A comunicação na consulta: Uma proposta prática para o seu aperfeiçoamento
contínuo
Introdução
Etimologicamente, a palavra comunicar deriva do latim comunicare que significa
«partilhar alguma coisa com alguém», «pôr em comum», «tornar comum».1
As competências de comunicação interpessoal são basilares em toda a prática
clínica, em especial nas especialidades intensamente relacionais, como é o caso
da Medicina Geral e Familiar (MGF). É através da comunicação que se exploram e
valorizam sintomas, emoções, sentimentos e preocupações, que se identificam e
modelam expectativas, que se dão explicações, que se lida com motivações, que
se acordam planos terapêuticos, isto é, que se constrói um clima terapêutico e
uma relação profissional de ajuda. Relação e comunicação são entidades
distintas mas indissociáveis, sendo que a relação se constrói e manifesta, em
grande parte, pela comunicação.
Neste trabalho os autores procuraram distinguir e isolar, tanto quanto
possível, o processo comunicacional dos aspectos relacionais e das fases,
passos e conteúdo das consultas.
A comunicação é um processo complexo que se concretiza por uma trama de
comportamentos verbais e não verbais, num dado contexto. Segundo Watzlawick e
Bateson, todo o comportamento é uma forma de comunicação.2-4 Médico, doente e
contexto são componentes indissociáveis que determinam o processo e os
resultados da comunicação. Para os fins pretendidos, este artigo focaliza-se
nas competências e nos comportamentos de comunicação do médico, os quais, sendo
basicamente inatos, podem ser treinados e continuamente aperfeiçoados. As
fragilidades e os percalços da comunicação interpessoal médico-doente são
tantos e tão variados que os médicos não podem ficar-se pelo inato. Por isso, o
treino sistemático e contínuo destas competências deve integrar a formação de
todos os médicos.5-7
Na bibliografia seleccionada abundam as afirmações sobre a importância da
comunicação médico-doente para obter bons resultados em saúde.8-11 Porém, a
investigação sobre a efectividade da comunicação é relativamente escassa, uma
vez que é difícil medir os resultados decorrentes do processo de comunicação em
si mesmo.12 No entanto, os autores são unânimes a presumirem que a comunicação
tem consequências no resultado dos cuidados, incluindo na redução da má-prática
e da conflitualidade na consulta e nos serviços de saúde.9,13
Na bibliografia sobre comunicação médico-doente é frequente os textos
amalgamarem aspectos tão diversos como: estrutura e duração da consulta;
processo decisional; relação médico-doente; e estratégias de envolvimento,
entre outros. Várias escalas e grelhas de avaliação da consulta ou entrevista
clínica em MGF como, por exemplo, as de Pendleton e a MAAS-Global, entre
outras, embora úteis, misturam aspectos distintos, tais como: estruturação da
consulta; competências comunicacionais; competências relacionais; competências
técnico-clínicas (inclui colheita da história clínica); processos de raciocínio
e de decisão; competências transacionais; competências de apoio à mudança
comportamental; e registos clínicos, entre outros.14-16
Os autores estão conscientes da complexidade da consulta e da estreita
interligação de todos os aspectos e processos atrás enunciados. Mesmo assim,
procuraram dissecar e isolar, tanto quanto possível, a componente
comunicacional da consulta e as competências práticas que ela envolve.
Em Portugal, no âmbito dos cuidados de saúde primários e da MGF, é justo
destacar os artigos pioneiros de João Gabriel Rodrigues e de Pedro Oliveira e
Silva, publicados na Revista Portuguesa de Clínica Geral, e a obra basilar de
José Mendes Nunes.17-22 Em termos de investigação, é de assinalar o projecto de
investigação em curso sobre «Comunicação em Cuidados de Saúde Primários – na
prática da Medicina Geral e Familiar e na prática da Farmácia Comunitária»,
envolvendo investigadores da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e
da Coordenação do Internato de MGF da Zona Sul.
A comunicação, a relação médico-doente e o processo de consulta estão
intimamente interrelacionados. Porém, é útil individualizar e distinguir estas
entidades, para melhor estabelecer modelos e métodos de treino das respectivas
competências. Por isso, os autores procuraram encontrar uma forma prática e
simples de treinar competências comunicacionais, decompondo-as em
comportamentos passíveis de ser observados, consciencializados, modificados e
aperfeiçoados no seu dia-a-dia profissional.
