Enfermeiros com competência emocional na gestão dos medos de crianças em
contexto de urgência
Introdução
Durante o processo de crescimento e desenvolvimento das crianças, o sistema
familiar (criança e cuidadores familiares) depara-se frequentemente com
inúmeros acontecimentos de vida geradores de crises, como a doença e a
hospitalização. Especialmente nos primeiros anos de vida, as crianças são muito
vulneráveis ao desenvolvimento de determinadas patologias e à consequente
experiência de hospitalização. Para as crianças este é um período de elevado
stress e intensa ansiedade durante o qual experiencia medos, pois está perante
um ambiente que desconhece e em contacto com procedimentos e equipamentos que
lhe causam desconforto e dor. Então interessa neste ponto conceptualizar o
medo. Na perspetiva das neurociências, o medo é considerado uma emoção básica,
central, específica e presente em todas as idades, culturas, raças ou espécies
(Damásio, 2003). Os percursos cerebrais implicados no medo em humanos não estão
completamente estabelecidos, mas a investigação aponta para sistemas diferentes
(Damásio, 2003). Os medos têm uma origem mista. Por um lado, são inerentes à
espécie humana, tendo a função de garantir a sua preservação, pelo que as
estruturas biológicas responsáveis pelos medos encontram-se presentes à
nascença. Por outro lado, desenvolvem-se mediante vários estímulos ambientais,
familiares, sociais e culturais, nomeadamente através da informação negativa
das mensagens transmitidas por pessoas significativas (Ollendick & King,
1991). O medo surge com uma função adaptativa ao longo do desenvolvimento do
indivíduo e pode proteger dos perigos, manifestando-se sob forma de respostas
emocionais, fisiológicas e comportamentais. A ansiedade, por sua vez, é
conceptualizada como uma mistura de emoções na qual predomina o medo (Barlow,
2002), sendo, como tal, a sua fenomenologia mais variável que a do medo.
Desta forma, e face à hospitalização, a criança apresenta um número limitado de
mecanismos de coping para lidar com os stressores, e por isso necessita por
vezes de apoio externo para ultrapassar esta crise (Hockenberry & Wilson,
2014). À hospitalização associa-se imediatamente um sentimento de separação
lato, pois, mesmo que esta não ocorra fisicamente ela processa-se em relação ao
ambiente familiar físico e afetivo, que conduz a um processo de vinculação
alterado. As crianças assumem a hospitalização como uma separação brusca,
acrescendo ainda a imposição de restrições (sejam alimentares ou de
imobilização; sujeitas a máquinas e instrumentos desconhecidos) e das quais os
cuidadores familiares não as defendem (Jorge, 2004). A ansiedade, o medo e a
dor associadas a procedimentos técnicos constituem um dos principais focos de
atenção da enfermagem de saúde da criança e do jovem, pelo que a criança/jovem
e a família devem ser plenamente envolvidas no processo de cuidar. Deste modo,
é dada a possibilidade de se expressarem, questionarem e explorarem, permitindo
que se sintam valorizadas pelo sentimento de controlo da situação. Os
principais stressores associados à hospitalização relacionam-se com a
separação, a perda de controlo, lesão corporal e dor. As respostas das crianças
a estas experiências são influenciadas pelo seu estádio de desenvolvimento, as
suas experiências prévias com a doença, separação ou hospitalização, a sua
capacidade de confronto inata e adquirida, a gravidade do diagnóstico e o
sistema de apoio disponível. Por essa razão, a equipa de enfermagem deverá
evitar subestimar o conceito de doença da criança, priorizando a experiência da
mesma (Hockenberry & Wilson, 2014).
A prática de enfermagem, com as suas vertentes humanista e holística, exige a
conjugação de saberes teóricos e formais, e ainda de competências afetivas, por
isso perspetivamos o Cuidar como um processo relacional que obriga à perceção
da experiência humana no processo saúde-doença (Diogo, 2015). Por essa razão,
Watson (2005) acredita que a Ciência do Cuidar não pode ser indiferente às
emoções humanas, pois o cuidado constitui um meio de comunicação e expressão de
sentimentos humanos, que tem o objetivo de promover um equilíbrio entre a
dimensão relacional e a dimensão emocional nas intervenções de enfermagem. Na
perspetiva holística, o nosso bem-estar é concretizável pelo equilíbrio dos
sistemas fisiológico, psicológico, sociocultural, espiritual e
desenvolvimental, pelo que é fundamental que não anulemos as nossas emoções.
