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EuPTCVHe2182-51732013000400006

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variedadeEu
ano2013
fonteScielo

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Análise sumária de urina de rotina: porquê e para quê?

Introdução O pedido de análise sumária de urina é um acto rotineiro, realizado diária e repetidamente. O seu uso visa o rastreio de bacteriúria assintomática, hematúria e/ou proteinúria e inclui o exame físico, químico e microscópico da urina. São vários os parâmetros analisados, como a coloração, a densidade, o pH, a hematúria, proteinúria, leucocitúria e glicosúria, entre outros. As diferentes alterações no exame poderão ser atribuídas ao uso de fármacos e a inúmeras patologias, entre as quais a diabetes mellitus, a tuberculose, a doença renal (glomerulopatias) e a neoplasia e as doenças infecciosas do aparelho urinário (cistite, pielonefrite).1 Apesar do seu baixo custo, o número de exames efectuados anualmente pode ter um impacto significativo nos encargos associados à saúde e na qualidade de vida dos indivíduos, porque os frequentes falsos positivos acarretam investigação adicional, o que aumenta os custos e implica riscos para o doente.

A Confederação Europeia de Medicina Laboratorial, através do European Urinalysis Group, publicou em 2000 uma guideline na qual estabelece que a análise sumária de urina deve ser apenas solicitada por indicação clínica.2 O seu uso sistemático em determinadas populações deve ser sempre analisado numa perspectiva custo/benefício.2 Poderá ser discutível, por exemplo, nos doentes hipertensos ou diabéticos, que actualmente a determinação da microalbuminúria é o parâmetro mais importante e esta poderá ser efectuada recorrendo a uma determinação específica (doseamento da razão albuminúria/ proteinúria).3-4 Também, nos indivíduos com factores de risco para a neoplasia da bexiga (fumadores, exposição a carcinogéneos químicos, entre outras condições) e, de acordo com a U.S. Preventive Services Task Force, parece não existir evidência de diminuição da mortalidade e/ou morbilidade com o rastreio através da análise sumária de urina, pelo que este não é recomendado.5 Perante estes dados, qual será então o benefício da realização da análise sumária de urina, de forma sistemática, em adultos aparentemente saudáveis e sem factores de risco, no que se refere à diminuição de morbi-mortalidade e melhoria da qualidade de vida? Com este trabalho pretendeu-se determinar qual o benefício da análise sumária de urina no rastreio de adultos assintomáticos, à luz da melhor evidência disponível.

Métodos Foi realizada uma pesquisa bibliográfica de meta-análises, revisões sistemáticas, ensaios clínicos aleatorizados e controlados, normas de orientação clínica e artigos de revisão, nas bases de dados Cochrane Library, Trip Database, Dare, National Guideline Clearinghouse, Finland Evidence Based Medicine Guidelines, PubMed, UpToDate, Indexde Revistas Médicas Portuguesas e nas citações dos artigos encontrados, utilizando os termos MeSH urinalysis e mass screening. A pesquisa foi limitada aos artigos publicados até Março de 2012 em inglês e português. Para avaliar o nível de evidência e estabelecer a força de recomendação foi utilizada a taxonomia SORT (Strength of Recommendation Taxonomy) da American Academy of Family Physicians.6 Foram seleccionados os artigos que incluíam indivíduos adultos, assintomáticos, que tinham realizado a análise sumária de urina sem indicação clínica. Os outcomes avaliados foram a percentagem de análises anormais, alteração na conduta clínica (acarretando mais exames, por vezes invasivos), efeitos adversos para o doente e diagnóstico precoce com melhoria da morbi-mortalidade.

Foram excluídos os artigos repetidos ou que não cumpriam os critérios de inclusão no que se refere à população, comparação ou outcomes.

Resultados Foram encontrados 459 artigos e seleccionados, por cumprirem os critérios de inclusão, uma revisão sistemática, dois artigos originais, duas normas de orientação clínica e um artigo de revisão (Quadro_I).

