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EuPTCVHe2182-51732012000500005

EuPTCVHe2182-51732012000500005

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN2182-5173
ano2012
Issue0005
Article number00005

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Halitose: estudo de prevalência e factores de risco associados numa Unidade de Saúde Familiar

INTRODUÇÃO A halitose é o termo empregue para descrever qualquer alteração do hálito; deriva do latim halitos (ar expirado) e osis (alteração patológica).1 A halitose é multifactorial e pode envolver condições orais e extra-orais. Mais de 75% dos casos têm origem na cavidade oral. As causas mais frequentes são: higiene, língua saburrosa, patologia periodontal (gengivite, periodontite) e hiposalivação.2,3 O processo fisiopatológico comum corresponde à degradação microbiana de substratos orgânicos. As etiologias extra-orais da halitose incluem maioritariamente: patologias do aparelho respiratório superior e inferior (amigdalite, rinosinusite e bronquiectasias), patologias do aparelho gastrointestinal (doença do refluxo gastro-esofágico, diverticulose faringo- esofágica, úlcera péptica), doenças metabólicas (trimetilaminúria, diabetes mellitus) terapêutica farmacológica com compostos ricos em enxofre (dissulfiram) e hábitos alimentares (jejum prolongado, ingestão de alimentos ricos em odor).2,3 Na sociedade actual observa-se a atribuição de uma importância crescente à imagem pessoal e às relações interpessoais. A halitose pode conduzir à diminuição da auto-estima e ser inclusivamente um factor perturbador das actividades sociais.4 Os valores de prevalência da halitose nos escassos estudos internacionais publicados variam entre 2 e 44%.5,6 Esta disparidade de valores justifica-se pela subjectividade dos critérios de diagnóstico, dos métodos de avaliação e das técnicas de amostragem.3 Vários factores de risco têm sido associados a halitose, nomeadamente: o sexo masculino, a idade mais avançada, a ausência do uso regular de fio dentário e falta de limpeza regular da língua.7,8 O presente estudo visa determinar a prevalência de halitose numa consulta de Medicina Geral e Familiar e determinar variáveis associadas à halitose, colmatando a inexistência, a nível nacional, de trabalhos de investigação nesta área.

Os objectivos propostos consistiram em: determinar a prevalência de halitose nos utentes de uma Unidade de Saúde Familiar; verificar se existe associação entre halitose e as variáveis: sexo, idade, hábitos de higiene oral, uso de antidepressivos, hábitos tabágicos e hábitos alcoólicos; apurar se existe associação entre halitose e auto-percepção de mau hálito; averiguar a importância atribuída pelos utentes ao médico de família na abordagem da halitose.

MÉTODOS Foi efectuado um estudo observacional, transversal, analítico, com recolha de dados no dia 5 de Novembro de 2008, na USF S. Félix da Marinha, pertencente ao Agrupamento de Centros de Saúde Espinho/Gaia.

A população do estudo correspondeu aos utentes inscritos na USF, com idade igual ou superior a 3 anos.

Foi utilizada uma técnica de amostragem não aleatória, de conveniência.

Os utentes que recorreram à USF no período de recolha dos dados foram informados pelos funcionários administrativos da realização do trabalho de investigação e convidados a participarem no mesmo.

A recolha dos dados foi efectuada através da aplicação de um primeiro questionário de auto-preenchimento, seguindo-se a aplicação de um segundo questionário por entrevista pessoal e avaliação da halitose com um cromatógrafo gasoso (Oralcroma®, Abilit Corp.,Japão concedido pelo Instituto do Hálito Breath Research). A cromatografia gasosa é um exame recentemente aplicado em estudos epidemiológicos que permite a medição dos compostos sulfurados voláteis (CSV).9 A medição de CSV em concentração superiores a 110 ppb é indicativa da presença de halitose.10 Foram excluídos os utentes que, nas duas horas anteriores ao exame objectivo, tinham fumado, mastigado pastilhas elásticas, ingerido alimentos, escovado os dentes ou tinham usado elixires orais.11 No caso de crianças menores de 12 anos, o questionário foi preenchido pelos pais. Ambos os questionários foram desenvolvidos pelos autores, baseados nos utilizados em estudos epidemiológicos prévios.5-7 Foi efectuado um teste piloto com 5% do tamanho da amostra para avaliar a facilidade de leitura da informação contida nos questionários, tendo-se verificado a viabilidade deste. Foram garantidos o anonimato e a confidencialidade dos dados.

As variáveis avaliadas foram as seguintes: idade por segmentação em quatro grupos etários para tratamento estatístico (3-20 anos, 21-40, 41-60 e 61 anos); sexo género do indivíduo; halitose presença de compostos sulfurados voláteis acima de 110 ppb; escovagem frequente dos dentes definida como o hábito de escovar os dentes pelo menos duas vezes por dia; limpeza regular da língua definida como o hábito de limpar a língua pelo menos uma vez por dia; uso regular de fio dentário definida como o hábito de usar o fio dentário pelo menos três vezes por semana; hábitos tabágicos consumo actual de pelo menos um cigarro por dia; hábitos alcoólicos consumo actual de pelo menos uma bebida com álcool por dia; uso de antidepressivos terapêutica actual com antidepressivos com início mais de um mês; auto-percepção de mau hálito sensação de halitose no momento da observação; importância atribuída ao médico de família o utente foi questionado sobre qual o profissional de saúde que consultaria em primeiro lugar caso tivesse halitose.