Compreendemos, então, que o importante é que essas emoções sejam proporcionais
à circunstância, isto porque, quando as emoções são recalcadas criam o
embotamento e a distância; quando extremadas e persistentes tornam-se
patológicas (Vaz Serra, 1999). No entanto, esse equilíbrio só é possível se o
indivíduo desenvolver a autoconsciência, ou seja, o reconhecimento de um
sentimento enquanto ele decorre (Vaz Serra, 1999), que conduza à manutenção do
otimismo, perseverança, envolvimento e aumento da empatia (Martins e Melo,
2008). Desta forma, constatamos que o problema não é a expressão da emoção, mas
a sua adequação e manifestação às circunstâncias, que pode ser benéfica ou
prejudicial para o desenvolvimento do indivíduo, e para a saúde humana (Martins
e Melo, 2008), mormente para a saúde mental.
Face ao exposto iremos abordar a experiência de medo das crianças, com maior
enfoque do grupo etário dos seis aos 12 anos, que são expostas a um contexto
específico de cuidados de saúde - o serviço de urgência pediátrica, e descrever
o desempenho do trabalho emocional dos enfermeiros na gestão dos medos.
Metodologia
Nesta pesquisa recorremos a várias bases de dados científicas - Scielo, Cinahl
e Medline - e definimos como descritores de pesquisa: "Medos", "Crianças",
"Adolescentes", "Urgência Pediátrica", "Cuidar", "Trabalho Emocional,
"Enfermagem Pediátrica", em português e inglês. Além disso, foram consultadas
produções de autores de enfermagem significativos nesta área, tais como:
Watson, Benner e Smith; de autores específicos de enfermagem pediátrica como
Hockenberry & Wilson; e, ainda, de autores que se distinguem no estudo dos
medos em pediatria como Ollendick. Utilizou-se uma metodologia comparativa,
descritiva e compreensiva para a análise das produções científicas.
Revisão Bibliográfica
Os Medos e os Stressores da Hospitalização na Infância
Na perspetiva atual da psicologia, os medos são designados de "normais" ou
"desenvolvimentais" quando constituem um conjunto de medos de objetos, animais,
pessoas ou situações, presentes de forma habitual em crianças ou jovens. Estes
medos são considerados normais por serem universais, transculturais, e
representarem respostas adaptativas a perigos ou a ameaças reais que se colocam
à sobrevivência humana (Ollendick, Grills & Alexander 2001). São também
considerados desenvolvimentais, pois são respostas que devem ser adquiridas ao
longo do desenvolvimento humano, particularmente na infância e adolescência, e
preparam o indivíduo para os desafios ambientais que tem de enfrentar em
adulto.
A evidência científica sobre os medos normais/desenvolvimentais nas crianças e
jovens tem produzido resultados bastante convergentes, dos quais se destaca os
estudos de Ollendick et al. (2001): a) um conjunto de "dez medos mais comuns"
(relacionados com o "perigo e morte") presente em todas as culturas e países
estudados - tese da universalidade dos medos; b) as raparigas apresentam medos
semelhantes aos rapazes, mas em maior prevalência e intensidade; c) crianças e
jovens apresentam medos ligeiramente diferenciados, com os jovens a valorizarem
mais a componente social do perigo e dando maior ênfase ao medo do fracasso e
da crítica; 4) os medos diminuem com a idade, paralelamente ao aumento da
autonomia do indivíduo, com exceção dos medos de perigo e morte.
Estes medos não são patológicos porque só são ativados na presença de estímulos
perigosos, e supostamente desaparecem com a ausência ou afastamento do
estímulo. As reconhecidas distinções entre medo e ansiedade apontadas por
diversos investigadores (Ollendick et al., 2001; Barlow, 2002) e a sua
relevância teórica, não impedem que sejam frequentemente utilizadas, tanto na
linguagem comum como na literatura psicológica, como sinónimas e tradutoras de
um estado emocional desagradável de apreensão ou tensão, acompanhado por
sintomas de ativação fisiológica.
