Consumo de tabaco na mulher grávida: Revisão sistemática da literatura
ARTIGO DE REVISÃO
Introdução
O tabagismo, entendido como um fenómeno social e global, atingindo todas as
regiões do mundo e todos os estratos sociais representa, atualmente, o mais
importante problema evitável de saúde pública.
Dados epidemiológicos recentes revelam que a nível mundial, morrem por ano
cerca de 5,4 milhões de pessoas fumadoras e ex-fumadoras e que a exposição ao
fumo ambiental foi responsável pela morte de 46% de mulheres, 28% de crianças e
26% de homens (OMS, 2008; European Comission, 2012, citados por DGS, 2013). Se
nos situarmos no nosso país, Portugal apresenta uma das prevalências mais
baixas de fumadores e ex-fumadores, comparativamente à média europeia (21%)
(DGS, 2013). Contudo, em relação à intensidade do consumo, apresenta valores
próximos da média europeia 14,4 cigarros por dia (DGS, 2013) dado a considerar
para a intervenção na comunidade. Assim, perante a tendência crescente e
globalização deste fenómeno social, a OMS em 2003, criou a Convenção Quadro,
importante instrumento jurídico internacional no domínio da saúde pública,
adotado por Portugal, como Estado-Membro da OMS, em 2006 (DGS, 2013).
No contexto do Plano Nacional de Saúde, foi criado, com carater prioritário, o
PNPCT perspetivando-se a redução da incidência e prevalência do tabagismo nas
diferentes idades do ciclo vital. Este programa está estruturado em função de 3
eixos estratégicos nucleares sendo estes: prevenção da iniciação do consumo,
promoção da cessação tabágica e proteção da exposição ao fumo ambiental; e 2
eixos de intervenção transversal, orientados para a informação, educação,
avaliação, formação e investigação (DGS, 2013, p.19).
No quadro da implementação de estratégias de prevenção que permitam maximizar o
potencial de bem estar materno-fetal, coloca-se o grande desafio de diminuir e/
ou cessar o consumo de tabaco na mulher grávida. Tal como a literatura refere,
fumar durante a gravidez ou a exposição continuada a ambientes de fumo (fumador
passivo) compromete gravemente a saúde da mãe e do feto. Em particular, a alta
prevalência de fumar durante a gravidez, associada a uma diminuição da perfusão
placentar contribui para o aumento de abortos espontâneos, prematuridade,
restrição de crescimento fetal (Cnattingius, 2004) e aumento das taxas de
morbilidade e mortalidade perinatal e infantil (Corbett, 2006).
A Escola Superior de Saúde de Santarém (ESSS) como EPS e, no âmbito da UMIS,
com o trabalho que tem vindo a desenvolver na comunidade, valoriza a temática
do consumo de tabaco na mulher grávida contribuindo deste modo para a
operacionalização do objetivo do PNPCT da DGS (2013): Caracterizar o consumo de
tabaco e a exposição ao fumo ambiental, na mulher grávida, até 2015, estando
este integrado no eixo estratégico: "Monitorizar, avaliar e promover a formação
profissional, a investigação e o conhecimento".
Perante o exposto, surge a necessidade de identificar instrumentos para a
caracterização do consumo de tabaco na mulher grávida e propusemo-nos a
realizar uma revisão sistemática da literatura.
Metodologia
Realizámos a RSL tendo por base a estratégia PI[C]OD, formulámos a seguinte
pergunta de pesquisa: Que instrumentos permitem a caracterização do consumo de
tabaco na mulher grávida? Com o objetivo de identificar instrumentos para a
caracterização do consumo de tabaco na mulher grávida.
A pesquisa foi efetuada, com o recurso aos descritores MeSH Browser de
pesquisa, após combinação das componentes da estratégia PI[C]OD, na seguinte
expressão de pesquisa: "Pregnant Women or Pregnancy or Gestation AND Smoking or
Tobacco or "Smoking during pregnancy" AND Epidemiologic methods or Scales or
Measures.
