Dieta mediterrânica: a dieta que protege?
CLUBE DE LEITURA
Dieta mediterrânica: a dieta que protege?
Mediterranean diet: a diet that protects?
Alexandra Machado
Interna de Medicina Geral e Familiar
USF Lagoa, ACES Matosinhos
Estruch R, Ros E, Salas-Salvadó J, Covas MI, Corella D, Arós F, et al.;
PREDIMED Study Investigators. Primary prevention of cardiovascular disease with
a mediterranean diet. N Engl J Med 2013 Apr 4; 368 (14): 1279-90
Introdução
Estudos observacionais de coorte e um estudo de prevenção secundária mostraram
uma associação inversa entre a adesão a uma dieta mediterrânica e risco
cardiovascular. Foi conduzido um ensaio clínico aleatorizado deste padrão de
dieta para a prevenção primária de eventos cardiovasculares.
Métodos
Neste ensaio clínico multicêntrico decorrido em Espanha entre 2003 e 2010,
foram aleatoriamente distribuídos indivíduos com alto risco cardiovascular (com
diabetes mellitus tipo 2, ou um mínimo de três dos seguintes factores de risco
cardiovascular: tabagismo, hipertensão arterial, colesterol LDL elevado,
colesterol HDL reduzido, excesso de peso/obesidade, ou história familiar de
doença coronária precoce), mas sem doença cardiovascular, por três grupos com
dietas diferentes: uma dieta mediterrânica suplementada com azeite virgem
extra, uma dieta mediterrânica suplementada com "mixed nuts"1 ou
uma dieta de controlo (aconselhamento para a redução de gorduras na dieta). Em
nenhum dos grupos foi aconselhada restrição total de calorias ou promovida a
prática de exercício físico.
Os participantes dos grupos de dieta mediterrânica receberam trimestralmente
sessões educacionais individuais ou em grupo, bem como provisões gratuitas de
azeite virgem extra ou de "mixed-nuts"; durante os primeiros três
anos do estudo, os participantes inseridos no grupo de dieta de controlo
receberam apenas uma sessão educacional no início do estudo, panfletos anuais
explicando uma dieta pobre em gorduras, e pequenos presentes não alimentares.
No entanto, pela percepção de que o apoio menos frequente aos participantes do
grupo de controlo poderia ser uma limitação do estudo, o protocolo foi alterado
a partir de 2006 e este grupo passou a ter aconselhamento personalizado e
sessões educacionais em grupo com a mesma frequência dos restantes grupos.
O outcome primário foi a taxa de eventos cardiovasculares major (enfarte do
miocárdio, acidente vascular cerebral ou morte por causa cardiovascular).
Outcomes secundários foram acidente vascular cerebral, enfarte do miocárdio,
morte por causa cardiovascular e morte por qualquer causa.
O ensaio foi suspenso após um seguimento mediano de 4,8 anos, com base na
análise dos resultados obtidos.
Resultados
Participaram um total de 7 447 pessoas entre os 55 e os 80 anos de idade; 57%
eram do sexo feminino. O regime terapêutico era similar para os participantes
dos três grupos. O seguimento mediano foi de 4,8 anos. No final do estudo
verificou-se uma taxa de desistência de 7%, sendo esta mais elevada no grupo da
dieta de controlo do que nos grupos de dieta mediterrânica (11,3% vs 4,9%).
Também a taxa de adesão a alterações alimentares para uma dieta mediterrânica,
semelhante nos três grupos no início do estudo, ao fim de três anos era
significativamente mais elevada nos grupos de participantes na dieta
mediterrânica do que no grupo de dieta de controlo.
Os dois grupos de dieta mediterrânica tiveram boa adesão à intervenção, de
acordo com a análise de consumo (auto-reportado) e de biomarcadores.
Ocorreram outcomes primários em 288 participantes. Os riscos relativos
ajustados para o sexo, idade e factores de risco cardiovasculares foram de 0,70
(IC 95% 0,54 a 0,92) e 0,72 (IC 95% 0,54 a 0,96) para o grupo da dieta
mediterrânica suplementada com azeite virgem extra (96 eventos) e para o grupo
da dieta mediterrânica suplementada com "mixed nuts" (83 eventos),
respectivamente, versus o grupo de controlo (109 eventos). Relativamente aos
outcomes secundários, apenas as comparações com o risco de acidente vascular
cerebral atingiram significância estatística.