Os enfermeiros, desenvolvendo uma intervenção no sentido de oferecer à criança
e à família um cuidado humanizado, reconhecem e identificam os principais
comportamentos esperados quando a criança vive esta experiência de crise, e as
respostas, comportamentos e estratégias de confronto que diferem consoante o
estádio de desenvolvimento da criança. A presença da família, geralmente
promove e mantém a inter-relação criança/família/equipa, minimizando os efeitos
negativos decorrentes da separação, maximizando a sua adaptação à situação de
doença e hospitalização; facilita a aceitação dos procedimentos e ameniza os
fatores stressantes da doença, dos procedimentos e da hospitalização. Estes
benefícios são identificados pela maioria dos enfermeiros das unidades
pediátricas (Molina, Varela, Castilho, Bercini e Marcon, 2007). Na idade pré-
escolar, as crianças apresentam uma maior segurança, tolerando por isso
pequenos períodos de afastamento dos pais, substituindo esta presença por outro
elemento adulto. Porém, o stress da doença geralmente torna os pré-escolares
menos capacitados para lidar com a separação, manifestando por isso muitos
comportamentos de ansiedade, sendo um pouco mais subtis e ténues
comparativamente à idade anteriorAssim, os pré-escolares poderão recusar
alimentar-se e dormir, partir brinquedos, agredir outras crianças e perguntam
frequentemente pelos pais quando estes se ausentam. Já nas crianças em idade
escolar e nos adolescentes, destaca-se os medos relacionados com a separação da
família e dos amigos, os ambientes desconhecidos, os procedimentos, e por
último a perda da sua autodeterminação e de controlo sobre a sua vida
(Hockenberry & Wilson, 2014). As crianças em idade escolar que recentemente
se desligaram do foco da vida familiar, iniciando a sua vida escolar, estão
ainda a atravessar uma fase de crise, reajuste e transição, o que constitui um
fator que influencia a hospitalização. Verifica-se a necessidade dos cuidadores
familiares transmitirem segurança e orientação, mesmo que estes não o
verbalizem visto terem sempre presente o objetivo de atingir a sua
independência, com medo de parecerem mimados, fracos ou dependentes, entendem
por isso que devem agir 'como um homem' e serem 'corajosos e
fortes', ocultando aquilo que verdadeiramente sentem. Os sentimentos de
solidão, aborrecimento, tristeza, isolamento e aceitação passiva são comuns.
Durante a separação temporária do seu grupo habitual, os adolescentes podem
beneficiar de atividades de grupo outros adolescentes hospitalizados com quem
se possam identificar e partilhar o que sentem, e o que estão a viver
(Hockenberry & Wilson, 2014). Outro dos stressores identificados durante a
hospitalização da criança é a perda de controlo. Este stressor aumenta a
sensação de ameaça e pode afetar a capacidade de confronto da criança. A
experiência no hospital pode retardar o desenvolvimento temporariamente, ou
mesmo restringi-lo permanentemente, dai a importância de uma hospitalização não
traumática, e tanto quanto possível uma oportunidade de desenvolvimento e
aprendizagem.
Como as necessidades das crianças variam muito e dependem, mais uma vez, do seu
estádio de desenvolvimento, propomos discutir pormenorizadamente cada uma
delas. Na idade pré-escolar as crianças apresentam o mesmo stressor de perda de
controlo, manifestada pelo não cumprimento das suas rotinas diárias, no entanto
acrescentam às manifestações dos toddlers o seu pensamento mágico que limita as
suas capacidades de compreender as experiências a partir das suas próprias
experiências egocêntricas. Se não existir uma preparação prévia para os
procedimentos, e para a própria hospitalização, as justificações que os pré-
escolares encontram são sempre mais bizarras, exageradas e assustadoras do que
os factos em si. Uma das justificações bastante presentes é que estão no
hospital porque fizeram alguma coisa errada e por isso estão de castigo,
havendo como resposta a esta justificação por parte da criança o sentimento de
medo, a vergonha e a culpa (Hockenberry & Wilson, 2014). O seu pensamento
pré-operacional só os deixa entender as explicações reais, sendo que a
verbalização se torna insuficiente, pois as crianças são incapazes de se
abstrair e sintetizar para além do que o que os seus sentimentos lhes dizem. É
nesta fase que o medo da bata branca está mais presente devido ao pensamento
transdutivo, pois se um enfermeiro está associado a procedimentos dolorosos,
então todos os enfermeiros e todos os que usem farda branca causam dor. Os
escolares procuram a independência e a produtividade, e por isso são
extremamente sensíveis aos eventos que lhes diminuam o poder e o controlo.