A revisão sistemática, de Munro J et al (1997), incluiu 11 estudos. Em sete destes a amostra era constituída por indivíduos adultos, sendo que em todos foi analisada a percentagem de resultados anormais, em cinco a alteração da conduta clínica e em dois os efeitos adversos para os indivíduos com resultados anormais. Dois trabalhos foram realizados na admissão a um serviço de urgência de medicina e os restantes em condições pré-operatórias. De uma forma global foram realizados 6740 testes, sendo apresentados os resultados no quadro_I.

Analisando-os, verifica-se que em cerca de um terço dos casos foram encontrados resultados anormais, sendo que a grande maioria destes foi ignorada pelos médicos, uma vez que a alteração na conduta clínica foi rara (0,1% a 2,8%).

Esta diferença, entre o número de resultados anormais e as intervenções subsequentes, poderá estar relacionada com a heterogeneidade da população estudada, assim como com as possíveis classificações de resultados anormais utilizadas. Outra explicação poderá ser a importância dúbia atribuída pelos clínicos a este exame como rastreio de doença. Nenhum dos estudos demonstrou qualquer evidência de que uma análise sumária de urina anormal, pré-operatória, esteja associada com algum evento adverso peri ou pós-cirurgia, não sendo preditivo de complicações.7 Apesar de não ser objecto desta revisão, destaca-se o facto de ausência de benefício parecer ser independente da idade, de acordo com este trabalho.

Quanto aos artigos originais, Ruttimann S et al (1994) comparou a realização da análise sumária de urina com e sem indicação clínica, na admissão a uma clínica de Medicina Interna (que incluía actividades preventivas e serviço de urgência). Consultando o quadro_I, verifica-se que, em 427 doentes, apenas 0,7% foram submetidos a alteração da conduta clínica (3 doentes).8 No segundo artigo original, Pashayan N et al (2002) realizou um estudo retrospectivo referente ao uso da análise sumária de urina com e sem indicação clínica na admissão a um serviço de Medicina e Cirurgia no Líbano, onde as actividades preventivas estão sub-desenvolvidas e a prevalência de doença renal parece ser diferente da registada no ocidente, de acordo com os autores. Participaram 462 doentes, tendo sido alterada a conduta clínica em apenas 2 doentes que realizaram o exame como rastreio e em 26 que o fizeram com indicação clínica. Comparando com a realização por rastreio, a análise sumária de urina efectuada por suspeição clínica apresentava uma probabilidade duas vezes superior de ser anormal, três vezes maior dessa anomalia ser investigada e 19 vezes superior de produzir um novo diagnóstico.9 No que diz respeito às normas de orientação clínica, as Finland Evidence Based Medicine Guidelines (2010) estabelecem que a análise sumária de urina deve ser um teste considerado de forma individual, de acordo com a indicação clínica, com uma força de recomendação A.10 O Institute for Clinical Systems Improvement (2010) considera que não existe evidência que suporte o uso da análise sumária de urina sem indicação clínica, emitindo uma recomendação contra o seu pedido como teste de rastreio (força de recomendação A).11 O artigo de revisão incluído, de Kiel D et al (1987), refere que não existe evidência na literatura que suporte o pedido de análise sumária de urina em indivíduos assintomáticos (Nível de evidência 3).12 Conclusões A análise sumária de urina é um teste simples, não invasivo e pouco dispendioso, o que pode contribuir para a sua realização de forma rotineira e sem critério clínico e para explicar o reduzido investimento em estudos recentes que determinem o benefício real deste teste em indivíduos assintomáticos. No entanto, após a análise dos resultados obtidos nesta revisão, a evidência contra o uso sistemático da análise sumária de urina está claramente demonstrada em estudos realizados várias décadas. Foi também perceptível o baixo valor que os clínicos atribuem a este exame, ignorando na grande maioria os seus resultados, independente de anormais ou não.

No entanto, são ainda necessários mais estudos para clarificar se o uso da análise sumária de urina diminui a morbi-mortalidade em populações seleccionadas, como os diabéticos ou os hipertensos, assim como determinar se a ausência de benefício é independente da idade, como parece demonstrar a literatura.7 Como em Portugal persiste a sua realização, muitas vezes sem critério clínico adequado, sugere-se a definição de novas orientações no seu pedido.

Em conclusão, o uso da análise sumária de urina como teste de rastreio em adultos assintomáticos não traz qualquer benefício, pelo que não está recomendado (SOR A).


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