Os dados recolhidos foram codificados e registados em base de dados informática recorrendo ao Software Microsoft Excel® e tratados com o software SPSS®, versão16.0®. Foram determinados resultados referentes à estatística descritiva e inferencial. Foi utilizado o teste de Qui-quadrado para comparação de proporções. Foi adoptado um nível de significância de 0,05.

RESULTADOS Caracterização da amostra Foram convidados a participar no estudo 144 utentes utilizadores da USF. Em 30 utentes verificaram-se factores de exclusão. A taxa de resposta foi de 86,8%, pelo que o tamanho amostral perfez 99 utentes, dos quais 66,7% do sexo feminino e 33,3% do sexo masculino. A distribuição etária variou entre os três e os 77 anos, com uma idade média de 40 anos e um desvio padrão de 17 anos.

Prevalência de halitose A prevalência de halitose encontrada foi de 49,5% (IC 95%: 39,8 a 59,2%).

Factores associados à halitose A prevalência de halitose no sexo masculino foi de 69,7% versus 39,4% no sexo feminino, diferença esta que se reputa estatisticamente significativa. A prevalência de halitose nos diferentes grupos etários também revelou diferenças estatisticamente significativas, aumentando a sua prevalência com a idade (Quadro_I).

Os resultados do estudo dos hábitos de higiene oral em associação à halitose encontram-se resumidos nos Quadro_II, III e IV. Verificou-se associação estatisticamente significativa entre halitose e ausência dos seguintes hábitos: uso regular de fio dentário e limpeza regular da língua. Não foi encontrada associação estatisticamente significativa entre halitose e escovagem pouco frequente dos dentes.

Em relação à caracterização dos hábitos tabágicos e alcoólicos não se verificaram diferenças estatisticamente significativas (Quadro_V e VI).

Relativamente à toma de medicamentos, observou-se uma prevalência muito superior nos doentes sob terapêutica actual com fármacos antidepressivos, sendo esta diferença estatisticamente significativa (Quadro_VII).

Não foi encontrada associação entre halitose e auto-percepção de mau hálito de acordo com os resultados descriminados no Quadro_VIII.

Aos participantes do estudo foi colocada a seguinte questão: «qual o médico que procuraria em primeiro lugar caso tivesse mau hálito?» Por ordem decrescente, foram escolhidos os seguintes profissionais de saúde: o médico dentista (41,4%), o médico de família (36,4%), o gastrenterologista (13,1%) e o otorrinolaringologista (9,1%).

DISCUSSÃO O presente estudo é pioneiro em Portugal no âmbito da halitose. Salienta-se o facto de ter sido utilizado um método objectivo de determinação da halitose a cromatografia gasosa. A taxa de participação foi mais alta do que a esperada, tendo-se observado um interesse geral por parte dos participantes acerca do tema em foco.

No entanto, este estudo apresenta certas limitações. A inexistência de um diagnóstico bem definido e universal de halitose pode ter originado um viés de classificação. A aplicação de questionários não validados e de auto- preenchimento pode ter gerado viéses de medição e de informação, respectivamente. Além disso, a amostra foi de conveniência e não foi efectuado o cálculo da amostra prévio, o que pode ter condicionado um erro aleatório e viés. Por último, o facto de a amostragem ter sido não aleatória impossibilita a inferência para a população do estudo.

A prevalência de halitose encontrada neste estudo foi de 49,5%. Nos demais estudos que também utilizaram aparelhos de medição de CSV, a prevalência apurada variou de 0,9 a 42,6%.12 Tem-se atribuído esta discrepância às diferenças de características das populações estudadas no concernente aos hábitos regulares de higiene oral e às consultas regulares com o profissional de saúde oral.12-14 É de referir que o nosso estudo foi realizado numa área com uma mescla de características urbanas e rurais, com predomínio das segundas e com um nível socioeconómico médio-baixo.

Neste estudo, identificou-se o sexo masculino como factor de risco de halitose.