Particularmente, como stressores temos as funções familiares alteradas, a
incapacidade física, o medo da morte, abandono ou lesão permanente, afastamento
dos amigos, falta de produtividade, não conseguir lidar com as situações de
crise. Para os escolares a higiene no leito, o transporte em cadeira de rodas,
a restrição de levante são experiências que os podem chocar pela falta de
privacidade e controlo, pois eles querem 'ser e portar-se como os
adultos'. Uma das estratégias a utilizar com estas crianças é torna-los
ativos, tanto quanto possível, deixando-os muitas vezes fazer a sua cama,
auxiliar na sua higiene, escolher a refeição e outras atividades (Hockenberry
& Wilson, 2014). A constante luta dos adolescentes para adquirir
independência, autoafirmação e liberdade, centralizam-se na busca de
identificação pessoal. Todos os fatores que interferirem com estas questões vão
resultar em um sentimento de perda de controlo. A doença que limita a sua
capacidade física e a hospitalização que o separa dos seus sistemas de apoio
habitual constituem as principais crises emocionais no adolescente. A condição
de cliente de cuidados num serviço hospitalar de urgência promove a dependência
e a despersonalização, podendo os adolescentes reagir com rejeição, falta de
cooperação, isolamento, raiva e frustração. Os pais podem não ser uma fonte de
ajuda, pois estamos a retirar ainda mais a capacidade do adolescente ser
autónomo, e mesmo com a visita dos amigos esta pode não ser suficiente para lhe
oferecer o apoio e orientação necessários. Assim, os adolescentes podem sentir
que ficam sem nenhum apoio. Como estratégia o enfermeiro adequa a sua linguagem
à do adolescente e dialoga frente a frente, explicando o que vai acontecer e
como este pode ajudar e cooperar na situação, assumindo por isso o controlo da
mesma (Hockenberry & Wilson, 2014).
Em suma, os stressores da hospitalização podem originar nas crianças e jovens
experiências negativas a curto e a médio prazo, sendo que as repercussões
adversas podem estar relacionadas com a duração do internamento, com o número
de internamentos, com os múltiplos procedimentos invasivos e com a ansiedade
dos cuidadores familiares. Os efeitos mais sentidos são a regressão, ansiedade,
medo, apatia e distúrbios do sono. Se a hospitalização for vivida pela criança
e jovem de forma positiva, para além de a mesma recuperar da doença, poderá
ainda sentir-se capaz (promove a autoestima) por ter ultrapassado esta situação
de crise, sabendo reagir aos fatores de stress que daqui surgiram. O ambiente
hospitalar pode proporcionar às crianças novas experiências de socialização
podendo ampliar as suas relações interpessoais. Os benefícios psicológicos
devem ser considerados e as estratégias de enfermagem implementadas, para que
esta experiência seja uma oportunidade de desenvolvimento (Hockenberry &
Wilson, 2014). Segundo a teoria do desenvolvimento de Erickson, cada estádio
representa uma crise psicossocial, pelo que a forma como a criança organiza e
experiencia as emoções é determinante, influenciando posteriormente as relações
que esta estabelece com o meio que a rodeia. Este conjunto de experiências
emocionais permite que a criança adquira uma identidade psicossocial que se
revelará fundamental ao longo da sua vida, pelo que, sempre que possível, a
criança deverá ter oportunidade de expressar as emoções negativas e geri-las de
forma saudável, o que por si só constitui um meio para a promoção do bem-estar
emocional (Pereira, Nunes, Teixeira e Diogo, 2010). Essa expressão de emoções
torna-se ainda mais relevante quando compreendemos a criança e jovem como seres
em constante crescimento e desenvolvimento, pelo que o esforço dos
profissionais deverá ser conduzido no sentido de minimizar o impacto negativo
de uma experiência de hospitalização. Contudo se o impacto for positivo e a
relação de cuidados for apoiante e securizante, a criança adquirirá um maior
sentido de controlo sobre si, o que lhe permitirá envolver-se de forma mais
intensa no mundo externo, desenvolvendo autoconfiança e autoestima, em vez de
sentimentos negativos como a frustração (Pereira, Nunes, Teixeira e Diogo,
2010).
Especificidades dos Medos de Crianças dos Seis aos 12 anos em Situação de
Urgência
O medo da morte no Serviço de Urgência (SU) surge como presença generalizada
nas crianças. O pensamento de morte acompanha o processo de sofrimento, e das
experiências na situação de doença. A perceção de estar abandonado a si mesmo
potencia o medo de morte. No SU os enfermeiros confrontam-se e compreendem a
experiência de medo das crianças, e procuram desenvolver interações que
transformam a situação de doença e hospitalização numa experiencia positiva
(Fernandes, 2012). É uma realidade atual a existência de serviços de pediatria
humanizados e adaptados às necessidades das crianças e família. Neste contexto,
o medo é considerado como preponderante na experiência da criança e dai decorre
que seja essencial realizar a gestão da mesma, no sentido de promover a
mobilização ou elaboração de mecanismos de confronto (coping).