Recorremos às bases de dados da Interface EBSCOhost MEDLINE with full text,
CINAHL Plus with full text, Nursing & AHC: Comp., Cochrane CRCT,
MedicLatina, Database of ARE, HTA, Library IS&TA, Cochrane MR, Cochrane DSR
e NHS. Como limitadores de pesquisa consideramos: Texto completo; Resumo
disponível; Analisado por especialista; Prática baseada na evidência; Pelo
menos um autor enfermeiro; Friso Cronológico:01/01/2003 a 31/07/2013. A
pesquisa foi realizada no dia 1 de Agosto de 2013.
Dando continuidade aos aspetos metodológicos do processo de revisão, e tendo em
atenção que cada um dos acrónimos são considerados os elementos fundamentais da
questão de pesquisa, possibilitando deste modo a recuperação da melhor
informação científica disponível (Higgins & Green, 2009; Santos, Pimenta e
Nobre, 2007), consideramos como critérios de inclusão para os participantes:
Estudos que se reportem a mulheres fumadoras durante a gravidez; em relação à
intervenção: Caracterização do consumo de tabaco/história do tabagismo das
mulheres grávidas; com Comparação ou não; E tendo como resultados: Instrumentos
que permitam a caracterização do consumo de tabaco na mulher grávida; e no
Desenho todos os tipos de estudo.
Dos 59 artigos identificados após leitura do resumo, do texto completo e da
aplicação dos critérios resultaram 11 artigos, sendo 6 quantitativos, 4 mistos
e 1 qualitativo, com níveis de evidência entre I e VI (Melnyk & Fineout-
overholt, 2005). Como estratégia de análise utilizamos a análise estruturante
(Flick, 2005).
Resultados
Numa visão global e caracterizadora dos 11 artigos analisados consideramos como
estruturante as seguintes dimensões: identificação, participantes, metodologia,
intervenções e principais resultados.
Assim, no que diz respeito à Identificação dos estudos considerámos pertinente
referenciar o país de origem, ano de publicação e objetivos. A sua maioria, 7,
são oriundos dos EUA e os restantes 4 são provenientes do Canadá, Alemanha,
Austrália e Equador, quanto ao ano de publicação situa-se entre 2005 e 2012,
sendo que a maioria se reporta aos anos 2010 e 2012; em relação aos objetivos
constatámos que todos os estudos efetuam uma caracterização do consumo de
tabaco durante a gravidez, sendo que 4 deles ainda caracterizam este consumo no
período pré-concecional. O foco de interesse da maioria dos estudos, 8, centra-
se no período pré-natal, 3 remetem-se para os efeitos nocivos no recém-nascido
e 1 direciona-se para o risco do reinício dos hábitos tabágicos após a
gravidez.
Em relação ao período pré-natal salientamos, ainda, a preocupação em relacionar
os hábitos tabágicos com outras variáveis nomeadamente: fatores psicossociais
(humor pré-natal, sintomas depressivos e a violência contra a mulher grávida),
sociodemográficos (idade gestacional e coabitantes), fatores ambientais
(exposição ao fumo ambiental), fatores culturais e consumo de outras
substâncias (álcool e substâncias ilícitas).
Quanto às Participantes a maioria dos estudos, 10, reportam-se às mulheres
grávidas e 1 a mulheres no pós-parto; quanto à idade, não emerge nenhum grupo
etário, estando assim contemplado todo o período fértil; no que se refere à
etnia encontram-se participantes afro-americanas, hispânicas, indígenas
canadianas e algumas sem etnia definida.
No que se refere às mulheres grávidas, os estudos reportam-se a todos os
trimestres da gravidez, no entanto, realçam a primeira consulta pré-natal como
o momento de seleção das participantes. Quanto ao estudo das mulheres no pós-
parto, constatámos que os dados se reportam ao período da gravidez.