Processo
Os autores adoptaram o ciclo observacional reflexivo ilustrado na Figura_1.
Este ciclo combina a prática reflexiva com o estudo de literatura e de notas de
cursos sobre comunicação. A reiteração deste percurso estruturado permitiu aos
autores identificar problemas e dificuldades na comunicação durante as suas
consultas de MGF em 2009 e 2010. A obra e os ensinamentos de José Mendes Nunes,
designadamente o livro Comunicação em Contexto Clínico, constituíram o alicerce
básico deste trabalho.21 Partindo deste alicerce, os autores procederam a uma
pesquisa e selecção bibliográfica utilizando como critério-guia o da
demonstração de associações entre comportamentos e estilos de comunicação e
resultados medidos em termos de satisfação dos doentes, de adesão aos planos
terapêuticos, de prevenção e controlo de doenças ou de seus factores de risco,
ou de resolução de problemas de saúde.
A prática durante as consultas, a análise de videogravações, a reflexão e
discussão entre si e com outros observadores médicos permitiram a focalização
progressiva em competências de comunicação e sua decomposição em comportamentos
elementares. O passo seguinte foi o de sintetizar as referidas habilidades
comportamentais em «artes», sistematizando-as de modo a conferirem suficiente
sentido, coerência e elegância ao modelo teórico-prático em construção.
A escolha da palavra «artes» deveu-se a três razões:
a) à influência inspiradora de Robert Henri, para quem «arte» é «quando
expressamos com empenho, cuidado e imaginação o vibrar do nosso viver em
relação com os outros e com o mundo. Seja pela beleza de uma voz, de uma
pintura, da palavra, de um acto profissional…»;23
b) ao significado da palavra enquanto «aplicação do saber à obtenção de
resultados práticos, sobretudo quando aliado ao engenho»;1
c) à tradição milenar que integra ciência e arte no espírito e na prática da
Medicina.
O teste, re-teste, reflexão e discussão em sucessivas ocasiões proporcionaram a
descoberta de novos aspectos e detalhes que levaram ao reajustamento do modelo,
o qual permanece aberto a um aperfeiçoamento contínuo (Figura_1).
Modelo proposto
O percurso reiterado do ciclo representado na Figura_1, em ocasiões diversas ao
longo de 2009 e 2010, permitiu identificar 55 atitudes e comportamentos, os
quais foram agrupados tendo em conta as suas afinidades funcionais no processo
da comunicação. Dessa sistematização decorreram as artes descritas na Figura_2
e no Quadro_I.
Os pilares centrais da comunicação médico-doente
Todas as «artes» individualizadas e descritas neste artigo podem considerar-se
essenciais na comunicação médico-doente. Porém, quatro delas parecem funcionar
como pilares centrais para a efectividade de todo o processo. São elas: ouvir;
perguntar, imaginar-se no lugar do outro e confirmar e reformular.
Interpelar, ouvir, perguntar, ouvir a resposta, imaginar-se o outro,
interpretar, partilhar as interpretações, voltar a perguntar para confirmar a
sintonia de entendimentos, voltar a ouvir, reformular, devolver o resultado
desse processo, e assim sucessivamente, formam como que um núcleo ou core
central, um coração, que anima a vida de todo o processo da comunicação (Figura
2).
Saberes e capacidades essenciais
O Quadro_I sistematiza o modelo proposto pelos autores para treinar capacidades
de comunicação na consulta.
1. Arte de começar
A arte de começar focaliza-se no reconhecimento do doente e da sua
singularidade humana. Este reconhecimento, quer visual, quer simbólico (tratar
pelo nome, utilizar um título profissional) é uma necessidade humana básica.
Por isso, pode ser tão importante utilizar o nome pelo qual o doente gosta de
ser tratado, olhar directamente, sorrir, apertar a mão, quando e onde este
gesto seja socialmente aceite e desejável. O contacto visual, juntamente com a
expressão facial e o contacto físico, são determinantes para garantir um bom
começo da comunicação. Alguns estudos mostram que estes «primeiros segundos»
podem determinar o tipo de comunicação e o resultado final da consulta.12,20,22
2. Arte de olhar/ver e «ler»
A observação clínica começa desde o primeiro segundo. Tal requer uma quietude
atenta à linguagem não verbal (linguagem do corpo: aparência, postura, gestos,
expressão facial) e à linguagem para-verbal (timbre, entoação, ritmo,
vocalizações não verbais). Estas linguagens podem dizer muito sem recurso às
palavras e podem modelar, confirmar ou contradizer o significado formal destas.