Para poder colmatar os sentimentos negativos (incluindo o medo) vividos pelas
crianças no momento da hospitalização, seria importante que as mesmas pudessem
ser preparadas para tal, isto é, fornecer explicações sobre a necessidade de
hospitalização, as pessoas presentes e envolvidas, os procedimentos e a forma
das crianças ajudarem e colaborarem, procurando que estas não percam o controlo
da situação. Frequentemente, uma das estratégias utilizadas é a visita aos
locais de internamento com os pais, para conhecer a equipa, mas numa admissão
num serviço de urgência isso não possível (Jorge, 2004). Uma das mais
traumáticas experiências hospitalares para as crianças é a hospitalização de
urgência. O início abrupto da doença ou a ocorrência de um traumatismo deixa
pouco tempo para que a criança possa ser preparada convenientemente. A
avaliação inicial na triagem para que se possa priorizar todas as situações das
crianças que carecem de atenção imediata, poderá dar algum tempo aos pais para
que, se for esse o caso, enquanto aguardam a chamada para a avaliação médica,
possam falar com os filhos sobre a sua necessidade de recorrer ao hospital. No
entanto, isso poderá não ser suficiente. Entendemos que deverá partir também
dos enfermeiros esta ajuda na gestão emocional por parte das crianças,
começando desde a sua admissão (Hockenberry & Wilson, 2014).
O impacto da experiência desconhecida, que é a doença, pode originar
sentimentos de medo, culpa, angústia, depressão e apatia tanto na criança, como
nos seus cuidadores, conduzindo a que os pais sintam necessidade de recorrer ao
serviço de urgência de pediatria. A triagem constitui a primeira interação que
os enfermeiros desenvolvem com a criança e com os seus pais, onde é possível
iniciar um contacto acolhedor, transmitindo confiança aos pais, fazendo-os
sentir que são bem-vindos e que existe disponibilidade para responder às suas
necessidades. Este é apenas o primeiro passo para incutir na criança e nos seus
cuidadores um sentimento de confiança e empatia com a equipa multidisciplinar,
que irá influenciar positivamente toda a relação terapêutica e a prestação de
cuidados (Fernandes, 2012). É na área da triagem que os pais são informados
sobre o processo de atendimento e a dinâmica do serviço, caso estes ainda não
estejam familiarizados com a mesma. É também muito importante a informação aos
cuidadores que a prioridade do atendimento é por gravidade e não por ordem de
chegada, e que a cor da pulseira atribuída não significa necessariamente ter de
ficar o tempo de espera máximo referente a essa cor. Este aspeto torna-se
bastante relevante pela possibilidade de observar nos contextos como a cor da
pulseira se pode tornar um fator bastante influente na ansiedade dos pais, o
que conduz frequentemente a questões sobre o porquê dos seus filhos não serem
mais prioritários que outras crianças. É assim fundamental adequar e adaptar
diferentes estratégias de comunicação mediante o tipo de criança e família,
privilegiando uma comunicação mais próxima dos pais, evitar possíveis situações
de tensão, geralmente causadas pela ansiedade e falta de respostas verbalizadas
ou manifestadas pelos pais (Fernandes, 2012). Na especificidade deste contexto,
existem também situações em que o tempo de atendimento poderá ser mais
prolongado, pelo que os enfermeiros têm sensibilidade face à ansiedade e medo
que tal poderá representar para a criança e para os seus pais, procurando
tranquilizar e informar o porquê dessa demora. São frequentemente situações
como estas que originam tensão entre o sistema familiar e a equipa de saúde,
podendo comprometer toda a relação terapêutica construída até ao momento. É
então imprescindível informar os cuidadores da criança sobre os tempos de
espera, relativamente a resultados de exames por exemplo, para que estes possam
estar preparados e consigam gerir as suas atividades de forma mais atempada
(Fernandes, 2012).