Pelo contrário, na maioria dos estudos encontrados não foram detectadas diferenças significativas entre sexo e halitose.10 Alguns estudos sugerem que as mulheres são as que mais procuram ajuda e tratamento pois são as que mais valorizam a halitose.10,13 A idade superior a 61 anos também foi identificada como factor de risco. Um factor contribuinte poderá advir do aumento, com a idade, da doença periodontal.6 Todavia os três estudos encontrados que incluíram indivíduos com idade avançada não constataram haver diferenças significativas.7,9,14 De forma semelhante a outros estudos, a ausência do uso regular de fio dentário e a ausência de limpeza regular da língua foram identificados como factores de risco de halitose. Por seu turno, não foi encontrada associação entre halitose e ausência do hábito de escovagem regular dos dentes. Note-se que os locais predominantes de produção de CSV de origem bacteriana são o dorso da língua e o sulco gengival, tendo a superfície dentária uma menor relevância.15,16 De forma concordante com a bibliografia, não se verificou associação entre halitose e hábitos tabágicos e alcoólicos.10,14 Convém assinalar que foram excluídos os indivíduos que, nas duas horas anteriores ao exame objectivo, tinham fumado ou ingerido bebidas alcoólicas.

Foi encontrada associação entre terapêutica com antidepressivos e halitose.

Este foi o primeiro estudo a nível internacional que investigou estas variáveis. Duas explicações podem justificar este resultado. Por um lado, sabe- se que o uso continuado de antidepressivos poderá diminuir o fluxo salivar.2 A hipossalivação é um factor etiológico de halitose, uma vez que a saliva exerce uma função de limpeza dos substratos orgânicos presentes na boca. Por outro lado, a depressão pode diminuir a motivação para uma correcta higiene oral. São necessários mais estudos que apoiem estes resultados.

Não se verificou associação entre halitose e a auto-percepção de halitose. Este resultado é apoiado pela literatura: o facto de uma pessoa exalar um mau odor real (apurado por terceiros provas organolépticas ou averiguado por cromatografia gasosa) não significa necessariamente que percepcione o próprio hálito como desagradável (auto-percepção). Alguns autores apontam os fenómenos relacionados com a habituação olfactiva ao próprio odor como uma explicação para este facto.3,6 A ocorrência de halitose nestes doentes constitui um problema pois a sua presença é frequentemente um indicador de actividade bacteriana anormal ou de um mecanismo fisiológico alterado. A detecção e a identificação da etiologia da halitose podem contribuir para o diagnóstico precoce de certas doenças com efeitos prejudiciais (por exemplo, a doença periodontal que pode resultar na perda prematura dos dentes).2-3 Deste modo, é importante que estes doentes sejam informados sobre a existência de halitose real.

A situação inversa, isto é, a auto-percepção de halitose sem confirmação por cromatografia ou por terceiros (pseudohalitose) também pode representar um problema. A mera suspeita de ser portador de mau hálito geralmente provoca um impacto na qualidade de vida, sobretudo ao nível psicológico, com manifestações comportamentais visíveis (cobrir a boca ao falar, manter uma maior distância interpessoal ou evitar relações sociais).4 Existem diversos factores que podem contribuir para uma percepção irreal de halitose (pseudohalitose), concretamente: disgeusias e a doença do refluxo gastroesofágico.4,10,17 Para um correcto diagnóstico (halitose real versus pseudohalitose) e elaboração do plano de tratamento, é importante indagar se as queixas por parte do paciente estão fundamentadas apenas na sua auto-percepção ou se houve confirmação por parte de terceiros ou através de instrumentos de medição (ex. cromatógrafos gasosos).

O médico de família foi o profissional de saúde escolhido em segundo lugar pelos utentes com vista à abordagem inicial da halitose. Este resultado alerta para a necessidade da formação médica contínua ao nível da saúde oral. Ademais, a ausência de hábitos regulares de higiene oral, como o uso de fio dentário e a limpeza da língua, são factores de risco susceptíveis de maior intervenção nas consultas programadas. O reconhecimento da associação entre halitose e antidepressivos é importante no acompanhamento clínico dos doentes sob terapêutica crónica com estes fármacos.

Na prática clínica, o médico de família reúne competências acrescidas na abordagem da halitose e da pseudohalitose. Para tal contribuem a relação de proximidade e confiança médico-doente, bem como a possibilidade de envolver os familiares no diagnóstico e tratamento do problema em causa. Presentemente, a cromatografia gasosa é um exame disponível apenas no âmbito da Medicina privada. Assim sendo, a anamnese e o exame objectivo (com ênfase particular da orofaringe) permanecem fundamentais na avaliação inicial dos doentes com queixas de halitose. A referenciação hospitalar (por exemplo, para a consulta de estomatologia) e, eventualmente, a orientação para uma consulta específica do hálito a nível da Medicina privada, devem ser ponderadas de acordo com a gravidade clínica, o impacto das queixas na qualidade de vida e o nível socioeconómico de cada doente.

O presente estudo veio colmatar a inexistência de trabalhos de investigação acerca de uma patologia com elevada prevalência. No entanto, reveste-se de capital importância a realização de novos estudos com indivíduos pertencentes a diferentes localizações geográficas e mais representativos do nível socioeconómico da população portuguesa. Sugerem-se futuras linhas de investigação que avaliem outras variáveis, tais como: o nível socioeconómico, a terapêutica com outros medicamentos xerostómicos (inibidores da bomba de protões, ansiolíticos e anti-histamínicos) e variáveis emocionais e comportamentais relacionadas com o impacto da halitose na qualidade da vida.


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