São muitas vezes os elementos visuais que contribuem para formar uma primeira
impressão de uma pessoa, naquele momento, seja ela «certa» ou «errada». Desta
forma, se estivermos atentos às várias linguagens do doente, reduzimos a
possibilidade de perda de informação.24-26
3. Arte de ouvir
Todos necessitamos de ser escutados e compreendidos e, sentindo-nos escutados,
temos menos necessidade de «falar, falar, falar» para prender a atenção do
outro e ficamos mais disponíveis para depois o escutar.
A escuta activa e reflexiva, sem juízos de valor, leva a que o doente sinta que
existe interesse genuíno no que ele está a dizer e que tem espaço para exprimir
os seus sentimentos, angústias, inquietações, dúvidas e dificuldades. Vários
estudos demonstraram que, se o doente se sentir ouvido, o seu grau de
satisfação com a consulta aumenta.9, 25, 27-29
O tempo médio que alguns autores mediram em cuidados de saúde primários ao fim
do qual os médicos interrompem o discurso inicial dos doentes foi de 18 a 23,1
segundos. E, quando o médico não interrompe, a exposição inicial do doente não
ultrapassa a duração média de 30 segundos. O que significa que para poupar 7-12
segundos no início da consulta o médico pode estar a prejudicar a eficácia da
comunicação e a aumentar, no final da consulta, o «já agora» que pode fazer
voltar a consulta ao início.20, 21, 27, 30-32
Além disso, respeitar os silêncios que surgem naturalmente durante a consulta,
sem tentar preenchê-los imediatamente, pode constituir uma oportunidade para o
doente reorganizar a sua agenda, formular e colocar dúvidas e para o médico
identificar aspectos que ficaram por esclarecer, reequacionar as hipóteses
diagnósticas, etc.
4. Arte de conduzir a comunicação
Conduzir significa «mover-se com» e exige um processo cibernético, que
pressupõe atenção, acção e retroacção. Esta pode ser positiva (sinais de
incitamento à continuação da comunicação) ou negativa (interrupção). Conduzir a
comunicação implica buscar um equilíbrio sensato entre deixar o doente falar à
vontade e interrompê-lo para influenciar o curso da comunicação. Esta
interrupção, quando feita, deve sê-lo no sentido do enfoque nos objectivos
essenciais da consulta. O preconceito de que, em geral, os doentes «falam
muito» associado à impaciência e à pressa do médico leva este, frequentemente,
a interromper inadequadamente o doente. Com este comportamento pode perder
informações preciosas e causar o insucesso da consulta. Assim, a interrupção
deve ser a excepção, nunca a regra. Vários estudos têm evidenciado este
comportamento impulsivo já descrito a propósito da «arte de ouvir». De igual
modo, é indispensável saber detectar quando o doente está a divagar e a perder-
se em elementos e factos acessórios e, de forma serena, afável e firme, resumir
o essencial e reenfocar a atenção nos problemas que parecem ser a fonte de
preocupações e angústias do doente. Logo a seguir, é indispensável fazer
perguntas adequadas para reorientar o doente na exposição da sua situação e
problemas, bem como das suas crenças, explicações, receios e expectativas.
Neste processo são úteis o parafrasear e a técnica do assinalamento.
Parafrasear consiste em utilizar as mesmas palavras e expressões ou termos
idênticos aos que o doente usou para sublinhar ideias essenciais ou pontos
críticos, o que por um lado valida que o médico ouviu atentamente o paciente e,
por outro lado, pode ajudar a conduzir a consulta. A técnica de assinalamento
corresponde a um feedback que põe em evidência ou mostra ao doente emoções ou
comportamentos que este expressou, abrindo oportunidades ao aprofundamento das
motivações, dos conflitos e das áreas de tensão psicossocial.
5. Arte de perguntar
Saber perguntar é um dos pilares centrais da comunicação. Sem perguntar, não é
possível conhecer nem compreender o doente nem os seus problemas de saúde e
respectivas circunstâncias e determinantes. Perguntar pela «agenda» completa do
doente, logo no início da consulta, poupa tempo e aumenta a efectividade.32 Por
outro lado, é da sabedoria popular que «perguntar não ofende» e «faz pensar».