A menos que o diagnóstico de internamento coloque em risco a vida da criança,
esta precisa de ser participativa em todos os seus cuidados para manter o
sentimento de controlo. Devido à agitação inerente aos serviços de urgência
muitas vezes a prestação de cuidados é realizada de forma acelerada sem que
haja espaço para esta participação. No entanto, é necessário algum tempo de
investimento na interação, antecipadamente, para permitir às crianças que
colaborem no procedimento e nos que se seguem, reduzindo tempo posteriormente
na tentativa de as acalmar e na gestão emocional, minimizando assim o seu
sofrimento. Outras estratégias inerentes às intervenções de enfermagem são
garantir a privacidade, aceitar as respostas emocionais de dor e medo,
preservar o contacto entre a criança e os pais, explicar os efeitos antes,
durante e após os procedimentos, e o próprio enfermeiro transmitir uma atitude
calma e responsável. Este trabalho emocional (Diogo, 2015) envolve ainda
avaliar o que a criança pensa e sente na experiência de internamento e
procedimentos realizados. É semelhante ao procedimento de admissão e de pré-
aconselhamento, porém, em vez de fornecer as informações, os enfermeiros ouvem
o que a criança tem para dizer (escuta ativa). As técnicas expressivas-
projetivas como desenhar, contar histórias ou brincar com a criança são
especialmente importantes. Com base nestas interações, os enfermeiros poderão
transmitir novas informações, esclarecer as dúvidas e apaziguar os medos; este
é o cuidado humanizado (Hockenberry & Wilson, 2014; Diogo, 2015).
Competência dos Enfermeiros na Gestão do Medo das Crianças
Cuidar de crianças, especialmente quando elas estão a sofrer, é suscetível de
envolver uma significativa quantidade de trabalho emocional (Smith, 2012). Os
enfermeiros são frequentemente incentivados a regular as suas próprias emoções
para conseguirem compreender eficientemente as emoções negativas das pessoas
que cuidam, capacitando-os para o autoconhecimento e auto monitorização das
suas próprias emoções (Vilelas, 2013).
Decorrente da evolução da profissão, e da própria conceção de cuidar, a
enfermagem tem transformado o seu foco de cuidados, de essencialmente técnica e
curativa para uma visão holística da criança/família, envolvendo múltiplas
dimensões: física, emocional, social, psicológica, ambiental e
desenvolvimental. Nesta lógica, prestam-se cuidados holísticos de extrema
importância para a criança, tendo em conta as suas limitações no que concerne
às estratégias que permitem lidar eficazmente com a experiência de doença/
hospitalização, com o mínimo de sequelas possíveis (Tavares, 2011). Cuidar,
conceito central na identidade da Enfermagem, envolve a compreensão da
experiência humana associada aos fenómenos saúde-doença. Por um lado, os
enfermeiros no seu cuidar não pode ser indiferente às emoções humanas (Watson,
2002). Por outro lado, os enfermeiros vivenciam experiências emocionalmente
intensas na relação com o cliente, pelo que a gestão das suas emoções é
essencial nas interações bem-sucedidas, por forma a conseguirem demostrar
compreensão pelo Outro e conseguirem lidar com a influência dos sentimentos do
Outro (Diogo, 2006, 2015). A gestão emocional permite regular a emocionalidade,
ou seja, atenuar as disrupções emocionais e por conseguinte facilita o
autocontrolo e promove o bem-estar dos sujeitos em interação (Diogo, 2015).
Na prática de enfermagem em contexto pediátrico, as emoções dão sentido ao agir
dos enfermeiros e dão sentido ao próprio cuidar, preenchendo o vazio dos
"cuidados técnicos", orientando o relacionamento entre a pessoa cuidada e a
pessoa que cuida (Diogo, 2006). Ao cuidar da criança, os enfermeiros procuram a
excelência da arte do cuidar com sentimento, emoção e brincadeira (Tavares,
2011). Benner e Wrubel (1989) sugerem que a gestão das emoções na prática de
cuidados está ligada a um nível de experiência e perícia dos enfermeiros, sendo
que os enfermeiros peritos tendem a envolver-se mais efetivamente com o cliente
e a darem uma grande importância às emoções na sua prática. Em enfermagem
pediátrica, a intervenção do enfermeiro incide numa ajuda emocional à criança e
família através de práticas terapêuticas (Diogo, 2015). Assim, a evidência
científica e a conceptualização atual sobre Enfermagem demonstram a competência
primordial dos enfermeiros na gestão da experiência emocional da criança e
família ' o enfermeiro como gestor emocional. As emoções são simultaneamente a
mensagem, o meio e a finalidade na intervenção terapêutica. Os enfermeiros
atuam no cenário emocional de regulação das emoções, desenvolvendo interações
direcionadas para a gestão das emoções da criança/família, o que se revela de
extrema importância na transformação positiva da experiência emocional de medo.
