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EuPTCVHe2182-51732012000300006

EuPTCVHe2182-51732012000300006

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN2182-5173
ano2012
Issue0003
Article number00006

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Desparasitação intestinal sistemática em idade pediátrica: uma revisão baseada na evidência

INTRODUÇÃO Os parasitas gastrointestinais são mais prevalentes em países da África Subsariana, Ásia, América Latina e Caribe, devido ao clima quente e húmido, às más condições higieno-sanitárias (nomeadamente a ausência de rede de fornecimento de água e saneamento básico) e frequente sobrelotação das habitações.1,2 Na América do Norte e Europa estas parasitoses são mais prevalentes em imigrantes e refugiados.1 Os vários microrganismos que podem parasitar o tracto gastrointestinal são classificados em dois grandes grupos: os protozoários e os helmintas.1,3 No entanto, o alvo da desparasitação intestinal com fármacos são os helmintas.

Dentro deste grupo heterogéneo os mais prevalentes são os Enterobius vermicularis (oxiúrios) e os helmintas transmitidos pelo solo (Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiuria, Ancylostoma duodenale, Necator americanus).1,4,5 Estima-se que 4,5 mil milhões de pessoas estejam em risco de sofrer uma infecção por helmintas transmitidos pelo solo em todo o mundo.4 As estimativas apontam para mil milhões de pessoas infectadas por Ascaris lumbricoides, 795 milhões por Trichuris trichiura e 740 milhões por Ancylostoma duodenale e Necator americanus.6 Actualmente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a desparasitação intestinal sistemática em comunidades com prevalência de infecção intestinal por helmintas transmitidos pelo solo superior a 20%. Esta deve ser realizada uma vez por ano em comunidades com prevalência entre 20 e 50% (baixo risco) e duas vezes por ano quando a prevalência é superior a 50% (alto risco).7 Os poucos estudos epidemiológicos portugueses encontrados revelam uma taxa de infecção intestinal baixa, com valores de prevalência de parasitose intestinal entre os 3,4% e os 19% (Quadro_I).8-11 A prevalência de parasitose intestinal por helmintas varia entre os 0% e os 5,9% (Quadro_I). No entanto, este valor pode estar subestimado, uma vez que na maioria dos estudos foi utilizado o exame parasitológico de fezes como meio de diagnóstico e não foi incluído o teste da fita adesiva ou teste de Graham, que é o método considerado de eleição para o diagnóstico da infecção por Enterobius vermiculares.8-11

A intensidade da infecção (número de parasitas presentes no tracto gastrointestinal) mede-se através do número de ovos por grama de fezes e está directamente relacionada com a morbilidade destas parasitoses.2 As infecções ligeiras são frequentemente assintomáticas enquanto as graves acarretam elevada morbilidade, com atraso do desenvolvimento estaturo-ponderal e cognitivo, deficiências nutricionais e anemia.4 A infecção por helmintas transmitidos pelo solo é considerada uma das principais causas mundiais de atraso do desenvolvimento físico e intelectual.2 É frequente na prática diária ser-se confrontado com solicitações de prescrição sistemática de desparasitantes intestinais. Da mesma forma, alguns médicos têm a prática da «desparasitação intestinal por rotina». No entanto, as doses e posologias habitualmente utilizadas nesta não são eficazes contra todos os helmintas e os alvos-terapêuticos são sobretudo o Enterobius vermicularis, a Ascaris lumbricoides, o Trichuris trichiuria, o Ancylostoma duodenale e o Necator americanus.3,12,13 Desta forma, é fundamental conhecer qual a melhor evidência disponível sobre o benefício desta intervenção. Neste contexto, foi efectuada uma revisão baseada na evidência (RBE), com o objectivo de determinar se a desparasitação intestinal sistemática com anti-helmínticos, em idade pediátrica, influencia o desenvolvimento estaturo-ponderal, cognitivo e o aproveitamento escolar e a morbimortalidade.

MÉTODOS Foi efetuada uma pesquisa, nas bases de dados Medline, Guidelines Finder, National Guideline Clearinghouse, Canadian Medical Association Infobase, The Cochrane Library, DARE, Bandolier, TRIP, Índex de Revistas Médicas Portuguesas e publicações da OMS, de revisões sistemáticas, meta-análises, ensaios clínicos controlados e aleatorizados e normas de orientação clínica. Foram também avaliadas, quanto à sua pertinência, as «citações relacionadas» da Pubmed.

Utilizaram-se os termos MeSH: albendazole, mebendazole, pyrantel pamoate. Foram seleccionados os artigos publicados entre 1 de Janeiro de 2000 e 31 de Março de 2011, em inglês, espanhol e português. No Índex de Revistas Médicas Portuguesas a pesquisa foi feita com a combinação dos termos da lista dos Descritores em Ciências da Saúde, usando os descritores portugueses: albendazol, mebendazol e pamoato de pirantel.

