma transição saudável e adaptativa para o papel maternal, com o
contributo dos enfermeiros especialistas em saúde mental, no sentido de
prevenirem alterações psicoemocionais nas gravidas e puérperas.