Mas, saber perguntar é uma das artes mais difíceis e está intimamente ligada ao
saber calar, ao saber ouvir, ao saber reformular e... ao abster-se de induzir o
que se quer ouvir, de julgar ou de censurar. É um exercício de inteligência, de
perspicácia, de humildade, de auto-disciplina e de respeito pelo doente. Entre
as capacidades que integram esta arte incluem-se o saber fazer perguntas
abertas sem induzir a resposta, o saber perguntar oferecendo opções claras para
ajudar o doente a responder (exemplos: dor como se fosse um aperto constante ou
uma pontada, ou uma moinha, ou uma dor que vai e volta). Por vezes é adequado
responder ao doente com uma pergunta, sobretudo quando houver indícios que a
pergunta do doente tem um medo ou uma preocupação subjacente («porque é que me
pergunta isso?»). De igual modo, é crucial pedir feedback ao doente sobre o que
está a apreender da comunicação, sobre a clareza da explicação, se o que é
proposto faz sentido, se é claro, se é exequível para ele, entre outros
aspectos. Perguntar e compreender vão a par-e-passo no processo de comunicação.
6. Arte de se imaginar no lugar do outro
A compreensão ou a aproximação à compreensão dos pontos de vista e do modo de
ver do doente requerem ainda outras competências além do saber perguntar. Um
obstáculo major à comunicação é a ausência de compreensão. Por isso, é tão
importante a atitude/comportamento da empatia. Isto é, o procurar ver-se
mentalmente na situação do doente e, se possível, transmitir ao doente, de
vários modos, esta atitude. Um modo de o conseguir é, por exemplo, colocando a
si próprio perguntas como: se eu estivesse nesta situação, como reagiria? o que
sentiria? o que pensaria? como gostaria de ser compreendido? o que gostaria que
me fizessem/ou que não fizessem? o que faria? E, sempre que apropriado,
comunicar ao doente, com sinceridade, o resultado deste processo reflexivo
imagético.
7. Arte de sintonizar
Para que ocorra comunicação é necessário que o médico e o doente emitam e
recebam no mesmo «comprimento de onda» as mensagens que trocam entre si. Isto
é, que descodifiquem do mesmo modo as palavras e as expressões que usam. Sendo
o médico o profissional, é a ele que cabe assegurar-se que esta sintonia
existe. Para isso, tal como já foi referido, o médico deve manter-se atento ao
doente e à comunicação com ele, ponderar cada palavra que usa e qual o
significado que ela possa ter para o doente. De igual modo, deve assegurar-se
que compreende os significados das palavras e das expressões que o doente
utiliza.
É crucial que exista esse entendimento comum do significado das mensagens
trocadas entre médico e doente. Pedro Oliveira e Silvarefere a palavra harmonia
para ilustrar esta arte, a qual envolve a genuína demonstração de autenticidade
e interesse pelo outro.20
8. Arte de confirmar e reformular
Reformular, isto é, dizer de outro modo, devolver uma ideia sob outra forma, é
crucial para confirmar e para mostrar que se compreendeu o doente e o que ele
nos quis transmitir. Também pode ajudar o doente a organizar e a afinar as suas
mensagens e o seu pensamento e pode, ainda, servir para lhe propor outras
perspectivas, outros pontos de vista e modos de ver os problemas ou situações
que estão a ser abordados. É uma competência bastante sofisticada. Requer muita
atenção, sensibilidade, bom senso e prudência. Pode, por exemplo, começar com:
«Se bem entendi, o senhor receia que...» ou «Pelo que me conta, depreendo
que... Estarei certo?» ou ainda «Parece-me ter compreendido a sua situação e o
motivo porque está tão preocupado, mas também é possível considerar esse
problema de outros pontos de vista. Por exemplo...».
Para reformular adequadamente são indispensáveis: escuta atenta e activa,
perguntas oportunas e pertinentes, acompanhamento atento de todos os sinais e
mensagens, com feedback frequente, quer afectivo (expressão facial, sons de
assentimento, sorriso afectuoso), quer cognitivo, recorrendo a resumos
sucintos. Esta arte é, assim, um dos pré-requisitos para sintonizar a
comunicação e para a levar a bom termo.
9. Arte de explicar
Em geral, o doente procura e espera explicações ou pretende testar ou confirmar
as suas próprias explicações. Espera respostas claras e compreensíveis, que
façam sentido para si, a perguntas como: «Que doença é esta?»; «Porque é que me
aconteceu a mim?»; «Porquê agora?»; «Que me vai acontecer a seguir?»; «Que
perigos corro?»; «O que é possível fazer?».