Relativamente à mudança de protocolo ocorrida em 2006, foi avaliado o risco
relativo para as dietas mediterrânicas versus a dieta de controlo antes e
depois desta data, não tendo havido diferença significativa entre um e outro.
Discussão
Neste ensaio, uma dieta mediterrânica sem restrição calórica suplementada ou
com azeite virgem extra ou com "mixed nuts" resultou numa redução
do risco relativo de eventos cardiovasculares de cerca de 30%, em indivíduos de
alto risco sem doença cardiovascular. Estes resultados são particularmente
relevantes dados os desafios que se colocam à redução ponderal e sua
manutenção.
É possível apontar várias limitações deste estudo. Em primeiro lugar, o
protocolo do grupo de controlo foi alterado no decorrer do ensaio. A maior
intensidade da intervenção no grupo de dieta mediterrânica poderá enviesar os
resultados para benefício da dieta mediterrânica; no entanto, no estudo feito
antes e depois da alteração do protocolo não foram encontradas diferenças
estatisticamente significativas. Houve uma percentagem elevada de perda de
participantes, mais acentuada no grupo de controlo; a análise dos elementos
perdidos revelou um pior perfil cardiovascular à partida, que favoreceria os
resultados para o grupo de controlo. E a generalização dos resultados é
comprometida pelo facto de os participantes residirem num país mediterrânico e
terem alto risco cardiovascular.
As intervenções educacionais tinham como objectivo a promoção de um padrão
alimentar global, mas verificou-se que as maiores diferenças entre os grupos se
deviam principalmente aos suplementos alimentares fornecidos (azeite virgem
extra e "mixed nuts"). Portanto, estes elementos foram
provavelmente os responsáveis pelos benefícios observados nos grupos de dieta
mediterrânica.
Concluindo, entre indivíduos com alto risco cardiovascular, uma dieta
mediterrânica suplementada com azeita virgem extra e "mixed nuts"
reduziu a incidência de eventos cardiovasculares major.
COMENTÁRIO
A dieta mediterrânica tradicional é caracterizada por um consumo elevado de
azeite, fruta, frutos secos, vegetais e cereais; um consumo moderado de peixe e
aves; um baixo consumo de lacticínios, carnes vermelhas, carnes processadas e
doces; e vinho com moderação, consumido às refeições.1
A redução do risco cardiovascular associada a esta dieta tem sido demonstrada
em estudos observacionais de coorte e num ensaio de prevenção secundária.2-4 A
sua promoção tem sido feita por entidades em saúde como o Center for Disease
Control e a Mayo Clinic, e em Portugal é preconizada pelo Programa Nacional
para a Promoção da Alimentação Saudável, publicado em 2012.
Este estudo de grande dimensão apresenta resultados que, à primeira vista, e de
acordo com os autores, vêm apoiar os dados já existentes, mas que se apresenta
muito limitado pelo facto de, na realidade, estes resultados serem devidos a um
acompanhamento e aconselhamento dietético muito mais intensos nos grupos
atribuídos à dieta mediterrânica do que no grupo de controlo – mesmo tendo
havido uma tentativa de correcção deste viés já durante o estudo, a dúvida
persiste; em associação, o número de eventos cardiovasculares foi reduzido,
pelo que assim a redução do risco absoluto do outcome primário é na realidade
muito pequena.
Olhando para lá destas limitações, este estudo apresenta uma hipótese muito
interessante: de que o benefício da dieta mediterrânica virá sobretudo do
consumo de azeite e frutos secos. Se, por uma lado, é conhecida a dificuldade e
os desafios que se colocam à redução ponderal (e sua manutenção), por outro
lado também há alguma evidência de que a redução ponderal não leva directamente
à redução do risco cardiovascular.5 Assim, num país como Portugal em que o
padrão alimentar tradicional é o da dieta mediterrânica (embora, actualmente,
isto se verifique cada vez menos – mas o conhecimento a nível populacional
ainda está presente), saber que o reforço destes hábitos, associado à promoção
da ingestão de dois suplementos também eles muito presentes e familiares,
poderá levar a alguma redução do risco cardiovascular, é por si só mais uma
arma a ser utilizada pelo Médico de Família na promoção da saúde e prevenção da
doença.