Pretende-se, nesta metamorfose das emoções contribuir para uma modificação do
estado emocional negativo para estados de bem-estar e tranquilidade na criança
e família (Diogo, 2015). Quando a família se encontra vulnerável, necessita de
alguém que a faça sentir-se segura, de alguém em quem confie, que a compreenda,
que mostre que a entende e que revela empatia e proximidade para com a
experiência de saúde-doença. Na relação de cuidados, o enfermeiro transmite
calma e tranquilidade, mantem-se atento e focado na gestão da doença e na
recuperação do bem-estar da criança, valoriza a criança e contribui para que se
sinta segura e especial, e valoriza ainda as competências dos pais no cuidado à
criança, considerando-os como peritos e parceiros na tomada de decisões
relativamente ao processo de cuidados (Hockenberry & Wilson, 2014). Lidar
com a experiência de medo associada aos processos de saúde-doença nem sempre é
fácil, em particular nas crianças de seis a 12 anos, pelo que o enfermeiro
enquanto gestor emocional dos medos tem a oportunidade de capacitar
emocionalmente a criança. Deste modo, promove a expressão de emoções negativas
e perturbadoras; a capacidade de organização de experiências emocionais permite
que a criança desenvolva uma identidade adaptativa que vai revelar-se essencial
na sua vida (Diogo, 2015). Para que esta gestão emocional caracterize os
cuidados de saúde, torna-se essencial que os enfermeiros adotem estratégias
específicas com centralidade no próprio e no outro ' o desempenho do trabalho
emocional (Smith, 2012). Gerir as próprias emoções é assegurar que as mesmas
não ultrapassam determinado limite a partir do qual o cuidador se arrisca a
sentir-se impotente e exausto emocionalmente (burnout). Ao regular as suas
próprias emoções, o enfermeiro espera atenuar as emoções de quem cuida, ou não
as exacerbar. O enfermeiro deseja com esta atitude demonstrar capacidade de
controlo sobre as suas emoções, perante o cliente e perante os seus pares. Esta
gestão ao nível do seu mundo interno permite também ao enfermeiro garantir a
pertença ao seu grupo, salientando perante o cliente que pertencem a diferentes
dimensões. O enfermeiro perito mais facilmente se envolve com o cliente,
permitindo um nível mais elevado no trabalho emocional bem como um maior
envolvimento no cuidado (Benner & Wrubel, 1989). Na gestão emocional, é de
particular importância que duas habilidades estejam plenamente desenvolvidas: o
autocontrolo e a empatia. A empatia nasce da autoconsciência, quanto mais
atentos às nossas emoções mais atentamos às emoções dos outros, e pode ser
designada pela habilidade de ler as emoções dos outros. Na prestação de
cuidados, o enfermeiro por vezes desenvolve estratégias de distanciamento do
cliente, no entanto o distanciamento compromete a relação entre o cliente e o
enfermeiro, podendo afetar o bem-estar emocional do cliente (Diogo, 2006). Na
perspetiva de Henderson (2001), o enfermeiro ao longo da relação com o cliente
oscila entre o distanciamento e a proximidade, de acordo com as circunstâncias
de ambos, e esta habilidade pode constituir uma vantagem na proteção do
desgaste emocional inerente à prática de cuidados. Esta atitude é por vezes
adotada pelo enfermeiro após a presença na comunicação de um diagnóstico, como
de uma doença crónica ou incapacitante.
A gestão emocional do enfermeiro, no processo de cuidar a criança com medo,
exige a identificação de fatores que vão influenciar essa mesma gestão nos
cuidados. Para Watson (2002), o processo de cuidados é um processo relacional
em que ocorre comunicação e libertação de sentimentos humanos. De facto no
cuidar da criança, o enfermeiro experiencia as respostas de sofrimento e as
emoções da criança, daí a importância de fazer a regulação as suas próprias
emoções para prover cuidados (Diogo, 2015).