Por sua vez o médico deve explorar as explicações do próprio doente com
perguntas como «A que atribui esse sintoma?». Na fase em que propõe a sua
explicação científica, deve escolher e usar palavras, frases e expressões
claras, simples e precisas, tendo em conta o nível de instrução e de literacia
em saúde de cada doente concreto. Deve evitar o hermetismo técnico e
explicações complexas, que são habitualmente confusas, e socorrer-se de
imagens, de analogias e de metáforas que ajudem nas explicações a dar.
10. Arte de resumir
Numa consulta abordam-se com frequência situações complexas, algumas vezes
confusas, com emaranhados de factores e de problemas. O próprio doente vivencia
por vezes uma amálgama ameaçadora de sintomas, de representações, de medos, de
sofrimento mal definido, com os quais tem dificuldade em lidar. Por isso é
útil, para ambas as partes, elaborar pequenos resumos, simples e claros, ao
longo da comunicação e da consulta: resumir os motivos de consulta, antes de
passar à exploração; resumir os dados essenciais da exploração subjectiva e do
exame objectivo; resumir a avaliação – o «diagnóstico» é, em si, um hiper-
resumo, por vezes demasiado simplificador, mas quase sempre tecnicamente útil.
Finalmente deve resumir-se o plano, objectivos e acções acordados e, quando
possível, fornecer por escrito esse plano. Isto pode facilmente ser feito,
actualmente, através de «copy e paste» ou da impressão direta da componente «P»
do SOAP do registo da consulta na aplicação informática.
11. Arte do acordo
O doente só faz o que quer e/ou se compromete a fazer. As decisões terapêuticas
devem, por isso, ser partilhadas e traduzir-se em actos e objectivos realistas
e exequíveis nos contextos socio-familiar, cultural, económico e ocupacional de
cada doente. Daí a necessidade de o médico desenvolver competências «negociais»
ou «transacionais» que requerem competências de comunicação muito apuradas. Dar
indicações, ordens, proibir, ou simplesmente aconselhar sem atender aos
universos interior e exterior do doente são actos potencialmente condenados ao
fracasso.
A arte de chegar a acordo e a compromissos requer assertividade e contribui
para que a probabilidade de adesão aos planos terapêuticos e de obtenção de
resultados aumente consideravelmente.9,33,34
Para se atingir acordo e compromisso é indispensável: identificar e propor
acções adequadas e viáveis, acolher e respeitar as preferências e
condicionalismos do doente, propor alternativas aceitáveis para ambos, chegar a
entendimentos comuns e acordar acções e objectivos SMART (específicos,
mensuráveis ou avaliáveis, relevantes e atingíveis num prazo definido).
12. Arte de concluir
Saber começar, saber conduzir e saber concluir são três «chaves-mestras» que
enquadram um episódio de comunicação. A arte de concluir implica, por exemplo,
resumir sucintamente o que se passou, confirmar que se compreendeu o doente e
que este compreendeu o médico e que as principais expectativas e objectivos de
ambos foram atingidos. Também é importante dar oportunidade para algum feedback
espontâneo do doente sobre como vivenciou a consulta para, finalmente, encerrar
cordialmente a consulta e a comunicação.
Aplicação prática
Um dos objectivos dos estágios de MGF no internato médico é o do treino e
aperfeiçoamento das competências comunicacionais, quer dos internos, quer dos
orientadores.
O modelo descrito foi construído para dar resposta à necessidade sentida pelos
autores de delinear um quadro de capacidades práticas, traduzíveis por
comportamentos observáveis e susceptíveis de serem treinados e avaliados
criticamente. Esta avaliação pode ser feita pelo próprio (auto-avaliação), por
um observador externo ou diferida com recurso a videogravação.
As capacidades ou habilidades identificadas podem ser vistas como peças de
«Lego» que podem combinar-se de múltiplas formas, para compor cada momento e
fase do processo de comunicação. Se tomarmos consciência delas e do modo como
as executamos podemos aperfeiçoá-las. Este é o ponto-chave do modelo proposto.
Porém, os autores têm consciência e advertem que o processo total de
comunicação é muito mais que a simples soma dos gestos, comportamentos e artes
parcelares identificados. O seu sucesso depende, essencialmente, da preocupação
com o outro e do interesse e da motivação para comunicar bem.