Quanto à Metodologia, e no que se refere ao desenho (D) da pergunta de pesquisa
6 dos estudos utilizam o método quantitativo,4 o tipo misto e 1 o qualitativo.
Em relação às Intervenções todos os estudos utilizam instrumentos que
caracterizam o consumo do tabaco durante a gravidez, nomeadamente questionário,
escalas e testes bioquímicos de avaliação da cotinina conforme se explícita no
Quadro_1. Estes instrumentos são utilizados em diferentes momentos contemplando
a fase pré-concecional, ciclo gravídico e pós-parto. Todos os estudos utilizam
instrumentos na triagem para caracterização do grupo e ao longo do período de
intervenção para caracterização e avaliação dos hábitos tabágicos,
relacionando-os com diferentes variáveis; Ressalva-se 1 estudo que utiliza
instrumentos para avaliação do impacto das intervenções implementadas.
Como principais resultados verificámos que o consumo de tabaco durante a
gravidez é tendencialmente mais frequente quando associado às variáveis
sociodemográficas (baixo nível de escolaridade e/ou elevados níveis de
escolaridade, baixos níveis socioeconómicos e coabitação com fumadores);
demonstram os estudos que existe uma associação entre os sintomas depressivos
pré-natais e/ou durante a gravidez e a dependência da nicotina.
As mulheres que fumavam e consumiam álcool apresentavam scores mais elevados de
sintomas depressivos. Verificámos, assim, que embora exista um enfase na
avaliação de algumas dimensões da saúde mental, os estudos são díspares nas
variáveis estudadas, não permitindo obter uma visão clara sobre quais as
variáveis que melhor caraterizam a temática em estudo.
No que diz respeito aos efeitos nocivos do consumo do tabaco durante a gravidez
para o recém-nascido, os estudos são consistentes com a literatura ao revelarem
que os hábitos tabágicos influenciam o baixo peso ao nascer, especialmente
durante o terceiro trimestre; por sua vez, um dos estudos mostra que o consumo
de tabaco parece melhorar o mau humor da mulher durante a gestação.
Outro dos resultados relevantes é a diminuição do consumo de tabaco após o
conhecimento da gravidez, estando este facto associado à crença de que o tabaco
prejudica o bebé, no entanto, tendencialmente estas mulheres reiniciam os seus
hábitos tabágicos após o parto.
Discussão
Os instrumentos identificados nos diferentes estudos que constituíram esta RSL
permitem caracterizar o consumo de tabaco na mulher grávida. Relativamente aos
questionários mobilizados, estes centram-se nos conhecimentos e crenças sobre
os efeitos nocivos do consumo de tabaco na mulher grávida e no bebé, no consumo
ativo de tabaco na mulher grávida e na exposição ao fumo ambiental do tabaco. A
avaliação bioquímica da cotinina foi determinada na saliva e na urina. No
Quadro_2, apresentamos as escalas identificadas e os aspetos mais relevantes
que os estudos obtiveram da sua aplicação.
Conclusão
A realização desta RSL permitiu-nos conhecer o estado de arte sobre os
instrumentos utilizados para a caracterização do consumo de tabaco pela mulher
grávida. A identificação dos instrumentos e as estratégias utilizadas para a
aplicação dos mesmos suportam o desenvolvimento de instrumentos de colheita de
dados, que nos permitam fazer a caracterização futura do consumo de tabaco da
mulher grávida no distrito de Santarém.
Implicações para a Prática Clínica
O consumo de tabaco durante a gravidez é o mais importante fator de risco
modificável em que podemos intervir. Como EPS consideramos que os resultados
desta RSL dão um contributo sustentado para a continuidade do trabalho que
estamos a desenvolver, o estudo epidemiológico sobre o consumo de tabaco na
mulher grávida, indo ao encontro dos eixos de intervenção transversal,
previstos no PNPCT da DGS (2013).