A promoção de um "ambiente seguro e afetuoso" (Diogo, 2015) não só através da
relação de cuidar afetuosa, mas também através do mundo imaginário e colorido
associado ao ambiente físico, possuem uma influência recíproca na transformação
da emocionalidade vivida pelos clientes. As estratégias de gestão emocional
(trabalho emocional com centralidade na criança/família) podem ser descritas da
seguinte forma:
- A preparação para os procedimentos, fornecer explicações/informações,
favorecer espaços de expressão de sentimentos, dar reforço positivo, designadas
de estratégias de antecipação contrapondo com as reativas (Diogo, 2015);
- Distração e recreação, nas suas diferentes formas é um recurso intrínseco e
constitui uma necessidade do adolescente que contribui para acalmar ou evadir
de pensamentos e sentimentos que o perturba, pelo que falar com o adolescente
sobre temas do seu agrado como a escola, amigos, família, atividades de tempos
livres, e incentivar a escrita ou a música (Zengerle-Levy, 2004). A música,
como redutora do stress e estímulo imunitário pode ser uma terapia adjuvante
das medidas farmacológicas. Esta é também um veículo de comunicação e
enriquecedor do ambiente, potenciando a recuperação/equilíbrio ' healing ' e o
bem-estar (Zengerle-Levy, 2004). Utilizar o humor pode ser também uma forma de
quebrar o gelo (Diogo, 2015);
- O contacto com o exterior também deve ser estimulado, especialmente com o seu
grupo de amigos (Hockenberry & Wilson, 2014), que poderão ser um suporte
essencial numa situação de doença e hospitalização. No internamento, o
adolescente é informado que os seus amigos o poderão visitar, de acordo com as
dinâmicas e regras dos serviços onde se encontram;
- A atividade lúdica no ambiente hospitalar é também um fator atenuante das
possíveis vivências negativas, permitindo "a expressão de medos, liberta
energias e envolve os outros (...) [para além de] restabelecer uma conexão com
o ambiente e a sua vida antes da lesão [hospitalização]." (Zengerle-Levy, 2004,
p.1267).
A gestão dos medos da criança está intrínseca na intervenção terapêutica de
enfermagem, na qual a experiência dos enfermeiros surge como essencial para
mobilizar estratégias que podem ajudar a reduzir o medo e aumentar a segurança
e o controlo sobre a situação, e assim ajudar no confronto de situações
emocionalmente intensas.
Considerações Finais
Desta forma, pretendemos que esta problemática seja valorizada e melhor
analisada pelas organizações procurando, assim, contribuir através da nossa
reflexão para a melhoria das intervenções dos enfermeiros, e também para
definir Guidelines em saúde da criança e do jovem. A divulgação dos resultados
desta revisão de literatura torna-se essencial e promotora de ganhos em saúde
nos cuidados à criança. Acreditamos na promoção da investigação e na
articulação com a prática em enfermagem, e assim dar visibilidade aos cuidados
humanizados em contexto hospitalar.
Na prática de enfermagem contactamos muitas vezes com emoções negativas
relacionadas com o sofrimento da criança, sendo que é necessário que as
consigamos utilizar conscientemente para melhorar a qualidade dos cuidados que
prestamos, isto é, fazer um trabalho de dimensão emocional com centralidade não
só em si mas também no cliente (Smith, 2012). Também os estudantes de
enfermagem e os enfermeiros iniciados necessitam de melhor preparação para
lidar com as exigências emocionais da prática, pelo que pretendemos continuar a
investir na nossa prática reflexiva, de forma a desenvolver uma autoconsciência
que nos ajude a gerir situações emocionalmente intensas, sendo por isso uma
estratégia introspetiva de confronto que permitirá melhorar a qualidade dos
nossos cuidados. Os serviços pediátricos de prestação de cuidados em situação
crítica caracterizam-se por um setting terapêutico emocionalmente intenso, onde
se exige a perícia e o rigor científico, e por isso os profissionais que o
enformam tendem a desenvolver a sua prática num sentido cada vez mais
holístico, espelhando as diversas dimensões do cuidar nas interações com as
crianças e famílias. A dupla centralidade do trabalho emocional é enfatizada
por Diogo (2015) tendo em conta que os enfermeiros além de fazerem a regulação
da sua disposição emocional (gestão das suas próprias emoções) para cuidar,
procuram capacitar os clientes na gestão da sua emocionalidade, promovendo um
ambiente seguro e afetuoso, nutrindo os cuidados com afeto, promovendo a gestão
das emoções dos clientes e construindo a estabilidade na relação terapêutica.
Lidar com a experiência de medo associada aos processos de saúde-doença nem
sempre é fácil, em particular nas crianças de seis a 12 anos, pelo que o
enfermeiro deve ter oportunidade de treinar estratégias e desenvolver
competência emocional para capacitar emocionalmente a criança e família. Por
último, para que seja conferido a devida visibilidade a este trabalho emocional
em contextos de cuidados pediátricos, torna-se essencial que os profissionais
de enfermagem se consciencializem e adotem estratégias específicas em
enfermagem pediátrica através da reflexão sobre as práticas baseadas na
evidência científica.