Foram critérios de inclusão: População: Indivíduos com idade inferior a 18 anos de idade.

Intervenção: Desparasitação intestinal sistemática com fármacos anti- helmínticos.

Comparação: Fármacos anti-helmínticos versus ausência de intervenção ou placebo.

Resultados: Desenvolvimento estaturo-ponderal, desenvolvimento cognitivo, aproveitamento escolar e morbimortalidade.

A robustez metodológica dos ensaios clínicos incluídos foi avaliada utilizando a escala de Jadad.14 A qualidade dos estudos e a força de recomendação foram avaliadas utilizando a escala de Strength of Recommendation Taxonomy (SORT) da American Family Physician.15 RESULTADOS Da pesquisa obtiveram-se 746 artigos. Destes, 12 preencheram os critérios de inclusão: três revisões sistemáticas, uma meta-análise, quatro ensaios clínicos e quatro normas de orientação clínica. Foram excluídos os artigos repetidos, os não concordantes com os objectivos ou os que não cumpriam os critérios de inclusão. Também foram excluídos os ensaios clínicos controlados e aleatorizados incluídos nas meta-análises e revisões sistemáticas (Figura_1).

De forma a facilitar a interpretação optou-se por analisar os resultados obtidos separadamente para cada um dos objectivos desta RBE: 1) Desenvolvimento estaturo-ponderal; 2) Desenvolvimento cognitivo e aproveitamento escolar e 3) Morbimortalidade. Os artigos encontram-se resumidos em relação às suas principais características nos Quadros_II e IV.

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1) DESENVOLVIMENTO ESTATURO-PONDERAL A meta-análise de Hall et al (2008), concluiu que a desparasitação intestinal sistemática em áreas com uma prevalência de infecção intestinal por nemátodos superior a 50% originava uma melhoria significativa no ganho de peso e no crescimento. Observou-se um aumento de 0,210 kg no peso [Intervalo de Confiança (IC) 95%: 0,17-0,26, p<0,001], um aumento de 0,11 cm na altura (IC 95%: 0,03- 0,19, p=0,01) e um aumento de 0,3 cm na circunferência média do braço (IC 95%: 0,23-0,37, p<0,001).16 Os estudos incluídos nesta meta-análise apresentam heterogeneidade clínica e estatística, pelo que lhe foi atribuído um nível de evidência (NE) 2. A revisão sistemática, realizada por um grupo de trabalho da Cochrane (2007), constatou a existência de uma melhoria significativa no ganho de peso (0,34 kg, IC 95%: 0,05-0,64, p=0,024) após uma dose de fármacos anti- helmínticos. No entanto, não houve benefício estatisticamente significativo na altura (p=0,72) e na circunferência média do braço (p=0,079) após uma dose de fármaco. O mesmo se verificou em relação ao peso (p=0,51) e altura (p=0,45) com a administração de múltiplas doses (Quadro_II).17 Os estudos incluídos nesta revisão sistemática também apresentam heterogeneidade clínica e estatística, pelo que lhe foi atribuído um NE 2.

O ensaio clínico de Awasthi et al (2008), mostrou um aumento de peso médio de 0,36 kg (p=0,0007) em crianças indianas tratadas com albendazol, com ganho mais evidente nas crianças desnutridas. Aos dois anos de tratamento verificou-se um aumento no peso de aproximadamente 35%. Não houve benefício estatisticamente significativo na estatura do mesmo grupo (p=0,11) (Quadro_II).18 Este é um estudo de qualidade limitada por ter sido efectuado sem dupla ocultação (Quadro III), pelo que lhe foi atribuído um NE 2.

Num ensaio clínico controlado e aleatorizado, realizado por Kirwan et al (2010), em áreas da Nigéria endémicas para malária e com prevalência de infecção por helmintas transmitidos pelo solo superior a 50%, não se encontrou benefício no crescimento (peso e altura) com a administração sistemática de albendazol (Quadro_II).19 Apesar de ser um estudo de boa qualidade (Quadro III), o período de follow-up foi inadequado pelo que foi classificado com um NE 2.

O ensaio clínico controlado e aleatorizado realizado no Uganda, por Elliot et al (2007), não encontrou evidência de benefício no peso (Quadro_II).20 Este ensaio clínico é de boa qualidade (Quadro_III) pelo que foi classificado com um NE 1.

Em 2006, a OMS publicou um manual intitulado «Preventive chemotherapy in human helminthiasis» (Quadro_IV), no qual defende a diminuição da incidência de atraso do crescimento com a desparasitação intestinal para helmintas transmitidos pelo solo.7 Este manual é baseado na opinião de peritos pelo que tem um NE 3.

2) DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E APROVEITAMENTO ESCOLAR Na revisão sistemática da Cochrane (2007) não foi demonstrado benefício no aproveitamento escolar nem nos testes cognitivos (NE 2).17 O ensaio clínico controlado e aleatorizado de Elliot et al (2007) também não mostrou benefício da desparasitação intestinal sistemática no desenvolvimento psico-motor ou da linguagem (NE 1).20 Na sua publicação «Preventive chemotherapy in human helminthiasis» (2006), a OMS defende que a desparasitação intestinal dirigida a helmintas transmitidos pelo solo melhora a capacidade cognitiva e diminui o absentismo escolar e laboral (NE 3).7 3) MORBIMORTALIDADE A OMS defende que a desparasitação intestinal dirigida a helmintas transmitidos pelo solo diminui a morbilidade, a fadiga crónica e o absentismo escolar e laboral (NE 3).7 Em relação ao benefício da desparasitação intestinal sistemática na diminuição de doenças sistémicas, o ensaio realizado na Nigéria, por Kirwan et al, verificou que o albendazol está associado a um menor aumento da prevalência da infecção por Plasmodium que o grupo de placebo (p=0,002) mas não houve evidência de benefício no número de episódios de malária (p=1) (Quadro_II) (NE 2).19 O ensaio clínico controlado e aleatorizado de Elliot et al (2007) verificou, no ramo do estudo sujeito a intervenção, uma maior incidência de eczema, sem evidência de diminuição da incidência de pneumonia, malária ou tuberculose (NE 1).20 A meta-análise de Hall et al (2008) não mostrou melhoria significativa dos níveis de hemoglobina (Hb) (p=0,37) (NE 2)16 e a revisão sistemática, realizada por Smith et al, objectivou um aumento de concentração média de Hb no ramo do estudo sujeito a tratamento.21 Este aumento foi de 1,89g/L (IC 95%: 0,33-3,63) no grupo de tratamento com albendazol e de 2,37g/L (IC 95%: 1,33-3,50) no grupo de tratamento com albendazol e praziquantel.21 No entanto, os benzimidazóis isolados revelaram impacto diminuto na anemia moderada (Risco Relativo (RR 0,87), sendo maior na associação com praziquantel (RR 0,61).21 Esta revisão tem um NE 3 por estar orientada para a doença. A revisão sistemática de Gulani et al (2007) evidenciou um aumento de 1,71 g/L (IC 95%: 0,70-2,73) na concentração de Hb, estimando uma redução na prevalência da anemia em idade pediátrica de populações com elevada prevalência de infecção intestinal por helmintas de 4,4% a 21% (Quadro_II).22 Este estudo tem um NE 3 por estar orientado para a doença.

O ensaio clínico controlado e aleatorizado realizado na Nigéria e publicado em 2010 verificou um aumento dos níveis de Hb sem significado estatístico (p=0,445) (NE 2).19 Relativamente à diarreia, os resultados encontrados são inconsistentes. O ensaio clínico controlado e aleatorizado realizado no Uganda, por Elliot et al (2007), concluiu não existir evidência de diminuição da incidência de diarreia (NE 1), enquanto o ensaio clínico controlado e aleatorizado realizado em favelas indianas e publicado em 2004 verificou uma redução dos episódios de diarreia em 28% com o albendazol.20,23 Este último tem um NE 2 porque apesar de ser um estudo de boa qualidade o período de follow-up foi inadequado (Quadro III).

É difícil de quantificar a mortalidade atribuída à infecção intestinal por nemátodos devido à clínica inespecífica destas infecções e à escassez de dados epidemiológicos por carência de redes de notificação nos países em desenvolvimento.24 Assim, não foram encontrados artigos que estimassem os efeitos da desparasitação na mortalidade. No entanto, a OMS defende que a desparasitação intestinal sistemática em países com elevada prevalência diminui a mortalidade (NE 3).7 CONCLUSÕES A maioria dos artigos incluídos nesta revisão teve como base populações pediátricas de países em desenvolvimento com prevalência de parasitose intestinal superior a 50%. Clinicamente são heterogéneos por uso de anti- helmínticos e esquemas posológicos diferentes. Alguns estudos administraram, concomitantemente, outros compostos (por exemplo, vitamina D, vacinas ou ferro) que podem confundir os resultados. Exceptuando-se o benefício no peso, os restantes resultados neles obtidos são inconsistentes.

evidência de benefício da desparasitação intestinal sistemática em crianças residentes em países com prevalência de parasitose intestinal por helmintas transmitidos pelo solo superior a 50% (SOR B). Não foram encontrados estudos que avaliassem o benefício da desparasitação sistemática em crianças saudáveis, assintomáticas e residentes em países de baixa prevalência, como parece ser o caso de Portugal. Nestes, o tratamento deve ser selectivo e baseado no diagnóstico de infecção (SOR C) (Quadro_IV).7, 24-26


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